BE1189

Compartilhe:


 

Proposta a estatização das notas e registros


Proposta a estatização das notas e registros. Artigo enfocando a inadequação da proposta de estatização dos serviços registrais e notariais.

Proposta de Emenda à Constituição (Da Sra. DRA. CLAIR e outros). Dando nova redação ao art. 236 da Constituição e ao art. 32 do Ato das Disposições Constituições Transitórias, para determinar a prestação dos serviços notariais e de registro por órgãos públicos.

Justificação da Proposta de Emenda à Constituição.

Proposta a estatização das notas e registros

Abaixo publicamos o texto da PEC 304/2004, apresentada no dia 7/7/2004 na Câmara dos Deputados pela Deputada Dra.Clair (PT/PR), com sua justificativa.

O site da Sra. deputada é http://www.dra.clair.nom.br/.

A justificação é evidentemente carente de bons argumentos para sustentar uma mudança tão profunda nos sistemas notarial e registral brasileiros.

Diz a Sra. deputada que:

a) os serviços notariais e de registro não concorrem. No caso do RI não há concorrência "o que resulta na baixa qualidade dos serviços prestados à população".

b) Custos. Emolumentos poderiam ser reduzidos apenas ao custo necessário para a manutenção do serviço, caso o mesmo fosse prestado por órgãos da Administração Pública, "além de representar uma fonte de receita para os Estados e os Municípios".

Em primeiro lugar, a concorrência existe atualmente (e desde sempre) entre notários e é benfazeja: torna-os eficientes e bem-aparelhados. Não há base de comparação possível entre os serviços notariais estatizados (como os há na Bahia, por exemplo) e no resto do país. De qualquer maneira os desníveis existentes nos modelos estatizados e delegados deveriam servir da base às conclusões da Sra. deputada. Ademais, os impulsos liberalizantes do notariado alcançaram recentemente Portugal, um dos únicos países do mundo que ainda mantinham o notariado administrativizado.

Depois, soa pouco razoável falar-se em concorrência em serviço estatizado ou municipalizado. Como se faria a fixação dos preços? Instaurar-se-ia uma concorrência entre órgãos públicos? A taxa seria variável em função da demanda?

É preciso compreender que a decretação da concorrência entre os serviços registrais brasileiros representaria, simplesmente, a destruição do sistema de segurança jurídica preventiva neste país. Em nenhum lugar do mundo existe um serviço registral organizado com base na concorrência.

A aparente vantagem econômica que se pode esperar da instauração de um regime concorrencial nos serviços registrais representaria notável aumento de custos transacionais tão-só pela necessidade de peregrinação para obtenção de uma informação segura sobre a situação jurídica dos bens.

Depois, as transações econômicas buscam sistemas de referência e previsibilidade. Os atores anelam a maior segurança possível quando se trata de aquisição de bens imóveis. Advinha-se uma depressão dos filtros purificadores do registro (com a diminuição da escrupulosa qualificação registral) com o advento da concorrência. Os custos sociais globais que serão suportados por todos nós, cidadãos brasileiros, não justificam a destruição de um bom sistema registral como o é reconhecidamente o brasileiro.

Diz Benito Arruñada, em texto que será publicado pelo Irib em breve:

“Quanto à concorrência, é possível introduzi-la entre os que prestam serviços de preparação de documentos, sobretudo os operadores de grandes empresas com importantes ativos de reputação. Muito diferentemente, na organização de registros e tribunais há que se cuidar da independência de quem decide em favor das partes, assegurando desse modo a proteção eficaz dos direitos reais de terceiros”.

Enfrentando o problema da concorrência e compreendendo, corretamente, que o sistema registral pressupõe a irradiação de efeitos a terceiros, potenciais interessados no registro, continua o importante economista:

“Neste segundo caso, a liberdade de escolha, elemento imprescindível da concorrência, é imprópria, porque nem todos os interessados podem exercê-la. Por isso, parece inevitável manter algum tipo de monopólio, em que pesem os riscos e custos que ele venha a ocasionar. O fato de que todos os países, sem exceção, terem optado por monopólios territoriais confirma a lógica dessa conduta organizativa”.

Discorrendo sobre a integração vertical de funções (que parece ínsita na proposta da Sra. Deputada) diz Arruñada: “quanto à integração vertical de funções, é preciso ter em conta que a possível intervenção de qualquer representante de parte – advogado, notário, segurador, o próprio credor, etc. – na produção de efeitos jurídicos sobre terceiros encontra um obstáculo radical no fato de que a liberdade de escolha das partes condiciona as decisões de seu representante contra tais terceiros. Esse condicionamento será tanto mais amplo quanto mais potentes forem os incentivos ensejados pela concorrência entre os provedores dos serviços. Do que se deduz a mencionada incompatibilidade estrutural entre a concorrência e a integração. Numa hipotética situação de integração e concorrência, seria de esperar uma atenuação dos efeitos registrais até a fronteira mesma da integração. Por exemplo, se, num registro de direitos, a depuração passasse a ser governada por representantes de parte (sejam eles quem forem) e a prioridade continuasse sendo estabelecida por registradores independentes, esse registro de direitos transformar-se-ia em mero registro de documentos. Se, de modo similar, a um passo mais adiante, a prioridade também fosse determinada por representantes das partes, a prioridade do próprio registro perderia eficácia para regredir para um sistema de contratação privada, como no Ancien Règime, antes das revoluções liberais do século XIX. No primeiro caso, o tráfego imobiliário ficaria de fato ao sabor da produção de ditames jurídicos anteriores às transações e, no segundo, ao sabor das intervenções judiciais cujo número e transcendência tenderiam a aumentar de forma inexorável”.

Ainda sobre concorrência dos serviços registrais e sua projeção na qualidade dos efeitos decorrentes dos registros, Fernando P. Méndez González registra que “o grau de potência e qualidade dos efeitos de um sistema registral (de seu output) está em função direta da qualidade e intensidade das barreiras de entrada ao mesmo (de seu input), essencialmente, da amplitude e profundidade das faculdades atribuídas ao encarregado do registro, para assegurar que a operação de intercâmbio idealizada pelas partes não ultrapasse os limites impostos pelo sistema jurídico institucional vigente”.

Segue o registrador espanhol sustentando que em face de barreiras de entrada menos exigentes, ocorrem efeitos mais débeis do sistema, ocasionando a necessidade de recorrer a mecanismos complementares, normalmente de mercado, para cobrir o gap entre o nível de segurança jurídica oferecido pelo sistema registral e o demandado pelo mercado. Isso quer dizer simplesmente que a a concorrência sugerida pela Sra. deputada poderá acarretar (como aliás ocorre nos episódios de estatização dos serviços registrais neste país) o surgimento de serviços análogos de registros de segurança jurídica exercitados pela iniciativa privada – aqui sem o controle social e sem a possibilidade de se moderar os custos dos serviços pela irresistível monopolização da informação de segurança econômica.

Calha ainda fazer algumas considerações sobre a captura do sistema registral pelo agente político – o que inevitavelmente ocorrerá com a “municipalização” dos registros imobiliários brasileiros.

Ainda recentemente tive a oportunidade de manifestar-me sobre esse aspecto em intenso debate e troca de idéias com o eminente jurista e professor de direito urbanístico em Londres, Professor Dr. Edésio Fernandes.

Dizia que “insistentemente se vêem propostas de estatização dos registros. Não parece razoável favorecer uma captura, nessa quadra da história política brasileira, dos registros públicos pela Administração. Em seus aspectos negativos, o poder político enxerga na distribuição de lotes, legais ou ilegais, formais ou informais, públicos ou privados, uma componente apreciável no cômputo geral de seus dividendos políticos. Seria a farra dominial. Tampouco devem, essas instituições registrais, ser deixadas ao léu da disputa da livre concorrência, como já seriamente se propôs entre nós, mitigando, ao limite, as barreiras que se antepõem, pelo escrutínio registral, às demandas variegadas de inscrição. A dinâmica e a estática jurídicas devem estar sob o manto de um rígido arcabouço formal que impeça a instrumentalização política de uma instituição que, no limite, é tutela pública de interesses privados”.

Aproveitando o mote da discussão sobre a função social do registro, dizia que “em matéria de cidadania, e especialmente no que respeita aos direitos patrimoniais disponíveis, não podemos estar na dependência do administrador ou do político, ainda que esclarecido, dando-se ensanchas à possibilidade de esventrar-se o âmago de interesses juridicamente tutelados, que devem estar fortificados. Por essa razão simplíssima, se afirma que o registrador deve obter do sistema legal a necessária independência jurídica que se exercitará, inclusive, em face do próprio Estado”.

E mais: “nesse contexto, enxergo o registro como instância da sociedade civil, instituição que recebe uma delegação diretamente do Estado, para defesa dos seus direitos; conceda-se (numa linguagem que parece modelar as intenções do século): para defesa da cidadania. O registro obtém essa confirmação pela modulação social – digamos que seja a crisma estatal – já que a atividade é uma nítida necessidade social que se projeta irresistivelmente para o reconhecimento de seus contornos, já pré-definidos, pela sucessiva ordem jurídica estatal. Pode-se pensar numa resistência civil aos excessos confiscatórios de Leviatã, como se pode pensar, igualmente, e com boas razões, numa adscrição da propriedade a um interesse social que legitimamente se instaure, com claro balizamento jurídico e legal”.

A proposta precisa alcançar um nível de discussão que seja elevado, em honra à inteligência da Sra. deputada e à sua respeitável trajetória política e jurídica. (SJ). volta

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO No, DE 2004

(Da Sra. DRA. CLAIR e outros)

Dá nova redação ao art. 236 da Constituição e ao art. 32 do Ato das Disposições Constituições Transitórias, para determinar a prestação dos serviços notariais e de registro por órgãos públicos.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O art. 236 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos diretamente por órgãos dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, obedecidas as normas gerais estabelecidas por lei federal, nos seguintes termos:

I – Os serviços notariais, à exceção do protesto de títulos, e os registros relativos a pessoas naturais e a imóveis são de responsabilidade dos Municípios;

II – O protesto de títulos e os registros relativos a pessoas jurídicas, títulos e documentos são de responsabilidade dos Estados.

.........................................................

§3º O ingresso nas carreiras dos órgãos responsáveis pelos serviços notariais e de registro dependerá de aprovação em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação. (NR)"

Art. 2º Revogam-se os §§1º e 2º do art. 236 da Constituição Federal.

Art. 3º O art. 32 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 32. Não são devidos aos atuais titulares dos serviços notariais e de registro quaisquer indenizações ou repartições decorrentes da extinção dos respectivos cartórios, ou da transferência desses serviços aos órgãos da Administração Pública dos Estados, dos Municípios ou do Distrito Federal. (NR)"

Art. 4º A transmissão dos livros e documentos dos atuais cartórios para os órgãos da Administração Pública responsáveis por esses serviços far-se-á no prazo máximo de um ano, a contar da data da promulgação da presente Emenda Constitucional, sem prejuízo da continuidade dos serviços e sob a fiscalização e supervisão dos respectivos órgãos corregedores da Justiça.

Art. 5º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. volta

JUSTIFICAÇÃO

A presente Proposta de Emenda à Constituição tem por objetivo alterar a forma de prestação dos serviços notariais e de registro, que deixarão de ser exercidos em caráter privado, mediante delegação do Poder Público a particulares, para serem desempenhados por órgãos públicos, vinculados aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.

Nesse sentido, a proposta distribui os diversos serviços hoje existentes entre Estados e Municípios, utilizando-se de critérios de proximidade entre o prestador do serviço e seu usuário.

Na sistemática atual, apesar de exercidos em caráter privado, os serviços notariais e de registro são submetidos a pouca ou nenhuma concorrência (em alguns casos, não há concorrência entre cartórios, como no caso do registro de imóveis), o que resulta na baixa qualidade dos serviços prestados à população, submetida muitas vezes a filas intermináveis e à demora em obtenção de certidões.

Além disso, os emolumentos devidos pela prestação dos serviços notariais e de registro são hoje elevados, dificultando o acesso às referidas atividades pelas pessoas menos favorecidas, o que contribui para a manutenção da informalidade em diversos setores.

Tais emolumentos poderiam ser reduzidos apenas ao custo necessário para a manutenção do serviço, caso o mesmo fosse prestado por órgãos da Administração Pública, além de representar uma fonte de receita para os Estados e os Municípios.

Por tais motivos, os serviços notariais e de registro devem possuir natureza pública, em razão do interesse maior que é o de trazer segurança jurídica a atos e negócios jurídicos, sendo exercidos por órgãos ligados aos Estados e aos Municípios, assegurando-se ao mesmo tempo que seus servidores serão qualificados, em função da exigência obrigatória de ingresso na carreira mediante a prévia aprovação em concurso público de provas e títulos.

Certos de que os nobres pares poderão avaliar a importância e o alcance da presente proposta, contamos com a sua aprovação.

Sala das Sessões, em     de maio de 2004.

Deputada DRA. CLAIR volta



Últimos boletins



Ver todas as edições