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Condomínio - registro de locação de unidade autônoma em construção - Marcelo Terra e Everaldo Augusto Cambler [i]*

 


A atualidade do mundo dos negócios é extremamente criativa na busca de soluções de estruturação financeira dos empreendimentos.

Em imóveis industriais e comerciais, tem sido freqüente a antecipada contratação de locação das futuras unidades e a securitização dos recebíveis da futura locação e o produto de tal cessão destinado à construção do prédio locado, completando um círculo virtuoso.

Nessa situação, o inquilino tem justo interesse em levar ao registro imobiliário seu contrato de locação, assegurando-lhe o exercício do direito de preferência e o direito de continuidade da locação na hipótese de alienação do bem locado.

Quando se trata de unidade ainda em construção e cuja locação tem seu termo inicial com o término da obra, surge a questão da registrabilidade do contrato de locação de unidade autônoma futura.

Esses atos registrários poderão ser concretizados independentemente da conclusão da construção da unidade autônoma locada, levando-se em conta que o contrato de locação não necessita, para o seu aperfeiçoamento, da tradição da coisa no momento da celebração, bastando o encontro de vontade das partes:

"É consensual porque independe da entrega da coisa para que se tenha por perfeito. Como é mero direito obrigacional, não transfere a propriedade. O locador obriga-se a ceder a coisa, mas a tradição não é essencial ao negócio". ([ii]1)

Portanto, o fato de o locador estar promovendo a incorporação e a construção da edificação correspondente à unidade condominial locada não constitui óbice ao registro e à averbação pretendidas, bastando o consentimento para considerar-se o contrato perfeito e acabado, conforme assinala a posição majoritária da doutrina. Orlando Gomes leciona que o contrato de locação se considera

"... perfeito e acabado quando as partes consentem, formando-se, pois, solo consensu. Posto seja sua causa o uso e o gozo da coisa alheia, a tradição não é necessária à sua perfeição. O locador obriga-se a entregar a coisa. Não se trata, pois, de contrato real". ([iii]2)

Também comunga de tal entendimento Rubens Limongi França ([iv]3), ao lembrar que

"... desde o Direito Romano, onde um texto de Paulo faz referência, a respeito deste particular, ao próprio direito das gentes: locatio et conductio, cum naturalis sit, et omnium gintium, non verbis sed consensu contrahitur (D. 19, II, 1, Locati et conducti). Não depende, portanto, da tradição da coisa".

Vale ressaltar que a existência, no contrato de locação, de cláusulas suspensivas de seus efeitos, em nada altera sua natureza ou impede seu registro e averbação ao pé da matrícula. Isto porque, muito embora a suspensão alcance algumas das conseqüências do ato, o negócio mostra-se pronto, perfeito e acabado, estando com sua vigência plenamente reconhecida pelo sistema jurídico. De fato, quando a disposição complementar é fruto ([v]4)

"... da exclusiva vontade das partes e depende de um acontecimento futuro e incerto, exsurge uma condição. De conformidade com a maneira como atua, no conter efeitos, pode ser suspensiva ou resolutiva. Uma deixa em suspensão as conseqüências do ato, que desimpedidamente assoma pronto, perfeito e acabado" (grifo nosso).

Tendo por objeto imóvel de existência física futura, o registro e a averbação do contrato de locação somente feriria o princípio da continuidade dos registros públicos caso não houvesse anterior registro da incorporação do condomínio, o que deve ser providenciado pelo incorporador e locador, conforme referido acima. Nesse sentido, selecionamos a seguinte decisão ([vi]5) do Tribunal de Justiça de São Paulo, exarada antes da entrada em vigor da Lei nº 6.015/73, que conclui pela inviabilidade dos atos registrários sem a observância daquele requisito:

"Não se nega validade do contrato de locação, que tenha por objeto imóvel de existência futura, mas não é essa a questão relevante aqui. O que importa é que a agravante pretende inscrever contrato de locação de imóvel em condomínio, sem anterior averbação da incorporação do prédio, o que é inviável. Como precisamente salientou a sentença recorrida, se realizada a inscrição(do contrato) haveria ferimento ao princípio da continuidade dos registros públicos, com notícia de um ônus sobre prédio desconhecido nas anotações imobiliárias".

Entretanto, conforme salienta um dos co-autores do presente estudo ([vii]6), a especialização das unidades autônomas, ainda em construção, possibilita identificar o imóvel no sentido jurídico-registral, representando, a futura unidade autônoma, um corpo jurídico diferente do terreno, em face da mutação objetiva decorrente do prévio registro da incorporação imobiliária, modalidade de instituição condominial.

Dessa mutação e do atendimento ao princípio da especialidade, resulta que nenhum óbice se opõe ao registro e à averbação do contrato de locação de unidade autônoma em construção, desde que registrado o memorial de incorporação, em face do regime jurídico especial previsto na Lei n.º 4.591/64, recepcionado pelo sistema da Lei n.º 6.015/73.

Com o exposto, aqui reunimos alguns argumentos a demonstrar o amparo legal do registro e da averbação do contrato de locação, de maneira a ficarem preservados os direitos subjetivos de vigência e preferência dos futuros locatários (ou dos locatários presentes de imóvel futuro) em face da alienação do imóvel.

São Paulo, 26 de janeiro de 2004.



[i]* Marcelo Terra e Everaldo Augusto Cambler são advogados em São Paulo.

[ii](1) VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – contratos em espécie e responsabilidade civil, nº 6.1, pág. 123. São Paulo, Atlas, 2001.

[iii](2) GOMES, Orlando. Contratos, nº 210, pág. 275. Rio de Janeiro, Forense, 1998. 18ª edição.

[iv](3) FRANÇA, Rubens Limongi, Instituições de direito civil, pág. 772. São Paulo, Saraiva, 1996.

[v](4) PINTO, José Guy de Carvalho. Locações e ações locativas, nº 20, pág. 47. São Paulo, Saraiva, 1997.

[vi](5) RT – 443/201.

[vii](6) TERRA, Marcelo. A matrícula na incorporação imobiliária. In: - Temas jurídicos nos negócios imobiliários. São Paulo: IOB, 1991, p. 71 ss.) e, também, Frederico Henrique Viegas de Lima (A juridicidade de abertura de matrículas de unidades autônomas após o registro do memorial de incorporação. In: - Temas registrários. Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998, pág. 19 e ss.)



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