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Direito de resposta - Prévio protesto não protege os consumidores, entende o MPSP.


Serasa

O Ministério Público do Estado de São Paulo promoveu o arquivamento de representação em desfavor da Serasa, firmando o entendimento de que, para a anotação da dívida nos serviços de proteção ao crédito, não é necessário o prévio protesto.

O arquivamento foi deliberado por unanimidade dos integrantes da 1ª Turma de Julgamento do Conselho Superior do Ministério Público. A promoção de arquivamento foi clara, no seguinte sentido.

“Conforme o texto de lei trazido à colação, não se pode falar que foi estabelecida uma vedação aos bancos de dados proibindo o fornecimento de informações não oriundas de títulos previamente protestados, mas que vedou-se o fornecimento de informações de títulos protestados já cancelados. Ou seja, analisando o parágrafo 2º do artigo 29 da Lei nº 9.492/97, percebe-se que são dois os requisitos que devem estar presentes para que haja incidência da vedação, quais sejam: título protestado e cancelado...

Pelo exposto, não existindo elementos para a propositura de ação civil pública, promovo o arquivamento destes autos, remetendo-os à apreciação E. Conselho Superior.”

O interesse do legislador deve pairar na proteção do consumidor. Nesse sentido, a interpretação jurídica para o art. 29 da Lei nº 9.492/97 deve, realmente, não admitir o prévio protesto. Aliás, em matéria publicada pela Serasa em outubro de 2003 foi apontado um comparativo, do qual extrai-se o quadro abaixo e demonstra-se profundo prejuízo ao consumidor, caso obtenha êxito a interpretação dos cartórios de protestos.



Acerca do assunto, merece destaque o entendimento do prof. dr. Leonardo Roscoe Bessa, Promotor de Justiça do MPDFT, e titular da Promotoria de Defesa do Consumidor, integrante da Diretoria do BRASILCON – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, segundo o qual,

“O art. 29 dispõe que os cartórios de protestos de títulos “fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa nem mesmo parcialmente´. O §2º do dispositivo acrescenta: `dos cadastros ou banco de dados das entidades referidas no caput somente serão prestadas informações restritivas de crédito oriundas de títulos ou documentos de dívidas regularmente protestados cujos registros não foram cancelados”.

Antes do protesto, os títulos e documentos de dívida são protocolizados e examinados em seus caracteres formais. Em seguida, o devedor é intimado, pessoalmente ou por edital, para pagamento (art. 9º ao 15). O protesto ocorre apenas após a realização de tais procedimentos.

Assim, o que se pode extrair da análise conjugada dos dispositivos é que as informações prestadas somente poderão se referir a títulos ou documentos de dívidas protestados, ou seja, àqueles que já passaram pela fase de análise e intimação do devedor. Não se pode, por exemplo, indicar na relação a ser entregue à entidade de proteção ao crédito título que foi apenas protocolizado no cartório.

A Lei nº 9.492/97 não exige que todas as dívidas registradas em bancos de dados de proteção ao crédito devem, previamente, ser protestadas, mas que, em relação às informações recebidas dos cartórios, só pode haver transferência a terceiros, se houver anterior e regular protesto. Entendimento contrário, além de aumentar o custo com os serviços de proteção ao crédito, com repasse do valor para os preços finais dos produtos e serviços, pouco ou nenhuma vantagem traria ao consumidor, pois o cartório apenas analisa vícios formais dos documentos, não se preocupa com a existência da dívida.” ([i]1)  (g.n.)

A propósito dos assuntos acima abordados, verifica-se entendimento semelhante compartilhado pela Procuradoria Geral da República, nos termos do despacho de seu Subprocurador, o Exmo. Dr. Moacir Guimarães Moraes Filho, no Processo Administrativo nº 1.16.000.000896/2000-10, na medida em que este manifesta o entendimento de que “tanto os cartórios como as entidades de proteção ao crédito, além de prestarem serviços de interesse público, suas atividades não se confundem em face da legislação existente”. ([ii]2)

Aduz, ainda, o DD. Subprocurador, em sua manifestação, que a “indispensabilidade do protesto varia de acordo com o interesse do credor para caracterizar formalmente a mora do devedor, e, algumas exigências de leis comerciais especiais” ([iii]3).

É o caso, por exemplo do protesto especial para falência, nos termos do artigo 10 ([iv]4) do Decreto-Lei 7.661/45, para a propositura de ação executiva no caso de contrato de câmbio, conforme previsto no art. 75 ([v]5) da Lei nº 4.728/65, e da faculdade prevista no §2º ([vi]6) do artigo 2º do Decreto Lei nº 911/69, relativamente aos contratos de alienação fiduciária. Aliás, esta última referência demonstra, mais uma vez, que o entendimento dos Cartórios não deve prevalecer, posto que demonstra uma faculdade para os credores dos contratos de alienação fiduciária, e não uma obrigatoriedade.

Relativamente ao assunto, vale, ainda, registrar, a seguinte passagem ([vii]7), na qual o DD. Subprocurador, aduz:

“Há entretanto, interesses corporativos em jogo, que devem ser necessariamente investigados, uma vez que não compete ao MP fazer a defesa de nenhuma entidade de classe que possa representar-se judicialmente por intermédio de advogado e na defesa de interesses próprios da categoria.

Os interesses dos consumidores não podem ser confundidos com os interesses das associações que com eles não tenham a mínima afinidade.”

Da mesma forma, a Advogada da União, Dra. Regina Rosa Yamamoto, em brilhante manifestação lançada nos autos da Ação Civil Pública n.º 2003.61.013360-9, da 10.ª Vara Cível Federal da Subseção Judiciária de São Paulo/Capital, na qual não foi concedida a tutela antecipada pleiteada, ao analisar a questão pertinente à pseudo interpretação do art. 29 da Lei 9.492/97 em face do §3.º do art. 1.º da Lei Complementar 105/01, reconhece que:

"A propósito, referido preceito legal constitui mais um argumento contra a equivocada interpretação dada pela autora ao artigo 29, § 2.º da Lei 9.492/97, pois permite expressamente o fornecimento de informações constantes do CCF e de devedores inadimplentes a entidades de proteção ao crédito. O artigo encontra-se em Lei Complementar editada posteriormente à alteração do artigo 29, § 2.º, verificada em 1999. (...)

Em suma, a concessão da tutela antecipada é que ocasionará um dano à sociedade em geral, eis que implicará proteção aos inadimplentes constituídos em mora de pleno direito, mas que não tiveram seus títulos protestados, em virtude de sua desnecessidade".

Posteriormente, a autora desistiu da referida ação.

O texto legal, a todas as luzes, veda o fornecimento de informações, pelos cartórios de protestos aos serviços de proteção ao crédito, de título protestado cujo apontamento seja posteriormente cancelado, não se referindo à dívida, propriamente dita, a qual não se confunde com o título que a representa e cuja caracterização independe, em consonância com o teor do art. 397 do Código Civil, da ocorrência de protesto. Vejamos.

“O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.”

Levando-se em consideração a clareza do §2º do artigo 29 da Lei de Protestos, seria inadmissível entendimento diverso dos ora esclarecidos, não fossem os aspectos exclusivamente comerciais, os quais, definitivamente, não atendem ao escopo da legislação.”


SERASA E LEI DE IMPRENSA
des. Narciso Orlandi Neto

A SERASA S.A., em ofício dirigido ao IRIB, reclama a publicação de resposta, no boletim eletrônico do Instituto, com base na Lei de Imprensa (arts. 29 e seguintes da Lei 5.250/67). Exige direito de resposta ao artigo publicado no IRIB, de autoria do Dr. Cláudio Marçal Freire, a respeito do protesto de títulos e dos cadastros de consumidores.

De acordo com o art. 29 da Lei 5.250/67,

“toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou errôneo, tem direito a resposta ou retificação”.

Pressupostos do direito de resposta são a ofensa, a acusação, ou a divulgação de fato inverídico ou errôneo.

O artigo publicado no boletim do IRIB, sob o título “Protesto de títulos. O papel dos cartórios e dos cadastros de consumidores”, assinado pelo Dr. Cláudio Marçal Freire, é a expressão de sua posição pessoal a respeito da interpretação de dispositivos legais de proteção ao consumidor.

Sustenta o articulista que a inclusão de nomes em cadastros ou banco de dados que reúnam informações restritivas de crédito só pode ser feito com base em títulos ou documentos protestados.

A SERASA é citada nominalmente duas vezes no artigo. A primeira, na introdução:

“A Serasa tem divulgado, até com certo regozijo, que o Ministério Público do Estado de São Paulo teria, mediante suas informações, arquivado representações de entidades de defesa dos consumidores, interpostas pelo descumprimento da lei na prestação de informações restritivas de crédito.”

O período expõe um fato. Não há acusação nem ofensa. Não se trata de divulgação de fato inverídico ou errôneo, porque a Serasa não o nega em sua resposta. A única adjetivação que se permitiu o articulista está na palavra “regozijo” (Gozo intenso; vivo contentamento ou prazer; grande satisfação – Dicionário Eletrônico Aurélio). Não se vislumbra no termo nenhum sentido subalterno.

Uma segunda vez a SERASA é citada:

“Logo, equivoca-se a Serasa na interpretação da norma contida no § 2º do art. 29, da referida lei, porque não se destina aos cartórios de protesto, mas sim, única e exclusivamente, às empresas ou entidades privadas exploradoras dos cadastros de inadimplentes, impondo-lhes limitação na divulgação das informações restritivas de crédito, se não houver o cancelamento de seu registro.”

O articulista discorda da posição defendida pela SERASA  a respeito do tema. São interpretações discordantes do mesmo dispositivo legal.

A dissensão é fato comum no mundo jurídico, em qualquer obra, sentença, acórdão, arrazoado forense.

Discordar não ofende e a manifestação da discordância não constitui acusação.

Ainda que, mais à frente, o articulista tenha empregado expressão mais forte, quando fala em “interpretações distorcidas e dissociadas das normas legais”, não se vislumbra, no contexto, o animus injuriandi, a vontade de ofender. Está clara a discordância, mas não há agressão moral. Como conclui Cláudio Luiz Bueno de Godoy, em “A Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade”,

“O direito de crítica, concebido como expressão da liberdade de opinião, constitucionalmente garantido, de per si, mesmo exercido de modo veemente, com conteúdo de boa ou má qualidade, e quando não animado por sentimento pessoal, subjetivo, de antagonismo a pessoa certa, não é causa de abuso da liberdade de imprensa” (Edit. Atlas, São Paulo, 2001, pág. 128). 

Isso posto, a SERASA, data venia, não tem direito de resposta, porque não foi ofendida nem acusada de nada. O artigo publicado não divulga nenhum fato inverídico ou errôneo, porque apenas consubstancia posição pessoal do autor a respeito de determinado tema, discordante da interpretação defendida publicamente pela SERASA.

É o nosso parecer.

São Paulo, 15 de abril de 2004

Narciso Orlandi Neto, OAB/SP 191.338

Nota do editor

Tendo recebido o texto acima reproduzido, encapado por notificação extrajudicial dirigida ao Irib, socorri-me da assessoria jurídica do Instituto, a cargo do advogado e desembargador aposentado Dr. Narciso Orlandi Neto, cujo parecer jurídico é nesta oportunidade publicado.

Temos a manifestação em preparo de outro luminar do Judiciário paulista, o desembargador aposentado e advogado, Dr. José de Mello Junqueira, cujo parecer será oportunamente entregue.

Bem ponderado o episódio, não vislumbrei, e ainda continuo não divisando - mormente após o abono dos juristas pareceristas - qualquer ofensa que justificasse a publicação, em direito de resposta, que me rogam.

Mas não será essa circunstância relevante que me impulsionará à não-publicação da nota. Afinal, como fórum de debates jurídicos, fonte independente e autônoma das partes que opinam concorrentemente (diga-se de passagem que o Instituto não é de protesto nem é agência que explora dados pessoais dos cidadãos) o Irib só ganha com o contraditório em relação às matérias de estrito caráter jurídico que publica.

Vamos, portanto, ao bom debate! (SJ).



[i](1) In, "O Consumidor e os Limites dos Bancos de Dados de Proteção ao Crédito", Biblioteca do Direito do Consumidor - v. 25, Editora Revista dos Tribunais, 2003.

[ii](2) Item 10 do despacho do Sr. Subprocurador Geral da República  - Dr. Moacir Guimarães Morais Filho.

[iii](3) Item 11 do despacho do Sr. Subprocurador Geral da República  - Dr. Moacir Guimarães Morais Filho.

[iv](4) "Art. 10. Os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados, para o fim da presente lei, nos cartórios de protesto de letras e títulos, onde haverá um livro especial para o seu registro."

[v](5) "Art. 75. O contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto de títulos, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva."

[vi](6) "§2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor."

[vii](7) Itens 26 e 27 do despacho do Sr. Subprocurador Geral da República  - Dr. Moacir Guimarães Morais Filho.



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