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Separação de bens convencional – alienação - vênia conjugal. Novo código civil - NCC
Discussão sobre a necessidade de vênia conjugal para os negócios jurídicos de alienação de bens imóveis celebrados na vigência do Novo Código Civil por proprietários casados sob o regime da separação de bens, com casamento celebrado na época em que vigoravam as regras do direito de família da Codificação de 1916. Confira abaixo a suscitação de dúvida dos registrador substituto Dr. Alexandre Laizo Clápis e a decisão do juiz-corregedor permanente no Processo 000.04.028316-0 da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo.
Índice:
I. Apresentação do Assunto
II. A Legislação Pertinente ao Caso e o Respeito ao Ato Jurídico Perfeito
III. A regra do art. 1647 do Código Civil de 2002, as espécies de Separação de Bens e o art. 259 do Código Civil de 1916
IV. Limites do Registrador na Aplicação da Lei
V. Conclusão
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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo
Referência: Dúvida - Requerentes: MM e ZDM
O 13º Oficial de Registro de Imóveis desta Comarca de São Paulo, tendo prenotado, em 11/03/2004, sob o nº 179058 (doc.# 1), instrumento particular datado de 11/03/2004, subscrito pelos ora requerentes ... (doc.# 2), vem, respeitosamente, a esse digno Juízo, em razão do pedido de suscitação de “dúvida” contido no aludido instrumento, em consonância com o que dispõe o art. 198 e seguintes da Lei Federal nº 6.015/1973, prestar as informações abaixo.
Em 13/01/2004, sob o número de prenotação 177946, foi apresentada para exame e registro a escritura pública de compra e venda lavrada em 08/01/2004, no livro 2.082, página 043, do 2º Tabelionato de Notas local (doc.# 3), que tem como objeto o imóvel situado na rua TS nº 1.242, matriculado sob o nº 11.687 (doc.# 4), nesta Serventia Registrária.
Na referida escritura pública compareceram como outorgantes vendedores IMS, CTS, BCTS e RTS, “casado sob o regime da separação de bens, em 5 de dezembro de 1985, convencionado por escritura de pacto antenupcial de 14 de novembro de 1985, lavrada no 29º Tabelionato de Notas da Capital, livro 162, fls. 056, registrada sob nº 6.468, livro 3, registro auxiliar, no 18º Registro de Imóveis local, com IOMCS...” (destaques acrescidos).
A esposa do senhor RTS - senhora IOMCS - não manifestou expressa vontade no aludido negócio jurídico de compra e venda, ou seja, não compareceu formalmente como parte contratante (outorgante vendedora). Por esta razão, foi elaborada nota devolutiva datada de 27/01/2004 (doc.# 5), para o referido título público, então prenotado sob o nº 177946, em 13/01/2004, como referido anteriormente, cujo teor peço vênia para transcrever:
“1. Na escritura acima mencionada deverá constar a anuência do cônjuge IOMCS, com quem o vendedor RTS é casado sob o regime da separação de bens, em 05/12/1985, nos termos da escritura de pacto antenupcial registrada sob nº 6468, no 18º Registro de Imóveis de São Paulo (Código Civil Brasileiro de 1916, art. 235, inciso I cc arts. 2035 e 2039 do Código Civil Brasileiro de 2002)”. (sic)
Não se conformando com a exigência acima transcrita, os outorgados compradores - MM e ZDM -, pelo instrumento particular de 11/03/2004 (doc.# 2), requereram fosse suscitada a presente dúvida. volta
I. Apresentação do Assunto
Inicialmente, com todo acatamento, saliento que se trata de matéria polêmica e que, apesar da fundamentação legal adiante mencionada, caberá, ao menos no entender deste Oficial, ao Poder Judiciário e aos doutrinadores a pacificação do melhor entendimento.
Trata-se de saber se há ou não necessidade de vênia conjugal para os negócios jurídicos de alienação de bens imóveis celebrados na vigência do atual Código Civil, por proprietários casados sob o regime da separação de bens, com casamento celebrado na época em que vigoravam as regras do direito de família da Codificação de 1916.
No presente caso, o imóvel situado na rua (...), objeto da já mencionada matrícula nº 11687, consoante formal de partilha expedido em 11/05/1993, pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Santos, deste Estado, nos autos do inventário dos bens deixados em razão do falecimento de LTS, registrado sob o nº 10, em 17/12/2003, na referida matrícula nº 11687, foi partilhado ao viúvo IMS (metade ideal) e, na proporção de 25% para cada um, a RTS, casado sob o “regime da completa e absoluta separação de bens” (expressão extraída da certidão de casamento do casal - doc.# 6), em 05/12/1985, com IOMCS, e CTS, casado sob o regime da comunhão de bens com BCTS.
Pela escritura pública de venda e compra qualificada negativamente, o co-proprietário RTS compareceu desacompanhado de sua esposa - IOMCS. Portanto, não houve no negócio jurídico de alienação expressa e formal vênia conjugal da esposa do co-proprietário RTS, o que, respeitosamente, motivou a transcrita exigência. volta
II. A Legislação Pertinente ao Caso e o Respeito ao Ato Jurídico Perfeito
Afirmam os suscitantes que a exigência feita por esta Serventia Registrária afronta texto literal de lei, especialmente o que prevê o art. 1.647 do Código Civil atual, o qual estabelece que:
“Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação ABSOLUTA:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;” (destaques acrescidos).
Entretanto, como dito de início, o presente tema é controverso e necessita ser analisado em conjunto com outros dispositivos legais para evitar, no entender deste Oficial, interpretações equivocadas capazes de provocar eventuais prejuízos a terceiros.
Incontestável que o novo Código Civil inovou quanto à desnecessidade de outorga conjugal para os casamentos celebrados na sua vigência, desde que os consortes tenham elegido o regime da separação absoluta de bens. A questão é saber se tal regra também é aplicável aos casamentos celebrados antes da vigência da atual legislação civil, ou seja, quando vigorava o Código Civil de 1916.
Para tentar responder a tal indagação é necessário trazer ao debate, sempre com todo respeito, o preceito legal indicado no art. 2.039 das disposições transitórias do Código Civil de 2002. Estabelece tal dispositivo:
“O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido”.
Pelo que se denota da leitura do art. 2.039 do Código Civil de 2002, o legislador fez expressa remissão às disposições legais do Código Civil revogado, quando houver necessidade de se buscar regras relativas a regime de bens para solucionar questões que envolvam pessoas casadas no interregno de tempo entre a vigência do Código Civil de 1916 (1º/01/1917) e a do atual (Lei Federal º 10.406/2002).
É importante destacar que o entendimento que ora se apresenta não tem o escopo de perpetuar o Código Civil de 1916. Aliás, o Código atual revogou expressamente o anterior (art. 2.045). O referido art. 2.039 está contido nas disposições finais e transitórias e, ao que parece, tal fato se deve em razão das conseqüências que a norma sofrerá com o decurso do tempo. Se o Código atual vigorar pelo mesmo tempo que o anterior ou por igual período do Código Civil Francês, por exemplo, muito provavelmente não haverá situações matrimoniais que se sujeitarão a tal dispositivo legal, haja vista a média de vida do brasileiro.
A questão é saber, também, qual o limite interpretativo do Registrador Imobiliário no exercício de suas atribuições.
Aparentemente, com todo respeito, ao que importa para a qualificação registrária, mostra-se hipótese de simples aplicação direta de dispositivo de ordem pública.
O art. 2.039 da Lei Federal nº 10.406/2002, transcrito acima, expressamente determina que as regras relativas aos regimes de bens estabelecidas no Código Civil de 1916 serão aplicadas aos casamentos celebrados no período em que vigorava esta Codificação, mesmo após a vigência do diploma civil atual.
E, com todo acatamento, não poderia ser diferente em razão do princípio consagrado no ordenamento jurídico pátrio, o de respeito ao ato jurídico perfeito.
Como já mencionado, o casamento dos outorgantes vendedores RTS e IOMCS foi celebrado em 05/12/1985. Portanto, na vigência do Código Civil de 1916.
O art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil estabelece que: “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.” O §1º do citado art. 6º caracteriza o ato jurídico perfeito: “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.” (grifou-se).
O respeito que devem as novas leis ao ato jurídico perfeito está previsto, também e principalmente, no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
Alexandre de Moraes preleciona que: “Ato jurídico perfeito é aquele que reuniu todos os seus elementos constitutivos exigidos pela lei. O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito aplica-se a todas as leis e atos normativos, inclusive às leis de ordem pública.” (Constituição do Brasil Interpretada, Atlas, São Paulo, 2002, pág. 299) (destaques nossos).
João Baptista de Mello e Souza Neto ensina que: “A regra é que os efeitos da lei somente alcancem fatos ocorridos posteriormente ao início da vigência desta. É o princípio da irretroatividade das leis. Em nosso Direito, exceção feita à Constituição de 1937, a tradição é a adoção de tal princípio, à medida que se dispõe que a lei nova não retroage para alcançar direitos adquiridos; coisa julgada e ato jurídico perfeito. Da carta de 1988, o art. 5º, inciso XXXVI, segue tal tradição, abraçando o que dispõe o art. 6º da LICC: ‘A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada’. No dizer da LICC, ato jurídico perfeito é aquele ‘já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou’; coisa julgada é a ‘decisão judicial de que já não caiba recurso’ (inclusive extraordinário; ver CPC, art. 467, coisa julgada material) e direito adquirido é o que ‘seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,’ ainda que suspenso até o advento do termo (evento futuro e certo) ou condição (evento futuro e incerto; sobre termo e condição, ver Ccivil, arts. 114 e seguintes).” (Direito Civil - Parte Geral, Atlas, São Paulo, 4ª edição, 2002, pág. 22).
Maria Helena Diniz afirma que: “a segurança do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido pela proteção que se concede ao seu elemento gerador, pois se a nova norma considerasse como inexistente, ou inadequado, ato já consumado sob o amparo da norma precedente, o direito adquirido dele decorrente desapareceria por falta de fundamento. Convém dizer que para gerar direito adquirido, o ato jurídico deverá não só ter acontecido em tempo hábil, ou seja, durante a vigência da lei que contempla aquele direito, mas também ser válido, isto é, conforme preceitos legais que o regem.” (Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro Interpretada, Saraiva, São Paulo, 9ª edição, 2002, pág. 185).
Ao que parece, o casamento dos outorgantes vendedores RTS e IOMCS obedeceu aos requisitos necessários para validade dos atos jurídicos, tais como agente capaz, objeto lícito e forma prevista ou não proibida por lei (Código Civil de 1916, art. 82), além daqueles relativos ao casamento.
V. Exa. decidiu no procedimento de dúvida inversa nº 000.03.066849-2 que:
“A lei nova não pode atingir e prejudicar o ATO JURÍDICO PERFEITO, a COISA JULGADA e o DIREITO ADQUIRIDO. A requerente ostenta tal garantia, posto que tomou todas as cautelas na época, contando com a VALIDAÇÃO dos efeitos de sua ESCRITURA, por força da decisão judicial, que mesmo não enveredando pelos meandros do DIREITO MATERIAL, produziu EFEITOS JURÍDICOS que devem ser respeitados e aceitos, quer em decorrência da "coisa julgada", quer por produzir "ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO’ ”.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela necessidade da lei nova respeitar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Permita-me, com todo acatamento, transcrever uma decisão proferida pelo referido Egrégio Tribunal Superior:
“Agravo regimental em agravo de instrumento. Previdenciário. Revisão de benefício. Pensão por morte. Lei mais benéfica. Incidência. Benefícios em manutenção. Possibilidade.
1. "1. No sistema de direito positivo brasileiro, o princípio tempus regit actum se subordina ao do efeito imediato da lei nova, salvo quanto ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (Constituição da República, artigo 5º, inciso XXXVI e Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 6º).
2. A lei nova, vedada a ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, tem efeito imediato e geral, alcançando as relações jurídicas que lhes são anteriores, não, nos seus efeitos já realizados, mas, sim, nos efeitos que, por força da natureza continuada da própria relação, seguem se produzindo, a partir da sua vigência.
3. 'L'effet immédiat de la loi doit être considéré comme la règle ordinaire: la loi nouvelle s'applique, dès sa promulgation, à tous les effets qui résulteront dans l'avenir de rapports juridiques nés ou à naître' (Les Conflits de Lois Dans Le Temps, Paul Roubier, Paris, 1929).
4. Indissociável o benefício previdenciário das necessidades vitais básicas da pessoa humana, põe-se na luz da evidência a sua natureza alimentar, a assegurar aos efeitos continuados da relação jurídica a regência da lei nova que lhes recolha a produção vinda no tempo de sua eficácia, em se cuidando de norma nova relativa à modificação de percentual dos graus de suficiência do benefício para o atendimento das necessidades vitais básicas do segurado e de sua família. 5. O direito subjetivo do segurado é o direito ao benefício, no valor irredutível que a lei lhe atribua e, não, ao valor do tempo do benefício, como é da natureza alimentar do benefício previdenciário." (REsp 402.556/SC, da minha Relatoria, in DJ 19/12/2002).
2. Agravo regimental improvido.” (AGA 492451/SP;2003/0023675-2, relatado pelo Ministro Hamilton Carvalhido, por unanimidade, publicada no DJ em 09/02/2004 pág. 215)
No mesmo sentido, REsp nº 436764/AL, DJ de 19/12/2002, pág. 492; EREsp nº 311725/AL, DJ de 19/12/2002, pág. 331; EREsp nº 297549/SC, DJ de 19/12/2002, pág. 331; Resp nº 337884/RN, DJ de 04/02/2002, pág. 605; REsp nº 333905/SC, DJ de 04/02/2002, pág. 602; REsp 335062/SC, DJ de 04/02/2002, pág. 603, dentre outras.
Soma-se aos requisitos necessários para validade do casamento a escolha de qual regime de bens a que o patrimônio familiar estará submetido. O casal RTS e IOMCS adotou o regime da separação de bens, simples como se verá adiante, por escritura de pacto antenupcial lavrada em 14/11/1985, nas notas do 29º Tabelião desta Capital (livro 162 -fls. 55 vº), registrada sob o nº 6.468, no 18º Registro de Imóveis local (doc.# 7).
Em que pese as divergências doutrinárias sobre a natureza jurídica do casamento - contrato especial para Orlando Gomes; instituição para Washington de Barros Monteiro e ato jurídico complexo e solene sem natureza contratual para Arnold Wald -, inegável que uma das conseqüências deste ato jurídico é o efeito patrimonial que os bens dos consortes ficam submetidos durante o matrimônio, cujo regramento é estabelecido pelos princípios jurídicos estatuídos no correspondente regime de bens adotado. Tais princípios reguladores servem para normatizar os interesses patrimoniais entre os próprios cônjuges ou destes (ou até mesmo de um só deles) com terceiros.
Como bem afirma Pontes de Miranda, “o regime matrimonial dos bens estabelece a norma dos interesses econômicos dos cônjuges, quer entre si, quer nas suas relações com terceiros. Abre, pois, em ângulo: para o outro cônjuge e para com aqueles que com eles ou com um deles trata.” (Tratado de Direito Privado, tomo 8, Bookseller, 1ª edição, 2000, pág. 294).
Assim, até que se prove o contrário, pode-se considerar o casamento dos outorgantes vendedores RTS e IOMCS celebrado com observância às regras estabelecidas na legislação civil, o que o caracteriza como ato jurídico perfeito. E, como tal, produz direito adquirido que deve ser observado e respeitado pelo nosso ordenamento, sob pena de gerar insegurança às relações jurídicas, situação combatida pelo nosso ordenamento, em especial pela Carta Cidadã de 1988.
Portanto, considerado o casamento de RTS e IOMCS um ato jurídico perfeito (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVI, e Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º), imperativo que o novo Código Civil respeite referido ato. E tanto é assim que o legislador, sem perder este referencial, acrescentou às normas de disposição transitória o já citado art. 2.039. Ou seja, frise-se, uma vez mais, o regime de bens para os casamentos, celebrados na vigência do Código Civil de 1916, será por este regulado. Afastou-se, assim, a incidência das regras previstas no Código Civil de 2002, que regulamentam o patrimônio familiar durante o casamento.
E sob a ótica do regramento do Código Civil de 1916, o regime de bens entre os cônjuges começava a vigorar desde a data em que celebrado o casamento (art. 230; correspondência no Código Civil de 2002 - art. 1639, § 1º). Este dispositivo legal adotou o princípio da imutabilidade dos regimes de bens, o que o novo Código Civil afastou desde que haja autorização judicial (art. 1639, § 2º).
Os regimes de bens, tanto no Código Civil de 1916 quanto no atual, são submetidos a regras cogentes, gerais e superiores e que devem ser observadas pelos cônjuges e por terceiros que com eles estabeleçam convenções contratuais. Uma delas é a de necessidade ou não da outorga conjugal para alienação de bens imóveis.
O art. 235 do Código Civil de 1916 proibia que o marido, qualquer que fosse o regime de bens (inciso I), alienasse bens imóveis sem que houvesse o expresso consentimento da mulher (a mulher estava submetida a idêntica vedação nos termos do art. 242, inciso I, do referido Código de 1916). Evidentemente que, ressalvado superior entendimento de V. Exa., apesar de o art. 2.039 do Código Civil de 2002 referir-se a regime de bens, imperativo a aplicação do mencionado dispositivo sobre vênia conjugal, por se tratar de regra geral e de ordem pública aplicável a todas as espécies de regime de bens.
Se os regimes de bens estavam sujeitos a tal prescrição legal (vênia conjugal), especialmente para os atos de alienação de bens imóveis, ao determinar a observância do Código Civil de 1916, quanto ao regime de bens para os casamentos celebrados na vigência deste diploma legal, indiscutível que os referidos artigos 235 e 242 devem ser também observados, pois se referem, como dito acima, indistintamente, a todos os tipos de regime de bens.
Neste sentido, o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira afirma textualmente que: “Reporte-se, no entanto, ao art. 2.039 das “Disposições Transitórias” ao determinar que ‘o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido’. Pela leitura literal desta regra legal, se o casamento for anterior ao novo Código, mantém-se, por exemplo, a exigência da outorga uxória para a alienação de bens prevista nos arts. 235 e 242 de 1916, apesar do art. 1.687 de 2002 dispensá-la, expressamente, nos regimes de separação convencional.” (Instituições de Direito Civil, Forense, Rio de Janeiro, 14ª edição, 2004, pág. 192).
O professor Silvio Venosa, ao comentar a disposição do art. 1.647 do Código Civil de 2002, assevera que o Legislador atual aboliu a necessidade de vênia conjugal quando o regime de bens for o da separação absoluta (Introdução ao Direito Conjugal Patrimonial, in O Novo Código Civil e o Registro de Imóveis, saFE - Sergio Antonio Fabris Editor -, Porte Alegre - 2004, páginas 185 e 237). Todavia, parece que o doutrinador refere-se a casamentos celebrados na vigência do atual Estatuto Civil, porquanto, salvo melhor juízo, não o fez tendo presente as normas de transição, in casu, aquela corporificada no mencionado art. 2039.
Vale dizer, ainda, com todo acatamento, que apesar de terem adotado o regime da separação de bens, os cônjuges RTS e IOMCS tinham, por garantia legal e em respeito ao direito adquirido, princípio também consagrado em nosso ordenamento jurídico (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVI, e Lei de Introdução do Código Civil, art. 6º), a possibilidade de, individual e permanentemente, fiscalizar os atos um do outro para evitar, por exemplo, que a influência de um cônjuge sobre o outro desvirtuasse o que se convencionou no acordo pré-nupcial e resultasse em indevido benefício de um em detrimento do outro.
Com todo respeito ao 3º Oficial Registrador local - Doutor George Takeda -, não se pode aceitar que o presente problema seja avaliado sob o ponto de vista de capacidade civil dos cônjuges, como consignado na resposta do referido Registrador, na coluna do IRIB no jornal Diário de São Paulo, edição do dia 14/03/2004. A capacidade das partes sujeita-se às normas cogentes. A vênia conjugal não tem a finalidade de suprir ou suprimir a capacidade contratual do outro consorte, mas tão somente de legitimar a manifestação de vontade.
O art. 2039 determina aplicação de regras que a autonomia contratual das partes deve observar, ou seja, a necessidade de vênia conjugal para alienação ou oneração de bens, independente do regime de bens adotado. Cediço que a autonomia privada das partes contratantes não pode afastar a incidência da norma de ordem pública. Se assim não fosse, por exemplo, poder-se-ia admitir a celebração de contratos cujo objeto fosse a herança de pessoa viva (art. 426 do Código Civil) ou que se alterasse a ordem de vocação hereditária (art. 1.828 do Código Civil).
É de se ponderar, ainda, com a devida vênia, a possibilidade do casal RTS e IOMCS terem adotado o regime da separação de bens em razão das normas que se apresentavam à época. É possível que tal escolha tenha decorrido da idéia de que, mesmo se considerados incomunicáveis os bens adquiridos na constância do casamento, a cada um dos consortes cabia o direito legal de acompanhar e vigiar a conduta do outro nos negócios jurídicos de disposição de tais bens, em nome da segurança patrimonial e financeira da família.
Portanto, se aplicável a norma contida no art. 259 do Código Civil de 1916, insuficiente será a vênia conjugal em virtude da comunicabilidade do referido bem imóvel ao patrimônio comum do casal, o que, ressalvado o entendimento contrário de V. Exa., tornará necessário o comparecimento de IOMCS como alienante. volta
III. A regra do art. 1647 do Código Civil de 2002, as espécies de Separação de Bens e o art. 259 do Código Civil de 1916
Vale dizer, também, que mesmo se não for possível aplicar os argumentos expostos acima quanto ao que determina o art. 2.039 e a necessidade da vênia conjugal para o presente caso, necessário destacar que a permissão contida no art. 1.647 do Código Civil não se aplica ao caso em análise.
O mencionado art. 1647 do Código Civil de 2002 estabelece que:
“Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;” (grifos nossos).
Pelo que se depreende da leitura direta do dispositivo legal indicado acima, a dispensa da vênia conjugal é possível apenas para os casamentos celebrados sob o regime da completa e absoluta separação de bens.
Como se sabe, pelas regras do Código Civil de 1916, a separação de bens poderia decorrer de convenção dos cônjuges feita em escritura pública de pacto antenupcial ou de imposição legal nas hipóteses do parágrafo único do art. 258 (Código Civil de 2002, artigos 1.523 e 1.641). Mesmo para esta última hipótese - regime de separação de bens legal ou obrigatória -, em determinadas circunstâncias, era possível, de acordo com as regras do Código Civil de 1916, que os nubentes celebrassem pacto antenupcial para impedir a comunicação dos aqüestos e afastar a aplicação da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal (in verbis: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”). Portanto, o regime da separação de bens poderia ser convencional ou legal. Em ambos os casos, a separação seria absoluta desde que expressamente afastada a comunicação dos aqüestos em contrato pré-nupcial, em razão da regra contida no art. 259 do Código Civil de 1916.
Com todo respeito, apenas para reforçar a argumentação, diante do regramento respectivo é possível concluir que há duas espécies de separação convencional de bens, a simples ou limitada e a pura ou completa.
Na separação simples ou limitada são incomunicáveis os bens trazidos pelos contraentes e comunicáveis os adquiridos na constância do casamento, salvo se houve cláusula expressa em contrário. Caracteriza-se a separação pura ou completa “quando os cônjuges estipulam a incomunicabilidade dos bens presentes e futuros, bem como a dos frutos e rendimentos, ...”. (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, tomo 8, Bookseller, 1ª edição, 2000, pág. 433).
A separação de bens, portanto, será completa e absoluta e evitará que se comuniquem os bens adquiridos na constância do matrimônio, quando os consortes, além de adotarem tal regime, estabeleçam na escritura pública de pacto antenupcial que não haverá comunicação dos bens presentes e futuros.
Neste sentido, Silvio Rodrigues afirma que: “embora os nubentes hajam declarado, no pacto antenupcial, que escolhem o regime da separação de bens, na realidade estarão se casando pelo regime da comunhão parcial, a menos que reiterem que também os adquiridos não se comunicam. Portanto, na escolha do regime da separação absoluta se faz mister duas declarações: que os nubentes escolhem o regime da separação de bens e que os bens aqüestos também não se comunicarão.” (Direito Civil, Saraiva, São Paulo, 2002, 27ª edição, vol. 6, pág. 186).
Perfilha idêntico entendimento, dentre outros, Silvio Venosa (op. cit., páginas 237 e 238).
A propósito, consta no registro da escritura pública de pacto antenupcial de RTS e IOMCS, feita em 20/10/1997, sob o nº 6.468, no 18º Registro de Imóveis local (doc.# 7), apenas e tão somente a declaração de qual regime será adotado (in verbis: “... de comum acordo, convencionaram que o regime de bens a vigorar entre eles após a realização do seu casamento, será o da SEPARAÇÃO DE BENS.”). Não há qualquer referência sobre a não comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento.
Salienta-se, por oportuno, que de acordo com o art. 259 do Código Civil de 1916, ainda que o regime adotado não seja o da comunhão de bens, serão aplicados os princípios deste regime se não houver disposição contratual na escritura pré-nupcial quanto à comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento
Portanto, o regime de bens do casal RTS e IOMCS, segundo a classificação dada por Pontes de Miranda, é o da separação simples de bens, com comunicação daqueles adquiridos durante a vida conjugal, pela regra do art. 259 do Código Civil de 1916, tendo em conta que a convenção nupcial não estabeleceu a incomunicabilidade absoluta de todos os bens.
Pontes de Miranda é taxativo sobre a necessidade de se prever expressamente na escritura antenupcial a incomunicabilidade dos bens adquiridos na constância do matrimônio. Preleciona o doutrinador que:
“O regime somente é o da separação dos bens trazidos e dos aqüestos quando se diz expressamente isso, e.g., quando se emprega o adjetivo ‘absoluta’ proposto a ‘separação de bens’. Fora daí, incide o art. 259.” (Tratado de Direito Privado, tomo 8, 1ª edição, 2000, Bookseller, pág. 434).
Assim, como o regime de bens do casal em questão - RTS e IOMCS - é o da separação simples ou limitada de bens, impossível aplicar o aludido art. 1647 do Código Civil de 2002, tendo em conta que este dispositivo trata da hipótese de separação absoluta de bens, que, como visto, não permite qualquer tipo de comunicação patrimonial entre os cônjuges, especialmente em relação aqueles adquiridos na vigência da vida matrimonial.
Além do mais, respeitosamente, com a determinação contida no art. 2039 do Código Civil de 2002, há ainda que se considerar a aplicação do citado art. 259 do Código Civil de 1916, que determina:
“Embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento.”
Sabe-se que o citado art. 259 não foi repetido no Código Civil de 2002. Seria correto entender que é da atribuição do registrador afirmar que tal preceito foi derrogado ou ab-rogado? Evidentemente, com todo acatamento, a resposta, em princípio, parece ser negativa.
A aquisição do bem objeto da escritura qualificada negativamente se deu com o falecimento de LTS (Código Civil de 1916, artigos 1572 e 1577), que ocorreu em 16/05/1990 (doc.# 8), quando RTS e IOMCS já eram casados (celebração em 05/12/1985).
Portanto, se combinarmos os artigos 2039 e o 259, o primeiro do Código Civil de 2002 e o segundo do de 1916, pode-se concluir, ressalvado superior entendimento de V. Exa., que a fração ideal do imóvel objeto da matrícula nº 11687, adquirida pelo co-proprietário RTS comunicou-se com IOMCS em razão do regime de bens adotado. Este fato, portanto, torna imprescindível não só a vênia conjugal por parte de IOMCS, no instrumento público de alienação que recebeu qualificação negativa, mas o comparecimento dela como alienante do dito bem, em atenção ao princípio da disponibilidade. volta
IV. Limites do Registrador na Aplicação da Lei
Não se nega o conteúdo administrativo que tem os atos praticados pelo Registrador Imobiliário no exercício de suas atribuições legais. Afinal, trata-se de serviço público delegado pelo Estado a particular que é exercido em caráter privado (Constituição Federal, art. 236).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro define ato administrativo como “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.” (Direito Administrativo, Atlas, São Paulo, 13ª ed., 2001, pág. 181).
Como tal, os atos praticados pelo Oficial Registrador no exercício de suas funções, inclusive a qualificação registrária dos títulos causais, estão adstritos às regras do ordenamento jurídico. Significa dizer que deve sempre ser pautado, dentre outros, pelo princípio da legalidade. Aliás, princípio este a que está Constitucionalmente (art. 37) submetida toda a Administração Pública, direta ou indireta, o que inclui os Notários e Registradores, os quais, além do citado preceito Constitucional, ainda contam com a determinação dos artigos 1º e 41 da Lei Federal nº 8.935/1994.
Devido ao conteúdo administrativo que possui, pautado sempre pelo princípio da legalidade, os atos registrários, como regra, não possuem caráter discricionário. Se não houver permissivo legal que autorize a prática do correspondente ato consubstanciado em título causal, o registrador deve impedir o acesso sob pena de ilegalidade. Sem dizer que a inobservância das prescrições legais ou normativas constituem infração disciplinar, consoante disposto no inciso I do art. 31 da Lei Federal nº 8.935/1994.
Neste sentido, na maioria das vezes a qualificação registrária e a prática de posterior ato registrário é regida por vinculação ao que expressamente determina ou prevê a lei.
No presente caso, entende este Oficial, sempre respeitosamente, que não se pode admitir o ingresso da escritura pública de alienação de bem imóvel sem a anuência conjugal, por entender que se trata de frontal descumprimento a preceito legal estabelecido no art. 2039 do Código Civil de 2002 e, por conseqüência da aplicação deste dispositivo, do que determina o art. 235 do Código Civil de 1916, que exige a outorga uxória.
Aliás, V. Exa. decidiu no processo nº 000.03.152901-1 que:
“... os Registros Imobiliários, em atenção ao princípio da legalidade, que informa toda ordem registral, devem se ater ao respeito restrito à LEI, aplicando objetivamente os comandos normativos, sem qualquer valoração ou análise subjetiva. O registrador não julga, apenas realiza um ATO de consistência ADMINISTRATIVO, despido de discricionariedade, vinculado incondicionalmente ao comando normativo.”
Portanto, com todo acatamento, aplicou-se objetivamente, como dito, o que determina o art. 2039, ou seja, aos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 devem ser aplicadas as regras relativas ao regime de bens previstas nesta codificação, necessária a expressa vênia conjugal de IOMCS no instrumento público de alienação do imóvel objeto da matrícula nº 11687, desta Serventia Registrária. volta
V. Conclusão
Desta forma, sempre respeitosamente, entendeu-se não ser possível o registro do negócio jurídico de alienação de bem imóvel, consubstanciado na aludida escritura pública, em razão do que estabelece o art. 2.039 do Código Civil de 2002 que, por aplicação direta, objetiva e vinculada, determina a observância do Código Civil de 1916 e, por conseqüência, exige a vênia conjugal, qualquer que seja o regime de bens adotado, nas alienações de bens imóveis, nos termos do art. 235 deste diploma legal (Código Civil de 1916).
Também não é possível o registro da citada escritura pública com base no art. 1647 do Código Civil de 2002 por dispor, tal preceito legal, que a dispensa da outorga conjugal é possível para os casamentos que adotaram o regime da separação absoluta de bens. Como já demonstrado anteriormente, RTS e IOMCS são casados no regime da separação de bens simples ou limitada, ou seja, não houve no registro da escritura antenupcial expressa disposição de não comunicação dos aqüestos, o que, nos termos do art. 259 do Código Civil de 1916, acarreta a comunicabilidade dos bens adquiridos na constância do casamento. Tal fato torna indispensável o consentimento de IOMCS que deverá comparecer à escritura pública de compra e venda como alienante em atenção ao princípio da disponibilidade.
Estas, em síntese, as razões que me permito submeter à superior apreciação de Vossa Excelência, servindo-me do ensejo para renovar os protestos de elevada estima e consideração, bem como para colocar-me à disposição para informações e esclarecimentos adicionais eventualmente necessários ou convenientes.
São Paulo, 17/03/2004
Alexandre Laizo Clápis
Substituto volta
Confira também temas relacionados.
1. Decisão da 1VRPSP no Processo nº: 000.04.028316-0. de lavra do Dr. Venício Antônio de Paula Salles. http://www.irib.org.br/selecionada/boletimel1129.asp
2. Alienação de imóvel por cônjuge casado pela separação de bens artigo de Gilceu Antonio Vivan.
3. A outorga conjugal nos atos de alienação ou oneração de bens imóveis Artigo de autoria de Ricardo G. Kollet.
4. O proprietário de um imóvel, casado pelo regime da separação de bens, ao vender seu imóvel, necessita da outorga de sua mulher? Resposta no Diário de São Paulo. George Takeda. volta
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