BE931

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Alienação fiduciária – notificação – mora. Cédula de crédito comercial. Vencimento antecipado da dívida – qualificação registral.


1. Encaminha-nos o IRIB consulta formulada pela Oficiala do Registro de Imóveis de Serra, Espírito Santo, a respeito do requerimento de notificação do fiduciante, para sua constituição em mora, nos termos do art. 26 da Lei 9.514/97, requerida por instituição financeira federal, que se diz sub-rogada nos direitos do fiduciário, que está em processo de liquidação extrajudicial. Trata-se de garantia acessória de cédula de crédito comercial, constituída pela propriedade fiduciária de 54 imóveis.

O requerimento foi devolvido, com exigências, mas o apresentante contestou os motivos da devolução e insiste na notificação.

2. O banco cessionário requereu: “que seja constituída em mora a mutuária TAL, expedindo-se, para tanto, a intimação de que trata o § 1º do referido diploma legal, a fim de que compareça no Departamento de Contencioso do BANCO, no prazo de 15 dias, para satisfazer as prestações vencidas, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais e legais estipulados na Cédula de Crédito Comercial Fiduciária nº X, que importam, em 10/7/2003, no valor de R$ 7.123.956,55 e, ainda, eventuais tributos imputáveis às 54 unidades autônomas alienadas fiduciariamente, além das despesas de cobrança e intimação, sob pena de ser promovida a consolidação da plena propriedade em nome do credor fiduciário (BANCO), nos termos do § 7º”.

A Oficiala indeferiu o pedido de notificação, declarando os motivos, que assim podem ser resumidos:

a) a mora do fiduciante só pode ser configurada com o não pagamento da dívida, isto é, as prestações, após seu vencimento; o requerimento apresentado fala no “total da dívida acrescido de despesa judicial, juros compensatórios, juros de mora, multa convencional e honorários advocatícios”;

b) a notificação deve mencionar expressamente os valores devidos e sua natureza; não pode deixar dúvida sobre o valor reclamado;

c) não pode ser reconhecido o vencimento antecipado da dívida.

Inconformado, o BANCO cessionário sustenta que o indeferimento parte de premissas equivocadas. Invoca o art. 26 da lei e diz que o fiduciante vem deixando de honrar as obrigações assumidas na cédula desde o ano de 2001. Além do principal, o fiduciante não pagou os juros e demais encargos consignados na cédula. Ao referir-se à “dívida”, o art. 26 não faz distinção e “abarca não apenas o valor do principal, mas também os acessórios que a compõem”. Não importa se é principal ou juros.

O cessionário requerente da notificação cita a cláusula 12.2.4 do contrato, que reza que “após decorrido o prazo de 30 dias, o fiduciante será declarado em mora, através de notificação que lhe será expedida através do Oficial do Registro de Imóveis ...”. E já faz muito mais de 30 dias que o fiduciante não paga.

Prossegue em sua manifestação o cessionário dizendo que o valor mencionado no requerimento “corresponde às prestações vencidas, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais e legais”. Defendeu a correção dos cálculos feitos pelo setor financeiro, mas reconheceu ser indevida uma multa de 15%, que só caberia em caso de procedimento judicial.

O requerimento inicial foi, então, retificado e o valor da “dívida oriunda do inadimplemento das obrigações estabelecidas na aludida cédula de crédito” diminuído para R$ 6.476.324,14.

Finalmente, o cessionário comenta “a estranha, inoportuna e equivocada assertiva ... acerca do não cabimento do vencimento antecipado da dívida. A cláusula 16 da cédula de crédito e o item VII do seu anexo são expressos ao disciplinarem ser hipótese de vencimento antecipado o descumprimento das obrigações assumidas nos artigos 39 e 40 da Resolução” aplicável aos contratos da instituição financeira federal. Invoca ainda o art. 11 do DL 413/69, aplicável às cédulas de crédito comercial. Afirma estar respaldada na lei a decisão de o banco cessionário decretar o vencimento antecipado das obrigações assumidas pelo devedor na cédula de crédito.

Não nos foi apresentado o teor do registro da garantia nas matrículas dos imóveis alienados fiduciariamente. Mas temos a cédula de crédito, de que o contrato de alienação fiduciária é cláusula de garantia. O contrato de alienação fiduciária foi celebrado por instrumento público, que, possivelmente, deu ensejo ao registro.

3. A primeira questão que se deve levantar diz respeito à compatibilidade do título de crédito com a espécie de garantia. Considerando que as cédulas de crédito comercial têm a disciplina do DL 413/69 a elas aplicável por força do art. 5º da Lei 6.840/80, e que não havia em nosso sistema legal a alienação fiduciária de bens imóveis, essa espécie de garantia pode ser usada na cédulas de crédito comercial?

Vale lembrar que na cobrança da cédula de crédito o bem a ser penhorado é aquele objeto da garantia (art. 41, 2º). Essa forma de execução não se coaduna com a alienação fiduciária de bem imóvel, cuja disciplina prevê execução diferente, exatamente porque o proprietário do bem é o credor, e não o devedor. Contra esse argumento existe a previsão, na lei, da garantia constituída pela propriedade fiduciária de bem, mostrando que, em vez de executar a dívida, o credor pode executar a garantia. Por outro lado, a lei que criou a alienação fiduciária de bens imóveis não restringiu sua utilização como contrato acessório de determinados contratos.

Parece-nos, portanto, que há compatibilidade.

4. Examinemos os requisitos do contrato, que devem estar dispostos na escritura referida, assim como as regras da eventual execução por inadimplemento. A cédula, aliás, é parte integrante da escritura, por expressa declaração das partes.

De acordo com a escritura, a dívida é de R$ 4.000.000,00. Os juros e demais encargos financeiros são os constantes da cédula.

O prazo para amortização do empréstimo é de 96 meses, com prazo de carência de 24 meses e vencimento da primeira prestação no dia 15 do mês subseqüente ao do término da carência. O valor das prestações é o da dívida principal dividido pelo número de prestações vincendas.

Há a constituição formal da propriedade fiduciária e os imóveis dados em alienação estão caracterizados na escritura, que também dispõe sobre o desdobramento da posse e sobre a utilização dos imóveis pelo fiduciante. Cada imóvel é avaliado em R$ 100.000,00 para efeito de venda.

O contrato não tem prazo de carência, isto é, não se obriga o fiduciante a aguardar nenhum prazo para dar início ao procedimento de execução, em caso de inadimplemento. O prazo de 30 dias referido na parte que trata do não pagamento é na verdade aquele que vem depois da notificação e antecede a consolidação da propriedade (na lei, 15 dias; no contrato, 30 dias).

Como se vê, o contrato de alienação fiduciária contém todos os requisitos da lei, especialmente aqueles dispostos no art. 24. O prazo de carência não nos parece obrigatório.

Chama a atenção, todavia, o § 3º da cláusula 1ª, que diz que “todas as obrigações previstas na cédula estão sujeitas a vencimento antecipado, no caso de inadimplemento de qualquer obrigação ou nas hipóteses previstas nas disposições aplicáveis aos contratos do BNDES”.

O vencimento antecipado causou perplexidade à Oficiala do Registro de Imóveis. É que o § 1º do art. 26 da Lei 9.514 diz que a constituição em mora do fiduciante é feita com sua notificação para pagar “a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento”. O dispositivo refere-se a um contrato principal da espécie que a doutrina chama de contrato de execução continuada, isto é, em que não é “executada a prestação de uma só vez, mas de modo contínuo ou periódico” (Arnoldo Wald, Obrigações e Contratos, Edit. RT, 14ª ed., 2000, pág. 225).

Mas, isso não impede, “data venia”, que a propriedade fiduciária seja constituída para garantir obrigação de execução diferida, instantâneos ou não.

Nesse ponto, tem razão o credor apresentante do requerimento. O “caput” do art. 26 diz que a constituição em mora do fiduciante dá-se quando “vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida”. A dívida garantida com a propriedade fiduciária pode ter vencimento único, diferido, tal como ocorre com a dívida garantida por hipoteca. A constituição em mora do fiduciante é feita, portanto, com sua notificação para pagar toda a dívida vencida, no prazo do § 1º do art. 26.

Bem, na espécie, o contrato é sucessivo, porque o devedor obrigou-se a pagar as prestações na forma e nas datas previstas no contrato principal. Mas há cláusula de vencimento antecipado, transformando a obrigação em instantânea. Assim, parece-nos, sob esse aspecto, correta a posição do cessionário credor.

A legalidade do vencimento antecipado da dívida é matéria que refoge ao âmbito da qualificação registrária do requerimento. Se, eventualmente, o fiduciante tiver direito violado com a notificação, entendendo, por exemplo, que não ocorreu o vencimento antecipado da dívida, há de obter em juízo a suspensão do procedimento do art. 26.

5. Não obstante, a notificação, entendemos, não pode feita na forma requerida.

Em primeiro lugar, os valores devem estar discriminados, tal como prevê o § 1º do art. 26 da Lei 9.514: o principal, os juros, as penalidades, os encargos (tributos, despesas condominiais etc.). 

Não podem ser mencionados genericamente itens que não constituam obrigação exigível no momento da notificação, como tributos e despesas condominiais que o fiduciário não pagou. O custo da notificação não precisa ser mencionado, porque o oficial o acrescentará se e quando for purgada a mora.

Segundo, o lugar para purgação da mora é o cartório de Registro de Imóveis. O oficial não pode notificar o fiduciante para purgar a mora em outro local que não seja o próprio cartório. O § 5º do art. 26 determina que a purgação da mora deve ser feita no Registro de Imóveis.

É o nosso parecer.

São Paulo, 5 de novembro de 2003

Narciso Orlandi Neto
OAB/SP 191.338



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