BE1096
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O Novo código civil e o condomínio de casas - Uso exclusivo em propriedade comum - Paulo Andres Costa [i]*
É dito que o novo Código Civil brasileiro já nos veio deficiente no tratamento dado ao condomínio especial, ao qual chamou de edilício, preocupando-se apenas em incorporar algumas disposições padronizadas nas convenções de condomínio, por força dos modelos quase idênticos que se espalham na literatura específica sobre o tema. Américo Isidoro Angélico vai mais longe, na crítica, quando afirma:
“O Novo Código, no meu modo de ver, deixou a desejar, não prevendo a possibilidade de atentar às situações novas incidentes sobre a questão condominial, deixando de normatizar as formas condominiais, tais como: condomínio de casas, flats, o seletivo (...).” (ANGELICO, A. I., p.15)
No entanto, alguns conceitos trazidos pelo novo Código Civil nos permitem refutar em parte esta opinião. É o caso, justamente, da aplicação de conceitos novos aos condomínios de casas, que permitem definições mais claras e um entendimento melhor deste tipo de condomínio. São novidades sutis, mas que, mesmo assim, não podem passar em branco.
Voltando, antes de analisar o novo Código Civil, à Lei 4.591 de 12 de dezembro de 1964, encontraremos dois artigos que estendem sua aplicação ao condomínio de casas. O primeiro, de forma explícita, diz:
Art.8° - Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejarem erigir mais de uma edificação observar-se-á também o seguinte:
a) em relação às unidades autônomas, que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim, a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;
b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente for reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;
c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;
d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.” (Diário Oficial da União, 21 de dezembro de 1964)
Ao final da Lei, surge outra referência, a segunda, no art. 68°, que mantém a mesma intenção do art. 8° objetivando dar abrigo legal ao condomínio de casas, mesmo que composto por unidades isoladas. Diz a Lei:
“Art. 68° - Os Proprietários ou Titulares de direito aquisitivo sobre as terras rurais ou os terrenos onde pretendam construir, ou mandar construir habitações isoladas para aliená-las antes de concluídas, mediante pagamento do preço a prazo, deverão, previamente, satisfazer às exigências constantes no art. 32, ficando sujeitos ao regime instituído nesta lei, para os Incorporadores, no que lhes for aplicável.” (Diário Oficial da União 21 de dezembro de 1964)
Significativo é o caso de somente dois artigos fazerem referência a este tipo de condomínio. Do fato se pode inferir que todo o esforço em criar a Lei de Condomínio e Incorporações teve como intenção motivadora e principal a regulamentação do condomínio de unidades autônomas sobrepostas, em edifícios com vários andares.
Os artigos citados aparecem de modo açodado, dando a impressão que foram “convidados de última hora”, diante da constatação de que não se poderia desconsiderar a possibilidade de as unidades autônomas surgirem, também, de edifícios menos complexos, tais como as casas térreas ou assobradadas. Esta observação é referendada ainda pelo fato de que, na seqüência de sua redação, a Lei abandona a referência específica, adotando a expressão genérica “edificação ou conjunto de edificações”.
À mesma constatação se chega, quando se lê a “exposição de motivos” do projeto que concebeu a Lei especial, brilhantemente escrita por seu idealizador, Caio Mário da Silva Pereira:
"Procurando, de seu lado, emergir a tona desta inundação de desconforto, o indivíduo concebeu uma nova técnica de construção, que permitisse o melhor aproveitamento dos espaços, e a mais suportável distribuição de encargos econômicos, e lançou o edifício de apartamentos. Projetou para o alto as edificações, imaginou acumular as residências e aposentos uns sobre os outros, criou o arranha-céu, fez as cidades em sentido vertical (...)” (SILVA PEREIRA, C. M. da, p. 35).
Reforça-se, assim, nossa hipótese de que as unidades autônomas que surgem das “casas térreas ou assobradas” foram lembradas em última hora; inseridas sem preocupações com a sua disciplina específica, esperando que a elas tudo se aplicasse num mecanismo automático, como a dizer “aplique-se onde couber”. Aliás, é assim que termina o art. 68°: “no que lhes for aplicável”.
A questão seria pacífica, não houvesse isto provocado o lançamento de empreendimentos compostos por conjuntos residenciais, numa forma desordenada, funcionando na prática como alternativa para evadir-se dos compromissos da Lei de Parcelamento do Solo para fins Urbanos, Lei 6766, de 19 de dezembro de 1979. Não poucos são os empreendimentos que padecem deste mal, e cujo único prejuízo tem sido computado aos adquirentes, quando já estão consolidados os conflitos legais.
Mas não só na prática isto se verifica; a confusão também está presente nos mais diversos estudos publicados sobre o tema. De tal forma que, às vezes, é quase impossível estabelecer diferença entre condomínio de casas e loteamentos.
Para o condomínio de casas, no entanto, o novo Código Civil Brasileiro, traz importantes definições – aquelas que chamamos de sutis – as quais, ao seu tempo e bem aplicadas, resultarão numa concepção doutrinária mais clara e adaptada às exigências dos princípios registrários descritos impostos pela Lei de Registros Públicos.
A primeira e mais importante definição está na denominação dada ao condomínio até então regido pela Lei 4.591/64. Edilício é o nome utilizado e seu significado pode ser buscado na etimologia da palavra. Diz Houaiss, sobre o termo “edil”:
“edil, magistrado romano cujo cargo era inspecionar os edifícios públicos e particulares, sacros e profanos, os aquedutos, os divertimentos públicos, o abastecimento da cidade e, em geral, tudo que fosse do bem comum', este do lat. aedés,is 'residência, templo comum', cuja manutenção era a função inicial dos edis”. (HOUAISS, Antônio . Dic. Eletrônico)
Da mesma forma, o relator da Lei 10.406/2002, citado por Carlos Alberto Dabus Maluf, diz:
“O termo ‘condomínio edilício’ , em substituição a ‘condomínio especial’, que nada significa, e ‘condomínio em edifício’ tal como se propõe, não resulta do desejo de introduzir palavras novas, só por desejo de novidade. Trata-se de expressão que, pensamos nós, atende rigorosamente à natureza das coisas, ou seja, do ‘condomínio que resulta da edificação’.” (FIUZA et al, R, p. 1170)
Portanto, o neologismo por sua derivação daquilo que se refere à “edificação” estabelece, em primeiro plano, que este tipo de condomínio nasce obrigatoriamente da construção ou edificação.
Numa obviedade se diz: para haver condomínio edilício deve haver edificação. Portanto, se aplicada esta regra aos condomínios de casas, é natural chegar à conclusão de que o incorporador deverá comercializar unidades a serem construídas e não lotes para construção futura. Do mesmo modo, para as unidades autônomas prontas, as correspondentes matrículas no ofício de registro de imóveis somente poderão ser abertas em função da edificação, por decorrência da incorporação imobiliária ou pelas formas de instituição e especificação de condomínio prevista em Lei. A esta edificação estará vinculada, como inseparável, uma fração ideal no terreno e nas coisas de uso comum.
Outra questão a ser analisada é a presença, no condomínio de casas, de parte do terreno destinada a uso exclusivo. É a Lei que exige a discriminação da parte que será objeto de uso exclusivo, além daquelas de uso e passagem comuns às vias públicas e de comunicação viária entre as unidades. A necessidade de discriminação das áreas físicas de terreno dá características especiais a este tipo de condomínio. Sobre este assunto, o mais significativo estudo, segundo nossa análise, foi publicado por Elvino Silva Filho, sob título “Questões de Condomínio no Registro de Imóveis”. Elvino faz magnífica análise das diferenças entre loteamento e condomínio, concluindo que:
No loteamento fechado a gleba primitiva é subdivida em lotes, os quais serão adquiridos individualmente, pelos futuros adquirentes; no condomínio deitado o objeto da venda constitui-se em uma casa térrea ou assobradada, que será a unidade autônoma do condomínio, apesar de integrar-se nesta unidade a área de terreno para jardim ou quintal. (SILVA FILHO, E., p. 99)
Bastaria esta citação para erradicar a confusão por muitos adotada e por outros incentivada ou promovida. Mas, para tornar mais claro o tema, cabe uma pergunta: esta área de uso exclusivo (jardim ou quintal) é objeto de propriedade exclusiva? Em nenhum caso. Já que o terreno é, por Lei, destinado à propriedade em comum. Neste ponto, novamente o novo Código Civil vem em auxílio deste estudo, fazendo referência à propriedade exclusiva e propriedade comum. Diz o art. 1331:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. (D.O.U. de 12 de janeiro de 2002)
Diferente da Lei 4.591/64 que se deteve no uso das partes que compõem o condomínio edilício, o novo Código Civil fala em “propriedade”. É obrigatório, então, diferenciar “propriedade comum” de “uso comum”. O uso, segundo o próprio Código Civil, é uma das faculdades da propriedade:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (D.O.U. de 12 de janeiro de 2002)
Portanto, diante da leitura destes dispositivos, chega-se à conclusão de que, como qualquer condomínio edilício, no condomínio de casas o objeto da propriedade exclusiva é a parte privativa construída ou edificada. Do mesmo modo, a co-propriedade é exercida sobre aquelas partes (terreno e construções para uso em comum) cuja destinação é para todos condôminos, na proporção de sua fração ideal. Além destas características típicas do condomínio edilício, surge, para o condomínio de casas, a possibilidade de atribuir uso exclusivo em partes de propriedade em comum. Isto promovido por acordo, em convenção condominial, onde uma parte desiste do uso em favor de outra.
Esta característica, embora se aproxime de um parcelamento de solo ou loteamento, em nada pode ser com estes confundida. No caso do loteamento ou parcelamento, o objeto de propriedade é o lote especificado. No caso de condomínio, a propriedade exclusiva é exercida sobre a edificação, unidade autônoma, a qual se faz acompanhar de outra parte em co-propriedade, definida pela fração ideal no terreno e nas coisas de uso comum.
Do mesmo modo, não se pode confundir fração ideal de terreno com área de terreno de uso exclusivo. A fração ideal é parte inseparável da unidade autônoma, calculada na forma da lei. A condição de “ideal”, segundo Afonso Celso Furtado Rezende, é dada pelo entendimento de que:
“Idéia é uma concepção, espécie de fantasia forjada pela mente, tendo em vista alguma coisa material ou mesmo abstrata. Partiu-se desse princípio para a devida dimensão quanto à existência na intelectualidade de uma pessoa de algo impossível a manipulações ou toques diretos, assinalando-se assim a subjetividade como ponto básico. Pois bem. Em se tratando de Imóvel, ‘parte ideal’ caracteriza-se como sendo uma determinada quantidade em metros dessa propriedade, que está no ‘juízo’, na mente, de cada compossessor, enquanto não separada do todo. Pelo pensamento, poderá estar aqui ou acolá, mais acima ou mais abaixo, fazendo parte de uma universalidade que vem ser o próprio imóvel”.(REZENDE, A. C. F., p. 297).
Se a fração ideal não pode ser especificada e confrontada, não se pode falar em área de terreno de uso exclusivo com o mesmo significado. Portanto, objetos de direitos diversos, fração ideal de terreno e área de terreno de uso exclusivo não se confundem. A fração ideal representa a parcela de co-propriedade no terreno e nas coisas comuns, enquanto a área de terreno de uso exclusivo é produto de atribuição e, portanto, discriminada independente da proporção que cabe a cada unidade autônoma. Esta distinção só foi possível a partir da incisiva redação do novo código civil, que com clareza estabeleceu no condomínio a possibilidade de existência da propriedade exclusiva e propriedade comum. Enquanto, como foi visto, na Lei 4.591/64 tinha-se o foco no uso.
Com esta visão dada pelo novo Código Civil, estabelece-se uma nova conceituação para o condomínio de casas térreas ou assobradas que, em definitivo, o diferencia do loteamento ou parcelamento de solo. É por isto, então, que nos parece o novo Código Civil haver contribuído e muito, para a definição deste tipo de condomínio, embora não se encontre referência direta ao tema.
BIBLIOGRAFIA
ANGELICO, Américo Isidoro. CONDOMÍNIO NO NOVO CÓDIGO CIVIL. São Paulo: 2003; Editora Juarez de Oliveira.
BRASIL. Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Diário Oficial da União, 21 de dezembro de 1964; Brasília-DF.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 12 de janeiro de 2002; Brasília-DF.
FIUZA, Ricardo et al. NOVO CÓDIGO CIVIL COMENTADO. São Paulo-SP: 2002; Editora Saraiva.
HOUAISS, Antônio. DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS DA LINGUA PORTUGUESA. Versão 1.0. Rio de Janeiro-RJ:2001; Editora Objetiva
REZENDE, Afonso Celso Furtado. DICIONÁRIO:DIREITO IMOBILIÁRIO E AFINS. Campinas – SP: 1997; Copola Livros.
SILVA FILHO, Elvino. QUESTÕES DE CONDOMÍNIO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. São Paulo – SP – 1999; Malheiros Editores LTDA.
SILVA PEREIRA, Caio Mário da – PROPRIEDADE HORIZONTAL. Rio de Janeiro-RJ: 1961; Editora Forense.
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