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Sala temática - Imóvel rural - Lei 10.267/2001 e Decreto 4.449/2002 - IRIB - 19º Encontro Regional de Oficiais de Registros de Imóveis - GEO-ARARAQUARA - 9 a 11 de julho de 2004


Exposição do registrador espanhol Oscar Vasquez, integrante da comitiva do Cinder – Centro Internacional de Derecho Registral.

Apresentação pelo presidente Sérgio Jacomino

Hoje sabemos que o registro imobiliário é uma instituição em franca expansão no mundo. O relacionamento institucional que o IRIB vem mantendo com o Colégio de Registradores da Espanha está sendo ampliado. Estamos debatendo os termos de um convênio técnico de cooperação científica, entre o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e o Colégio de Registradores da Espanha, que nos vai proporcionar a realização de cursos na Espanha e no Brasil. Procuramos, assim, estreitar ainda mais o nosso relacionamento, que já é excelente nas áreas técnica, científica, pessoal e de amizade com nossos colegas registradores espanhóis.

A Espanha é hoje referência em registro imobiliário, para toda a Europa, e tem levado a todos os foros importante discussão sobre a função econômica e social do registro, afastando-se daquele ângulo estrito enfocado no Direito registral. Isso é muito importante e faz parte de nossa pauta técnica e profissional, agregando à discussão outros atores jurídicos como economistas, ambientalistas e urbanistas. Enfim, o Registro se renova na interlocução com esses operadores, trazendo para o contexto de nossas discussões novos e instigantes debates.

Portanto, tenho a honra, tenho o privilégio de anunciar aos senhores, a exposição de Oscar Vasquez, registrador, especialista em Direito registral e cadastro na Espanha.

Cadastro e registro: uma interconexão necessária?
Oscar Vasquez [i]*

Sou um registrador da propriedade, não sou nenhum informático nem tenho muita experiência no manejo das ferramentas de informática. Entretanto, tenho que fazer uma exposição algo complexa nesse aspecto. Vou tentar não me confundir e não confundir os senhores, porque tenho muita expectativa em lhes mostrar todas as ferramentas tecnológicas que estamos utilizando em meu país e que podem ser um impulso à função do registrador no século XXI.

Em 1861, criou-se o moderno registro da propriedade na Espanha. Quando o legislador teve que decidir como definir uma propriedade, como descrever um imóvel, adotou uma solução que, a meu ver, resultou brilhante durante 150 anos. O legislador estabeleceu um sistema de identificação de imóvel por limites pessoais, ou seja, a porção de terreno delimitada pelo “meu domínio, limitando-se ao norte com Pedro e ao sul com Frederico”. A problemática do século XIX, acerca de onde estava exatamente a linha diferenciadora, fica prorrogada a um possível conflito entre Frederico, ou Pedro ou eu.

Hoje, esse sistema de identificação de imóveis registrais que teve êxito durante todo este tempo, manifesta-se como obsoleto por duas razões fundamentais.

Primeira, porque Frederico e Pedro mudam-se com demasiada rapidez. No século XIX, a localização da população era muito estável, quando se fazia um limite pessoal, quase todo mundo sabia de quem se tratava. Hoje em dia, a dispersão populacional é muito maior. Os limites pessoais alteram-se com tanta rapidez que, dizer que meu imóvel limita-se ao norte com Pedro, é o mesmo que dizer que não sei onde se limita meu imóvel.

E a segunda e mais importante razão pela qual se faz necessário identificar de outra maneira as propriedades registrais, é a necessidade que a sociedade atual tem de associar, à informação do registro da propriedade, outra série de informações que afetam o território e das quais trataremos mais adiante.

Bem, essa necessidade de identificar geograficamente, de estabelecer limites fixos nas propriedades registrais, já se vem manifestando há muitos anos e a verdade é que não pudemos dar uma solução a esse problema até há bem pouco tempo.

A diferença essencial entre o registro da propriedade e a função registral deste ano de 2004, da que existia há não mais de cinco anos, está na tecnologia. É verdadeiramente espetacular, ver como os meios tecnológicos impulsionam nossas funções e as levam até limites que não teríamos suspeitado há uns cinco anos, não mais.

O auxílio de nova tecnologia

Bem, precisamente nessa época, há cinco anos, um companheiro registrador de Valladolid, Jorge Requejo, adaptou uma ferramenta informática para solucionar esse problema.

Jorge Requejo pensou na possibilidade de que, com apoios cartográficos suficientes, os registradores pudessem desenhar, sobre fotografias, as propriedades registráveis. A esse programa deu o nome de geobase.

O Geobase é um programa informático sumamente simples, tem três telas: uma tela principal com fotografias do território, e duas telas auxiliares. A primeira, relativa ao cadastro, e uma terceira que eu denominei de urbanismo, mas que pode referir-se a qualquer camada auxiliar. Trata-se de desenhar propriedades registrais sobre todo esse território.

Mas há duas premissas fundamentais. A primeira: se não tivermos fotografias de alta qualidade não será possível desenhar um imóvel registral sobre um território. Há três anos, o governo das Canárias facilitou, ao registro da propriedade de Itacoronte, uma cartografia e umas fotografias que permitem identificar os imóveis com muita clareza. Eu pude saber até onde estão as paredes das propriedades. Em geral, trabalho com esse tipo de fotografia, que é absolutamente clara e que permite determinar com precisão onde começam e onde terminam, necessariamente, as propriedades.

Recuperação de uma base gráfica no registro (demonstração audiovisual)

Há que buscar no território algum ponto, alguma referência. Primeiro, há que buscar no fólio registral alguma referência do imóvel que indique onde ele pode estar. Temos uma série de buscadores que facilitam isso, pode ser pelo topônimo. Eu posso buscar todas as propriedades que estejam, por exemplo, na localidade de Las Riquelas, ou pelo guia das ruas, ou pela referência cadastral em propriedades rurais, referência cadastral em propriedades urbanas e, sobretudo, a forma mais confiável que descobri que aqui, além disso, pode ter algumas possibilidades enormes, pelas “coordenadas UTM.

Reparem os senhores neste programa, porque sua virtude principal é permitir a geo-referenciação exata das propriedades. À medida em que movo o cursor, vão se movendo as coordenadas geodésicas e cada ponto que eu estabeleço é um ponto indelével no tempo e no espaço.

Permitam mostrar-lhes como se realiza a recuperação de uma base gráfica no registro da propriedade.

Estabelecemos uma localização, por coordenadas UTM ou por referência cadastral, que dá uma tela genérica onde quero, apoiando-me em uma cartografia que, neste caso, é a cartografia oficial do governo das Canárias. Posso usar outro tipo de cartografia como, por exemplo, a do cadastro, ou pode ser a da prefeitura, ou pode ser qualquer outro tipo de cartografia oficial. Não precisa ser a do cadastro a servir de apoio para desenhar as linhas de uma foto, que resulta muito imprecisa.

Uma vez situado na tela, tudo o que tenho a fazer é dar o número de imóvel registral, cuja base gráfica quero criar. Dou o aceitar [OK], e imediatamente aparece uma tela global onde, tomando o cursor, já posso traçar linhas, guiado unicamente pela tração manual de um dedo, e temos os limites traçados: três limites traçados; agora traçamos o quarto.

Este programa, que se chama Dinamap, é um programa cujas adaptações a geobases permitem inclusive corrigir os erros manuais que estamos estabelecendo. São erros muito freqüentes, porque estamos falando de possibilidades mínimas. Se houver alguns movimentos da mão que levem a criar recintos, erroneamente, o programa os apaga e, também, impede que se desenhe sobre propriedades estabelecidas anteriormente. Portanto, não há possibilidade de haver ocultações entre as propriedades cuja base gráfica tenha sido recuperada.

Este imóvel está pronto para ser validada pelo registrador. Aqui eu gostaria de fazer um pequeno parêntese: em que consiste a operação jurídica de validação?

Bem, a validação é o julgamento do registrador da propriedade acerca da coincidência da base gráfica, cuja validação se pretende, com a descrição alfanumérica que dela se faz no fólio do registro da propriedade.

Observem bem os senhores que, quando eu valido um imóvel, não estou vendo se o imóvel coincide ou não com o cadastro, se coincide ou não com a realidade. A única coisa que tenho que ver é se coincide com meu fólio registral, porque meu fólio registral pode ter 70 anos de idade e não se corresponder com a realidade atual. Minha função é recuperar domínios, não realidades físicas, nem cartográficas, nem urbanísticas.

Logo, como é que se vai a validar a operação?

Aparece uma janela e me pergunta se quero validar. Respondo sim e, nesse momento, o imóvel já aparece incorporado ao arquivo de bases gráficas do registro da propriedade. Na hora de dar publicidade à propriedade, já poderei dar também a imagem fotográfica dela no registro.

Quando o governo das Canárias e o Colégio de Registradores da Espanha assinaram um projeto de investigação, tomando Itacoronte e meu registro como ponto de referência, a principal dúvida que tínhamos era se seria possível realizar essa operação com agilidade, uma vez que se trata de um trabalho jurídico de indubitável peso. Queríamos ver quantas propriedades éramos capazes de recuperar, em um ano, num município como o de El Zauzal, por exemplo, com oito mil propriedades. O resultado foi gratificante para nós, com uma recuperação de 70%.

Esse é o resultado da recuperação de um ano do registro da propriedade de Itacoronte, no município de El Zauzal. Percebam os senhores que há propriedades de três cores: há as de cor amarela, que são quaisquer destas propriedades. Reparem os senhores que eu posso clicar em qualquer uma delas e imediatamente me daria o número de propriedade e também a referência correspondente, coisas que estes comandos que tenho aqui abaixo a ocultam. As de cor vermelha são aquelas propriedades que tenho me negado a validar, porque, na maioria dos casos, a superfície que aparece no fólio registral não é a superfície que dá a base gráfica, é muito menor, por uma série de razões que têm sua explicação, porém que me impedem de validar. As propriedades de cor verde são as que aguardam que eu decida se valido ou não valido, se faço constar sua identificação ou não no registro da propriedade.

O maior investimento da Europa em tecnologia

Uma vez que tenho o parcelário registral recuperado, é absolutamente necessário que eu conecte a base de dados de minhas bases gráficas registrais, com a base de dados do registro da propriedade. Isto se faz com outro programa informático relacionado com este, que vem a chamar-se Ágora.

Trata-se de que, situando-me em qualquer ponto do espaço, por exemplo, este imóvel que vou situar na continuação, eu possa saber quem é o dono dele. Isso tem uma indubitável utilidade para o usuário. Situo-me sobre o imóvel e, tocando no programa informático, posso saber que ele pertence ao Banco de Crédito Agrícola, que tem uma hipoteca sobre ele e que o imóvel pertence a dom José Luis Zavala. Quero ver também quantos assentos tem o fólio correspondente: clico em sair e o programa me mostra uma segunda tela, dizendo-me o número de assentos que tem. Necessito, além disso, ver os dados de identificação do imóvel no registro da propriedade. Aqui tenho que é uma exploração agrícola, com uma série de metros e posso até ver os limites, sua localização, sua relação com o cadastro e sua descrição alfanumérica.

Porém, para os registradores era muito importante não conectar as bases gráficas do terreno com os dados informáticos do fólio registral que temos no registro. Necessitamos conectar o terreno diretamente com a folha, com o fólio do registro da propriedade.

O maior investimento monetário que uma categoria realizou na Europa nestes três últimos anos, tenho o orgulho de poder dizer, nós o fizemos, os registradores na Espanha. Investimos uma grande quantia de dinheiro em tecnologia, para digitalizar todo o nosso registro da propriedade e fazer um arquivo digitalizado útil e versátil. Clicando em qualquer ponto do terreno com este botão, posso ligar as propriedades com o fólio registral. Em todo o caso, tive que fazê-lo através de uma película porque não cabiam todos os fólios registrais do registro no disco rígido do aparelho. Porém, também necessitamos fazê-lo ao contrário, ou seja, a partir de qualquer descrição alfanumérica, que me levasse ao ponto do terreno onde está este imóvel.

Vemos este imóvel e aqui, indo ao programa, nesta tela que aparecerá na continuação, posso pedir ao programa informático que me dê duas coisas: ou a localização, ou o plano impresso do próprio imóvel registral. Clicando nesta localização, sai o centróide oportuno e esse centróide é o que determina o número do imóvel.

Já o tenho localizado, mas necessito facilitar ao cidadão, junto à informática jurídica, a base gráfica do imóvel correspondente. Bem, seleciono a qualidade da fotografia que desejo imprimir, realizou a ordem de impressão e sai a base gráfica registral. Bem, se saísse o fundo da página, veríamos que aparecem também, corretamente, as coordenadas UTM de todo o imóvel.

Com a ferramenta adequada, e a informação cartográfica e topográfica que o governo da comunidade autônoma de Canárias me proporcionou, sou capaz de traduzir a descrição alfanumérica do fólio registral à identificação gráfica do fólio registral. Sou capaz de clicar em qualquer ponto do território que tenha uma base gráfica de um imóvel registral recuperado e que me leve diretamente ao fólio do registro. Sou capaz de clicar no fólio do registro e fazer com que ele me leve ao ponto do espaço onde se encontra o imóvel registral.

Porém, não somente o programa Geobase permite toda esta série de questões como permite, também, levar a cabo questões muito do gosto dos registradores. Por exemplo, o tema dos planos urbanísticos. Quando um programa urbanístico chega ao registro da propriedade e se inscreve, essas propriedades ainda não existem na realidade física; é o que se projetou para que se comece a executar e, portanto, não existe na realidade. Quando alguém chega ao registro da propriedade pedindo que lhe indique onde está esse imóvel ainda ideal na realidade física, não o encontramos.

Tomamos como exemplo este projeto urbanístico que chegou há alguns meses ao registro da propriedade de Itacoronte. Bem, há uma série de propriedades registrais perfeitamente delimitadas. Clicando em qualquer delas, posso perfeitamente saber qual é seu número. Vou pedir que me dê o imóvel, os assentos e os direitos desta que acabo de selecionar agora. Ativa-se a base de dados do registro da propriedade e, efetivamente, saem os encargos que tem, o titular de pleno domínio, assentos. Tem uma hipoteca muito cara e uma obra nova, e tem a descrição dos dados que foram colocados no programa informático.

Para mim é muito importante mostrar aos senhores, neste exemplo, que este imóvel registral não tem nada a ver com o que aparece por baixo. O que aparece debaixo da foto é campo. Hoje nem é campo, porque há umas obras enormes de escavação que estão levantando o terreno. Porém, o domínio não tem nada a ver com a realidade, neste caso. Dá-se a realidade futura ou pode ser que não se chegue a executar. Porém, esse domínio por essa simples razão não existe? Não tem conteúdo econômico? Bem, tem tanto conteúdo econômico que há encargos hipotecários garantindo grande financiamento sobre o terreno.

O cadastro, o registro e a realidade

Este programa, certamente, permite casar as distintas informações cadastrais e registrais. Se eu pergunto ao programa qual é a parcela cadastral disto que acabo de inscrever, tampouco vai me dizer que é o imóvel registral, porque ele ainda tem parcelas cadastrais do solo rural que havia anteriormente.

O cadastro, o registro e a realidade. Não temos por que tentar fazer coincidir as três coisas, quando nenhuma delas coincide. Podem ser realidades diferentes que podem chegar a coincidir ou não, porém não têm por que serem as mesmas.

O programa também permite uma coisa que vai agradar muitíssimo aos senhores, que são registradores, porque soluciona o eterno problema dos parcelamentos e remembramentos de um terreno. Vejam, este é um imóvel cujo número aparece encoberto por esta etiqueta, tem um comando que é o histórico. Eu quero saber se este imóvel sempre foi assim, juridicamente, ou se sofreu transformações. Bem, o programa me dá a situação atual do imóvel 7.283 e toda a árvore de origem desse imóvel.

Originariamente, o imóvel 6.740 sofreu um desmembramento que, além disso, sofreu outro, para passar, mediante um remembramento, a ser este imóvel, que, junto com este, passou a ser este. O programa impede que entremos pelos desmembramentos ou remembramentos, graficamente bem estabelecidos, cada uma dessas modificações está perfeitamente georreferenciada e produz uma segurança absoluta no tempo e no espaço. Não somente nos permite seguir um histórico de todas transformações pelas quais passaram os imóveis, mas também nos permite, mediante distintas fotografias, ver qual é o histórico de cada um deles.

Tomamos uma construção de residências. Temos aqui, o que era este terreno antes que se fizesse a edificação, em 1998: um terreno dedicado às plataneiras. No ano de 2000 já não eram plataneiras, já se estava realizando o desmonte. Quando vier a próxima foto já estará a residência estabelecida.

Porém, observem os senhores, sendo desmonte, sendo plataneiras, o imóvel registral sempre está no mesmo lugar. Isso vai produzir uma série de conseqüências benéficas com o transcurso dos anos, porque teremos o histórico jurídico e o histórico gráfico ou geográfico, que há sobre o jurídico, que pode servir, por exemplo, para creditar a legalidade ou ilegalidade de certas construções com o transcorrer do tempo.

Bem, o programa tem muito mais possibilidades. Este sistema impede as duplas matrículas.

Se eu inscrevo este imóvel no registro da propriedade, quando inscrever pela primeira vez outro imóvel – e esse imóvel vier devidamente georreferenciado, como tem que vir daqui para frente – se alguns pontos desse georreferenciamento caírem sobre o que existe atualmente, não poderei inscrever o segundo imóvel.

Atualmente, a dupla matrícula está sujeita à boa vontade do declarante. Se ele me diz que seu imóvel limita ao norte com Pedro e com Frederico ao sul, eu não tenho forma de saber, que não seja seguindo os títulos de procedência, se há ou não duplas matrículas. Com este sistema de reflexo gráfico da base registral, nosso sistema torna-se muito mais seguro.

Por outro lado, o tema dos ‘excessos de extensão’ também se realiza de maneira mais segura.

Na Espanha, sobretudo em um território pequeno como as Canárias, a experiência que temos é que as descrições dos imóveis se têm feito, historicamente, com uma superfície inferior à real, por questões fiscais. Nos anos 50, havia um imposto em virtude do qual o imóvel pagava de acordo com a superfície. Portanto, as pessoas declaravam muito menos superfície, para pagar menos impostos. Agora é o contrário, isso acabou e interessa às pessoas declararem as extensões. Não temos forma de saber qual é a extensão exata do imóvel se não for pelos projetos anexos, quer sejam de técnicos, quer sejam do cadastro.

Agora podemos dizer: “Veja senhor, se seu imóvel tem estes limites, seu imóvel mede o que a foto diz que mede, para isso pagamos o satélite. E se o senhor diz que mede mais, tem que alterar os limites porque o senhor não está fazendo uma ‘declaração de excesso de extensão’; o senhor está agrupando terrenos anexos ou alterando a descrição limítrofe deles”.

O sistema de reflexo das coordenadas gráficas é o único que nos permite representar ou identificar as propriedades que poderíamos denominar sinuosas ou descontínuas.

Em projetos urbanísticos, o imóvel de origem, que pode medir dez mil metros, por exemplo, é parcelado em uma série de imóveis de resultado, deixando-se dois mil metros para vias ou para ruas. Porém, ninguém nos diz onde ficam essas vias ou essas ruas. Como é possível descrever, com palavras, em um fólio registral, uma rua sinuosa ou descontínua?

O tema das vias é um tema especialmente curioso, porque em Canárias existe o problema da invasão das vias. Durante muito tempo elas foram boiadeiras, eram usadas para passagem de gado, como o nome indica. A tecnologia fez com o gado ficar no estábulo e esses caminhos, que eram públicos, as vias reais espanholas, foram pouco a pouco sendo invadidas pelos particulares. Num ano se passava um pouco o muro, noutro ano se fazia mais estreito e, no final, se punha uma corrente diante do caminho e ele desaparecia.

Os senhores e eu sabemos que o domínio público não prescreve. O problema está em que já não se sabe onde está o domínio público, por isso se têm feito alguns experimentos para inscrever como propriedades registrais as próprias ruas.

Eu sei que soa um pouco estranho, porém o resultado foi verdadeiramente espetacular.

Se eu tenho esta rua inscrita como imóvel registral, esse imóvel registral nunca mais será invadido por outro imóvel registral. Elevando o domínio público ao mesmo nível de representatividade que têm os domínios particulares, esses espaços ficam protegidos para sempre.

Isso casa com outro tema que premente nas Canárias. Como outros territórios do Estado espanhol, as Canárias sofreram o impacto de uma forte emigração durante os primeiros anos do século XX. Os descendentes estão voltando agora e estão vendo como o patrimônio familiar se perdeu, porque a localização por limites pessoais já não é possível. Se um senhor inscreve hoje seu imóvel no registro da propriedade, jamais vai perdê-lo porque ele ainda aparecerá dentro de cem anos, se ninguém tocou o fólio registral.

O governo das Canárias não facilitou aos registradores a cartografia e as ortofotos por sermos nós os mais inteligentes ou os mais importantes, mas por um objetivo muito claro. Se eu sou capaz de delimitar um polígono e dizer que esse polígono, com plenos efeitos frente a terceiros, pertence a uma pessoa e que esse polígono que delimitei tem uma hipoteca, por que não posso dizer a qualificação urbanística que esse polígono tem? Por que não posso dizer os impostos que são devidos sobre esse polígono? E as infrações ao meio-ambiente? E as infrações urbanísticas?

Imóvel registral é unidade de referência de toda a informação territorial

Na Espanha, hoje, quem quer comprar um imóvel tem que percorrer sete ou oito administrações distintas: tem que vir ao registro da propriedade, para ver se aquele que diz que é dono do imóvel o é verdadeiramente, e ver se tem os encargos que o dono de imóvel diz que tem; tem que ir à prefeitura para comprovar quais são as possibilidades de edificação no terreno que vai comprar, se sobre ele existem ou não infrações urbanísticas; tem que ir ao Consórcio de Tributos, que é uma instituição local, para ver se se devem impostos territoriais ou não; tem que ir ao organismo de costas para ver se está afetado por alguma servidão de costas. Enfim, sete ou oito organismos distintos.

Por que não superpor todo tipo de informação, para que possamos dar uma informação territorial completa no próprio registro da propriedade?

Respondi a essa pergunta de maneira muito clara:

– Para isso não é preciso um registrador de imóveis, é preciso uma boa base de dados que conecte os distintos informes: o do registro, o do cadastro, o da prefeitura, todos.

E aquelas pessoas me disseram:

– Não. Necessitamos de uma unidade de referência territorial. Necessitamos algo sobre o que o resto da informação se contraste. E o único contorno que se delineia com plenos efeitos jurídicos, que faz fé ante os tribunais, que produz conseqüências evidentes, que está submetido ao princípio de qualificação, é o imóvel registral. Queremos fazer do imóvel registral a unidade de referência de toda a informação territorial.

A mim aquilo me assustou um pouco, devo reconhecer, e foi parte do projeto de investigação. O projeto de investigação foi avaliado como de muito êxito e está implantado nas Canárias em muito bom ritmo.

No território espanhol, estamos implantando a ferramenta em quatrocentos dos mil registros. A recuperação de bases gráficas será iniciada depois do verão, para que em três ou quatro anos uma boa parte do território já esteja recuperada.

Bem, eu tenho minha conexão feita, sei que clicando em um ponto do espaço aparece meu imóvel registral, sei quem é o dono. Mas como saberei o resto das questões?

Vejam os senhores: esta é a ilha de Tenerife e cada um desses pontos são infrações. Há infrações de todo tipo: invasão do domínio público marítimo, terrestre, infrações urbanísticas, infrações ao meio-ambiente, etc. Cada uma dessas infrações está situada em um ponto do território, porém não está relacionada com alguém que se faça responsável por elas. O cadastro pode indicar quem é o titular, porém não dá fé desse tema.

A partir do momento em que cada um destes pontos estiver dentro de um imóvel registral, clica-se em um ponto e sai toda a informação. As caixas de texto azuis são propriedades registrais; os pontos são processos. Há uns que estão dentro dos imóveis e outros que não estão dentro dos imóveis. Se eu clico em qualquer um dos que estão dentro de um imóvel, sai uma série de informações. A princípio esse imóvel registral é o 3.821; neste caso de Itacoronte ou de El Zauzal, não sei de qual dos dois é, e cruzando com meu sistema informático, eu já poderia identificar o titular com esta infração. A infração se conecta, além disso, com a Conselheria correspondente e tenho os dados de todo o processo de infrações: são uns armazéns que têm uma infração em solo rural.

O governo das Canárias está tentando evitar todos esses males com atuações coativas – derrubar casas, impor multas – que não são efetivas. Muito mais efetivo é informar o comprador de que o que o imóvel que vai comprar tem uma infração e, não se preocupem, a partir desse momento ninguém vai comprar esse imóvel até que a infração seja levantada.

O efeito dissuasório que o registro da propriedade pode ter é enorme, porque é no momento do interesse comercial em comprar e em vender, que esses problemas territoriais podem ser solucionados, sem necessidade de gastos para a Administração.

Essa ferramenta existe, mas deve se materializar em algum tipo de documento. O documento também existe; vamos vê-lo agora mesmo. É o que denominamos de cédula imobiliária.

A cédula imobiliária toma como unidade de referência o imóvel registral e informa o resto de particularidades que afetam o imóvel. Há uma primeira página de mapa de situação. Simplesmente situa a propriedade no território e dá uma fotografia. Além disso, determina o guia de ruas da cidade e o determina com caráter legal: o terreno encontra-se no espaço, neste ponto. O guia de ruas e o topônimo aparecem como em Los Naranjos, com um número de rua.

Este pode ser um dado que não impressione aos senhores, mas posso assegurar que nas Canárias é uma autêntica confusão para saber o nome e o número da rua. Por isso, é muito importante estabelecer um critério unitário de transparência. Aparece o cadastro e sua possível coincidência, ou não, com o registro da propriedade. Neste caso não coincide. O cadastro, não sei por que, estabeleceu duas parcelas sobre uma só propriedade. Apareceria, se fosse necessário, o cadastro rural; como é urbano, aparecerá vazio.

Nova fórmula para o planejamento urbanístico

O governo das Canárias vai aprovar uma fórmula verdadeiramente nova para o planejamento urbanístico,a lei deve ser aprovada em setembro.

Os projetos gerais municipais são documentos escritos, que em seguida têm uma interpretação gráfica, têm uma série de linhas, umas linhas que segundo se desenhem em um lugar ou outro, de uma maneira ou de outra, produzem muitos conflitos.

A lei será sobre as coordenadas geodésicas de cada uma das linhas e de cada um dos aproveitamentos urbanísticos, e a tradução alfanumérica será a interpretação. Superpondo o planejamento urbanístico gráfico sobre as propriedades registrais, poderemos dar uma informação exata ao cidadão a respeito da qualificação urbanística de seus terrenos e daquilo que pode ou não pode fazer com eles.

A relação entre o registro da propriedade e o cadastro

Agrada-me muito tratar do tema da relação entre o registro da propriedade e o cadastro porque muitos, incluindo cartógrafos e registradores, consideram que isso é fazer um cadastro paralelo ou algo parecido.

Não é. O registro da propriedade delineia uma realidade e o cadastro delineia outra realidade. Podem coincidir ou podem não coincidir. Porém, tentar fazer coincidir à força é o mesmo que tentar fazer meu filho pequeno, quando pega o brinquedo e tenta introduzir o quadrado no espaço do círculo. Tenta por um lado, tenta pelo outro, mas nunca o vai encaixar, porque não é a mesma coisa.

Eu creio que temos que mudar o conceito da tentativa de coordenação ou de coincidência entre o cadastro e o registro pela tentativa de colaboração entre as duas instituições. Ao cadastro interessa saber quem são os donos, mas o cadastro nunca poderá dizer quem são os donos porque não pode discriminar. Ao registro interessa localizar os imóveis para, em seguida, ver se coincidem ou não com o fólio. Necessita da colaboração cadastral.

Eu me permito apresentar uma última tela. Vamos ver se consigo localizá-la. Observem os senhores que estou tentando pôr três exemplos que demonstrem de uma maneira quase infantil, que não falamos da mesma coisa.

O imóvel registral é um conceito jurídico, enquanto que a parcela cadastral é a representação gráfica da realidade de puro fato: o inventário da riqueza territorial.

Vejam, aqui temos um imóvel registral. Todavia, o imóvel registral tem três parcelas cadastrais. É e imóvel 12.112 que tem uma superfície de tantos metros quadrados. Aqui sempre aparece o número de imóveis no programa e aqui as coordenadas geodésicas, que os deixam indubitavelmente estabelecidos no espaço.

Bem, este imóvel está composto de três parcelas cadastrais. Por que vou tentar fazer com que as três parcelas cadastrais coincidam com o registro da propriedade, quando uma se dedica ao cultivo das maçãs, a outra ao das bananeiras e a outra ao da melancia? Por que tem que ser um só imóvel e não três parcelas cadastrais?

Se o cadastro indicasse que isso é uma parcela cadastral estaria indo contra a finalidade para a qual foi criado, que é a de ser inventário da riqueza territorial.

Pode ser inclusive, que se dê o caso contrário. O imóvel registral pode estar formado por uma parcela cadastral ou por várias parcelas cadastrais, ou, inclusive, por partes de várias parcelas cadastrais.

Os senhores prestem atenção: aqui temos uma única parcela cadastral que se dedica ao cultivo da maçã, mas por que isso tem que pertencer somente a um senhor? Por que tem que haver um imóvel sobre isso? Por que não pode haver dois?

Neste caso, existe um imóvel, que é o 12.123, com uma superfície que pertence a um senhor e existe outro imóvel, que pertence a outro senhor diferente. Se o registro dissesse que existe somente um imóvel, estaria mentindo. Há dois domínios distintos, há dois imóveis registrais, há dois contornos delimitados pelo domínio de uma pessoa.

Se o cadastro dissesse que há várias parcelas cadastrais, estaria mentindo porque há um único aproveitamento. Podemos até prescindir dos aproveitamentos. Uma parcela cadastral pode estar formada por um só imóvel registral ou por vários imóveis registrais, ou por parte deles.

Um caso muito claro. Temos múltiplas parcelas cadastrais: uma, duas, três, quatro, cinco, seis, todas divididas por muros. Todavia, o imóvel registral não tem por que respeitar esses muros. É que a metade pertence a meu irmão e criamos esta metade por segregação e outra metade para mim.

Esta é a parte com que me agradaria terminar, a análise da razão da diferença entre a representação das bases gráficas territoriais dos imóveis registrais e a representação das bases gráficas territoriais do cadastro.

Vejam os senhores: a base gráfica registral deve ser a transcrição gráfica da descrição alfanumérica do fólio registral. Não posso delinear sobre o espaço um imóvel que não seja o mesmo que tenho no fólio registral. E o fólio registral, por razões de antiguidade ou porque não se tenha ainda criado o imóvel, por razões da simples vontade dos titulares, não tem por que coincidir com o cadastro.

A base gráfica registral procede da declaração de vontades do titular registral. Porém, se é verdade que posso ir com meu vizinho a um notário e entre os dois agrupar os imóveis, juridicamente criar um só imóvel sem fazer alteração física alguma do terreno, por que não fazê-lo?

A configuração da base gráfica registral é uma operação jurídica de qualificação registral, não é uma simples representação topográfica ou cadastral.

No momento de criar o procedimento de recuperação de bases gráficas em meu registro, contratei um engenheiro, neste caso um engenheiro agrônomo.

Por que?

Porque ele tinha uma série de conhecimentos de cartografia que eu nunca lhe poderia ensinar, porque não os tenho. Porém, para mim esses conhecimentos são o menos necessário. Tenho que transmitir a ele os conhecimentos jurídicos do que significa o domínio inscrito no registro da propriedade, porque isso não é uma operação cartográfica. Isso é uma operação jurídica de qualificação que requer conhecimentos de Direito registral imobiliário. O registro da propriedade é uma instituição essencialmente distinta do cadastro.

Se o registro e o cadastro se confundissem um dia, se um chegasse a assumir as funções do outro, é porque algum dos dois teria fracassado em sua função. E isso da necessidade de adaptar funções que não são as próprias das instituições é um mau sintoma de qualquer sistema jurídico.

Por que são distintos? A publicidade do registro é oponível a terceiros, enquanto que a publicidade do cadastro produz efeitos puramente administrativos. Por isso, a informação registral se submete ao princípio da prévia qualificação.

Se os senhores repararem no que lhes ensinei, verão que as propriedades registrais estão disseminadas pelo espaço. É que o imóvel registral não se ocupa do que tem ao seu redor; é individual.

Por que? Porque pretender que todo o território esteja inscrito não é possível. O registro da propriedade somente pode dar publicidade de dados perfeitos. Onde há dúvidas, onde não se sabe muito bem se alguém é dono ou não de uma coisa, isso não pode acessar o registro. O registro da propriedade não se equivoca e para não se equivocar tem que discriminar; tem que dizer que há coisas que se podem inscrever e coisas que se tem que demonstrar por outros meios, porém, não por publicidade registral.

Não cabe na cabeça de ninguém que o cadastro diga que não cadastra determinada região porque não sabe quem é o dono, quando a vocação do cadastro é universal.

O cadastro não qualifica. O cadastro tem uma função muito distinta da função do registro da propriedade. No registro prima a individualidade, que se materializa na técnica do fólio real. No cadastro prima a universalidade, que se materializa no parcelário cadastral.

Bem, isso que as pessoas atacam muito, eu considero uma verdadeira virtude cadastral porque não perdeu o conceito de universalidade. Tem que representar globalmente o território, como já dizia Napoleão.

Também temos que no registro é básico o princípio de voluntariedade. No âmbito cadastral, as atuações são de ofício e prima a obrigatoriedade.

Essa possibilidade de se eleger entre inscrição constitutiva e inscrição voluntária no registro da propriedade, conforme o sistema nacional adotado, não é pensável no cadastro. Como? Que o cadastro dependa de que as pessoas queiram ou não queiram cadastrar-se!

O cadastro tem que determinar o território com caráter obrigatório e de ofício. Não é assim no registro. O interesse público ao qual o registro da propriedade obedece, procede do Direito privado, das relações entre particulares. O interesse social ao qual o cadastro obedece, tem sua origem no Direito público, na aspiração da Administração em cumprir sua função.

Senhores, o cadastro tem, a meu ver, um fim absolutamente louvável, admirável, porque sem esse fim não seria possível a civilização. O cadastro é uma instituição que serve para arrecadar impostos. Não vejo que tenha outra função, se a quer desempenhar com absoluta segurança, enquanto que o registro da propriedade está idealizado para pôr a figura do guarda-cancela nas relações de compra e venda dos particulares.

O registro tem por objeto o domínio e demais direitos reais imobiliários. O cadastro tem por objeto a riqueza territorial do espaço que se apresenta, através dos tradicionais planos cadastrais.

Eu sei que o que acabo de expor, senhores, não é muito ortodoxo nos tempos que correm. Há uma autêntica soçobra institucional, em âmbito mundial, tratando de fazer coincidir o cadastro e o registro da propriedade.

O programa informático que demonstrei é muito simples A única coisa de que se necessita é muito trabalho e muito carinho à profissão que desempenhamos. Não são necessários grandes investimentos, nem projetos universais.

Muito obrigado.





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