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Ponto crítico 5/5 - bis - Crédito imobiliário define-se pela origem, não pela destinação


Finalizando a série ponto crítico, publicamos abaixo  parecer de Norma Jonssen Parente concluindo que “para que créditos ditos imobiliários possam lastrear uma emissão de certificados de recebíveis imobiliários, seria necessário que tais recebíveis decorressem da exploração do imóvel ou do financiamento do imóvel e não de uma atividade econômica exercida pela tomadora mediata dos recursos, mesmo que tal atividade seja realizada em um imóvel de propriedade desta”. O crédito é imobiliário pela origem e não pela destinação.

PROCESSO: CVM Nº RJ 2003/5639

INTERESSADA: Brazilian Securities Companhia de Securitização

ASSUNTO: Recurso Contra Decisão da SRE

RELATORA: Diretora Norma Jonssen Parente

V O T O

RELATÓRIO

1. Trata-se de recurso de Brazilian Securities Companhia de Securitização contra decisão da SRE de indeferimento dos pedidos de registro definitivo de distribuição pública de certificados de recebíveis imobiliários - CRI.

2. De início vale lembrar que a questão concerne à emissão de duas séries de apenas um CRI cada, no montante total de R$25.605.697,00, sendo R$12.519.676,00 e R$13.086.021,00 referentes a 18a e 19a séries respectivamente, cujos registros provisórios, nos termos do artigo 5o da Instrução CVM no 284/98, foram concedidos pela SRE em 15.01.03, possibilitando sua subscrição na mesma data, conforme os Boletins de Subscrição (fls. 156 a 161).

3. O objetivo da securitização em questão é a captação, pela Maxpower do Brasil Ltda. ("Maxpower"), de recursos financeiros necessários à repotenciação da Central Geradora Hidrelétrica Henrique Portugal ("Central"), operada por aquela e localizada em imóvel de sua propriedade.

4. Em 13.01.03 a Maxpower firmou com a Companhia Energética Paulista ("EP"), produtora independente de energia elétrica que detém 2% das cotas daquela, o "Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de Ativos e Outras Avenças" (fls. 134 a 141), em que a EP tem interesse em adquirir e a Maxpower vender o imóvel e os ativos da Central. O preço de compra ajustado entre as partes é de R$25.605.697,00, a ser pago em prestações conforme "Curva de Pagamento" (fls. 146 e 147).

5. Na mesma data, a Maxpower emitiu duas Cédulas de Crédito Imobiliário (CCI) representando integralmente o crédito resultante da referida promessa de compra e venda, as quais foram adquiridas pela Brazilian Securities Companhia de Securitização, com os recursos captados na venda dos CRIs aos investidores, FUSAN – Fundação Sanepar de Previdência e Assistência Social - e Metrus Instituto de seguridade Social, a fim de lastrear a securitização de recebíveis imobiliários consubstanciada nos Termos de Securitização de Crédito BS-2003-18 e BS-2003-19 (fls. 163 a 168).

6. Portanto, com a venda das CCIs à Brazilian Securities, a Maxpower consegue captar os recursos pretendidos para a repotenciação da Central.

7. Destaque-se que os CRIs emitidos têm as seguintes garantias:

a. garantia real representada pela Alienação Fiduciária do imóvel objeto da operação - e todas as acessões, melhoramentos, construções e instalações que lhe forem acrescidos - da Maxpower à Brazilian Securities;

b. benfeitorias e equipamentos necessários à perpetuidade da exploração do potencial hidrelétrico da Central e de mais quatro usinas;

c. penhor de três parcelas da Amortização Mensal do CRI;

d. penhor da totalidade das cotas da Maxpower.

8. Visando a conferir garantia adicional à emissão de CCI a Maxpower caucionou, em garantia à Brazilian Securities, direitos creditórios, constituídos por força do Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica firmado com a CPFL Comercialização Brasil Ltda. (fls. 301 a 324), uma comercializadora de energia elétrica, em 16.12.02, no mesmo valor de R$25.605.697,00 – em parcelas mensais entre 13.01.03 e 13.01.2015.

9. O referido contrato de compra e venda estabelece que, a partir de 01.01.03, a Maxpower disponibilizará a energia contratada à CPFL até 31.12.2016 pelo preço e condições nele estabelecidas. Contudo a forma de pagamento prevista na sua Cláusula 6.2 (fls. 309) diverge do disposto na 3.1 a) do Contrato de Gestão (fls. 240), vez que a primeira prevê o pagamento pela CPFL mediante crédito em conta-corrente de titularidade da EP, ao passo que a segunda estabelece a obrigação de a Maxpower direcionar todos os recursos decorrentes dos contratos de compra e venda e promessa de compra e venda à Conta Vinculada gerida exclusivamente pelo Agente Fiduciário – Oliveira Trust DTVM Ltda.

10. Note-se que, em 15.01.03, a Brazilian Securities obteve o registro provisório da já mencionada distribuição pública, nos termos do artigo 5o da Instrução CVM no 284/98.

11. Em 03.02.03, foi protocolado pela emissora o pedido de registro definitivo da distribuição pública da 18a e 19a séries da 1a emissão de CRIs de Brazilian Securities, nas seguintes condições respectivamente:

a. montante: R$12.519.676,00 e R$13.086.021,00;

b. vencimento: 15.01.2016 e 13.01.2013;

c. prazo de amortização: 156 e 132 meses

d. quantidade de títulos: 1 certificado cada.

12. Em, 25.02.03, face à análise do pedido, a SRE enviou à emissora o OFÍCIO/CVM/SRE/GER-2/No 169 (fls.296 a 298), contendo exigências com a finalidade de adequá-lo à legislação vigente – Lei 9.514/97, MP no 2.223/01 e Instruções CVM nos 13/80, 28/83 e 284/98.

13. Como tanto participação da CPFL quanto a própria operação necessitavam de maiores esclarecimentos, as exigências mais relevantes, segundo a SRE, eram as seguintes:

a. "4.b - Esclareça relação existente entre os valores provenientes do Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica celebrado com a CPFL e a operação de CRIs ora em análise, uma vez que a CPFL não é parte na Escritura Pública de Alienação Fiduciária nem tampouco no Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda e Outras Avenças que originou os créditos imobiliários;

b. "6.1 – Encaminhar exemplar do Instrumento Particular de Compromisso de Compra e Venda e Outras Avenças que originou os créditos imobiliários;

c. "6.2 – Encaminhar Instrumentos de Constituição, dos Penhores... quais sejam Contrato de Quotas e Contrato de Conta Corrente Vinculada"

d. "6.3 – Encaminhar o Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica..."

14. Em resposta às exigências, a emissora protocolou expediente datado de 17.03.03 (fls. 299 e 300).

15. Em 09.04.03, foi enviado à Brazilian Securities o OFÍCIO/CVM/SRE/GRE-2/No 297/2003 (fls. 331 e 332) reiterando as exigências não atendidas e formulando novas em virtude da documentação apresentada pela companhia.

16. As principais questões que motivaram esse segundo ofício podem ser assim resumidas:

a. não estava claro se o lastro da operação de CRIs pretendida era efetivamente um crédito imobiliário, condição indispensável nos termos do art. 6o da Lei 9.514, ou um crédito oriundo da venda de energia elétrica;

b. havia divergência entre as cláusulas 6.2 do PPA e 3.1.a) do Contrato de Gestão, gerando dúvida quanto se existiam dois fluxos recebíveis idênticos ou apenas um fluxo de recebíveis oriundo de fornecimento de energia elétrica lastreando a emissão dos CRIs.

17. Em resposta a este ofício e visando ao atendimento pleno às exigências estipuladas, a companhia protocolou expediente datado de 15.04.03 (fls. 333 a 377), contendo documentação que incluía "Legal Opinion" elaborado pelo escritório Felsberg e Associados.

18. Foram os seguintes os principais pontos abordados nesse arrazoado anexado pela companhia:

a. tanto a Maxpower quanto a EP são controladas pela Arthemy Corp. Financial & Trading S/A (98% e 99,99% das ações respectivamente), sendo que a EP ainda detém 2% das cotas de emissão da Maxpower;

b. a EP tem como objeto social a exploração do ramo comercial, dentre outros o da implementação e operação de usinas de geração de energia elétrica e a compra e venda de ativos ou bens móveis e imóveis;

c. a Maxpower tem por objeto específico comprar pequenas CGHs e outros aproveitamentos hidrelétricos, obter os recursos financeiros necessários a promover a repotenciação das referidas centrais e vendê-las ao produtor independente de energia;

d. a venda do imóvel da Maxpower para a EP funda-se em um mercado investidor que exige a segregação de ativos, riscos e receitas, possibilitando uma avaliação precisa da rentabilidade específica de cada projeto.

e. assim, a controladora, Arthemys, adotou o modelo societário segundo o qual a EP é proprietária final e exploradora dos ativos, cabendo à Maxpower o propósito específico de desenvolver as oportunidades de aquisição;

f. a Maxpower está sendo utilizada como "plataforma" de aquisição e segregação dos ativos que lastream as CCIs, que, por sua vez, são o lastro da operação de CRIs;

g. quanto à alegada divergência entre as cláusulas 6.2 do PPA e 3.1a) do Contrato de Gestão, dizem simplesmente que o número da conta-corrente constante do PPA "está equivocado tendo o mesmo sido alterado conforme comprovam os documentos em anexo" (Anexo V – fls. 368 e 369);

h. a conta-corrente vinculada a que se refere a cláusula 3.1.a) do Contrato de Gestão será aberta tão logo seja concedido o registro definitivo de distribuição de CRIs pela CVM, conforme o comunicação da Maxpower à CPFL sobre Alteração dos Dados da Conta-Corrente e Fluxo Operacional dos Recursos (Anexo V e VI -fls. 368 a 377);

19. Face à análise dessas considerações e dos documentos apresentados pela Brazilian Securities, a SRE em MEMO/CVM/SRE/GER-2/085/2003 de 28.04.03 (fls. 378 a 383) solicitou o pronunciamento da PJU quanto à possibilidade de aprovação da operação em pauta, à luz do disposto no art. 6o da Lei 9514/97, destacando que:

a. a documentação que instrui o pedido de registro em tela, bem como os argumentos da emissora, atenderam parcialmente às exigências dos Ofícios anteriores, tendo permanecido prejudicadas duas questões: a espécie de origem dos créditos que lastreiam a emissão e a divergência existente entre as informações sobre a forma de pagamento da Fatura da Energia Elétrica fornecida pela Maxpower à CPFL;

b. a tentativa de elucidação da divergência entre as cláusulas 6.2 do PPA e 3.1.a) do Contrato de Gestão parece equivocada, vez que não houve nenhum aditamento ao PPA para a retificação da conta-corrente de titularidade da EP. A Maxpower apenas comunicou à CPFL sobre a substituição daquela conta por uma nova, essa de sua titularidade;

c. os recebíveis da venda de energia elétrica foram caucionados pela Maxpower à Brazilian Securities com a finalidade de serem uma garantia adicional de emissão de CCIs, mas serão utilizados, diretamente, para efetuar a amortização das CCIs adquiridas pela Brazilian Securities e, consequentemente, para amortizar os CRIs no momento do seu repasse ao investidor, conforme se depreende do "Mecanismo de Conta-Vinculada" (Anexo VI, fls. 373 a 377).

d. se existem dois fluxos idênticos, quais sejam, a "Curva de Pagamento da Promessa" (fls. 146 e 147) e o "Fluxo de Pagamento dos Recebíveis de Energia Elétrica" (fls. 151 a 154), e os dois seriam direcionados à Conta Vinculada, nos termos da mencionada cláusula 3.1.a), o primeiro deveria ser utilizado na amortização dos CCIs/CRIs, cabendo ao segundo o papel de garantia acessória e não de fonte única de recursos para o pagamento da remuneração do investidor;

e. a Maxpower e EP são controladas por uma mesma empresa, sendo que a EP ainda detém 2% das cotas de emissão da Maxpower. Tal fato nos faz questionar a real necessidade da celebração do Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de ativos e Outras Avenças senão gerar lastro fictício e necessário, enquanto os recebíveis imobiliários, para motagem da operação de emissão de CRIs em questão;

20. Em 14.05.03, a PFE manifestou-se contra a admissibilidade da operação em questão, por meio do MEMO/PFE-CVM/GJU-2/No 112/2003 (fls. 384 a 386), posto que não se enquadra na hipótese do artigo 6o da Lei 9.514/97, considerando que:

a. os esclarecimentos constantes do referido memorando da SRE evidenciam que, a rigor, não há qualquer contrato imobiliário em sentido jurídico estrito lastreando a emissão dos CRIs, eis que ausente a bilateralidade própria àquele tipo de ajuste – que pressupões partes, de fato, distintas bem como a transferência do domínio do bem-objeto – e as demais características que lhes são inerentes e decorrentes da lei civil;

b. há, em verdade, apenas uma parte na pretensa transação imobiliária – e não duas, Maxpower e EP - qual seja a pessoa jurídica Arthemys Corp. Financial & Trading S/A, detentora de 99,995% das ações ordinárias nominativas de emissão da EP e da totalidade das cotas da Maxpower, seja direta, seja indiretamente, através da participação da EP na Maxpower;

c. desse modo, esse é um quadro típico de confusão patrimonial, já que a pessoa do sócio e da sociedade, ante a composição do capital desta, são uma só;

d. permite o artigo 50 do Código Civil de 2002 a desconsideração da personalidade jurídica em caso de confusão pois, em regra, tem por escopo simular a separação das personalidades, na prática inexistente;

e. a simulação nesse caso é clara, observado que: (i) a Maxpower é fornecedora de energia à CPFL; (ii) a CPFL , por expressa convenção com aquela, paga o preço da energia adquirida diretamente à EP, mediante crédito à conta-corrente desta; (iii) a EP "paga" as parcelas do preço da promessa de compra e venda com os recursos que, pela lógica do fornecimento de energia, já deveriam pertencer à Maxpower;

f. em resumo, a EP recebe um imóvel sem nada pagar por ele e ainda recebe pagamentos da CPFL, decorrentes do fornecimento de energia pela Maxpower, sem que a cessão de crédito tenha qualquer justificativa aparente;

g. assim, a Arthemys, única parte em todas as operações, para atender às exigências do mercado investidor, segregou seus ativos na Maxpower e EP, simulando separação de personalidades;

21. No despacho ao MEMO/PFE-CVM/GJU-2/No 112/2003, embora tenha sido feita a ressalva de que a desconsideração da personalidade jurídica depende do devido processo legal - que apesar da manifestação dos envolvidos em sede administrativa, não se verificou - corroborou-se o indeferimento do pedido de que se cuida, ante a ausência de negócio jurídico bilateral exigido pelo caput do artigo 6o da Lei 9.514/97.

22. Note-se que antes da interposição do recurso a emissora obteve, junto ao Presidente desta CVM, o efeito suspensivo da referida decisão de indeferimento proferida pela SRE.

23. Em 30.05.03, a Brazilian Securities apresentou recurso, acostado às fls. 1 a 18, requerendo a reconsideração do entendimento manifestado pela SRE no MEMO/CVM/SRE/GER-2/NO 085/03 - indeferimento dos pedidos de registro definitivo de distribuição pública de CRIs, destacando que:

a. quanto ao não atendimento às exigências 2.2 e A – apresentação dos documentos comprobatórios do registro das cinco Centrais Geradoras Hidrelátricas (CGHs) envolvidas na operação junto ao ente regulador setorial, nos termos do art. 22 da Resolução ANEEL 395/98 – a companhia argumenta que não há limitações ou autorizações governamentais necessárias para que os ativos vinculados às usinas hidrelétricas sejam dados em garantia das dívidas representadas pelos CCIs, que lastreiam a emissão dos CRIs;

b. acrescenta que a Lei 9.074/95 disciplina as condições para a exploração das atividades de geração de energia elétrica no Brasil, estabelecendo em quais casos os aproveitamentos hidrelétricos serão objeto de concessão ou de autorização pelo poder concedente;

c. por expressa disposição contida no art. 80 da referida Lei, os aproveitamentos hidrelétricos com potencial igual ou inferior a 1.000 KW (1 MW) estão dispensados de concessão, permissão ou autorização, bastando para a confirmação de sua titularidade o registro junto ao ente regulador setorial, no caso a ANEEL, nos termos do art. 22 da Resolução ANEEL n0 395/98 (doc.6 às fls. 67/76);

d. no caso em questão os ativos dados em garantia pela Maxpower à Brazilian Securities, enquadram-se na situação acima descrita, já que as CGHs envolvidas possuem capacidade instalada inferior a 1 MW;

e. tampouco há quaisquer restrições para execução dos bens dados em garantia, pois o proprietário pode livremente dispor dos mesmos, já que tais ativos não integram, nem retornarão ao patrimônio da União;

f. em atendimento ao disposto no supramencionado art. 22, juntou aos autos, através de requerimento de 17/03/2003 (doc. 7 às fls. 78/79), notificação à ANEEL (doc. 8 às fls. 8 1/82) sobre a transferência de titularidade das CGHs da AES Força Empreendimentos Ltda. para a Maxpower;

g. a transferência de titularidade da Maxpower para a EP apenas será realizada em 2004, conforme itens 1.4 e 1.5 da Cláusula 1 da PROMESSA, após re-ratificação em 20/05/2003 (doc.9 às fls. 84/86);

h. a Maxpower e EP, embora controladas pela mesma sociedade, têm objetos sociais distintos: a primeira compra ativos destinados à atividade energética, repontecializa os mesmos e os vende, enquanto a segunda opera usinas hidrelétricas, vendendo energia a terceiros, como no caso do PPA, contrato esse que seria absolutamente independente das atividades da Maxpower e da respectiva controladora;

i. quanto ao não atendimento às exigências 4b, B e C, argumenta que não ficou caracterizada nenhuma, confusão patrimonial por parte da controladora;

j. a seqüência de fluxogramas, denominada "Proposta de Estruturação" (às fls. 8/11), resume graficamente toda a estrutura da operação e esclarece a conclusão equivocada da SRE;

k. o PPA, celebrado entre Maxpower e CPFL (empresa de terceiros, sem qualquer ligação societária com Maxpower, EP ou Arthemys) foi dado em garantia adicional pela Maxpower à recorrente para a emissão dos CRIs e não se confunde nem integra esta operação de securitização;

l. essa garantia até poderia ser dispensada, o que não faria sentido, já que diminuiria as garantias da Brasilian Securities;

m. com base na referida "Proposta de Estruturação", tem-se que:

- trata-se de operação estritamente imobiliária, na medida que originada de promessa de compra e venda de imóvel, que deu origem a emissão de CCIs, registrada no competente Serviço de Registro de Imóveis;

- o art. 70 da MP 2223/2001 dispõe que os CCIs representam créditos imobiliários;

- o art. 12 da mesma MP preceitua que os CCIs são objeto de securitização;

- lei vinculou a emissão de CRIs a negócios imobiliários, conforme disposto no art. 6o da Lei 9.514/97, sendo irrelevante a finalidade para a qual será destinado o imóvel cujo negócio jurídico de compra e venda deu origem a sua emissão;

- o fato de a operação congregar duas empresas ligadas não caracteriza uma simulação, já que cada uma tem atividade própria. A operação envolve direitos e obrigações reais e distintos de uma para a outra, em verdadeiro contrato comutativo, consoante seus objetos sociais;

- ao adquirir ativos e repotencializá-los, para fins de venda, a Maxpower agregou valor econômico ao bem, propiciando à compradora, EP, possibilidade de aquisição de um bem imóvel com ativos, permitindo-lhe competitividade no mercado;

- o gráfico de fls. 11, baseado no contrato celebrado, evidencia tal agregação de valor à operação da EP, que teria um aumento considerável após a quitação do preço de venda perante à Maxpower, eis que o "PPA" que lhe é cedido tem prazo superior ao do pagamento do preço da compra e venda imobiliária;

- a CVM já aprovou inúmeras operações envolvendo empresas ligadas, controladora e controladas;

- por serem econômica e juridicamente válidas, foram aprovadas pela CVM, sem que fossem consideradas simulações, operações "built-to-suit", de empreendimentos imobiliários com incorporadora constituída como SPE e de fundos de investimento imobiliário formados por incorporadora que integraliza cotas mediante conferência de imóvel objeto da incorporação;

- a desconsideração de personalidade jurídica, ensejada pela SRE, só poderia ser decidia pelo Juiz, nos termos do art. 50 do novo Código Civil;

- por isso os CCIs são títulos de crédito, caracterizando-se pela autonomia e cartularidade;

- a CVM jamais exigiu, nas emissões de CRIs, que a vendedora do imóvel que lastreou esses títulos demonstrasse sua capacidade financeira, independentemente da própria operação, para quitação dos CRIs, à exemplo da emissão dos CRIs do HSBC registrada pela CVM;

- igualmente, o adquirente de unidade residencial, em operação geradora de CRIs, jamais foi instado a demonstrar à CVM sua capacidade financeira, sob pena de ser inviabilizada a securitização de recebíveis imobiliários;

- a agência classificadora de risco, Atlantic Rating, contratada para a emissão, em atendimento aos preceitos da Resolução CMN 2.922, que condiciona a aquisição de CRIs por investidores institucionais à obtenção de nota de baixo risco na estruturação da operação, atribuiiu-lhe a nota "BBB+" (doc. 19 às fls. 250/253);

n. para dissipar dúvidas sobre a alegada simulação do negócio jurídico em foco, deve-se observar a relação de documentos anexadas ao recurso, quais sejam, o PPA, a PROMESSA, os Boletins de Subscrição, os comprovantes de integralização dos CRIs pelos subscritores, o Contrato de Conta Vinculada e a súmula do Rating da operação;

o. deve-se tomar as operações de securitização de recebíveis imobiliários como alternativa para a solução da falta de infra-estrutura, tendo em vista que:

 i. há neste momento, represados no País, recursos de investidores representando mais de um bilhão de Reais a serem destinados a operações como a descrita acima, bem como para outras atividades voltadas à infra-estrutura, "dependendo desta decisão da CVM";

 ii. o Conselho Curador do FGTS, através da Resolução 395/2002 (doc. 20, às fls. 255), autorizou a alocação de recursos para aquisição de CRIs lastreados em operações de saneamento básico (água e esgoto);

 iii. o Ministro do Planejamento, Guido Mantega, em edição do "Valor On-Line", enfatizou a necessidade de criação de mecanismos de investimento para o setor de infra-estrutura, atraindo investimentos privados, já que são projetos caros e o governo passa por restrições fiscais;

p. Por fim, espera que seja dado provimento ao recurso, com o deferimento da emissão dos CRIs objeto dos Processos CVM N0 RJ2003/281 e RJ2003/282, requerendo, ainda, seja mantido o efeito suspensivo da "decisão monocrática" até julgamento final deste recurso.

24. Ao se manifestar a respeito do recurso, por meio do MEMO/SRE/GER-2/No 114/03 (fls. 400 a 413), a SRE propôs a manutenção do indeferimento manifestado no MEMO CVM/SRE/GER-2/NO 085/03, ante à ausência de fatos novos aptos a provocar a mudança de entendimento, considerando que:

a. em que pese toda a documentação que instrui os Processos, as tentativas de atendimento às exigências e a argumentação contida no recurso interposto pela emissora, permanecem pendentes as exigências 2.2, 4.b, A, B e C, formuladas e reiteradas através dos dois Ofícios, fato este que motivou o indeferimento dos pedidos de registro em questão;

b. no que concerne ao não atendimento às exigências 2.2 e A, resta esclarecido não haver necessidade de limitações ou autorizações governamentais para a dação em garantia ou restrições para execução parcial ou total dos ativos dados em garantia;

c. o atendimento à exigência 2.2, entretanto, não foi pleno, uma vez que quando reiterado através da exigência A do segundo Oficio, solicitava o encaminhamento de documentos comprobatórios dos registros das cinco CGHs envolvidas na operação junto ao ente regulador setorial, nos termos do Art. 22 da Resolução ANEEL n0 395/98, requisito que, formalmente, não foi cumprido pela recorrente até a presente data;

d. o art. 80 da Lei n0 9.074/95, conforme transcrito pela recorrente (às fls. 03), dispõe que "O aproveitamento de potenciais hidráulicos, iguais ou inferiores a 1.000 KW, e a implantação de usinas termelétricas de potência igual ou inferior a 5.000 KW, estão dispensadas de concessão, permissão ou autorização, devendo apenas ser comunicados ao poder concedente";

e. por outro lado, o caput do Art. 22 da Resolução ANEEL n0 395/98, aperfeiçoa o primeiro dispositivo legal, acrescentando que tais aproveitamentos deverão ser comunicados à ANEEL, "de acordo com o formulário a ser disponibilizado pela ANEEL";

f. a notificação/comunicação à ANEEL, constante dos autos (doc. 8 às fls. 81/82), foi efetuada por AES Força Empreendimentos Ltda. em folha de papel timbrado dessa companhia e não em formulário disponibilizado pela ANEEL, não representando comprovação efetiva de registro junto ao ente regulador setorial, motivo pelo qual consideramos, ainda, não atendidas as exigências 2.2 e A;

g. ademais, em contato telefônico com o Sr. Araújo, assessor do Sr. Romeu Rufino, Superintendente de Fiscalização da ANEEL, o mesmo nos informou que a hipótese em tela exige um ato formal da Diretoria dessa Agência;

h. já o não atendimento às exigências 4.b, B e C, motivo central do indeferimento, merece exame mais aprofundado, vez que envolve o questionamento da efetividade de um crédito imobiliário gerado em operação de compra e venda de imóvel entre empresas ligadas e controladas pela mesma pessoa jurídica, o que demonstra a inexistência de negócio jurídico bilateral, ou melhor, de negócio imobiliário que possa lastrear a emissão dos CRIs;

i. o julgamento final dessa questão é de extrema importância, não somente pela definição do deferimento ou não dos pedidos de registro de que se trata, mas também pela jurisprudência a ser estabelecida para a análise de futuros pedidos de registro de emissões, de CRIs, similares;

j. cabe analisar a recente decisão do Colegiado da CVM pela manutenção do indeferimento, pela SRE, do pedido de registro de distribuição pública de CRIs da 10a série, 2a emissão de CIBRASEC — Cia Brasileira de Securitização — Processo CVM RJ2002/03032;

k. essa tinha como emissora dos CRIs a CIBRASEC e lastreava-se clara e diretamente em créditos decorrentes da venda de energia elétrica da EP para a CPFL-GERAÇÂO, firmada através de Contrato de Compra e Venda e Intermediação de Energia Elétrica;

l. desse modo, ante à inexistência de crédito imobiliário lastreando a emissão, a decisão de indeferimento foi confirmada pelo Colegiado;

m. conclui-se que tal Contrato foi juntado aos autos do presente recurso, possivelmente por engano, como documento 10 às fls. 88/107;

n. note-se que o caso em análise demonstra-se mais complexo, eis que a EP e a Maxpower firmaram Promessa de Compra e Venda de Imóvel - usina hidrelétrica – tendo em vista a criação de um crédito imobiliário, inexistente na operação da CIBRASEC, necessário ao atendimento dos requisitos legais estabelecidos no Art. 6o da Lei n0 9.514/97;

o. todavia, restou demonstrado que:

- a tentativa de atendimento à exigência C do segundo Oficio foi infeliz, já que não houve nenhum aditamento ao PPA para a retificação da conta-corrente de titularidade da EP, indicada em sua Cláusula 6.2. A Maxpower apenas comunicou à CPFL (e à CVM) sobre a alteração daquela conta para uma nova conta, essa de sua titularidade;

- os recebíveis da venda de energia elétrica haviam sido caucionados pela Maxpower à Brazilian Securities com a finalidade de serem uma garantia adicional à emissão de CCIs, mas estariam sendo utilizados diretamente, conforme se depreende do "Mecanismo da Conta-Vinculada" do Anexo VI (às fls. 370/377), para efetuar a amortização das CCIs adquiridas pela BS e, conseqüentemente, para amortizar os CRIs no momento do repasse da BS para o investidor;

- havia confusão patrimonial hábil a conduzir à desconsideração da personalidade jurídica;

- inexistia negócio jurídico bilateral exigido pelo caput do art. 6o da Lei 9.514/97;

p. cientes de sua faculdade de interpor recurso, os representantes da emissora agendaram reunião, para o dia 23/05/2003, com o intuito de convencer a área técnica da CVM acerca da regularidade e legalidade da operação;

q. nessa reunião, que contou com a presença de membros da companhia e da SRE e do Procurador-Chefe da PJU, Henrique Vergara, a emissora argumentou que a decisão de indeferimento do pedido solicitado partiu da equivocada premissa de inexistência operacional da EP;

r. nesse sentido, os representantes da emissora comprometeram-se a interpor recurso anexando vasta documentação comprobatória da operacionalidade da EP, que não seria apenas uma sociedade de propósito especifico (SPE) criada, tão somente, para satisfazer requisitos formais da legislação dos CRIs, mas uma empresa operacional com outras fontes de recursos;

s. interposto o recurso, em 05/06/2003, verificou-se que a linha de argumentação utilizada pela recorrente ia de encontro àquela adotada na citada reunião;

t. além de não terem sido anexados os documentos comprobatórios da operacionalidade da EP, a recorrente limitou-se a rejeitar veemente a hipótese de simulação e a necessidade de comprovação da capacidade financeira da EP, jamais exigida pela CVM nas emissões de CRIs;

u. aliás, um dos poucos documentos novos trazidos ao processo, além do Termo de Re-Ratificação do Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda e Outras Avenças (doc. 9, às fls. 84/86), foi o Instrumento de Re-Ratificação do Contrato de Gestão de Conta Corrente Vinculada (doc. 18, às fls. 245/246), datado de 20/05/2003 (embora o mesmo não tenha sido trazido pela emissora na reunião de 23/05/2003);

v. tal aditivo, no entanto, não retifica a divergência apontada na exigência C, uma vez que com a nova redação da Cláusula 3.1, a Maxpower apenas obriga-se a "notificar a EP, após a cessão do PPA a esta, para que instrua irrevogavelmente a CPFL a transferir por conta e ordem da EP, para a Conta Vinculada (a ser aberta pela Maxpower), todos os recursos decorrentes do PPA, para pagamento à Maxpower dos valores acordados na PROMESSA entre a Maxpower e a EP";

w. note-se que o PPA não foi aditado, permanecendo, portanto, a citada divergência, já que, nos termos de sua Cláusula 6.2, o favorecido dos créditos a serem efetuados pela compradora de energia (CPFL) continua, formalmente, sendo a EP;

x. assim, a tentativa de comprovação da operacionalidade da EP, proposta pela própria emissora na reunião, foi praticamente abandonada e o recurso nada trouxe de novo a esse respeito, atendo-se simplesmente à reapresentação dos objetos sociais, nos termos dos Estatutos da EP e Maxpower;

y. portanto, apesar de exigida por esta GER-2/SRE, não se logrou demostrar a operacionalidade e capacidade financeira da EP, informação esta que poderia somar na averiguação da natureza do crédito que lastreia a emissão em questão, se imobiliário ou de energia elétrica, se existem dois fluxos idênticos e independentes ou apenas um fluxo de recebíveis lastreando a operação;

z. finalmente, cabe examinar a forma de integralização dos R$ 25.605.697,00 referentes aos CRIs da 18a e 19a séries, subscritos na fase de registro provisório por, respectivamente, FUSAN-Fundação Sanepar de Previdência e Assistência Social e Metrus Instituto de Seguridade Social:

- a integralização dos R$ 12.519.676,00 da 18a Série foi efetuada, à vista, sendo R$ 7.261.412,00 em moeda corrente nacional e R$ 5.258.264,00 em valores mobiliários, quais sejam debêntures simples de emissões das empresas Condominium Village S.A., Eco Hills S/A e Inepar S.A. Indústria e Construções. De forma similar, a integralização dos R$ 13.086.021,00 da 19a Série foi efetuada, à vista, sendo R$ 8.173.529,00 em moeda corrente nacional e R$ 4.912.492,00 com debêntures simples de emissão de Village Country S/A;

- do total subscrito, portanto, cerca de 40% (39,72%) foram integralizados em debêntures;

- o que suscita certa apreensão é a destinação final dos recursos captados na presente distribuição, a repotencialização da CGH Henrique Portugal, que poderia vir a ser comprometida na eventualidade de as debêntures acima serem consideradas de liquidação incerta.

25. A PFE - cujo entendimento foi solicitado pela SRE quando apreciou o recurso - no MEMO/PFE-CVM/GJU-2/No 147/03 (fls. 414) reiterou sua manifestação anterior, comentando que o recurso apresentado pela interessada nada acrescenta à questão, que continua padecendo do mesmo vício: a ausência de um negócio jurídico imobiliário bilateral entre partes efetivamente distintas hábil a lastrear a emissão de CRIs.

26. O despacho ao supramencionado memorando também ratificou o MEMO/PFE-CVM/GJU/No 112/03, acrescentando que o posicionamento adotado independe de qualquer demonstração da existência de dolo ou simulação, não obstante ser esta notória, haja vista o alerta doutrinário e jurisprudencial no sentido de que (i) sociedades nas quais uma pessoa detém cerca de 99% do capital, cabendo 1% ou menos aos demais sócios, podem ser unipessoais e fictícias e (ii) a existência de grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, torna legítima a desconsideração da personalidade jurídica.

FUNDAMENTOS

.I.

27. Trata-se de recurso interposto pela Brazilian Securities Companhia de Securitização contra decisão da SRE (fls. 400 a 413) que indeferiu os pedidos de registro definitivo de distribuição pública de certificados de recebíveis imobiliários – CRI – da companhia.

28. Vale lembrar que a SRE, bem como a PFE, posicionaram-se contrariamente à concessão de registro definitivo de distribuição pública dos CRIs em questão precipuamente por entenderem que há, na operação pretendida, confusão patrimonial, haja vista a ausência de um negócio jurídico imobiliário bilateral hábil a lastrear a emissão de CRIs.

29. Contudo, não se deve pautar a decisão pelo deferimento ou não do pedido em tela na suposta inexistência de negócio jurídico bilateral, conclusão que mereceria investigação mais profunda, já que o simples fato da Maxpower e EP serem controladas pela mesma empresa – Arthemys – não é hábil é configurar de plano a alegada confusão patrimonial.

30. Ademais, a lei não veda a realização de contratos entre partes relacionadas. E nesse caso a venda de energia, pela Maxpower, à CPFL, parte não relacionada, atesta o valor da empresa.

.II.

31. Por outro lado, não cabe à CVM se certificar se a mercadoria prometida à venda, no caso energia, será ou não produzida, já que este é o risco do negócio. A CVM deve zelar apenas pelo fornecimento adequado de informações, por parte das companhias, ao público investidor e não fazer qualquer juízo de valor.

32. A sistemática do registro estabelece os elementos mínimos de informação com base nos quais decisões de investimento serão tomadas e serve apenas como proteção aos investidores, não se constituindo em atestado de qualidade dos empreendimentos.

33. Então, a avaliação do desempenho da companhia e do cumprimento de suas metas escapa ao produto do registro, a exemplo de qualquer outro de emissão pública.

.III.

34. Assim, a questão diz respeito, basicamente, a saber se o CRI, cujo registro definitivo de distribuição pública se pretende obter, lastreia-se em créditos imobiliários, conforme exigido pelo artigo 6o da Lei 9.514/97, in verbis:

 "Art. 6º O Certificado de Recebíveis Imobiliários - CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro"(grifei).

35. Nesse sentido faz-se mister elucidar o que se entende por crédito imobiliário, já que a referida Lei não o definiu.

36. No âmbito do processo CVM RJ2002/3032, a PFE, em seu parecer, esclareceu que "a intenção da lei foi estabelecer como crédito imobiliário aquele que surge dos frutos e rendimentos de um imóvel ou de negócio imobiliário. Assim, para que créditos ditos imobiliários possam lastrear uma emissão de certificados de recebíveis imobiliários, seria necessário que tais recebíveis decorressem da exploração do imóvel em questão, e não de uma atividade econômica exercida pela tomadora mediata dos recursos, mesmo que tal atividade seja realizada em um imóvel de propriedade desta"(grifei).

37. Tem-se, no presente caso, como lastro para emissão do CRI, uma "Promessa de Compra e Venda Imobiliária e Outras Avenças" pela qual a Maxpower promete vender, transferir, conferir, ceder e entregar à EP todos os direitos detidos pela Maxpower relativos a:

 i. "um imóvel localizado no município de Santa Rita de Jacutinga..." – cláusula 1.1(fls. 135); e

 ii. pertenças relativas a esse imóvel, como "bens e direitos imóveis (incluindo as respectivas benfeitorias), veículos e demais bens móveis, bens intangíveis, contratos e aos direitos e obrigações relativos à locação ou arrendamento de bens móveis, direitos sobre imóveis de terceiros e demais ativos que compõem a Central, que estão á disposição da mesma ou que a ela se referem, discriminados no Anexo I ao presente contrato..." - cláusula 1.2 (fls. 135).

38. Como se verifica, a maior parte da operação concerne à pertenças. É, portanto, da sua caracterização que depende a conclusão.

39. Pontes de Miranda assim já as conceituava: "pertença não é parte integrante nem essencial, nem não essencial. O fim econômico da coisa prende a ela a pertença. Pertença é coisa ajudante, ainda que não seja propriedade do dono do prédio; pode a coisa, estante noutra coisa, pertencer ao mesmo dono, sem ser pertença da coisa. O que não é parte integrante da coisa, mas se destina a servir ao fim econômico ou técnico, de outra coisa, inserindo-se em relação específica, que corresponda a êsse serviço (relação de pertinencialidade), - salvo se a transitoriedade do serviço, ou do uso do tráfico pré-exclui, ou exclui a relação específica – chama-se pertença" (grifei).

40. Ao tratar da relação de pertinencialidade, o mesmo jurista preceitua: "A relação de pertinencialidade é tal que a coisa-pertença existe independentemente, mas pertence à outra. Para que haja relação é preciso que uma coisa esteja a serviço da outra, segundo um laço econômico..." e traz o seguinte exemplo que bastante se assemelha ao caso em tela: "aos estabelecimentos industriais e comerciais (fábricas, tipografias, teatros hotéis) ‘pertencem’ as máquinas e utensílios, se ocorrerem os outros pressupostos e se não são partes integrantes".

41. O professor Ricardo Lira ilustra tal relação de pertinencialidade em seu parecer anexado aos autos. Em suas palavras "... o ‘continuum’ que representa a relação espacial está consubstanciado no imóvel principal, ao qual está acoplada a usina, que flutua no curso d’água, cuja barragem, através da casa de máquinas, gera hidraulicamente a energia, formando-se, nessa relação espacial, uma unidade socio-econômica, mais que duradoura, uma universitas facti, que é um composto imobiliário, um complexo imobiliário, em que a usina, como pertença, se liga ao imóvel, como coisa principal" (fl. 12 do Parecer; grifei).

42. Todavia, note-se que, entre as pertenças, encontram-se também direitos. Pontes de Miranda nega a existência de direitos-pertenças e sustenta que não há pertença de direitos, explicando que "a relação de pertinencialidade é pré-jurídica, econômica ou técnica, regida pelo uso do tráfico: o direito apenas a encontra(...) relação de pertinencialidade só existe entre coisas; portanto, no mundo fáctico. Não entre direitos, que são efeitos de fatos jurídicos."

43. Ressalte-se, no entanto, que o legislador de 2002, ao conceituar as pertenças, empregou o termo "bens", e não "coisas". Ora, na valiosa lição de Caio Mário da Silva Pereira, "os bens, especificamente considerados, distinguem-se das coisas, em razão da materialidade destas: as coisas são materiais ou concretas, enquanto se reserva para designar os imateriais ou abstratos o nome bens. Uma casa, um animal de tração, são coisas, porque caracterizado cada um em uma unidade material e objetiva. Um direito de crédito, uma faculdade, embora defensável ou protegível pelos remédios jurídicos postos à disposição do sujeito em caso de lesão, diz-se com maior precisão, ser um bem" (grifei). Portanto, há que se admitir que direitos, sendo bens, podem ser considerados pertenças.

44. Se o legislador quisesse atribuir a faculdade de serem pertenças apenas aos objetos materiais, o termo "coisas" seria o escolhido. Logo, onde o legislador não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. Disso se extrai que as pertenças podem ser também bens materiais ou imateriais, como os direitos do contrato em análise, e não apenas coisas.

45. Diante do exposto, pode-se concluir que também os direitos constantes do contrato sob exame podem ser pertenças.

46. Assim, a questão impõe que se analise a natureza jurídica das pertenças em face do novo Código Civil, ou seja, se as pertenças em questão são bens imóveis, como pretendem os recorrentes para que fique caracterizada a realização de um negócio imobiliário passível de gerar a emissão de um CRI.  

47. Compare-se o tratamento dado aos móveis no Código de 1916 e no Código atual:

Código Civil de 1916

"Art. 43. São bens imóveis:

I - O solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo.

II - Tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano.

III - Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade."

Código Civil de 2002

"Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente."

Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro" (grifei). 

48. Como se verifica, a distinção entre os dois Códigos reside na exclusão dos bens móveis assim destinados pelo proprietário, antes prevista no art. 43, inciso III, da categoria dos bens imóveis. Hoje, as pertenças não são consideradas imóveis, senão quando intrinsecamente dispuserem de tal natureza. A propósito vale dizer que a intenção do código foi justamente evitar que a vontade das partes pudesse transformar em bem de raiz bens sem igual significância.

49. É nesse sentido que advoga o Juiz Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, segundo o qual "a intenção do legislador foi efetivamente suprimir os bens imóveis por acessão intelectual, inclusive em atenção aos reclamos da própria doutrina(...) Acrescente-se que coerentemente também foi suprimido o antigo art. 45 que tratava da possibilidade de voltar o bem à condição de móvel".

50. E inclusive, na jornada do STJ e Conselho de Justiça Federal realizada em setembro de 2002, foi aprovado o seguinte enunciado: "Não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão ‘tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente’ constante da parte final do art. 79 do Código Civil de 2002."

51. Então, de fato a usina se anexa economicamente ao terreno, caracterizando uma relação de pertinencialidade, caracterizando uma universalidade econômica, mas nem por isso as demais pertenças transformam-se também em imóveis, se esta não for sua natureza, como se verá.

52. O fato de a pertença poder seguir o mesmo destino do principal, sendo este imóvel, não lhe estende essa natureza. Aqui a grande diferença do antigo Código para o atual: no antigo, os bens incorporados por acessão intelectual recebiam a natureza que tivesse o bem principal; já no novo Código Civil, às pertenças é reconhecida autonomia, mantendo



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