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III Congresso Brasileiro de Direito Urbano - Recife recebe urbanistas, juristas e registradores do Brasil


Realizou-se, entre os dias 27 a 29 de junho passado, em Recife, Pernambuco, o III Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, reunindo especialistas em gestão urbana, direito, arquitetura, construção civil e áreas afins que apresentaram propostas sobre planos diretores das cidades e a sustentabilidade urbano-ambiental; o direito à moradia e suas implicações como segurança de posse, urbanização, financiamento e acesso à terra.

Imagem do evento

Os debates giraram em torno da idéia central de promover um balanço das experiências de implementação do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) que regula o uso da propriedade urbana – como exemplo a disciplina legal da relação entre o poder público e o privado –, com ênfase para garantir o bem coletivo, prover segurança e o bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental.

O evento foi promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Urbano (IBDU), com a participação de especialistas no assunto representando o Ministério das Cidades (Raquel Rolnik), o Instituto Pólis (Nelson Saule), IRIB (Sérgio Jacomino e Ruy Rebello Pinho), além de representantes de prefeituras como a de Porto Alegre, Belo Horizonte, Santo André, São Paulo e Recife, e membros do Ministério Público de São Paulo e de Pernambuco. Uma das maiores referências jurídicas no quesito licitações públicas, o advogado Toshio Mukai, da Universidade de São Paulo, também participou do evento.

Participando da abertura e do primeiro tema, Sérgio Jacomino, Presidente do Irib, enfatizou a importância da coadjuvação do registro predial brasileiro com os órgãos diretamente envolvidos na concretização dos postulados do Estatuto da Cidade. Disse o Presidente do Irib que o EC reservou uma importante missão aos registros prediais brasileiros na medida em que os seus instrumentos jurídicos, em sua esmagadora maioria, arrojam-se com apoio no Registro. A partir do advento do Estatuto da Cidade o registro imobiliário já não será o mesmo, “e no entanto, dele se pode dizer que é tão mais importante para as novas figuras jurídicas criadas pelo Estatuto da Cidade, quanto mais claro se torna o valor da sua larga tradição”.

Ruy Rebello Pinho, registrador imobiliário da cidade paulista de Osasco, discorreu sobre a sua experiência na regularização fundiária em curso naquela cidade. Diz que o Registro daquela comarca, a seu cargo, “promove uma importante atração dos vários atores envolvidos na regularização – arquitetos, urbanistas, juristas, administradores etc. – conjugando esforços coordenadamente para superar os históricos desafios para a regularização fundiária naquele município e em várias outras partes do país”.

O Congresso foi realizado com o patrocínio da Prefeitura da Cidade do Recife, Lincoln Institute, Infraero, Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. Os apoiadores do evento foram a Escola Superior de Direito Municipal, Ministério Público de Pernambuco, Instituto de Ministério Público de Pernambuco, Editora Fórum, Ministério das Cidades, e da Mútua-Caixa de Assistência dos Profissionais do Crea.

Confira abaixo a entrevista concedida ao Irib pela Presidente do IBDU, jurista Betânia Alfonsín.

III Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico - 28/6/2004Entrevista com Dra. Betânia Alfonsín – Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU

Betânia Alfonsín é jurista e urbanista. Doutoranda em planejamento urbano e regional pelo IPPUR/UFRJ, professora da Faculdade de Direito da ULBRA, consultora na área de Direito Urbanístico e Coordenadora do IBDU.

Sérgio Jacomino: Fale um pouco sobre o Instituto que a senhora preside. Como surgiu e quais são suas perspectivas?

R
: O IBDU surge na véspera da promulgação do Estatuto da Cidade, após a realização do I Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico, como uma idéia de alguns juristas que estavam lá presentes que identificaram a necessidade de se ter um Instituto, um fórum de pessoas que estivessem comprometidas com a divulgação do ideário da reforma urbana, do direito urbanístico como um ramo novo do direito. Pessoas que expressassem o compromisso de consolidar esse como um ramo importante, já que para alguns juristas, o direito urbanístico ainda é um sub ramo do direito administrativo.

Esse compromisso de demonstrar que o direito urbanístico tem uma autonomia como disciplina tem objeto e princípios próprios e, a partir da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade, institutos próprios, portanto, se consolidando como um ramo autônomo no nosso direito.

Temos uma realidade urbana dramática no Brasil e o Estatuto da Cidade traz alguns instrumentos que cuidam desta questão. A idéia dos juristas era permitir que o debate sobre esses temas tivesse no Instituto um instrumento de facilitação.

Temos uma rede eletrônica que tem conseguido divulgar, trocar informações e experiências com todo o Brasil. Já realizamos três congressos. O primeiro foi em Belo Horizonte, o segundo em Porto Alegre, em 2002 e o terceiro acontecendo aqui em Recife. Vamos propor que se realize o próximo em São Paulo, contando sempre com o apoio do Irib e do Ministério Público, que já têm sido parceiros importantes do IBDU.

O IBDU tem representantes por todo o Brasil divulgando o Instituto, convidando novos membros, identificando quadros nos Estados para participar do IBDU. Estamos empenhados em demonstrar que o Estatuto da Cidade tem viabilidade e que os instrumentos podem e já estão saindo do papel. O IBDU tem uma formalização, porém a dificuldade financeira é muito grande, não conseguindo nos estruturar adequadamente. Essa é uma das próximas metas. Na sucessão do IBDU, vamos estar passando o bastão para São Paulo, desse modo, teremos uma estrutura um pouco melhor. O novo coordenador deve ser o Jurista Nelson Saule Júnior.

SJ: O Estatuto da Cidade “pegou”?

R
: O Estatuto da Cidade está num processo de implementação que é desigual nos vários municípios. Não há uma homogeneidade. As cidades que têm tido uma compreensão maior do alcance e importância  da implementação dos instrumentos têm revisto o seu ordenamento municipal à luz do Estatuto. Mas há outras cidades que ainda estão muito atrasadas, cidades com planos diretores da década de 80.

SJ: Temos visto que Porto Alegre teve uma importância muito grande na regularização, na criação da Zonas Especiais de Interesse Social. Verificamos, também, por relatos acadêmicos, que Porto Alegre não consumou o processo com o registro dos contratos de concessão. Como a senhora enxerga esse fenômeno?

R
: Acho que Porto Alegre teve uma dificuldade muito grande em conseguir construir diálogos mais consistentes com atores externos à Prefeitura, não apenas com o registro imobiliário, mas também com outros atores, como o Ministério Público. Isso dificultou bastante. O único movimento que se teve foi em relação à Corregedoria, onde conseguimos fazer um provimento, o More Legal, que tem uma importância grande, mas que só atinge os loteamentos consolidados. Mesmo com todo o esforço administrativo de regularização via concessão, ainda existe um número muito grande de assentamentos que não tiveram registro imobiliário. É claro que alguns problemas jurídicos podem atrapalhar o caminho, mas acredito que esse problema poderia ter sido contornado com uma aproximação maior do registro imobiliário.

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“considero fundamental a conclusão do processo de regularização com o registro desses títulos no cartório de imóveis. Por que? Por conta da segurança da posse”.

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SJ: Existe a percepção de que o registro é necessário? Muitas vezes, a concessão do próprio título satisfaz o interesse da comunidade e os interesses políticos de quem concede. O que  a senhora acha?

R
: Considero sua avaliação correta. Desse ponto de vista, de fato há o atendimento dos interesses da comunidade e do Poder Público. No entanto, considero fundamental a conclusão do processo de regularização com o registro desses títulos no cartório de imóveis. Por que? Por conta da segurança da posse, pois assim como o  atual governo (de Porto Alegre)  tem interesse político em manter essas populações, ninguém garante que os próximos terão. Há muitas favelas em Porto Alegre, localizadas em áreas nobres, áreas  do Poder Público que poderiam ser alienadas, sendo muito mais interessante do ponto de vista econômico para o Poder Público. Felizmente os processos e instrumentos de regularização vieram para ficar e garantir direitos novos a essas populações. A conclusão do processo, no entanto, é central para garantir a segurança da posse.

SJ: Aqueles que participaram da feitura do Estatuto da Cidade tinham a consciência de que os instrumentos jurídicos ali discriminados têm acesso ao Registro de Imóveis? Havia a percepção de que o registro imobiliário estava sendo valorizado no diploma legal?

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“No passado, eu mesma tinha uma visão “preconceituosa” do registro, percebendo-o como excessivamente formalista, burocratizado e protetor meramente da propriedade privada. Agora temos que vencer isso, o registro é um parceiro fundamental. Não se pode transformar um ator fundamental do processo em um adversário”.

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R: Não tenho como falar por todos. Eu participei desse processo, embora não tenha participado da indicação de dispositivos ligados ao registro imobiliário. Mas como há uma série deles, como há alterações da Lei 6.015 no Estatuto, tenho a convicção de que havia uma percepção de que se estava trabalhando numa mudança da ordem jurídica urbanística, que implicaria uma relação diferenciada com o registro imobiliário. A minha avaliação é que nesse novo período temos que nos aproximar mais,operadores tanto do Poder Público como do registro, no sentido de se construir formas e mecanismos para concluir os processos. O papel do registro imobiliário passou a ser central. Houve um giro no seu papel em relação ao que ocorria anteriormente. No passado, eu mesma tinha uma visão “preconceituosa” do registro, percebendo-o como excessivamente formalista, burocratizado e protetor meramente da propriedade privada. Agora temos que vencer isso, o registro é um parceiro fundamental. Não se pode transformar um ator fundamental do processo em um adversário. Tem-se que construir com ele uma parceria. Esse é um movimento que nós já fizemos ao longo dessa trajetória, o de perceber isso e inserir no Estatuto da Cidade esses mecanismos. Esse movimento deve se completar agora.

SJ: Como está o processo político de conversão da medida provisória em Lei? Há preocupação de que, por oportunidade das discussões parlamentares, se desnature tanto o espírito da medida provisória, que concede o uso, quanto do Estatuto da Cidade?

R
: Há algumas preocupações em relação a isso. A Medida Provisória tem alguns problemas, não tem uma redação perfeita. O instrumento da concessão foi vetado no Estatuto porque tinha sérios problemas, não tinha marco temporal definido, atingia todas as áreas públicas ocupadas, independentemente das suas características e a MP foi uma tentativa de contornar isso. No entanto, ela ainda deixa algumas dúvidas e ambigüidades. Há quem discuta, por exemplo, se a concessão é ou não um direito real. Na verdade, o fato de clarear isso pode acabar dando abertura para que se desnature um pouco o Instituto. Há também tramitando uma série de projetos de lei alterando o Estatuto da Cidade, que é uma lei importante e que avançou, mas como ficou sendo discutida por mais de uma década, tem suas lacunas, defasagens e uma série de diretrizes que não têm instrumentos que correspondam a elas. Poderia se ter pensado em ter instrumentos para tentar não apenas regularizar aquilo que já é quase um passivo das cidades, mas ter instrumentos que tentem combater a produção irregular da cidade. Temos que ter um equilíbrio, uma fiscalização grande do trabalho do Congresso Nacional para não se perder o que é essencial no Estatuto da Cidade: os seus avanços.

SJ: A senhora considera importante um marco legal? Porque há uma percepção de que os movimentos sociais se autonomizam na sociedade e as referências legais passam a ser meramente sinalizadoras de caminho. Onde está a verdadeira transformação, na cultura jurídica ou na conscientização das comunidades?

R
: Eu acho que são as duas pernas, são os dois movimentos. Talvez, por vício do ofício, não subestimo o papel da lei. A lei é fundamental. No Brasil, a lei teve um papel fundamental na construção de uma ordem excludente, que não foi capaz de garantir justiça social na cidade. Não foram apenas fatores econômicos, históricos e políticos que construíram as cidades como estão. O direito teve um papel fundamental nessa configuração, sobretudo através da propriedade privada, nossa ordem jurídica até muito recentemente não reconhecia pequeníssimo espaço de interferência do poder público em relação à propriedade privada. O fato de o direito de propriedade passar a ter uma regulação mais poderosa, publicamente debatida, através da função social da propriedade e de seus instrumentos, fazendo com que o proprietário tenha de submeter seu direito individual  às razões de interesse público,  é fundamental, e o  Estatuto traz isso de uma forma muito clara. Lei nenhuma tem eficácia,  quando traz em si transformações, sem que o movimento social esteja pressionando. São as duas coisas. Tanto que o Estatuto da Cidade se tornou realidade por pressão dos movimentos sociais. E agora sua implementação também vai depender muito fortemente da organização dos movimentos, principalmente em relação aos governos que não têm compromisso nenhum com esta plataforma, que é comprometida com uma reforma urbana. Reforma no sentido de não estar conformada com uma ordem urbanística excludente, segregadora e injusta na cidade.



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