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Estatuto da Agricultura Familiar - Projeto define inalienabilidade de propriedades desapropriadas


A Câmara analisa projeto de lei que cria o Estatuto da Agricultura Familiar. A proposta (PL 4059/04), apresentada pelo deputado Eduardo Valverde (PT-RO), define os princípios e normas fundamentais que regulam as políticas de incentivo à produção agro-silvo-animal e florestal na pequena e média propriedade rural e normas gerais de política fundiária, reforma agrária e proteção ambiental.

Pelo projeto, os imóveis arrecadados, desapropriados, expropriados  e destinados à reforma agrária, após passarem para o domínio do poder público, serão inalienáveis.

Igualmente, o crédito rural de custeio para a produção familiar, alicerçado com recursos subsidiados pelo Tesouro, não pode exigir garantias reais para sua liberação, sendo o penhor mercantil suficiente para garantir o agente financeiro dos riscos da operação. Ou seja: o crédito, oferecido com recursos públicos, não poderá ser concedido contra a prestação de uma garantia eficaz, como a hipoteca.

O autor da proposta diz que, em razão das mudanças ocorridas nos últimos 20 anos na forma de exploração agrícola, torna-se necessário propor e instituir legislação agrária, fundiária e ambiental. Ele lembra que, no período, a industrialização do campo, o ressurgimento da Reforma Agrária, a resistência social ao esvaziamento rural, o fortalecimento da perspectiva da agricultura familiar e a incorporação da questão ambiental e da sustentabilidade na política agrícola, criaram novas demandas.

Problemas atuais

Para ele, o estatuto abrange os problemas atuais vividos pelas família de agricultores e por toda a sociedade. "Tratar estas questões a partir da visão de sustentabilidade econômica, social e ambiental é tarefa urgente que não pode ser adiada, particularmente se levarmos em consideração o esvaziamento do campo, verificado nas últimas décadas, o predomínio da grande produção agrícola, a reduzida oferta de postos de trabalho nos grandes centros urbanos, a expansão das fronteiras agrícolas e a destruição ambiental", assinala. Ele considera que, avançar no tratamento das questões abordadas pelo projeto, significa evitar o crescimento de conflitos sociais latentes e a garantia de equilíbrio ambiental e qualidade de vida para a população brasileira.

Características e definições

O texto do projeto propõe a caracterização da agricultura familiar, formas de acesso ao crédito e critérios ambientais para sua exploração. A proposta também define que propriedade familiar rural é o imóvel rural explorado diretamente pela mão-de-obra familiar do proprietário ou posseiro e de sua família, cuja renda bruta seja proveniente, no mínimo, em 80%, de atividade agro-silvo-animal ou do extrativismo, exercida na propriedade e desde que a área não exceda a 30 hectares.

O projeto ainda enumera os instrumentos da política de incentivo à agricultura familiar e o cria o conceito de Renda Rural Mínima, cujo valor será definido pelo Poder Público. O Estatuto estabelece novos princípios para a Política Fundiária como desconcentração da propriedade rural e a distribuição de terras.

Função social

O Estatuto também reforça a função social da propriedade privada da terra, estabelece as condições de desapropriação e critérios para a seleção de beneficiários da Reforma Agrária e implantação de assentamentos e outras formas associativas da organização da propriedade e produção familiar.

O projeto do deputado Eduardo Valverde também propõe os critérios para uma política de fortalecimento da produção agro-silvo-animal e florestal nas pequenas e médias propriedades. As ações desta política, de acordo com a proposta, deverão garantir níveis adequados de renda ao produtor familiar, a diversidade produtiva consorciada, a agregação de valor, o associativismo, a colaboração e a sustentabilidade econômica e ambiental da atividade. As diretrizes serão estabelecidas pelo Conselho Nacional da Produção Camponesa Familiar. As medidas que promoverão ganhos de competitividade às cadeias produtivas serão analisadas e propostas por câmaras setoriais, vinculadas ao Conselho Nacional.

O estatuto ainda prevê os critérios para concessão de seguro e crédito rural, dos métodos de produção, do armazenamento, do investimento rural, da pesquisa agropecuária e zoneamento da produção agro-silvo-animal e florestal.

A proposta agora será distribuída às comissões técnicas.

(Agência Câmara - Reportagem - Claudia Lisboa. Edição - Simone Ravazzolli - Pauta - 20/8/2004 17h08, com alterações pelo Irib).

PROJETO DE LEI - (PL 4059/04),

( Do Sr. Eduardo Valverde)

Institui o Estatuto da Produção agro-silvo-animal e florestal na pequena e media propriedade e posse rural  familiar  e dá outras providências

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I

Dos Princípios Gerais

Art. 1° - Esta Lei, denominada Estatuto da Produção agro-silvo-animal e florestal  na pequena e média propriedade  e posse rural familiar, define os princípios e normas fundamentais que regulam as políticas de incentivos à  produção agro-silvo-animal e florestal na pequena e média propriedade rural trabalhada pelo núcleo monofamiliar e normas gerais de política fundiária, de  reforma agrária e de proteção ambiental, estabelecendo os procedimentos em consonância com os preceitos constitucionais previstos no Capítulo III, do Título VII e Capítulo VI, do Título VIII, ambos da Constituição Federal.

Parágrafo único – Rege-se esta lei pelo conceito básico do desenvolvimento sustentável, que objetiva melhorar a produtividade da pequena e média propriedade e posse  rural familiar, melhorar a qualidade de vida da família camponesa, incentivar novas formas de  organização sócio-econômica e distender a concentração fundiária.

Art. 2º - O solo é patrimônio natural e seu uso pressupõe sua conservação, visando assegurar o usufruto das gerações futuras.

Parágrafo único - O controle da erosão, das áreas de preservação permanente e legal e do desmatamento é obrigação dos produtores familiares, devendo o poder público incentivar e cooperar com a sustentabilidade ambiental e social.

Art. 3º O acesso ao crédito oficial está condicionado a manutenção da áreas de reserva  legal  e de conservação permanente, consoante normas da lei ambiental.

§ 1º - Inexistindo  reserva florestal nativa, o produtor familiar rural poderá compensar a reserva legal, através do reflorestamento com pelo menos 5  espécies nativas, podendo adotar, para tal objetivo, a modalidade de consórcio florestal.

§ 2º As áreas de preservação permanente, definidas em legislação específica, não são passíveis de compensação.

§3º- Considera-se área de preservação  permanente, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: ao longo dos rios ou qualquer curso d’agua, ao redor de lagos, lagoas ou reservatórios naturais ou artificiais, as nascentes ou olhos d’água, no topo de morros, montes, montanhas, serras, nas encostas ou partes destas, com declive superior a 45º, nas restingas, como fixadoras de dunas  ou estabilizadoras de mangues, nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, em altitudes superiores a 1800  metros, qualquer que seja a vegetação.

§4º- Considera-se áreas de reserva legal, a localizada no interior de um propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas.

Art.4º - Os imóveis arrecadados, desapropriados, expropriados  e destinados à reforma agrária, após passarem para o domínio do poder público, serão inalienáveis.

Parágrafo único  - Os imóveis na condição do caput não poderão ser reconcentrados, salvo para a produção  em sistema de  cooperação polifamiliar ou manejo florestal comunitário, enquanto perdurar o sistema de cooperação ou  parceria produtiva.

Art. 5º O poder público estabelecerá linhas de crédito especiais, destinadas à aquisição de imóveis rurais de até 5 módulos fiscais.

Capítulo II

Da pequena  propriedade e  da posse rural  familiar

Art. 6º -  A pequena propriedade ou posse familiar  é  o imóvel rural que, direta e pessoalmente é explorado mediante o trabalho do proprietário ou posseiro e de sua família, admitida eventual de terceiros, e cuja renda bruta seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de atividade agro-silvo-animal ou do extrativismo, exercida na propriedade e desde que a área não exceda à 30 hectares.

§ Único – Para o uso exclusivo em assentamento florestais  na Amazônia legal, será  considerada como pequena propriedade, glebas de até 200 hectares.

Art. 7º - Cabe ao Poder Público propiciar as condições para que os produtores familiares tenham acesso à tecnologia adequada e a devida assistência técnica, buscando níveis de produtividade da terra compatíveis com a disponibilidade dos recursos naturais.

Art. 8º A produção rural familiar  abrange o conjunto de atividades formadas pela produção vegetal, florestal, animal, aquicultura, agro-industrial e comercial, desenvolvidas na pequena e média propriedade rural, através do concurso da força de trabalho do núcleo monofamiliar ou em cooperação  plurifamiliar.

Parágrafo único: Os produtores familiares podem organizar  a cadeia produtiva   de determinado produto, envolvendo desde as fases anteriores à produção até a fase final do consumo, incluindo os setores de apoio e serviços.

Art. 9º. - Política de incentivo à produção rural familiar é o conjunto de medidas direcionadas ao fortalecimento da produção agro-silvo-animal e florestal  na pequena e média propriedade rural, garantindo o emprego e a renda no campo e assegurando o abastecimento de alimento para a população, produtos florestais   e a preservação do meio ambiente.

Art. 10. – Compete ao Poder Público compatibilizar as ações das políticas fundiária e agro-silvo-animal, objetivando:

I - proteger o meio ambiente e preservar os ecossistemas;

II - garantir a segurança alimentar da população;

III - promover o avanço científico e tecnológico;

IV - manter a ocupação e a renda e proporcionar cidadania aos homens e mulheres  do campo; e

V- utilizar racionalmente os recursos florestais e da biodiversidade.

Art. 11. – As ações de desenvolvimento da produção rural familiar serão descentralizadas, priorizando as forças sociais locais, a partir de diretrizes básicas definidas por um Conselho Nacional de Agricultura Familiar, representativo dos vários setores e segmentos das cadeias produtivas.

Art. 12. – A produção rural familiar abrange, parcialmente ou integralmente, todo o processo econômico de transformação em produto da  matéria prima de origem vegetal, animal, florestal e extrativista, podendo, incluir a comercialização da produção,  cuja gestão e a parte essencial do trabalho, cabe diretamente ao responsável pelo imóvel rural e seu familiares, proprietários ou não da terra explorada.

Art. 13. – Renda Rural Mínima é aquela que permite a sobrevivência básica da família trabalhadora no campo, possibilitando a manutenção da produção e da ocupação  nas atividades agro-silvo-pastoril.

Parágrafo único - O valor da Renda Rural Mínima deve ser estabelecido pelo Poder Público, e será viabilizada através de compra garantida de produtos da cesta básica da produção familiar.

CAPÍTULO II

Da Política Fundiária para a produção rural familiar

Art. 14. – Política Fundiária  é o conjunto de medidas permanentes direcionadas a desconcentrar e a melhor distribuir terras, sejam públicas ou privada, buscando democratizar a posse e racionalizar o uso da terra, para melhor atender a função social da propriedade.

Parágrafo único - Constituem-se instrumentos da política fundiária a desapropriação por interesse social, reversão à posse, a compra e venda para fins de reforma agrária,  expropriação de imóveis rurais onde há plantio de substâncias psicotrópicas, o assentamento florestal em terras públicas, o sistema de crédito oficial para aquisição particular de imóveis rurais de até 5 módulos e o imposto territorial rural progressivo.

Art. 15. – O Programa Nacional de Reforma Agrária será coordenado pelo Governo Federal, com participação descentralizada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na elaboração e execução de projetos, garantida a participação da comunidade no processo de distribuição de terra e implantação de projetos de assentamento.

Parágrafo único. O Programa Nacional de Reforma Agrária será definido por ocasião dos Planos Plurianuais, que estabelecerão sua abrangência, metas, objetivos, instrumentos de ação e fontes de recursos.

Art. 16. – Reforma Agrária é o conjunto de medidas de política fundiária  de elevado alcance social e econômico que, aplicado num determinado período de tempo e visando certa clientela, contribui  para manter a paz no campo, combater exclusão social,  impedir o êxodo rural e desenvolver formas de  produção que melhore a renda e a ocupação familiar, criando relações sociais que favoreçam o desenvolvimento local sustentável.

Art. 17. – À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social, condicionando sua exploração ao bem-estar coletivo, conforme previsto na Constituição Federal e definido nesta Lei.

Art. 18. – A função social da propriedade é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional que permita caracterizar o sentido produtivo do imóvel, assegurando níveis de produtividade compatíveis com os recursos naturais e a tecnologia disponível;

II – utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente, de forma que a exploração não degrade o potencial produtivo da propriedade, preservando as reservas legais, conservando o solo e as águas; e

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho, garantindo o bem-estar dos que trabalham a terra sem a geração de conflito ou tensões sociais.

Art. 19. – Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não cumpre sua função social.

§ 1º. - Imóvel rural é o prédio rústico, de área contínua, que se destine ou possa ser destinado à exploração agrícola, animal, extrativa, florestal ou agro-industrial.

§2º. - Sempre que possível, o imóvel desapropriado por interesse social deverá ser próximo às vias de escoamento da produção e de infra-estrutura social.

§3º Os municípios podem efetivar projetos fundiários de assentamento ou exploração temporária da terra, desde que gerenciados pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural.

§4º Ficam isentas de impostos federais, estaduais e municipais, inclusive do Distrito Federal, as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, bem como a transferência ao beneficiário do programa.

Art. 20. – A desapropriação por interesse social tem por fim:

I - condicionar o uso da terra à sua função  social;

II - promover ajuste adequado distribuição da propriedade;

III - obrigar a exploração racional da terra;

IV - permitir o desenvolvimento sustentável;

V - facultar a criação de áreas de proteção ambiental; e

VII - promover a produção familiar.

Art. 21. – A desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, importa prévia e justa indenização em Títulos da Dívida Agrária – TDA.

§1º A desapropriação de terras por interesse social, para fins de reforma agrária, obedece a um procedimento contraditório especial, de rito sumário, estabelecido na Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, modificadas pela Lei Complementar nº 88, de 23 de dezembro de 1996 e nos termos desta lei.

§2º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§3º Não será considerada, para fins de indenização, qualquer modificação quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, ocorrida até seis meses após a data do decreto declatório de desapropriação.

Art. 22 – Inclui-se o parágrafo único no  art. 3 da Lei Complementar 76/93  com a seguinte redação:

Parágrafo único – O expropriante terá 180 dias para   realizar assentamento de camponeses na gleba desapropriada.

Art. 23 – O Art. 1 da Lei Complementar nº 76/93, passa a ter a seguinte redação:

Parágrafo único – Art. 1 – O procedimento judicial da desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, obedecerá ao contraditório especial, de rito sumário, previsto nesta lei Complementar e versará tão somente sobre matéria indenizatória e vícios formais do decreto declatório.

Art. 24. – Os títulos da dívida agrária, que terão cláusulas assecuratórias de preservação de seu valor real, serão resgatáveis no prazo de 2 a 20 anos, conforme as dimensões e valor do imóvel desapropriado.

Art. 25. – Os  assentamentos destinados à produção familiar  deverão  conter  projeto técnico-social-ambiental de utilização da área ser explorada, que definirá a forma de utilização, o tamanho dos lotes, de acordo com a tecnologia disponível, finalidade da produção, do potencial agro-silvo-animal, da condição do eco-sistema e do perfil social dos beneficiários.

§1º A fertilidade do solo, a reserva legal, o clima, a disponibilidade de água, a distância dos mercados e a infra-estrutura viária são os parâmetros básicos para a definição do potencial agro-silvo-animal  do imóvel rural.

§2º Nas áreas que apresentarem restrições ambientais, o projeto técnico deve  prever medidas compensatórias.

§3º O Poder Público oferecerá qualificação técnica e organizacional aos assentados, habilitando-os para as tarefas exigidas pelo projeto técnico da área distribuída.

Art. 26. – É beneficiário dos programas de  reforma agrária o  cidadão ou cidadã de baixa ou nenhuma renda, que tenha aptidão para desenvolver qualquer das atividades da produção familiar rural e que:

I - Não tenha  renda oriunda de empresa formal urbana ou do trabalho assalariado formal   permanente;

II - Que  não possua  imóvel  oriundo de programa de  reforma agrária;

III -  Que não tenha sido contemplado anteriormente em programas de reforma agrária;

IV - Que não tenha recebido e alienado imóvel proveniente de programa de reforma agrária;

V - Não tenha vinculação funcional ou parentesco com servidores do órgão executor da reforma agrária; e

VI - Que não seja  funcionário público ou de empresa estatal, bem como os aposentados.

Art. 27. – Dentre os beneficiários dos programas de reforma agrária terão prioridade:

I – os acampados;

II – os meeiros, parceleiros e arrendatários;

III – os trabalhadores rurais  desempregados e trabalhadores sazonais( bóias frias);

IV – filhos e filhas maiores  de assentados de programa de reforma agrária, que constituíram famílias, quando  o resultado econômico da produção familiar for insuficiente  para o sustento do clã familiar.

Art. 28. – As terras desapropriadas para os fins da reforma agrária que, a qualquer título, vierem a ser incorporadas ao patrimônio do INCRA, só poderão ser distribuídas:

I - sob a forma de propriedade familiar; lI - para a formação de glebas destinadas à exploração extrativa, agrícola, pecuária ou agro-industrial, por associações de produtores organizadas sob regime cooperativo; lll - para fins de reflorestamento ou de conservação de reservas florestais a cargo da União, dos Estados ou dos Municípios.

Art. 29. – Nos projetos de assentamento de reforma agrária e destinados à produção familiar, o beneficiário ou beneficiária receberá, gratuitamente, o direito temporário de uso  da propriedade, através de contrato de concessão, inegociável e que  só poderá ser cedido aos membros da família, após ouvir o órgão executor da Reforma Agrária.

Art. 30. – É o Poder Público obrigado a manter atualizado o cadastro dos beneficiários da reforma agrária, tornando-o público e permitindo a inscrição prévia dos interessados, de acordo com a região onde residem ou local onde serão implementados os programas de reforma agrária.

Art. 31. – Poderão ser  desapropriado, para fins de reforma agrária a propriedade  improdutiva inferior a 2500 hectare, desde que o proprietário possua outra.

Art. 32. – A Pequena propriedade é o imóvel rural cuja área total seja igual ou inferior a 150 hectares, exceto aqueles localizados no Polígono das Secas, no Pantanal ou na Amazônia, cuja área pode atingir 100 hectares.

Art. 33. – A Média Propriedade é o imóvel rural cuja área atinge, no máximo, cinco vezes a área da pequena propriedade.

Art. 34. – Propriedade produtiva é aquela explorada de forma racional e adequada, segundo critérios técnicos, econômicos, sociais e ecológicos, que busquem eficiência, a sustentabilidade, a diversidade produtiva e garantia de renda familiar.

§1º O caráter produtivo da propriedade será estabelecido com base em índices de produtividade econômica e social, considerando os níveis de tecnologia utilizados na produção e  as características do meio ambiente e a realidade social existente na região, conforme regulamento específico.

§2º O caráter produtivo da propriedade será estabelecido com base na análise dos últimos três anos, considerados normais quanto aos fatores climáticos..

Art. 35. – O crédito fundiário se destinará ao financiamento de programas de reordenação fundiária e para aquisição de terras por interessados.

Art. 36. – As pequenas propriedades, incluindo os lotes distribuídos nos assentamentos de reforma agrária, bem como as áreas cobertas com florestas naturais ou outras formas legais de preservação da biodiversidade estão isentas do pagamento do ITR.

Art. 37. – As terras públicas ou devolutas  serão destinadas  à reforma agrária.

Capítulo III

Da Política agro-silvo-animal e florestal.

Art. 38. – A política de incremento à produção camponesa familiar visa o fortalecimento da produção agro-silvo-animal e florestal   nas pequenas e médias propriedades,  garantindo  níveis adequados de renda ao produtor familiar, a diversidade produtiva consorciada, a agregação de valor, o associativismo, a colaboração e a sustentabilidade econômica e ambiental da atividade.

§1º As diretrizes nacionais da política agro-silvo-animal  serão estabelecidas pelo Conselho Nacional da Produção Camponesa Familiar, de acordo com o artigo  desta Lei.

§2º As medidas que promoverão ganhos de competitividade às cadeias produtivas serão analisadas e propostas por Câmaras Setoriais, vinculadas ao Conselho Nacional, na forma do regulamento.

Art. 39. – Serão instrumentos da política agro-silvo-animal da produção camponesa familiar:

a - zoneamento  territorial e ecológico ;

b - assistência técnica;

c - a pesquisa e a difusão do conhecimento;

d - a educação;

e - preços mínimos e compra garantida;

f - diversidade produtiva;

g - infraestrutura de escoamento e armazenagem;

h - o associativismo;

i - o  crédito diferenciado;

j - a diversidade produtiva;

k - a eletrificação rural.

Art. 40. – Será incentivado a formação de cooperativas e centrais de produção e comercialização dos itens da produção camponesa familiar.

Art. 41. – Os bancos oficiais deverão ter programas, pessoal treinando e linhas de financiamento adequados ao atendimento do público da produção camponesa familiar. 

Art.42. – A Renda Rural Mínima aos produtores familiares será efetuada na forma de garantia de  preço mínimo e compra garantida dos  produtos agro-silvo-animal, inseridos na composição da cesta básica definida em regulamento, condicionada ao  atendimento da legislação ambiental.

§1º Os recursos necessários para o programa de garantida de preço mínimo e compra garantida advirão do fundos de combate à pobreza, do orçamento da União  bem como de parte dos recursos obtidos através do imposto de importação de produtos agropecuários.

§2º Não havendo preço mínimo estipulado, cabe ao governo definir o preço de sustentação, baseado nos custos de produção.

Art. 43. – O seguro rural de produção garante o produtor  familiar contra a frustração da safra, advinda por motivos climáticos, sinistros ou fenômenos naturais, ou pragas e doenças incontroláveis que atinjam benfeitorias, plantações, matas nativas ou reflorestadas e criações.

§ Único. – Fica o Tesouro Nacional autorizado a subsidiar a equalização do prêmio devido ao seguro rural de produção, nas normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional.

Art.44. – Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário definir, num prazo de um ano, a partir da aprovação desta Lei, o Zoneamento territorial e ecológico do Brasil, considerando as condições sócio-ambiental de cada região do pais, disponibilizando-o às cooperativas e centrais de produção.

Art. 45. – Cabe ao Poder Executivo definir os preços mínimos dos produtos agro-silvo-animal, baseados nos custos de produção, nas condições sociais-ambientais  de cada região e nas condições oferecidas pelo mercado.

Parágrafo único. O preço mínimo será a base da política de financiamento de safra e da aquisição para formação de estoques oficiais ou outros mecanismos de intervenção nos mercados.

Art. 46. – O crédito rural familiar é o instrumento básico de financiamento da produção agro-silvo-animal, objetivando:

I – estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento beneficiamento e industrialização dos produtos agro-silvo-animal, quando efetuado por cooperativas, centrais de produção ou pelo produtor familiar na sua propriedade rural;

II – favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agro-silvo-animal;

III – possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais familiares;

IV – incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações camponesa, e à adequada defesa do meio ambiente, com ênfase  aos métodos orgânicos de adulbação e controle de pragas.

§ Único- Será concedidos incentivos especiais para os produtores familiares que se valem de métodos alternativos e organicos de produção.

Art. 47. – O crédito rural familiar oficial, subsidiado pelo Tesouro, destina-se  ao atendimento dos pequenos e médios produtores camponeses  familiares, incluindo os assentados nos programas de reforma agrária.

Art. 48. – O crédito cooperativo será estimulado pelo Poder Público, como forma de atender aos produtores familiares organizados em cooperativas, associações e centrais de produção, podendo estes receber subsídios de acordo com regulamento.

Art. 49. – O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central estabelecerão as diretrizes e as condições das operações do crédito rural familiar, incluindo o crédito cooperativo.

Art. 50. – A concessão de crédito rural familiar é condicionada à efetiva assistência técnica, como forma de garantir a correta aplicação dos recursos, gerando produção com tecnologia adequada.

Art. 51. – Caberá ao Poder Público definir linha especial de crédito para programas de conservação e recuperação do meio ambiente, incluindo-se a correção do solo e a irrigação, dando-se prioridade para ações nas microbacias hidrográficas.

Art. 52. – O crédito rural de custeio para a produção familiar , alicerçado com recursos subsidiados pelo Tesouro, não pode exigir garantias reais para sua liberação, sendo o penhor mercantil suficiente para garantir o agente financeiro dos riscos da operação.

Art. 53. – A pesquisa agropecuária de caráter público dará prioridade ao desenvolvimento de tecnologia adaptadas aos pequenos e médios produtores rurais, garantindo-lhes condições de competitividade, nos marcos do desenvolvimento rural sustentável.

Art. 54. – O Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária será coordenado pelo Governo Federal, através da EMBRAPA, em convênio com Estados e Municípios, universidades e entidades públicas e privadas ligadas ao conhecimento científico na produção agro-silvo-animal e florestal.

Art. 55. – A assistência técnica e a extensão rural são de responsabilidade dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cabendo ao Governo Federal a coordenação de suas atividades, oferecendo apoio aos órgãos descentralizados de auxílio aos produtores familiares.

Art. 56. – Os pequenos e médios produtores familiares terão prioridade no atendimento pela assistência técnica e extensão rural, visando o aperfeiçoamento tecnológico e gerencial da propriedade e a facilidade no acesso aos mercados.

Art. 57. – A assistência técnica e extensão rural deverão estar integradas à pesquisa agro-silvo-animal e florestal engendrando uma aproximação da produção ao conhecimento científico.

Parágrafo único. A participação das comunidades rurais, através de suas entidades representativas, é fundamental na implantação dos programas de assistência técnica e extensão rural.

Art. 58. – A defesa agropecuária visa garantir a sanidade das plantas e dos animais utilizados na produção rural, através dos seguintes mecanismos:

I - controle e fiscalização do uso de produtos químicos, destinados ao combate de pragas e doenças;

II - fiscalização de sanidade fito-zootécnica dos produtos importados da entrada de produtos vindos do exterior;

III - controle e fiscalização do uso de fertilizantes e demais insumos agropecuários; e

IV - fiscalização do uso e comércio de sementes e mudas.

VII - disseminação de métodos orgânicos de produção.

Art. 59. – À defesa agropecuária caberá zelar pela proteção dos agroecossistemas, garantindo o uso racional e sustentado das águas, do solo, da fauna e da flora, mantendo a biodiversidade.

Art. 60. – A política de defesa agropecuária será executada pela Agência de Defesa Agropecuária, na forma da lei.

Art. 61. – Em todo território nacional, a classificação é obrigatória para os produtos vegetais, seus subprodutos e resíduos de valor econômico:

I – quando destinados diretamente à alimentação humana;

II – nas operações de compra e venda do Poder Público e

III – nos portos, aeroportos e postos de fronteiras, quando da importação.

Art. 62. – O Poder Público manterá estoques reguladores e estratégicos, visando assegurar o abastecimento e regular o preço no mercado interno, contemplando especialmente os alimentos básicos.

Parágrafo único. As atividades de armazenagem de produtos agropecuários, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico regem-se pela Lei nº 9.973 de 29 de maio de 2000.

Art. 63. – O Poder Público apoiará e estimulará a criação de cooperativas, associações e demais formas de trabalho associado, visando o fortalecimento da organização rural como forma solidária de sobrevivência econômica.

Art. 64. – As atividades das cooperativas sujeitar-se-ão às disposições da Lei específica para o setor, que garantirá sua autonomia e o adequado tratamento tributário, conforme estabelece a Constituição Federal.

Art. 65. – É instituída a política nacional de habitação rural, a ser financiada com recursos que sejam disponibilizados pelo sistema de poupança administrado pelas agências financeiras oficiais, destinadas a construção e recuperação de moradias na zona rural, em consonância com o art. 187, VIII, da Constituição Federal.

Art. 66. – A política nacional de habitação rural compreenderá os seguintes objetivos:

I – propiciar melhores condições de acesso à moradia e ao saneamento básico às populações de baixa renda no meio rural;

II – contribuir para a fixação da família  no campo, reduzindo a pressão habitacional nas periferias das grandes cidades; e

III – reduzir o déficit habitacional no meio rural.

Art. 67. – Compete ao Poder Público implementar a política de eletrificação rural, com a participação dos produtores rurais, cooperativas de eletrificação e outras associações de produtores familiares e centrais de produção.

Art. 68. – O Poder Público criará estímulos para a melhoria das condições de armazenagem, processamento, embalagem e redução de perdas em estabelecimentos rurais, inclusive cooperativas em geral.

Art. 69. – A política de irrigação e drenagem será executada em todo o território nacional, com prioridade para áreas de comprovada aptidão, áreas de reforma agrária e projetos públicos especiais.

Art. 70. – Poderá o Poder Público conceder incentivos e subsídios ao pequenos e médio produtor familiar  que preservar a biodiversidade e proteger o solo e as águas, devendo os mesmos ter prioridade na destinação dos recursos do crédito rural.

Art. 72 . – A consolidação de decretos de conteúdo normativo e geral e demais atos normativos em vigor e correlatos a esta Lei deverá ser procedida pelo Poder Executivo.

Art. 73. – Esta Lei entra em vigor no prazo de noventa dias, a partir da data de sua publicação.

Art. 74. – Revogam-se as Lei de Nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, Nº 8.171, 17 de janeiro de 1991 e Nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.

JUSTIFICAÇÃO

Frente às grandes transformações verificadas na sociedade brasileira, principalmente nos últimos vinte cinco anos, caracterizadas por mudanças na forma de exploração agrícola, industrialização do campo, ressurgimento da Reforma Agrária, resistência social ao esvaziamento rural, fortalecimento da perspectiva da agricultura familiar e incorporação da questão ambiental e da sustentabilidade na política agrícola, torna-se necessário propor e instituir legislação agrária, fundiária e ambiental que dê um tratamento adequado às novas questões surgidas.

Com este objetivo, proponho esta Lei, a qual denomino Estatuto da Agricultura Familiar.

Nela se propõe a necessária caracterização da agricultura familiar, formas de acesso ao crédito e critérios ambientais para sua exploração. Também se define o que pode ser chamado de “Propriedade Familiar Rural”, como o imóvel rural que é explorado diretamente pela mão-de-obra familiar. Segue-se com a especificação do conceito de produção familiar rural, estendendo-o à toda cadeia produtiva vinculada à unidade familiar. No mesmo capítulo são enumerados os instrumentos da política de incentivo à agricultura familiar e as competências do poder público em relação a esta política. O conceito de Renda Rural Mínima é tratado em destaque, cabendo ao poder público estabelecer seu valor.

A Lei também estabelece novos conceitos para a Política Fundiária como desconcentradora da propriedade rural e distribuição de terras e como meio de fortalecimento democrático de nossa sociedade. Define seus instrumentos, principalmente o Programa Nacional de Reforma Agrária e a responsabilidade do Governo Federal para a sua implementação. Prioriza a função social da propriedade privada da terra e as condições para a sua desapropriação. Trata inclusive da questão dos beneficiários da Reforma Agrária, assentamentos e outras formas associativas da organização da propriedade e produção familiar.

Também trata da Política Agrícola e dos órgãos que serão responsáveis de sua elaboração, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e das Câmaras Setoriais. Aborda-se a questão do financiamento da Política Agrícola, do seguro rural, do crédito rural, dos métodos de produção, do armazenamento, do investimento rural, da pesquisa agropecuária, definição do Zoneamento Agrícola do Brasil, etc.

Todas as questões acima citadas se referem a problemas atuais vividos pelas família de agricultores e por toda a sociedade, as quais são impostas pela forma em que se estruturou o desenvolvimento social recente. Tratar estas questões a partir da visão de sustentabilidade econômica, social e ambiental é tarefa urgente que não pode ser adiada, particularmente se tomamos em consideração o esvaziamento do campo verificado nas últimas décadas, o predomínio da grande produção agrícola, a reduzida oferta de postos de trabalho nos grandes centros urbanos, a expansão das fronteiras agrícolas e a destruição ambiental.

Avançar no tratamento das questões abordadas pela Lei aqui proposta significa evitar o alastramento de conflitos sociais latentes e a garantia de equilíbrio ambiental e qualidade de vida para a população brasileira.

Sala das Sessões em,

EDUARDO VALVERDE
Deputado Federal 



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