BE1146
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A reforma do notariado português
O texto abaixo é de responsabilidade do Ministério da Justiça de Portugal. Vale a pena a sua divulgação entre nós, permitindo-nos refletir sobre a importante decisão política do país com o qual guardamos inúmeras afinidades e profundas ligações.
A clareza do texto é reflexo direto da clarividência da sociedade portuguesa, que encara a privatização do seu notariado como uma etapa importante de aperfeiçoamento de suas instituições políticas e jurídicas.
Na contramão da história, vemos prosperar, por estas plagas, propostas de funcionalização do notário brasileiro, baseando-se em graves distorções históricas e preconceitos arraigados.
O exemplo português deve nos guiar, como nos amparou no passado, no sentido de alcançarmos um sistema exemplar de serviços notariais. O Brasil deve ao mundo um notariado independente e respeitado. (SJ).
O texto abaixo pode ser consultado diretamente no site do MJP
Imagem
O XV Governo Constitucional inscreveu no seu Programa a privatização do notariado como um dos objetivos essenciais à reforma estrutural da Administração Pública em geral, e da Justiça não contenciosa em particular, com impacto determinante no funcionamento do comércio jurídico, tendo já sido aprovada a Lei de Autorização Legislativa com o n.º 49/2003 de 22 de Agosto.
razões da privatização
Razões de ordem vária justificam a privatização ou liberalização ([i][1]) do notariado, tais como a nossa própria experiência histórica nacional, o ordenamento jurídico em que estamos inseridos e o alinhamento com a Europa.
Com efeito o notariado liberal sempre existiu em Portugal e os motivos que levaram em 1949, à funcionalização do notariado não encontram hoje justificação.
Os notários prestam uma relevante função social ao dar forma legal e conferir fé pública aos atos jurídicos extrajudiciais.
É por todos reconhecido que o sistema notarial vigente não responde de forma pronta e eficaz às reais necessidades do país e solicitações dos utentes, sendo mesmo apontado como entrave ao desenvolvimento social e econômico.
São conhecidas as ineficiências acumuladas neste serviço público, quer porque é manifestamente diminuto o número de notários, quer porque não foram feitos todos os investimentos necessários à modernização da sua atividade.
Não estando em causa o corpo de notários e funcionários, que muito contribuem para o prestígio que todos revemos na função, manter o sistema de notariado público vigente, envolveria um esforço financeiro muito elevado por parte do Estado na abertura de novos cartórios e remodelação dos antigos, aquisição de novos equipamentos e formação de mais recursos humanos.
O Estado entende que a atividade notarial no quadro de uma profissão liberal, desde que assegurada por uma adequada regulamentação, pode ser exercida com as mesmas garantias de qualidade, idoneidade, imparcialidade e independência, com a mais valia de maior desburocratização e economia.
A liberalização, a par da rápida modernização do setor permitirá assim, sem encargos para o Estado, um aumento significativo do número de notários, equilibradamente distribuídos por todo o território nacional, de forma a melhor corresponder às exigências dos cidadãos e dos agentes sociais e econômicos, proporcionando um serviço mais célere, eficiente e moderno, sem prejuízo da indispensável fé pública dos atos notariais.
Para se ter uma noção clara das disfunções do sistema, existem hoje em Portugal 320 notários, enquanto que na Bélgica, país com o mesmo número de habitantes, há 1.226 notários e só em Madri, o número é de 342, ou seja, mais que em todo Portugal.
Atualmente, há até menos notários que em 1990, cujo número ascendia a 386, pelo que com o acréscimo de exigências da sociedade moderna, o sistema não consegue responder eficazmente às solicitações.
Urge então, alterar o funcionamento do sistema através de um aumento efetivo do número de notários porque estes, como profissionais liberais, vão ter a gestão privada dos seus cartórios ficando mais próximo dos seus utentes e conseqüentemente, da natural satisfação dos seus interesses, sempre no quadro duma atividade rigorosamente regulada e fiscalizada pelo Estado.
Possibilitar-se-á assim, a introdução de uma concorrência regulada entre os notários e a implementação de uma tabela de atos notariais flexível, com redução dos custos da atividade notarial para os cidadãos e para as empresas, bem como a modernização do setor, sem esforço financeiro do Estado, além da auto-sustentabilidade do sistema notarial através da criação de um fundo de compensação, a fim de manter a equidade entre os notários.
A privatização implica a obrigatoriedade do notário celebrar todos os atos legais para os quais seja solicitado, conduzindo a um melhor funcionamento da justiça a diversos níveis, pois não só facilita o comércio jurídico, porque torna os serviços mais céleres e eficientes, como tem uma função preventiva da conflitualidade judicial.
A instituição notarial nas sociedades do sistema romano-germânico rege-se por princípios e assegura valores como a certeza, a imparcialidade, a independência, a autenticidade da vontade das partes, a liberdade, a segurança e justiça, porque o seu formalismo preserva a liberdade individual, a sua eficácia e o seu poder legitimador asseguram a proteção dos interesses econômicos e a sua transparência a todos informa. É pois, garante da paz social e essencial na prevenção de conflitos.
Sociedades que prescindiram deste tipo de notariado, tal como a anglo-saxônica, obtiveram um aumento de litigiosidade e elevados custos com a justiça.
É evidente o benefício de se aproximarem as estruturas e o funcionamento do notariado às vigentes na Europa, tendo-se já feito propostas no sentido de uma harmonização da atividade notarial no espaço europeu.
Como resulta da conferência de Tampere, a livre circulação do documento notarial no espaço Europeu é fundamental para que os países não manifestem desconfiança.
O sistema português de notariado público afigura-se pois, como verdadeiramente excepcional no contexto do direito europeu de matriz romano-germânica, pelo que se deve retomar a tradição portuguesa anterior à funcionalização do notariado.
Este modelo, denominado notariado latino, em que o notário é um profissional liberal no exercício de funções públicas, está em vigor nos países da União Européia, excetuando a Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca, na maioria dos antigos países do Bloco de Leste, incluindo a Rússia, nos países da América Latina e em alguns Estados Africanos e Asiáticos, como por exemplo o Japão.
É pois necessário reformar o notariado para o colocar a par de países como a Polônia, Hungria e República Checa, entre outros, que já aderiram a este sistema, desconhecendo-se no entanto, qualquer adesão ao notariado anglo-saxônico.
a privatização
Com a aprovação do presente projeto pretende-se estruturar a atividade notarial de acordo com o modelo de notariado latino, em que o notário passa então a revestir a dupla qualidade de oficial, delegatário do poder de conferir fé pública, e de profissional liberal:
- Como oficial, porque exerce funções públicas, como seja a de dar forma legal e conferir autenticidade aos atos jurídicos extrajudiciais, decorrendo daí a especial força probatória e executiva dos mesmos e fica sujeito aos deveres de imparcialidade e independência;
- ao princípio do numerus clausus e de delimitação de competência territorial;
- à existência de um mapa notarial, com indicação do número e local dos cartórios;
- à determinação de uma tabela emolumentar, com indicação de preços fixos para atos de grande relevo social, preços variáveis entre mínimos e máximos e preços livres;
- está submetido ao poder regulador, fiscalizador e disciplinar do Estado, através do Ministro da Justiça, ao mesmo tempo goza do direito ao uso do selo branco, símbolo da fé pública delegada.
Dadas as importantes funções que exercem, o acesso à profissão será regulado e fiscalizado pelo Estado, de modo a garantir tanto uma elevada qualificação técnica, como o respeito rigoroso de regras deontológicas.
Como profissional liberal, o notário gere o cartório de forma privada, contratando e pagando aos seus colaboradores, bem como suporta as demais despesas com a atividade, e fixa o valor dos atos notariais no âmbito de uma tabela emolumentar flexível, tendo em consideração a complexidade do ato.
Está também obrigatoriamente inscrito na Ordem dos Notários a criar, que fiscaliza o exercício da atividade notarial e exerce o poder disciplinar sobre os notários decorrente de condutas que violem o disposto no seu Estatuto, perante a qual goza de direitos e está adstrito a deveres.
Como contrapartida do reconhecimento que o Estado confere aos notários no exercício da fé pública e dentro de um espírito de equidade profissional, existirá um Fundo de Compensação destinado a garantir a instalação de notários em zonas economicamente desfavorecidas.
o período transitório
Como uma reforma desta natureza gera alguma instabilidade, pretende-se garantir uma transição gradual do atual regime de notariado público para o regime privado, pelo que será estabelecido um período transitório de dois anos, durante o qual coexistirão notários públicos e notários privados, procedendo-se à transformação dos atuais cartórios para o novo sistema, com a abertura de concursos para atribuição de licenças para instalação dos novos notários.
Não foram esquecidos os direitos adquiridos dos atuais notários e funcionários.
No período transitório os notários poderão optar por transitar para o novo regime de notariado privado ou em alternativa, manter o vínculo à função pública sendo, neste caso, integrados em Conservatórias.
Quanto aos funcionários, o regime será idêntico ao dos notários, com a particularidade de beneficiarem de uma licença sem vencimento de longa duração pelo prazo de cinco anos, durante a qual poderão experimentar o regime privado, uma vez escolhidos pelo notário, podendo em qualquer altura da mesma, regressar à função pública com garantia do direito ao lugar.
benefícios
Com a adoção do novo modelo, há uma aproximação às melhores práticas do setor do notariado, bem como uma introdução de mecanismos de mercado, em regime de concorrência regulada e de gestão profissional.
Estes benefícios traduzem-se na modernização dos atuais notários, com a conseqüente melhoria do serviço prestado aos cidadãos e às empresas, e no aumento da produtividade da atividade notarial com redução da aplicação de recursos do Estado na execução da atividade notarial, passando a caber ao Estado apenas as atividades de regulação e fiscalização.
O novo modelo é benéfico para os cidadãos e empresas, para os notários e para o Estado, porque os utentes beneficiam com a redução dos custos dos atos notariais e com o aumento significativo do número de notários, facilitando-se o acesso à prestação de serviços, diminui o tempo de espera para a realização de atos notariais, ônus particularmente relevante em determinadas zonas do país; em suma, melhor qualidade do serviço prestado, com igual garantia da segurança e certeza jurídica dos atos realizados pelo notário.
Aos notários são disponibilizadas condições fundamentais ao desenvolvimento da sua atividade, através de uma gestão profissional e flexível do cartório, pela criação da Ordem dos Notários, associação pública que colabora com o Estado no acesso, regulação e fiscalização da atividade Notarial e administração de um Fundo de Compensação, garante do exercício da atividade notarial nos Municípios com reduzida população ou atividade econômica.
Finalmente, o Estado também beneficia desta nova abordagem, em termos de imagem, pelo impulso decisivo na modernização deste serviço, como parte integrante da reforma da administração pública; pelo potencial aumento de receitas provenientes de impostos, recuperação e alienação de imóveis, mobiliário e outros equipamentos provenientes dos atuais cartórios; pela redução das despesas correntes, através das poupanças relacionadas com vencimentos, contribuições para a Caixa Geral de Aposentações e cessação de arrendamento de espaços imobiliários; e pelo aumento dos índices de produtividade, reduzindo os custos de contexto da economia e facilitando o comércio jurídico.
notário XXI - Novos Serviços dos Notários – A Fé Pública e o Mundo Digital
O novo ambiente proporcionado pelo Estado, com a execução da privatização do Notariado, é adequado ao desenvolvimento de novos serviços prestados pelos Notários aproveitando a exploração do mundo digital e a transição da fé pública para o ambiente digital.
Com efeito, baseado na existência de um novo notário, profissional liberal e guardião da fé pública, pode configurar caminhos novos a explorar, onde pode prestar serviços fazendo a transição da fé pública para o mundo digital. O novo notário através de mecanismos tecnológicos como a autenticação, a integridade e a confidencialidade das transações eletrônicas, poderá assegurar o crescimento do valor acrescentado dos seus serviços.
O notário do século XXI, poderá ainda funcionar:
- Como agente da equivalência da informação entre o mundo físico e digital, fazendo e certificando a transposição de documentação original em papel, para formato eletrônico autenticado e vice-versa, enviando e recepcionando documentação eletrônica para cidadãos e empresas.
- Como intermediário do cidadão e das empresas para serviços do Estado disponíveis eletronicamente, servindo de intérprete de info-excluídos no diálogo eletrônico com o Estado e outras entidades singulares ou coletivas.
- Como garante do reconhecimento do cidadão ou empresas para a atribuição de certificados digitais, prestando serviços fidedignos e reconhecidos para verificação de identidade de cidadão e empresas para posterior emissão de certificado digitas.
- Como fiel depositário de informação digital, guardando informação eletrônica de terceiros e certificados digitais de pessoas coletivas ou singulares.
Concluindo, a privatização do notariado é uma medida fundamental para a satisfação dos utentes, proporcionando-lhes uma maior acessibilidade aos serviços notariais resultante da expansão do número de notários, bem como da redução de custos e melhoria de qualidade dos serviços prestados aos cidadãos e às empresas.
Confira também:
Decretos-Lei
Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro - Aprova o Estatuto do Notariado (210,5 Kbytes) PDF
Decreto-Lei n.º 27/2004, de 4 de Fevereiro - Cria a Ordem dos Notários e aprova o respectivo Estatuto (124,6 Kbytes) PDF
Textos
Texto Explicativo - Reforma do Notariado (45 Kbytes) Word
Aviso n.º 4994/2004, de 20 de Abril - Abertura de concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial (736 Kbytes) PDF
Leis
Lei n.º 49/2003, de 21 de Abril - Autoriza o Governo a aprovar o novo regime jurídico do notariado e a criar a Ordem dos Notários (90,8 Kbytes) PDF
Portarias
Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril - Aprova a tabela de honorários e encargos da actividade notarial (110,5 Kbytes) PDF
Portaria n.º 398/2004, de 21 de Abril - Aprova o Regulamento de Atribuição do Título de Notário (94,7 Kbytes) PDF
Apresentações
Apresentação Pública da Reforma do Notariado (662,1 Kbytes) ZIP
[i][1] Liberalização, na medida em que o notário hoje funcionário público, passa após esta reforma, a profissional liberal.
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