BE942
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GVS – uma falta sentida
Morreu o heuretés!
Ricardo Dip
O que designamos sorte ou azar é a ignorância da misteriosa causatividade de todas as coisas, das mais pequeninas às gigantescas. Alguém, um dia, indicou-me a leitura de I Promessi Sposi, de Alessandro Manzoni, e foi lá, nesse romance admirabilíssimo, que aprendi serenamente a desconfiar dos ‘azares’ e das ‘sortes’, das superstições e da vã observância, a desconfiar da amplitude da estultícia humana —a começar, hélas, da minha própria— e, em contrapartida, a pôr confiança no Logos de todos os mistérios. Deixo melhor tudo isso para outro dia.
Aqui me aventuro só a registrar um desses trágicos ‘acasos’. Sexta-feira à noite, persuadido, como sempre, pelos razoáveis motivos de sempre com que minha mulher de sempre me desentoca de casa, lá fui eu à necrópole paulistana, confortado por dois casais muito amigos. Fomos jantar num bom restaurante de Moema. Fazia hora e meia que estávamos ali quando me dei conta de uma novidade —uma novidade que tardara uma década inteira: ali estava, em corpo e alma, sangue e patelas, o emérito jurista Álvaro Pinto de Arruda.
Dez anos fazia ou até mais! A ponto de que eu, despovoado já dos cabelos que me ocultavam a calva muito feia, desnutrido do bigode que esbranquiçou nos últimos tempos, desprovido dos óculos que me corrigiam a miopia… a ponto de que eu sequer fui reconhecido pelo Álvaro. Bem é que ele não perdeu nada com isso, mas o fato é que não me reconheceu e, suspeito, foi só a custo de eu entoar, clara e pausadamente, meu pequeno sobrenome, que ele teve a gentileza de agitar seus neurônios e de lembrar-se deste antigo e persistente camponês.
Mas por que? Por que nesta brutal necrópole de São Paulo, com dez milhões e ainda mais de habitantes? Por que dez anos depois? Por que é que tinha de ser no dia 29 de novembro de 2003, cerca das dez horas da noite, que eu encontraria de novo um pensador dos registros públicos do porte deste meu velho amigo Álvaro Pinto de Arruda?
Para algo havia de ser. As coisas não acontecem por sorte ou por azar. Ocorrem para que a Justiça se cumpra no mundo dos homens.
Pois é: do Álvaro tinha eu de ouvir a notícia funesta. Dele, amigo entre os primeiros de Gilberto Valente da Silva, amigo deste Gilberto como o foram (e são) o juiz Ubiratan de Arruda, o sociólogo Mariwal Jordão, o procurador de justiça José Roberto Garcia Durand… Pois eu tinha de ouvir, horas depois da morte de Gilberto Valente da Silva, essa notícia que o Álvaro me deu de viva voz…
Morreu o heuretés, morreu o inventor do contemporâneo registro de imóveis brasileiro!
Não tinha já palavras. Ago-ne? Como deveria agir? Como pode o registro de imóveis brasileiro conviver com a solidão em que todos forçadamente nos encontramos? Como é que se evita o sentimento de que perdemos o escavador de nossas mais fundas verdades na praxe registral?
Consola-me a idéia de que Álvaro Pinto de Arruda foi o portador de alguma forma de mensagem do heuretés! Eu, reservista, atocaiado no campo, às margens do Tietê, fazia tempo que não conversava com o grande Gilberto. Pois estou convencido de que o Álvaro me trazia um telegrama espiritual urgentíssimo: uma Ave-Maria bem rezada, ali mesmo, naquele minuto —e pouco importa que o plenário do restaurante ignorasse minha conversação interior—, uma Ave-Maria pela alma do heuretés!
Não tinha mais palavras… Já estou agora de volta às letrinhas que vou costumeiramente arrumando com meus (maus) modos. Fico a imaginar se o céu e o inferno têm seus livros de registros. Hão de ter. A segurança é importante, e o céu e o inferno são estados de segurança, bem ou mal, definitivos. O purgatório é outra coisa: lá as inscrições são provisórias… Estou a ver que S.Pedro já convocou o heuretés para ordenar os registros e as averbações, e, por certo, por certo, para ser o maior prático dos cartórios celestes: no céu, é verdade, não fica bem falar em pinga-fogo, mas, uma vez, faz tempo, eu descobri no ‘pinga-fogo do Gilberto’ uma espécie contemporânea das medievalíssimas quaestiones disputatae. Chamemo-las assim. Para o Gilberto, nós sabemos, tanto faz. Ele, provavelmente, sempre saberá a resposta do que lhe perguntarem acerca dos registros…
P.S.: Amigo Gilberto, guarde uma vaga no protocolo para esse seu aluno e cascabulho de pequeníssimo porte. Enquanto isso, contente-se com as Ave-Marias com que impetro sua glória no céu.
Cartas de condolências
? Meu caro Dr. Jacomino, Sou ex-Registrador Civil e Notário de Cerquilho, aposentado em 20.11.2002 e tudo o que fui na vida, em minha profissão, devo ao Dr. Gilberto Valente da Silva e também ao Dr. Túllio Formícola, então presidente da antiga ASSOMA e entristecido recebi o Boletim informando a morte de tão importante pessoa para todos nós.
Cuidando dos meus papéis junto à Corregedoria-Geral, a quem procurei por orientação da ASSOMA, o Dr. Gilberto, lá pelos idos de 1981, nem queria cobrar os honorários, deixando ao meu cargo o arbitramento de tal importância e por esse exemplo, mais o do meu pai, a quem praticamente sucedi no Cartório, tenho o orgulho de dizer que na minha profissão servi minha cidade com o mesmo denodo com que um pracinha dava a própria vida em defesa e trabalhando pela Pátria.
Solicito ao prezado amigo, que faça chegar à Família do Dr. Gilberto, meus mais profundos pêsames, pelo seu passamento, que enlutou toda a nossa classe.
Luiz Antonio Souto, Ex-Notário e Registrador
? É com pesar que todos os integrantes do grupo GREENURB recebemos esta notícia. O Doutor Gilberto Valente da Silva, mestre dos mestres, merece uma homenagem gigante de todos os tabeliães e registradores do Estado de São Paulo. Nas nossas jornadas pelo interior do Estado, realizando o nosso trabalho de regularização de loteamentos clandestinos, temos encontrado inúmeros Delegados que se socorriam do Doutor Gilberto. Quanta falta irá fazer! Lembro-me, quando estudante de direito, visitava o gabinete do Doutor Gilberto na Vara dos Registros Públicos e era recebido com educação, respeito, e com o carinho do eterno professor de todos. A Lei 6015/73, se é aplicada hoje em sua plenitude, deve ao Doutor Gilberto uma infinidade de favores, pois ele, eterno apaixonado das questões ligadas ao registro público, foi conduzindo a sua aplicação sem traumas e sem exageros ou extravagâncias.
Descanse em paz mestre! Que Deus o agasalhe e receba no céu e o indique para ser o corregedor dos cartórios celestes. Paz e bem!
Missa de 7º dia será em São Paulo
O Irib convida todos os notários e registradores brasileiros e a grande família de admiradores, amigos, familiares e discípulos do grande mestre Gilberto Valente da Silva para a celebração da missa de sétimo dia, que será celebrada no dia 5/12/03 (sexta-feira), às 16:00 horas, na paróquia Nossa Senhora Mãe do Salvador (Igreja da Cruz Torta), na Av. Prof. Frederico Herman Junior, nº 105 - Alto de Pinheiros - São Paulo, Capital.
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