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LEI No 10.931, DE 02 DE AGOSTO DE 2004 - em discussão - Condomínio edilício e a recente lei 10.931/2004 - Paulo Eduardo Fucci [i]*

 


Ementa: O autor discorre sobre as seguintes modificações da Lei 10.931/2004: cálculo da fração ideal, de rateio de despesas e quorum para alteração de regimento interno.

A Lei 10.931, de 02 de agosto de 2004, promoveu substanciais modificações em diversos ramos do Direito que se relacionam com imóveis. Dentre outras coisas, estabeleceu regras sobre patrimônio de afetação em incorporação imobiliária, alterando também a Lei 4.591/64; criou e aperfeiçoou normas acerca de contrato envolvendo financiamento de imóvel, inclusive sob o aspecto processual; e, alterou a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), ampliando e regulamentando o cabimento da retificação administrativa.

No que interessa ao presente estudo, voltado ao condomínio em edificações, objeto de diversos preceitos do novo Código Civil (Lei 10.406/02), há novidades.

Modificação quanto ao cálculo da fração ideal

Nova redação foi dada ao § 3° do art. 1.331, o qual, imperativamente e modificando o § 2° do art. 1° da Lei 4.591/64, determinava que a fração ideal, de cada unidade imobiliária, no terreno e demais coisas comuns, seria proporcional ao valor da unidade imobiliária em relação ao conjunto da edificação.

Indicava que devia ser abandonado o critério da área privativa proporcional à área total da edificação, que se contrapõe ao critério do valor e é menos justo, na medida em que nem sempre unidades imobiliárias com a mesma área privativa possuem o mesmo valor de mercado. E isso se dá em função de inúmeros fatores: destinação residencial ou comercial, posição em relação aos diversos pavimentos do edifício etc.

Conforme comentei em meu livro “Condomínio, Estatuto da Cidade e o Novo Código Civil” (Editora Juarez de Oliveira – 2003 – págs. 68 e seguintes), apoiado em doutrina de J. Nascimento Franco e Nisske Gondo e Caio Mário da Silva Pereira, o novo CC andou bem e quis modernizar o instituto, quando adotou o critério do valor para o cálculo da fração ideal. Mas, talvez tenha pecado por não ter estipulado, ainda que exemplificativamente e de modo mais objetivo, alguns parâmetros que pudessem nortear esse cálculo, inclusive nos grandes complexos condominiais, de uso misto e com várias edificações e conjuntos de unidades imobiliárias.

A obrigatoriedade do critério do valor não deve ter agradado aos interessados nesse segmento do Direito, a ponto de fazer com que, interrompendo a evolução pretendida pelo novo CC, a Lei 10.931/04 desse, ao § 3° do art. 1.331, redação praticamente idêntica àquela que já havia sido revogada, qual seja, a do § 2° do art. 1° da Lei 4.591/64.

Assim, sob o aspecto do cálculo da fração ideal de terreno e coisas comuns, da unidade imobiliária em relação ao conjunto da edificação, tudo voltou como era pelo menos desde 1964.

Exige-se, apenas, que a fração ideal seja “identificada em forma decimal ou ordinária”, mas não se impõe o critério de cálculo. Daí a conclusão de que ambos os critérios, o do valor e o da área, individual ou conjuntamente, podem ser utilizados no cálculo da fração ideal. A adoção do critério do valor não pode mais ser havida como cogente.

Cabe ao adquirente de unidade imobiliária, então, verificar se o que foi estipulado é justo, antes de aderir à especificação e à convenção de condomínio. Se deixar para depois, conseguir a sua alteração é batalha difícil, seja no âmbito da assembléia geral, devido ao elevado quorum exigido para tais deliberações, seja via Poder Judiciário, o qual, por certo, para intervir em questão interna corporis, precisará estar diante de caso de manifesta injustiça e teratologia.

Alteração quanto ao cálculo do rateio das despesas

A imposição do critério do valor, no novo CC, também trazia problema no tocante ao rateio das despesas condominiais, porque, segundo a anterior redação do art. 1.336, I, a divisão de despesas se faria proporcionalmente às frações ideais. E só. Assim, considerando que a unidade mais valiosa teria maior fração ideal (pela anterior redação do art. 1.331, § 3°), concluía-se que, com base na letra da lei, iria pagar mais no rateio.

O absurdo dessa situação eu já havia suscitado em meu livro supra mencionado (págs. 78 e seguintes), quando considerei um retrocesso não ter o novo CC aberto possibilidade de estipulação em contrário, como havia feito o revogado § 1° do art. 12 da Lei 4.591/64.

Felizmente, a Lei 10.931/04 deu nova redação ao art. 1.336, I, do novo CC, nele inserindo a ressalva de que é possível à convenção do condomínio estimar critério de rateio das despesas não proporcional à fração ideal da unidade imobiliária.

Novamente, portanto, volta-se ao que era no tempo da Lei 4.591/64. Mas, quanto ao tema em destaque, isso sem dúvida representa restabelecer o que era razoável.

Penso, e reitero o que já escrevi, que uma unidade autônoma, embora possa ser a mais valiosa, com maior área privativa ou fração ideal, poderá não ser a que, em maior proporção, contribui para as despesas comuns. O cálculo deve ser feito caso a caso e é mais complicado nos grandes complexos condominiais.

O ideal é discriminar, dentre as despesas condominiais, as que incumbem a todos, porque a todos aproveita, além da respectiva proporção, se possível na medida do proveito de cada um.  E, também, as despesas que sejam necessárias ou úteis a apenas alguns condôminos, de uma ou mais edificações, das quais os demais condôminos ficariam isentos. A intensidade do uso ou do benefício de cada condômino em relação a certas áreas e coisas comuns, tanto quanto possível, deve ser a baliza para a fixação do rateio nas despesas condominiais, até pelo que consta do art. 1.340 do novo CC.

Inovação quanto ao quorum para alteração do regulamento interno

Escrevi em meu livro (págs. 108 e seguintes), que o art. 1.351 do novo CC exagerou ao fixar o quorum de 2/3 dos condôminos para a modificação do regimento interno.

Sabe-se que, hierarquicamente inferior às leis e à própria convenção, o regulamento interno do condomínio não precisa ser tão rígido quanto ao quorum para sua modificação, notadamente quando trata de aspectos de menor importância no universo condominial, tais como horários de uso de piscina, sauna, sala de ginástica, funcionamento do elevador, nos casos de obras em apartamentos etc.

É até melhor que possa ser adaptado a novas realidades, com facilidade, uma vez que normalmente tendem a disciplinar a conduta dos condôminos entre si e entre eles e as áreas e coisas comuns, o que acaba evoluindo muito rapidamente, quase que no mesmo passo da adoção de novos costumes, dos progressos sociais e tecnológicos.

Louvável, por essa razão, que a Lei 10.931/04 tenha eliminado o exagero da redação original do art. 1.351 do novo CC. Pena que o legislador tenha se limitado a isso. Deveria pacificar outras questões e melhorar diversos outros aspectos do novo CC, a respeito do condomínio edilício, explorados, em boa parte, em meu livro acima referido.



[i]* Paulo Eduardo Fucci é advogado em São Paulo (OAB/SP – 99.526)



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