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II Encontro Ibero-americano de direito registral – Cartagena de Índias, Colômbia. - Sobre a Qualificação de Títulos Judiciais no Brasil  * - Por Flauzilino Araújo dos Santos – 1º Registrador de Imóveis de São Paulo – Capital
 
SUMÁRIO: 1. Antecedentes registrais e o direito brasileiro – 2. Os títulos judiciais – 3. Títulos judiciais e ordens judiciais – 4. A qualificação registral dos títulos judiciais e das ordens judiciais – 5. A função qualificadora do registrador – 6. A suscitação de dúvida como reexame da qualificação – 7. Considerações finais. 
 
Javier Gómez Gálligo, Flauzilino A. Santos e Enrique Rajoy Brey. 
 
1. Antecedentes registrais e o direito brasileiro
 
Quando o Brasil foi descoberto, em 1500, o Rei de Portugal, na qualidade de descobridor, adquiriu sobre o território o título originário da posse. Investido desse senhorio, a Coroa de Portugal, por meio de doações, feitas em cartas de sesmaria, começou a destacar do domínio público as parcelas de terras que viriam a constituir o domínio privado. Esse regime prevaleceu até a Independência do Brasil, em 1822. Com o advento da Independência, o nascente Império do Brasil arrecadou da Coroa Portuguesa o domínio das terras e de todos os bens do acervo lusitano situados no Brasil.  Porém, daquela data até 1850, desenvolveu-se progressiva ocupação do solo, sem qualquer título, mediante a simples tomada de posse. 
 
Ainda ao tempo do Império, pela Lei n. 601, de 18-9-1850 regulamentada pelo Decreto n. 1.318, de 30-1-1854, foi  instituído o registro paroquial, também conhecido como “registro do vigário”, separando assim do domínio público todas as posses que fossem levadas ao livro da Paróquia Católica Romana. 
 
A titulação de terras consistia então em documentos expedidos pelo Governo, dos registros das posses manifestadas perante o vigário e dos contratos de transmissão com apoio em uns e outros documentos originais, bem como nos que se lhes seguiram por atos inter vivos e causa mortis. 
 
A situação imobiliária se apresentava, então, extremamente insegura, mormente por ficar dispersa por meio de títulos em mãos de titulares, já que a tradição, que era o meio de transmissão da propriedade imóvel, foi sendo reduzida à cláusula constituti, em virtude da qual o comprador adquire a posse sem qualquer reflexo externo, o que dava origem a sucessivas alienações e onerações clandestinas. 
 
Era essa a situação imobiliária, quando pela Lei Orçamentária n. 317, de 21-10-1843, regulamentada pelo Decreto n. 482, de 1846,  foi criado o Registro de Hipotecas, voltado para proteção do crédito, posteriormente transformado pela Lei n. 1.237, de 24-9-1864, em  Registro Geral, substituindo a tradição pela transcrição como meio de transferência. Seguem-se os Decretos ns. 169-A, de 19-1-1890 e 370, de 2-5-1890, baixados pelo governo republicano provisório e que tornaram obrigatória a inscrição e especialização de todo direito real de garantia incidente sobre bem imóvel, inclusive quando se tratasse de hipoteca judiciária. 
 
O sistema era voltado para os direitos reais de garantia, especialmente para a hipoteca. A transcrição não ostentava sequer valor juris tantum de prova de domínio, produzindo apenas uma publicidade formal, da qual, inclusive, expressamente eram deixados de lado as transmissões causa mortis e os atos judiciais, pois, com respeito aos últimos, tal como o previsto pelo art. 237 do referido Decreto n. 370, bastava a publicidade oriunda do processo, preceito que perdurou até o advento do Código Civil de 1916. 
 
O Código Civil, que entrou em vigor em 1917, aperfeiçoou a Lei Registral, adotando os princípios básicos inerentes ao sistema e determinou que todas as transmissões fossem transcritas no Registro de Imóveis e que todas as hipotecas fossem especializadas. Todavia, deixou espaço para divergências que foram posteriormente superadas pelas edições dos Decretos ns. 4.827, de 7-2-1924, 4.857, de 9-11-1939 e da vigente Lei dos Registros Públicos – Lei n. 6.015, de 31-12-1973. 
 
No sistema jurídico brasileiro é pacífica a necessidade de um ato inscritivo (registro ou averbação) na constituição, transmissão, modificação e extinção de direitos reais imobiliários e nos fatos modificativos das situações a eles correspondentes, que tenham como pressuposto título ou documento extrajudicial ou judicial, cumprindo, assim, os objetivos da publicidade registral. 
 
Dito isto, é estreme de dúvida que determinados atos ou títulos judiciais devem acessar o caderno registral, quer seja no interesse direto das partes interessadas, quer seja para o efeito de publicidade registral que vise, principalmente, direitos e eventuais interesses de terceiros, e, em globo, interesses de ordem pública, visto que o Registro Imobiliário se constitui em uma âncora da estabilidade econômica e jurídica do País, à medida que oferece um conjunto de ferramentas eficazes que garantem o funcionamento e a credibilidade da economia de mercado no âmbito interno e externo. volta
 
2. Os títulos judiciais
 
A Lei dos Registros Públicos estabelece no art. 221 que serão admitidos a registro entre outros títulos, os títulos judiciais formalizados por cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de processo. 
 
Os títulos judiciais são expedidos por organismos jurisdicionais, no desempenho de suas funções decorrentes de processos de jurisdição voluntária e contenciosa. O Código de Processo Civil Brasileiro relaciona e conceitua, em seu art. 162, três categorias de pronunciamentos do Juiz no processo, quais sejam: sentenças, decisões interlocutórias e despachos. 
 
Sentença é o ato pelo qual o Juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa (§ 1º). 
 
Decisão interlocutória é o ato pelo qual o Juiz, no curso do processo, resolve questão incidente (§2º). 
 
São despachos, todos, os demais atos do Juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento das partes, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma (§3º). 
 
A decisão final em processo proferida pelos Tribunais recebe o nome de acórdão (CPC, art. 163). 
 
Em princípio, não cabe ao registrador perquirir de que pronunciamento do Juiz decorreu a formalização do título judicial, uma vez que, embora a maioria dos títulos derive de sentenças, que podem ser declaratórias, constitutivas, condenatórias e homologatórias, podem originar-se, também, de decisões interlocutórias (p.e. decretação de ineficácia de alienação em caso de fraude à execução) e de simples despachos (p.e. deferimentos de petições em procedimentos cautelares específicos). 
 
Por óbvio que qualquer título judicial deve conter os requisitos exigidos para sua formalização. Assim, a carta de sentença deve conter os requisitos do art. 590; o formal de partilha, os do art. 1.027; a certidão de ato processual, o do art. 36 etc. 
 
A Lei de Registros Públicos inclui entre os títulos judiciais que acessam o registro imobiliário as sentenças proferidas por Juizes estrangeiros, quando tenham por objeto imóveis situados no Brasil, após regular homologação pelo Supremo Tribunal Federal (art. 221, III). [ 1] 
 
Por oportuno salientar que em se tratando, porém, de sucessão causa mortis envolvendo imóveis situados no território nacional, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do País, a competência para proceder ao inventário e partilhar os bens é da autoridade judiciária brasileira (CPC, art. 89). volta
 
3. Títulos judiciais e ordens judiciais
 
O veículo por meio do qual as decisões judiciais emigram dos autos para o álbum registral constitui o que de forma genérica se convencionou, impropriamente, denominar de título judicial, que pode ser formalizado pela forma tradicional, que é o papel, ou por meio de documento eletrônico. [ 2] 
 
Distinção importante tem sido construída pela doutrina a partir da análise do conteúdo desses documentos judiciais em relação ao seu objeto, ou sua causa, ou seu fundamento, para o efeito de segregar títulos judiciais de ordens judiciais e fixar a conduta qualificadora do registrador em função do que a natureza desses títulos exige. [ 3] 
 
Neste prisma, impende, em primeiro, observar que o art. 167 da Lei dos Registros Públicos versa quer sobre títulos em sentido próprio (rectius: causa ou fundamento de um direito ou de uma obrigação), quer em acepção imprópria, figurada (ou seja: instrumento documental que exterioriza a causa, ou título em sentido próprio). 
 
O preceito que, especificamente, se vincula à idoneidade registrária dos títulos em sentido impróprio é o art. 221 da lei registrária, e, não obstante seu caráter indicativo de interpretação restritiva (ver advérbio ‘somente’ com que se inaugura o caput), cumpre observar, que, por interpretação sistemática, viabiliza-se o ingresso de cartas de arrematação e adjudicação em hasta pública (art. 167, I, nº 26, LRP, art. 703 e 715, CPC) de cédulas de crédito industrial e rural (art. 167, I, 13 e 14, LRP), de memoriais e outros documentos relativos à incorporação imobiliária (Lei 4.591/1964, art. 32) e o loteamento de imóveis rurais e urbanos (Dec.-Lei 58/1937, art. 1º e 4º; Lei 6.766/1979, art. 18). 
 
Como assinala Marcelo Martins Berthe, “afigura-se importante fazer esta distinção para que seja possível atingir uma melhor compreensão do que sejam os chamados títulos judiciais, que são o objeto de interesse neste momento”. [ 4] De fato, o veículo para materialização da causa ou fundamento registrável, advinda de um pronunciamento do Estado-Juiz relativa a uma situação de direito material, será sempre um título judicial em sentido impróprio. 
 
“Tais títulos, à semelhança do que ocorre com os chamados títulos não-judiciais ou extrajudiciais, hão de ser levados ao conhecimento do registrador, pois só a consecução do ato de registro poderá, entre particulares, dotar de plena eficácia a decisão judicial antecedente, derivada da declaração da presença de um título legitimário posicionando um dado sujeito de direito diante de um bem imóvel”. [ 5] 
 
Por seu turno, as ordens judiciais, embora tenham como instrumental o título judicial denominado “mandado”, raramente trazem em seu conteúdo como lastro de origem a própria causa do ato registrário, senão que resulta de garantia da tutela jurisdicional que o Estado realiza em processo de conhecimento, executivo ou cautelar, na forma e extensão que a jurisdição pode oferecer, “como resposta, especialmente, a situações de urgência e que, dotadas de provisoriedade, demandam certa elasticidade na conformação da decisão judicial”. [ 6] 
 
No direito brasileiro, a regulamentação contida sobre o assunto é extensa, contínua e genérica, uma vez que admitidas estão providências cautelares específicas e inominadas, outorgáveis sempre que condições específicas assim o exigirem.Todavia, por preceito constitucional, o poder geral de cautela do Juiz não é ilimitado a ponto de impedir o exercício de um direito previsto no ordenamento jurídico. 
 
Como o Juiz não intervém, de regra, na formação de um negócio jurídico, para criar direitos, extingui-los ou modificá-los, a não ser em caráter excepcional,  [ 7]  por essa razão, normalmente, “os atos praticados com suporte em ordens judiciais não são aptos a criar novas situações jurídicas, isto é, a estabelecer novas posições para novos sujeitos de direito. Diante das ordens, isso sim, ocorrem alterações, em geral limitadoras, de situações jurídicas já existentes”. [ 8] 
 
Em face da diversidade de pressupostos na origem, a distinção entre títulos judiciais e ordens judiciais é de conseqüência prática e deve ser plasmar o comportamento do registrador na formação de seu juízo lógico e crítico de admissibilidade, ou não, da respectiva inscrição registral. volta
 
4. A qualificação registral de títulos e ordens judiciais
 
A gênese da publicidade registral se dá por ato de registro ou averbação mediante a indispensável apresentação de um título hábil que, ademais, cumpre o princípio da instância. 
 
Embora toda a organização registral esteja assentada no princípio da legalidade, razão de ser do álbum imobiliário, entre as formalidades desenvolvidas pelo registrador, distingue-se a função qualificadora dos títulos e documentos apresentados para registro, como o ponto culminante da dinâmica da publicidade registral. 
 
É por isso que não obstante a origem jurisdicional do título, é de rigor sua qualificação registral, uma vez que se o ato judicial se mostra apto para inscrição no fólio real, vai desencadear, por força de sua admissibilidade e conseqüente inscrição, o fenômeno registral erga omnes, retro operante à data da apresentação do título no Registro de Imóveis. 
 
De forma geral, o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo tem reiteradamente decidido que o fato de ser apresentado título de origem judicial para registro não isenta exame qualificativo dos requisitos registrários, cabendo ao registrador apontar e analisar a existência de eventuais obstáculos registrários. 
 
"A circunstância de exibir-se a inscrição título de origem judicial não implica isenção dos requisitos registrários, incumbindo ao registrador: a) verificar a competência (absoluta) da autoridade judiciária; b) aferir a congruência do que se ordena ao registro com o processo respectivo; c) apurar a presença das formalidades documentais; d) examinar se o título esbarra em obstáculos propriamente registrários (p. ex: legalidade, prioridade, especialidade, consecutividade). Não se torna ineficaz ou inválida uma sentença judicial pelo fato de lhe ser vedado o registro, porque essa vedação não interfere com a validade e com a eficácia próprias da decisão judiciária, senão apenas verifica se o título quadra com as exigências do registro imobiliário" (nesse sentido, a jurisprudência do Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo é firme no sentido de que a adjudicação não pode ser inscrita se o demandado, na via judicial, não é proprietário ’secundum tabulas’, v.g. Aps. nºs 279635, 1371, 2156, 2196, 3030, 4686 e 5741-0- D.O.J. 30.07.92).” [ 9] 
 
Por seu turno, face aos pressupostos de fato e de direito evidentemente encontrados pelo Juiz para concessão da tutela, a ordem judicial, normalmente instrumentalizada por meio de “mandado”, restringe a qualificação desenvolvida pelo registrador, que deverá concentrar-se em aspectos meramente formais, salvo simples indagação quanto as circunstâncias inerentes, tais como a competência e o poder da autoridade judiciária, já que as regras são fixadas por lei, sendo despiciendo perquirir se a decisão tomada sob o império de sede jurisdicional tem ou não amparo em lei. 
 
Parece-nos iniludível que emitida a ordem judicial, bem ou mal, o foi sob o império de decisão proferida em feito jurisdicionalizado, o que privilegia sua juridicidade e encarna as garantias que a ordem jurídica confere ao Poder Judiciário para o expedito e resguardado desempenho de sua missão. Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido não ser lícito à Administração proceder qualquer atividade que afronte o comando judicial, sob pena de cometimento do delito de desobediência, hodiernamente consagrado e explicitado no art. 14, VI e parágrafo único do Código de Processo Civil, mesmo quando concedida antecipação de tutela. 
 
É o que se lê na ementa do Acórdão do Recurso Especial n. 45362-RS do seguinte teor: “É vedado à Administração agir com desconsideração ao provimento liminar e com desprezo pelo Poder Judiciário sob o argumento de que a decisão liminar não corresponde ao trânsito em julgado da decisão final, porquanto esse argumento sofismático implica negar eficácia à antecipação da tutela que é autoexecutável e mandamental”. 
 
No julgamento do Recurso em Mandado de Segurança n. 193-0-SP, em que se discutia a legalidade de cancelamento de averbação de indisponibilidade de imóvel, por falta de previsão legal, determinada por Juiz correcional, no exercício de sua função administrativa, a Quarta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para fins de cancelamento do cancelamento, com ênfase que “Decisão jurisdicional somente pode ser desconstituída  pelas vias próprias, sob pena de vulnerar-se o devido processo legal”. [ 10] 
 
Com relação ao comportamento do registrador no exame de legalidade para o cumprimento de ordens judiciais, Afrânio de Carvalho já advertia que, “quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, nem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz”. [ 11] 
 
Segundo Marcelo Fortes Barbosa Filho, diante de uma ordem judicial, “só poderá o registrador se recusar a dar cumprimento ao comando recepcionado, quando restar caracterizada hipótese de absoluta impossibilidade, como quando determinada a indisponibilidade de bens daquele que não é titular, de acordo com a tábua, de direito real algum, ou antinomia interna, quando, por exemplo, há contradição intrínseca e o documento instrumentalizador da ordem não corresponda ao seu teor”. [ 12] 
 
Em vez de resistir ao cumprimento da ordem emanada do Estado-Juiz à guisa da estabilidade de situações patrimoniais inscritas e de seu dever com a segurança jurídica, o registrador deve ter presente, salvante a hipótese de fragrante ilegalidade da ordem, em primeiro lugar, que a prestação jurisdicional é desenvolvida nos termos constitucionais com possibilidade de revisão por instância superior a fim de modificar ou corrigir a sentença ou decisão erroneamente proferida ou, mesmo, sua imediata suspensão quando presentes os requisitos do fummus boni iuris e do periculum in mora. É uma questão inteligente de definição institucional de papéis e responsabilidades com a qual será afastado o fenômeno de dessincronia na atividade estatal prestada pelo Estado-Juiz e pelo Registro Imobiliário. 
 
Em segundo lugar, o registrador deve ponderar que a responsabilização civil relativa ao ato registral conseqüente, para o efeito de eventual ressarcimento de prejuízos indevidos, aponta para o próprio Estado, sem direito de regresso contra o registrador, quando esse cumpre mandado judicial regularmente emitido, à exceção de dolo ou culpa, como já sustentamos em outra oportunidade. [ 13] 
 
Parece oportuno referir-se a manifestação do Supremo Tribunal Federal que colocou fim na discussão sobre a responsabilidade civil pelos atos praticados pelo notário e o registrador, ao adotar a teoria objetiva em virtude da natureza estatal das atividades exercidas em caráter privado por delegação do Estado, o qual detém o monopólio dos serviços registrais responde diretamente pelos danos que seus delegados venham a causar a terceiros, permanecendo os últimos na esfera da responsabilidade subjetiva. [ 14] 
 
Ademais, aquele que sofrer um dano injusto em virtude de um erro judiciário, de sorte a provocar a denegação da Justiça, pode promover ação em face do Estado com vistas ao ressarcimento do prejuízo patrimonial e não patrimonial experimentado, como de resto se pratica em todo Estado Democrático de Direito, que não mais tem a preocupação em saber se o ato provém do ius imperii ou do ius gestionis. 
 
Ao aludir sobre a responsabilidade estatal relativamente à prestação jurisdicional eivada de imperfeição, Vera Lúcia R. S. Juckovsky afirma que “doutrinariamente, tem sido interpretado como existente tal quadro quando o Magistrado atua com dolo, recusa ou omite soluções a dano das partes; quando o Juiz desconhece ou conhece mal o direito incidente na demanda, de modo a recusar ou omitir o que deve ser dado de direito...”. [ 15] 
 
De tudo que foi dito, porém, deve ser ressaltado que por submissão ao Direito, entre um mandado legal e um mandado judicial, deve se privilegiar o mandado legal, visto que é fundamental a licitude da ordem. Afinal, tem ou não o cidadão a garantia constitucional de que o Estado não interferirá em seus direitos patrimoniais, salvante, as exceções contidas na própria lei? volta
 
5. A função qualificadora do registrador
 
A observância dos aspectos relativos ao fundo e a forma do título judicial é necessária e indispensável para compor a massa de segurança das relações jurídicas gerada pela qualificação, razão de ser do próprio serviço registral, consoante sonoras palavras do art. 1.º da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973): 
 
Art. 1º. Os serviços concernentes aos registros públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta lei. (grifei) 
 
É sutil a diferença entre forma e fundo, embora se oponham por ser aquela extrínseca, uma vez que simplesmente afeta a exteriorização do ato, enquanto que o fundo é intrínseco, porque toca de perto a essência ou o conteúdo do ato como condição de sua própria existência ou valia. O fundo é requisito essencial porque o que não satisfaz as exigências ou condições de fundo não possui vida nem conduz valimento legal para produzir a eficácia que o Direito assinala. Por exemplo: embora seja questão de fundo, o Registrador avaliará se o procedimento permitia a expedição da ordem judicial. Não seria lógico que em ação diversa fosse expedido Mandado relativo a situação registral que não foi objeto de apreciação 
 
Esta inescusável obrigação, no entanto, não decorre somente da função registrária de oferecer segurança jurídica à sociedade, o que seria suficiente por si só, mas também de expressas disposições legais às quais o Registrador encontra-se vinculado preceptivamente, cujo vetor é o princípio constitucional de segurança jurídica. A Lei dos Registros Públicos (6.015/1973), em seu art. 239, traz requisitos a serem observados nos títulos judiciais que pretendem ingresso no Registro de Imóveis para fins de registro de constrições judiciais, determinando in verbis: 
 
Art. 239. As penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis serão registrados depois de pagas as custas do registro pela parte interessada, em cumprimento de mandado ou à vista de certidão do escrivão, de que constem, além dos requisitos exigidos para o registro, os nomes do Juiz, do depositário, das partes e a natureza do processo. 
 
Parágrafo único. A certidão será lavrada pelo escrivão do feito, com a declaração do fim especial a que se destina, após a entrega, em cartório, do mandado devidamente cumprido. 
 
Também o art. 198 da mesma lei sanciona a função qualificadora do registrador ao dizer que “havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito”. 
 
Significa o preceito que o registrador, depois de prenotar o título, deverá, antes de proceder aos atos inscritivos, examiná-lo à luz das exigências legais a ele pertinentes, contidas na própria Lei dos Registros Públicos, na legislação tributária, na legislação civil, comercial ou de outra natureza, que lhe sejam aplicáveis, inclusive, das esferas estadual e municipal, além de estrita observância às normas técnicas e decisões normativas editadas pelo Poder Judiciário, que por disposição constitucional é o órgão fiscalizador dos registradores de imóveis. 
 
É, pois, dever do registrador proceder ao exame exaustivo do título exibido, mesmo quando de origem judicial, sob pena de incorrer em responsabilidade, todavia, nem sempre a qualificação registral empreendida pelo oficial é compreendida em seu verdadeiro sentido e alcance, tal como prevista no ordenamento legal vigente, tanto que não poucos registradores já passaram pelo constrangimento de serem intimados de decisões judiciais por despachos do seguinte jaez:  “Cumpra-se imediatamente sob pena de desobediência (ou de pena de prisão)”.  Isso simplesmente porque, ao examinar um determinado título judicial,  considerou-o inapto para a prática do ato de registro ou de averbação determinado pelo Juiz ou mesmo emitiu uma nota com  exigência de retificação ou aditamento do título para o efeito de afastar óbice que impedia a prática do ato determinado. [ 16] 
 
Parece que vários fatores, embora distintos, completam-se e corroboram para que essa situação se instale e leve certos grupos a pugnarem pela limitação do controle de legalidade exercido pelo oficial registrador via qualificação. 
 
Primeiro, porque existe uma infeliz prática registral de devolução do título ou emissão da Nota de Exigência de forma resumida (p.e. apresentar certidão de casamento dos executados), por vezes, até em papeletas grampeadas no título, sem a imprescindível exposição das razões e dos fundamentos que justificam a tomada de decisão do oficial registrador na edição do ato de negação de acesso do título judicial ao caderno registral. 
 
O oficial deve considerar que, em virtude de sua condição de delegado do serviço público, operando em nome do Poder que o credenciou para o exercício de uma atividade essencial, os atos que pratica em razão de seu ofício são atos administrativos. Esses atos, para regular ingresso no mundo jurídico devem ser estruturados nos princípios que norteiam, informam e fundamentam o Direito Administrativo, impondo-se, portanto, que no seu pronunciamento consubstanciado em eventual Nota de Devolução do Título Judicial, fiquem estampadas de maneira precisa e clara as razões de fato e de direito que o levaram a proceder daquele modo. 
 
Quando o registrador examina um título e o declara conforme a lei e lhe dá abrigo no arquivo registral imobiliário ou o desqualifica, a exemplo da atividade judicial saneadora do processo, pratica ato típico de jurisdição voluntária, imparcial, com independência e soberania; todavia, a nosso aviso e com o máximo respeito por fortes opiniões em contrário, a natureza jurídica qualificadora do registrador consiste em autêntica função administrativa, visto que está adstrito ao ordenamento jurídico positivo, não lhe sendo facultado, em razão do estreito limite da qualificação, valer-se de elementos subsidiários para construção de seu juízo fora do direito normativo, como, por exemplo, do direito costumeiro, do direito comparado, da determinação eqüitativa do direito etc. Como muito bem salienta Adriano Damásio, “o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva”. [ 17] 
 
Tratando da legalidade para o administrador público Elcio Trujillo aponta que “a legalidade na Administração não se resume à ausência de oposição à lei, mas pressupõe autorização dela, como condição de sua ação”. [ 18] 
 
Por oportuno lembrar que o uso na justificativa da devolução do título de expressões genéricas como “para os devidos fins”, “para fins de direito”, e outras assemelhadas, não servem para motivar o ato de interdição do título pelo oficial registrador, configurando mera logomaquia. [ 19] 
 
A Constituição Federal, no seu art. 37, preceitua que a Administração Pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Na mesma direção a Constituição Paulista em seu art. 111 amplia esse rol, acrescentando, de forma explícita, os princípios da razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público, como de observância obrigatória pela Administração Pública direta, indireta e fundacional, incluídos nessa categoria de entes públicos, por conseqüente lógico, os serviços delegados de notas e de registro. 
 
Ensina Celso Antônio que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”. [ 20] 
 
Urge, então, que o Registrador de Imóveis estruture a Nota de Exigência nos termos estabelecidos pela Lei de Registros Públicos, por outras normas jurídicas pertinentes e pelos princípios de direito registral e de direito administrativo, sob pena de ficar o ato inquinado de vício de legalidade e adentrar de forma precária ao mundo jurídico, com sua validade comprometida, podendo, até, ser por este abortado, já que não se tolera a inércia ou o relaxo administrativo. 
 
Em segundo, poder-se-á apontar a especialização excessiva em determinados ramos do direito, com desconhecimento da matéria registral. Isso ocorre a partir dos bancos acadêmicos, uma vez que pouquíssimas faculdades de direito no País oferecem a seus alunos cadeiras de direito notarial e registral. Será essa a causa por que mentes privilegiadas, com relativa freqüência, movem-se no âmbito do direito registral imobiliário até mesmo contra legis? 
 
Parece que esse débito pode ainda ser contabilizado à conta de corporativismo mal entendido e outras causas subjacentes que levam certos grupos a pugnar pelo limite do controle registral da legalidade. 
 
Enfim, por que não dizer mais que a função de qualificação registral não é suficientemente explicitada em nossos livros de Direito, até mesmo na literatura jurídica especializada? 
 
Mesmo tratadistas de escol não têm enfrentado os temas nevrálgicos do sistema registral imobiliário com a energia e o esgotamento que a matéria exige. 
 
É nesse ritmo que surge uma coleção de proposições composta de frases mais ou menos assim: 
 
• A função de qualificação registral é restrita ou limitada; 
 
• O registrador imobiliário não pode desobedecer ou desvirtuar uma decisão judicial, devendo limitar-se a cumprir a ordem.Os terceiros interessados ou aqueles atingidos pelo ato praticado podem impugná-lo perante os Tribunais competentes; 
 
• A função jurisdicional deve ser respeitada; 
 
• Os documentos judiciais gozam de presunção de legalidade. 
 
Obviamente essas frases não são frívolas nem inconseqüentes; pelo contrário, são absolutamente verdadeiras. Não podem, todavia, ser isoladamente consideradas, senão, devem, ser entendidas na unidade do sistema jurídico vigente pena de tornar letra morta toda a legislação paulatinamente desenvolvida e retornar aos albores da legislação criadora do Registro Geral de Imóveis, com anterioridade a 1863, numa evidente falta de “memória histórica” e de conhecimentos suficientes das razões porque se implantou em nosso País a publicidade registral e as normas de segurança do tráfico imobiliário, seguindo, fundamentalmente, o modelo germânico, que tem como pressuposto a legalidade dos atos e negócios e a presunção de exatidão dos assentos registrais, e, por isso, exige, dados os fortíssimos efeitos que se atribui àqueles, por razões de segurança jurídica imobiliária, um amplo controle de legalidade por parte do registrador e dos órgãos de reexame em graus administrativos hierarquicamente superiores. 
 
A propósito, é de ser consignado desde logo que a qualificação registral não é só do Registrador de Imóveis, senão que a qualificação registral se integra por um conjunto de órgãos imparciais e especialistas em matéria de direito imobiliário registral, que são: o Registrador de Imóveis, o Juiz dos Registros Públicos e o Conselho Superior da Magistratura do Estado. [ 21] Embora o procedimento de dúvida esteja enquadrado na modalidade da jurisdição voluntária, pode ensejar recurso especial dirigido ao Superior Tribunal de Justiça ou recurso extraordinário encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, desde que presentes os requisitos constitucionais para admissibilidade desses recursos. 
 
Como já assinalado, o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo por inúmeras vezes já decidiu que o fato de se tratar de título judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal e que todos os títulos, judiciais e extrajudiciais, são submetidos à qualificação registrária, com fulcro na aplicação dos princípios e normas formais da legislação específica, vigentes à época do respectivo ingresso (cf. Ap. Civ. 027353-0/8 – São Paulo, 26/01/96, rel. Des. Alves Braga; Ap. Civ. 66.564-0/6 – São Paulo, 16/03/2000, rel. Des. Luís de Macedo; Ap. Civ. 63.096-0/8 – São Paulo, 10/09/99, rel. Des. Nigro Conceição). 
 
Este entendimento da alta cúpula do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, devidamente desenvolvido de forma clara e coerente com o sistema vigente, evidencia o verdadeiro sentido da limitação da função qualificadora do registrador, que não significa limitação do alcance da qualificação, devendo o Registrador, perfeitamente, desqualificar título judicial para ingresso no Registro Imobiliário sempre que este apresente irregularidade ou omissão ou não preencha as exigências legais. 
 
Por certo deverá o registrador ater-se às exigências legais (LRP, art. 205, in fine), sendo esse (ater-se às exigências legais) o limite e o alcance da função qualificadora; não mais, nem menos, porém, com força suficiente para conduzir a reflexão empreendida na relação entre as autoridades judiciais que decidem contraditoriamente inter partes e os Registradores cujos atos registrais produzem efeitos erga omnes, o que chama a atenção para a distinção entre partes e terceiros. 
 
A jurisdição do Juiz no processo se refere exclusivamente as partes litigantes de sorte que a sentença e as decisões nos autos somente afetam as partes integrantes. O princípio da coisa julgada e a relatividade de efeitos das sentenças judiciais constituem o fundamento desta limitação. 
 
Por seu turno, com respeito aos terceiros que não tenham participado ou notificados do pleito, a decisão judicial é res inter alios, e é precisamente nesse momento que exsurge a atividade do registrador ao desqualificar o título judicial que venha a afetar titulares registrais que não figuraram no pólo passivo do pleito ou não foram convocados pelo Juízo onde tramita o processo, oferecendo-lhes o registrador a proteção registral fundada nos princípios da presunção, da fé pública e do trato sucessivo, sob pena de flagrante maltrato ao princípio constitucional do direito a tutela jurisdicional dos próprios direitos e interesses legítimos, sem prejuízo de que, desde logo, no âmbito contencioso entre as partes determinadas, impere, definitivamente, a decisão judicial. 
 
Os princípios do direito registral brasileiro são princípios de ordem pública e cabe ao registrador aplicá-los cogentemente a todos os casos concretos. “O registrador, pois, não pode abdicar de seus direitos de pessoalidade e independência na qualificação, porque, secundum quid, são também deveres a observar. A delegação do juízo qualificador ou seu submetimento a ordens superiores concretas (note-se bem!), configuram, assim, violações éticas e contribuem, para a desonra profissional dos registradores”. [ 22] 
 
Que sentido teria o princípio da presunção registral [ 23] se não houvesse um controle de legalidade por parte de órgãos imparciais e especializados em matéria registral? 
 
Pelos efeitos que emergem do registro [ 24] o filtro de legalidade ativado pelo oficial por força da função preventiva do Registro Imobiliário deve, na medida do possível, ser suficientemente denso para impedir a prática de um ato registral que possa ser facilmente impugnado na via judicial por terceiros. A razão é que a força decorrente do ato registral em sistema procedente do germânico, como o nosso, é muito forte, e embora não seja abstrata, como o tedesco, que não permite impugnações fora dos consentimentos formais, já que nosso sistema é causal, exigindo título pré-constituído, deve a qualificação registral considerar todos os supostos de nulidade ou anulação, sempre em homenagem a segurança jurídica e ao tráfico imobiliário, todavia, livre de temores nascidos de meras suposições. 
 
Walter Ceneviva orienta que o registrador deverá sempre observar a razoabilidade das exigências, buscando soluções “que tendam a viabilizar – e não a impedir – o registro. As garantias inerentes ao registro imobiliário devem estar abertas a todos”. [ 25] 
 
Sempre que o título judicial apresentar irregularidade ou omissão, é aconselhável que o registrador, sem prejuízo da entrega do título ao portador, comunique, por ofício, à autoridade judiciária que o expediu para que essa determine o atendimento da exigência formulada ou se proceda a suscitação da dúvida na forma do art. 198 da Lei de Registros Públicos. volta
 
6. A suscitação de dúvida como reexame da qualificação feita pelo registrador
 
Feita a qualificação do título pelo registrador, esse indicará por escrito as exigências a serem cumpridas, quando houver. O apresentante, de acordo com o art. 198 da Lei dos Registros Públicos, não se conformando com os requisitos formulados ou não os podendo satisfazer, poderá requerer seja o título remetido ao juízo competente, com a declaração de dúvida, para que seja ela dirimida. 
 
A dúvida é formulada pelo registrador, mediante o requerimento do apresentante. Trata-se de procedimento administrativo, no qual o Juiz competente decidirá sobre a legitimidade ou não da exigência feita. [ 26] 
 
É preciso frisar que a suscitação de dúvida é mais uma garantia de legalidade do ato; uma confirmação da segurança e confiabilidade que o registro transmite para a sociedade. Decorre, como já afirmamos, da observância estritamente legal dos requisitos imprescindíveis para o regular registro. 
 
Além desse limite para suscitação de dúvida, há um outro, que vigora em todo o Estado de São Paulo, por força do Comunicado n° 535/95 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado, publicado no Diário Oficial da Justiça, segundo o qual, quando for suscitada dúvida relativa a questões primárias ou de matéria já cristalizada em reiteradas decisões anteriores e, portanto, desnecessária, a sentença que julgar a dúvida improcedente reconhecerá, em cada caso, o direito ao reembolso das despesas com o processamento do recurso e honorários de advogado, se demonstrado o pagamento. 
 
Portanto, o registrador deve agir estritamente em conformidade com a lei, lembrando-se que, na verdade, quem primeiro deve observar os requisitos na expedição do título judicial é o órgão emissor. Por serem preceitos estabelecidos em lei, devem ser conhecidos por todos e seguidos corretamente pelo Judiciário no momento da expedição do título ou ordem. Com razão, Nicolau Balbino Filho argumenta que “por conseguinte, os senhores oficiais de justiça, ao lavrarem o auto de penhora, e os senhores escrivães, ao expedirem o mandado judicial que determina o registro ou a inscrição da penhora, deverão atender às exigências legais acima transcritas”. [ 27] 
 
Se observarmos atentamente a intenção da lei, o registrador nada mais faz senão conferir os requisitos formais que por disposição legal já deveriam ter sido seguidos pelo próprio órgão emissor do título ou ordem e num segundo momento, conferir se os dados ali constantes se coadunam com os que constam no registro, o que também deveria ter sido feito de antemão pelas partes (CPC, art. 158), pelo Juiz e pelos serventuários do foro judicial. 
 
Num primeiro momento, tanto a qualificação registrária com a Nota de Exigência de aditamentos ou retificações, bem como a suscitação de dúvida, parecem transtornos para o processo judicial e para o advogado “que padeceria nos balcões dos cartórios”, segundo alguns. No entanto, o que se vislumbra é, ao contrário, celeridade processual, efetividade e certeza nas relações jurídicas. 
 
A avaliação deve ser feita não apenas no estrito âmbito do processo judicial, mas, principalmente, fora dele, já que os efeitos de um ato inscritivo registral atinge toda a sociedade, haja vista a natureza jurídica do ato registral que passa a ter caráter público. 
 
Mesmo no âmbito do processo executivo a eficácia da qualificação e da suscitação de dúvida se evidencia na medida em que pode evitar “transtornos” ainda mais protelatórios, como ocorre com os embargos de terceiro, cuja demora nem se compara com uma solução administrativa. Não é difícil compreender tal idéia, voltada para a paz social advinda, que para todos os efeitos deve nortear o tratamento da matéria. volta
 
7. Considerações finais
 
O acesso ao álbum registral de títulos e ordens judiciais é o objetivo e o anseio dos registradores brasileiros que pugnam por oferecer as garantias e o amparo do sistema registral, evidenciados por meio da publicidade e seus efeitos, para situações concretizadas no âmbito processual pelo Estado-Juiz, ao tempo em que reverenciam os direitos reais inscritos e mais os interesses comunitários em potencial. 
 
Em face da modernidade das instituições jurídicas, na esteira de conquistas democráticas que lavraram um caminho seguro para o exercício dos direitos coletivos e individuais via legalidade e igualdade, parece-nos que não encontra mais razão de ser qualquer tipo de antinomia entre registradores e órgãos judiciários no que tange ao acesso dos pronunciamentos judiciais consubstanciados em documentos judiciais, típicos ou extraordinários. 
 
Pese por sua importância estratégica nacional, como instrumento de desenvolvimento econômico, ser o Registro de Imóveis na atualidade mais um tema de economia do que um tema de justiça, visto ser vital para estabilidade da cadeia produtiva interna e de mercado, bem como para diminuir a desconfiança internacional, resultando em maiores investimentos em nosso País, o Sistema, por vocação, sempre esteve a serviço da própria  administração da justiça, à medida que, pelo ato inscritivo, complementa a efetividade da resolução judicial e a projeta erga omnes. 
 
O tema exige uma monografia, porém, como contribuição, apresentamos ess


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