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Concursos públicos – recursos administrativos - por que o corad? - Ricardo Guimarães Kollet[i]*
Resumo: o duplo grau de jurisdição, inclusive na esfera administrativa, é direito assegurado constitucionalmente no artigo 5o , LV, da Carta Política. Assim, diante da necessidade do grau recursal das decisões proferidas pela comissão de concursos, especialmente no Rio Grande do Sul, o mesmo deve ser processado perante o Conselho de Recursos Administrativos (CORAD), segundo o que prescreve o artigo 34, parágrafo único da Resolução 431/2003, do Conselho da Magistratura combinado com o artigo 8o , letra "c"do Regimento interno do CORAD.
A norma fundamental, materializada na Constituição Federal, artigo 5º, LV, assegura aos "litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral ... o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (negritamos). É a base para o princípio do duplo grau de jurisdição (inclusive administrativa), que assegura aos cidadãos o poder de terem revisadas, num estágio superior, as decisões que porventura contrariem seus interesses.
A legislação Federal, especialmente a Lei nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998, que regulamenta os processos administrativos na ceara da Administração Pública Estadual (RS), no artigo 37, prevê que é assegurado a "todo aquele que for afetado por decisão administrativa poderá dela recorrer, em defesa do interesse ou direito". Estabelece, outrossim, dita Lei, em seu artigo 39, a competência para conhecer do recurso dizendo: "Quando a norma legal não dispuser de outro modo, será competente para conhecer do recurso a autoridade imediatamente superior àquela que praticou o ato".
É de ressaltar-se ainda os princípios norteadores do processo administrativo esculpidos no artigo 22 da Lei nº 10.177/98, retro citada, que: "Nos procedimentos administrativos observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência de publicidade, contraditório, da ampla defesa e, quanto for o caso, do despacho ou decisão motivados", reproduzindo-se e ampliando o que existe materialmente na Constituição Federal.
O embasamento legal para que se encaminhe o expediente ao Egrégio Conselho de Recursos Administrativos, encontra amparo regimental no artigo 8o do Regimento Interno do mesmo, quando assevera que: "Compete ao Conselho de Recursos Administrativos o julgamento: ... b) dos recursos interpostos das decisões das Comissões de Concursos para provimento de cargos do Quadro de Pessoal dos Serviços Auxiliares da Justiça de 1° Grau".
Os serviços notariais e registrais, delegados pelo poder público, conforme dispõe o texto constitucional, artigo 236, embora exercidos em caráter privado, são fiscalizados pelo poder judiciário e, para fins de organização judiciária no Rio Grande do Sul, são considerados Serviços Auxiliares da Justiça de Primeiro Grau, conforme Código de Organização Judiciária (Lei 7.356/80), Titulo III, artigo 90, que classifica os Serviços Auxiliares em judiciais e extrajudiciais, definindo, por seu turno, no artigo 92, quais os cargos integrantes desta última categoria (Tabelionatos, Ofícios do Registro de Imóveis, Ofícios do Registro Civil das Pessoas Naturais, Ofícios do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, entre outros).
Outro requisito para que o julgamento em grau de recurso se processe perante o referido órgão, oriundo da Resolução 226/97 - CM, é que o nível de escolaridade para o provimento do cargo seja o superior. Segundo a Lei nº 8.935/94, os notários e registradores são profissionais do direito (artigo 3o), sendo requisito para a delegação, conforme artigo 14, inciso V, da mesma Lei, o diploma de bacharel em direito. Qualquer outra circunstância diversa constitui mera exceção à regra geral.
Ressalte-se que o critério não se refere ao nível de exigência do concurso, mas sim do cargo que está sendo suprido. Não é outro o entendimento literal da resolução do conselho quando assevera, sublinhamos: "nível de escolaridade para provimento do cargo".
Conforme jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, os notários e registradores são considerados servidores públicos lato senso. Basta a leitura da ementa no acórdão proferido em Mandado de Segurança, no 70003538006, in verbis: "Ementa: Direito Público. Notários e Registradores. Função Pública Lato senso. Aposentadoria Compulsória. Submetem-se os ocupantes de tais atividades ao instituto da aposentadoria compulsória. Não tendo a EC 20/98 modificado tal circunstância. Segurança denegada. Voto vencido (17 fls). (Mandado de segurança no 700003538006, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS. Rel: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 18/03/2002)". Nesse sentido, ainda, embargos de declaração, processo 70003644887 e embargos infringentes, processo 70000379354.
Nesta mesma linha a jurisprudência pacífica existente no Superior Tribunal de Justiça, encontrando o seu ápice no AGR 2445/MG, cuja ementa transcrevemos por sua clareza e ilustração, negritando alguns pontos a nosso ver nevrálgicos para o deslinde da questão, a saber: “AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CARTÓRIO. OFICIAL REGISTRADOR. ... Ocupam cargos efetivos. 2. A despeito da alteração introduzida pela EC 20, os agentes notariais e oficiais registradores são (1) servidores públicos lato senso, (2) submetidos às regras administrativo-constitucionais quanto ao provimento do cargo e, portanto (3) sujeitos, também, às normas de caráter geral da função pública, exercida por delegação ... Rel. Min. Fernando Gonçalves. Nesse sentido ainda AROMS 15947 / PR, ROMS 12199 E 8057.
A questão no Supremo Tribunal Federal toma o mesmo sentido quanto à posição que ocupam notários e registradores no cenário da organização judiciária. Assim é a locução da ementa a seguir transcrita: “CONSTITUCIONAL. SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS CRIAÇÃO. MATÉRIA DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. C.F., art. 96, II, b e d. NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE SERVENTIAS: PRESUNÇÃO DE VERIDICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVO E LEGISLATIVO. I. - Serventias judiciais e extrajudiciais: matéria de organização judiciária: iniciativa reservada ao Tribunal de Justiça. C.F., art. 96, II, b e d. II. - Necessidade de criação de serventias extrajudiciais: presunção de legitimidade e veridicidade do ato administrativo e do ato legislativo. Ressalva quanto à desarrazoabilidade da lei, que, desarrazoada, é inconstitucional. C.F., art. 5º, LIV. III. - ADIn julgada improcedente.” (ADI 1935/RO – 29-08-2002).
No sentido de se determinar que os notários e registradores exercem cargo público podemos declinar a ADI 2151, Min. Marco Aurélio, 10-05-2000, quando assevera “concurso para preenchimento do cargo de notário, em serviço notarial e de registro”, bem como as ADI 2379 que depõem a favor dos “requisitos para que notários e registradores possam obter delegações efetivas no cargo sem concurso público” (Min Ellen Gracie, 06/06/2002).
Assim, parece pacífico que os notários e registradores, para fins de organização judiciária, são considerados servidores públicos lato senso, pertencentes à categoria dos serviços auxiliares da justiça foro extrajudicial, ocupantes de cargo, conforme legislação e jurisprudência declinadas.
Neste diapasão, o concurso para remoção dos ocupantes dos mencionados cargos, uma vez realizado sob a presidência do Tribunal de Justiça, sujeita sua comissão às normas regimentais, devendo o duplo grau recursal ser levado a efeito na forma como preconizado no presente arrazoado, senão pelas razões expostas, pelos princípios esculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, notadamente os da legalidade, moralidade e eficiência.
Registre-se que o artigo 17, da Lei Estadual - RS, n. 11.183/98, que regulamenta os concursos de ingresso e remoção na atividade notarial, estabelece que as decisões da comissão de concurso são terminativas, o que foi reproduzido no texto do regimento interno da comissão. Entretanto, não se queira com isto afirmar que fica cerceado o direito de recurso aos candidatos.
Tentar outorgar caráter final às decisões da comissão, subtraindo-se o direito ao grau recursal, seria uma atitude de violação e por que não dizer de tentativa de corromper o sistema jurídico instituído, conforme leciona Hely Lopes de Meirelles, quando assevera: “Os recursos administrativos são um corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da Administração. Inconcebível é a decisão administrativa única e irrecorrível, por que isto contraria a índole democrática de todo o julgamento que possa ferir direitos individuais e afronta o princípio constitucional da ampla defesa, que pressupõe mais de um grau de jurisdição. Decisão única e irrecorrível é a consagração do arbítrio, não tolerado pelo nosso Direito.” Acrescenta, ainda, que a lei 9.784/99, no seu artigo 56, consagrou este entendimento ao estatuir no capítulo dos “Recursos”, que das “decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito”. (Direito Administrativo Brasileiro, p. 640).
Por ser turno, Bandeira de Mello, é enfático ao assinalar: “De outra parte, uma vez que o Texto Constitucional fala em “recursos a ela inerentes” (isto é, inerentes à ampla defesa), fica visto que terá de existir revisibilidade da decisão, a qual será obrigatoriamente motivada, pois, se não o fosse, não haveria como atacá-la na revisão” (Curso de Direito Administrativo, p. 461).
Ao que parece, numa análise sistêmica, a norma da Lei Estadual, reproduzida pelo regimento interno da comissão, quer dizer que não cabe pedido de reconsideração para a própria comissão, vez que as suas decisões o são em caráter final e definitivo. Esta compreensão é perfeitamente corroborada na medida em que se faça a leitura conjunta do dispositivo com os textos legais trazidos à colação. Ao contrário revelar-se-ia cristalinamente inconstitucional.
A questão enseja duas vertentes: uma que diz respeito à obrigatoriedade do grau superior de recurso, mandamento constitucional, direito fundamental da pessoa humana; outra diz respeito ao órgão competente, superior ao decisório em primeira instância – no caso a comissão de concursos – que não pode ser outro do que aquele mencionado, ou seja, o Conselho de Recursos Administrativos.
Por derradeiro, referimos que a pretensão encontra, ainda, precedente na própria Comissão, quando do encaminhamento para conhecimento e julgamento do processo administrativo 20574-0300/03-6, junto ao Egrégio Conselho Superior da Magistratura, referentemente à decisão proferida pela mesma, na quadragésima nona reunião, quando votou-se favoravelmente ao aproveitamento de candidato remanescente de outro concurso.
A única diferença entre o recurso trazido à referência é que o mesmo foi provocado pelo Presidente da comissão, Exmo. Sr. Corregedor-Geral, conforme constante a folhas 20 do Processo Administrativo em questão, quando abre vista "à excelsa Presidência da Corte", incidindo então o Regimento Interno do Conselho Superior da Magistratura, artigo 8o, X, letra c, que estabelece a competência daquele Conselho para julgar, em grau de recurso, os atos do Corregedor-Geral da Justiça.
Neste procedimento administrativo, o representante do colégio na comissão, então Presidente da entidade, propugnou pela aplicabilidade do artigo 37, e seus incisos, da Constituição Federal, corroborando a tese aqui levantada, segundo a qual os notários e registradores exercem cargos públicos, sendo favorável a aplicação do inciso IV do referido artigo, que preceitua: “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargos ou empregos na carreira” (grifamos).
O grau de recurso é, portanto, além de obrigatório em decorrência de preceito Constitucional, Legislação Federal, Estadual, de Organização Judiciária, doutrina, jurisprudência e precedentes, de competência exclusiva do Conselho Superior de Recursos Administrativos, conforme regimento interno do CORAD e Resolução 431/2003-CM, nressalte-se no Estado do Rio Grande do Sul.
Tendo em vista que as decisões julgando os pedidos de revisão são tomadas em primeira instância pela Comissão Permanente de concursos para notários e registradores, impõe-se o duplo grau de jurisdição administrativo, com a remessa dos documentos pertinentes ao Egrégio Conselho de Recursos administrativos, como medida de consagração dos mais elementares valores jurídicos nacionais.
[i]* O Autor é Tabelião e Registrador Civil em Porto Alegre, especialista em Direito Notarial e Registral pela UNISINOS e mestrando em Direito pela UNISC, candidato no concurso de remoção no RS.
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