BE922
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Workshop IRIB: A função econômica do Registro Imobiliário
Como noticiamos no BE 870, o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Irib, aproveitou o III Foro Internacional de Microcréditos, de 6 a 8 de outubro, em Brasília, para realizar, paralelamente e no mesmo Hotel Blue Tree Park, o workshop Função Econômica do Registro, com a presença de Fernando Méndez González, decano presidente do Colégio de Registradores da Espanha, que veio ao Brasil como convidado do fórum para a mesa redonda Aprendendo a base para iniciar um programa de microcrédito.
No workshop realizado pelo Irib, o registrador espanhol expôs o funcionamento do sistema registral espanhol e a importância da segurança jurídica para o incremento das transações financeiras e imobiliárias, favorecendo o desenvolvimento econômico.O debate estendeu-se para a regularização de títulos e propriedades, como forma de inserção do cidadão na economia formal. Veja, a seguir, a palestra do registrador espanhol.
A função econômica do Registro Imobiliário
Fernando Méndez González
Quero agradecer ao Irib, que me deu esta oportunidade, que para mim é uma honra, de poder falar de algo que considero muito importante, a função econômica do Registro.
Este fórum me parece um fórum também muito importante, um fórum de microcrédito e que tem muita relação com o Registro, porque a alternativa ao microcrédito é a usura e a alternativa do Registro também é a usura, com todas as suas conseqüências de toda índole.
Eu creio que uma das coisas que nos tem recordado todo o processo de transição que está tendo lugar no Leste Europeu, de uma economia planificada a uma economia de mercado, é que a economia de mercado não surge espontaneamente, não é um fato da natureza.
Parece existir o mito de que se o Estado se retira da atividade econômica, imediatamente floresce a economia de mercado e a atividade econômica prospera. Não é assim. Se se retira o Estado surge a selva, porém não surge o mercado. Para funcionar eficientemente o mercado requer um conjunto de instituições. E uma das instituições centrais, para que uma economia de mercado possa funcionar, é o Registro da Propriedade.
Por que? Porque no mercado se intercambiam direitos sobre uma multidão de coisas. Porém, para intercambiar direitos, em primeiro lugar é necessário que esses direitos existam, estejam definidos, estejam atribuídos a alguém e existam mecanismos de intercâmbio desses direitos.
E se isso não existe, o mercado necessita incorrer em custos extraordinários para levar a cabo essas operações de intercâmbio. Quanto maiores forem os custos para realizar o intercâmbio, menor será o número de intercâmbios, isso é óbvio. Porém, se não há intercâmbios frustra-se o mecanismo básico em virtude do qual se produz uma adjudicação constante dos bens aos seus lugares de uso mais eficientes. E, portanto, o mecanismo mediante o qual a riqueza se gera e se distribui, se frustra, não existe.
Portanto, a finalidade fundamental de todo o Estado, de toda a atividade institucional, é conseguir que os custos necessários à realização dos intercâmbios seja a menor possível. E a atividade econômica crescerá, será maior, quanto maior for a segurança jurídica dos intercâmbios se menor forem os custos necessários para levá-los a cabo.
Em todo intercâmbio sempre há dois problemas básicos: quem quer oferecer algo, necessita saber o que é que tem a oferecer; e quem demanda algo, necessita saber quem o oferece, e, além disso, necessita realizar comparações quanto às importâncias econômicas, características físicas, jurídicas e quanto aos preços, e isso tem um custo importante, os denominados custos de busca.
Quanto maiores forem os custos de busca, menores serão as possibilidades de eleger e, portanto, maiores serão as possibilidades de que não se adquiram os bens aos preços mais baratos porque os custos para encontrar quais são os mais baratos são superiores aos benefícios esperados em obtê-los. E isso gera distorções no mercado. E a humanidade dedicou-se a gerar instituições que permitem reduzir custos transacionais. De fato, as sociedades mais desenvolvidas são aquelas que conseguiram reduzir em maior medida os custos transacionais.
Exemplos: 1) A embaixada espanhola em Moscou, por exemplo, tentou adquirir um edifício para organizar o Instituto Cervantes e a Administração espanhola atuou conforme sua rotina: liberou a verba necessária para comprá-lo contra certificação no Registro moscovita. O problema era que na Rússia não havia ninguém que fosse capaz de creditar de quem era a propriedade, em conseqüência, a operação não se realizou, frustrou-se. 2) Na África, em Moçambique, os Estados Unidos abriram uma embaixada e a construíram sobre um solar que, ao final de seis meses descobriram não ser de quem o havia vendido. E, portanto, a embaixada norte-americana ficou sem edifício, porque não o havia comprado ao verdadeiro dono. 3) Nos anos setenta foram construídas as famosas torres gêmeas em Nova York. Foram precisos três anos de investimentos em investigação das propriedades da área e de um seguro de setenta e dois milhões de dólares, para poder levar a cabo a operação.
Se alguém não pode demonstrar que o lugar onde vive, por exemplo, é de sua propriedade, não pode demonstrá-lo porque não tem um título para que o Estado reconheça essa propriedade. Essa pessoa poderá utilizar sua propriedade para proteger-se da chuva e do frio, mas não poderá utilizá-la como ativo econômico, portanto, não poderá utilizá-la como garantia para obter um crédito. Se a propriedade não é juridicamente indiscutível nenhuma entidade financeira vai aceitá-la como garantia. E, se não é aceita como garantia, significa que lhe está vedado o acesso ao circuito formal de crédito. Poderá ser utilizado o circuito formal, porém, com uma garantia pessoal e, portanto, com juro mais alto e menor prazo de amortização. No caso espanhol, um empréstimo pessoal está normalmente entre seis e sete por cento com um prazo de amortização de cinco anos. Mas o juro hipotecário está em dois e meio por cento com um prazo de amortização de até quarenta anos.
O custo de não existir um Registro que garanta a propriedade é esse, para começar. Na Espanha se produzem cinco milhões de transações por ano. O custo do não registro é enorme simplesmente em tipo de juros multiplicados pelo número de empréstimos hipotecários que se fazem por ano, que é um milhão e duzentos mil, a um custo médio de 14 milhões de pesetas e a um prazo de amortização de doze anos. Se imaginarmos que não houve registros, e que tudo isso foram empréstimos pessoais, em vez de pagar neste momento o tipo de juros que estão pagando, os espanhóis poderiam estar pagando duas vezes menos. Além da economia de uns seis milhões de pesetas anuais em juros, o Registro permite que os indivíduos realizem transações.
Mas, ainda há algo muito importante. O Registro também permite que as sentenças judiciais possam ser executadas. Um Registro bem organizado, com anotações preventivas, por exemplo, pode evitar que o demandado torne-se insolvente, o que estimula, por exemplo, o cumprimento dos contratos.
Outro dado igualmente importante é que o Registro é um instrumento de enforcement formidável. A qualificação registral permite que o Estado se assegure do cumprimento de certas normas sem a necessidade de incorrer em custos complementares, sem a necessidade de criar agências dirigidas a velar pelo cumprimento. Por exemplo, para a inscrição de uma obra nova, impõe-se ao registrador a obrigação de que controle o cumprimento dos requisitos urbanísticos. Os honorários do registrador são os mesmos para controlar o cumprimento de uma lei ou de quinze leis que estejam relacionadas com a operação. Sabemos que se não há inscrição não há financiamento. E se não há financiamento não há nada, não há operação. Por esse expediente se está assegurando o cumprimento de todas as leis relacionadas com a operação, sem necessidade de que o Estado crie mecanismos complementares. Todavia, o Registro tem que ser muito bem organizado e muito bem administrado. Se estiver bem organizado e bem administrado, é um fator indubitável de dinamização da economia.
Existem, basicamente, dois tipos de Registro: aqueles que garantem quem é o dono e aqueles que não garantem quem é o dono, mas simplesmente nos dão uma pista de quem possa ser o dono. O segundo é o Registro do tipo francês, o primeiro é o Registro do tipo germânico. Isso ocorre porque esses dois tipos de Registro dão uma resposta diferente a um mesmo problema. Ou seja, se alguém se faz passar por dono da propriedade e consegue vendê-la, a quem o ordenamento deve proteger? Ao adquirente de boa fé ou àquele que foi privado do seu direito, ao verdadeiro dono? Os dois têm interesse e têm algum direito. Bem, naquele sistema em que se protege o verdadeiro dono, estamos ante um sistema francês, para entender-nos. Se o sistema proteger o adquirente, estamos ante um Registro de direitos, isto é, o sistema alemão ou o espanhol.
O Registro de direitos dá uma segurança absoluta porque o adquirente que adquire de boa fé, de quem no Registro aparece como dono, fica absolutamente protegido em sua aquisição, embora o vendedor não fosse dono real, mas aparente. Como a aquisição tem uma segurança total, está perfeitamente apta para servir de garantia para a operação de crédito, porque o banco sabe que não a vai encontrar com nenhum problema, ninguém pode acabar reivindicando essa propriedade.
Mas, atenção, um Registro com essas características garante o adquirente a um preço muito alto, que é o preço de privar o verdadeiro dono de sua propriedade, no limite. Portanto, esses sistemas podem funcionar desde que esse efeito não se produza nunca ou quase nunca. Do contrário, o sistema colapsa. A sociedade e o mercado não veriam o Registro como um instrumento de proteção, mas como uma ameaça.
Na Espanha, por exemplo, há cinco milhões de transações, Imaginemos que os registradores se equivocaram somente em cinqüenta mil dessas transações. E que a cada ano cinqüenta mil indivíduos perderam suas propriedades como conseqüência do funcionamento do sistema registral. Os senhores crêem que isso teria algum futuro? Os senhores crêem que os cidadãos espanhóis se sentiriam protegidos ou ameaçados? Evidentemente se sentiriam ameaçados e haveria uma espécie de sublevação contra o sistema, e com toda a razão.
Por isso o sistema tem que estar muito bem organizado e administrado. Além disso, tem que impor os menores custos implícitos possíveis. E os custos implícitos que um Registro impõe são geralmente de tempo, quer dizer, de atraso, e de heterogeneidade.
Registros que não estão bem administrados e funcionam com muito atraso, têm conseqüências perigosas por várias razões.
A primeira é que o tempo tem um custo muito superior ao preço monetário do serviço registral e, logicamente, quem tem que pagar esse preço quer rebaixá-lo, acorrendo aos mecanismos de suborno, que terão mais êxito quanto maiores forem os atrasos. Isso mina o crédito e a reputação do Registro, sem a qual o Registro não pode sobreviver.
Em segundo lugar, em termos de heterogeneidade, a decisão registral tem que ser previsível, sobretudo porque vivemos em uma economia de mercado muito ampla, que não requer contratos de autor, mas contratos padrão.
Na Espanha, por exemplo, temos trezentas mil hipotecas por ano, um contrato não pode ser uma obra de artesanato, temos que ter produtos padronizados. E os produtos padronizados têm que ter respostas padrão, não podem ter respostas artesanais porque o nível de insegurança seria enorme e geraria custos de negligência extraordinários. Há uma entidade financeira operando na Espanha que não discute absolutamente nada, não negocia absolutamente nada. Só tem quatro modelos de hipotecas e, se aos senhores convêm, tudo bem; se não, vão a outra entidade. E como são apenas quatro modelos de hipotecas, em alguns minutos alguém pode decidir se um lhe convém ou não. Essa entidade financeira tem custos de administração dos créditos cinco vezes inferiores a seus competidores imediatos.
O lucro que um banco obtém diretamente do empréstimo hipotecário é irrisório, o benefício é a fidelização do cliente. É um instrumento para capturar o cliente, mais que uma operação que em si mesma rende benefícios para a instituição financeira, mas ela pode fazer isso porque as economias são em grande escala. A cada ano se fazem um milhão e duzentas mil novas hipotecas a um custo de quatorze milhões de pesetas. Variações de centavos fazem com que um banco tenha lucros extraordinários ou que quebre. Portanto, insisto, como vivemos com um mercado muito amplo que requer produtos e mecanismos padronizados, o Registro tem que dar respostas rápidas e padronizadas. E, precisamente por isso, o Registro é o lugar idôneo para que se desenvolvam maciçamente as novas tecnologias que permitam um manejo muito ágil e muito seguro nessa matéria.
Por exemplo, a digitalização de todos os arquivos registrados permite um rápido e seguro manejo dos dados que constam no Registro. Assim, é possível expedir certificações e informações registrais em questão de minutos. E certificações registrais são expedidas em questão de minutos e a custos muito baixos, os senhores não podem imaginar como se incrementa a demanda, o que demonstra que a demanda de serviços registrais segue os preços ou é elástica, como os senhores preferirem.
Na Espanha, há um ano pusemos em funcionamento um sistema on line para o registro de propriedades e outro para o registro mercantil. E não fizemos publicidade do serviço porque a idéia era testar o funcionamento do sistema. No primeiro ano de teste, expediram-se três milhões de informações! E estamos expedindo oito milhões de informação/ano. A velocidade de crescimento é espetacular! Por que? Porque quando um banco vai consultar os Registros, simplesmente tem que apertar uns botões. A informação é on line e imediata, tanto para o registro mercantil quanto para o registro de propriedades, por um custo de três dólares. Isso é o que gera uma demanda massiva. A Noruega, que tem apenas oito milhões de habitantes, gera ao ano cinqüenta e quatro milhões de consultas.
O Registro tem que aprender a mover-se exatamente como se move a sociedade à qual serve, em relação à padronização e às grandes economias de escala. Se não conseguir, acabará sendo um problema. Não peçam os senhores que um banco entenda que um mesmo produto hipotecário se decida em vinte lugares de maneira diferente, sabemos que isso não pode ser.
Depois da informatização, a assinatura eletrônica é a segunda grande tecnologia chamada a revolucionar tudo. Hoje termina na Espanha o prazo de apresentação de emendas ao projeto de assinatura eletrônica e esperemos que termine bem. Há mais de um ano os Registros a estão usando, massivamente, como também a administração pública, especialmente a Fazenda, a Seguridade Social e certas administrações regionais. O notariado está se rebelando contra a assinatura eletrônica, creio que isso é um erro enorme. Temos um ditado que diz que “não se pode pôr portas no campo”, esse é o caso.
No mundo atual, dotado de um mercado competitivo, a redução de custos é imprescindível e a assinatura eletrônica permite uma redução de custos muito grande. Pressionados à competência até o limite, os bancos querem utilizar a assinatura eletrônica, e vão utilizá-la, porque lhes permite poupar custos. A assinatura eletrônica, portanto, vai revolucionar o sistema.
Imaginem o que significa para um banco ter uma hipoteca padronizada e decidir dá-la a no ato, imaginem tudo o que se está poupando e, portanto, tudo o que pode pressionar à baixa, ainda, no preço final aos consumidores. Isto é a realidade e está sucedendo no Registro da Propriedade imobiliária. A compra de um carro por leasing é assim. E dessas se fazem mais de quatro milhões ao ano. Com o sistema de assinatura eletrônica estou aqui hoje e se me interessa comprar uma casa na Espanha posso fazê-lo daqui. Não pensem que isso é ficção científica.
Administração pública nos diferentes países
Na Europa, praticamente tudo o que chega ao Registro Mercantil, no que se refere à vida societária, se faz por certificação do secretário do Conselho de Administração, com exceção da constituição da sociedade, que costuma requerer intervenção notarial. A recente lei de assinaturas públicas dos Estados Unidos permite, por exemplo, que os conselhos de administração possam votar já pelos mecanismos da assinatura eletrônica, e o conselheiro pode estar no Havaí, na Europa ou onde quiser.
Essas sociedades, cujas legislações permitem fazer isso, têm participação em sociedades brasileiras. O que vão dizer os conselheiros espanhóis se eles têm que ir até lá para votar, por exemplo? A globalização do mercado tem conseqüências. O mercado impõe uma certa homogeneização, pelo menos a homogeneização de custos, ou, do produto.
Quando uma sociedade de qualquer tipo opera em países como a França, Alemanha, Espanha ou Itália e percebe que em alguns desses países há muito mais trâmites e maiores custos do que em outros, vai se perguntar por que isso ocorre. E ao fazer a pergunta ao registrador vai obter como resposta: “porque me exigem isto, isto e isto, e nos dez países ao lado não.”
O mercado faz com que todo aquele que, no âmbito registral, que é o que nos interessa, dê um nível de segurança jurídica inferior à média, com um custo superior à média, tenha com o que se preocupar. E todos aqueles que dêem um nível de segurança jurídica igual ou superior, com um custo igual ou inferior, não têm de se preocupar.
O Registro, além de estar bem organizado, tem de estar bem administrado.
Quanto à organização, tem-se dito coisas que aqui no Brasil não se apresentam, porém que certamente se apresentam em outros países. Por exemplo, o Registro tem que ser independente do poder político, o Registrador tem que ter um estatuto muito parecido com o do juiz, porque senão, tampouco o mercado crê nesse Registro.
Uma minuta de documento do Banco Mundial manifestará isso expressamente dentro em pouco. Será um grande respaldo, sumamente importante, a essa visão. Portanto, o Registro tem que estar administrado muito corretamente, e nesse sentido impõe-se claramente a tese da autonomia financeira.
Há alguns países onde o Registro não goza da autonomia financeira. O Brasil e a Espanha, por exemplo, gozam de autonomia financeira. No caso inglês, por exemplo, o sistema não goza de autonomia financeira. Na maior parte dos países o sistema registral não goza de autonomia financeira, mas ingressa no orçamento geral do Estado. Do ponto de vista da organização econômica, isso é desastroso, porque o resultado financeiro que se produz é sempre o mesmo, inevitavelmente. É que o preço dos serviços registrais não é fixado em função das necessidades do serviço, mas em função das necessidades de arrecadação do Estado. Portanto, a tendência é um preço muito mais alto do que seria necessário.Se ocorrese só isso já seria muito mal, porém isso não é a única coisa que sucede. É que, além disso, dedica-se muito menos recursos ao Registro do que ele necessita. Assim, o Registro é percebido pelos cidadãos como um instrumento mau e caro. E começa a surgir o descrédito do Registro e o descrédito do Registro beneficia a muitos. Vejam Portugal, por exemplo. O Estado dedica ao serviço registral a quinta parte do que arrecada. O Registro português funciona mal e não é porque os registradores portugueses sejam maus, pois são excelentes profissionais, mas porque com esse sistema de administração não pode funcionar. Se em uma determinada zona o tráfego imobiliário começa crescer rapidamente, o Registro não pode responder, porque se um registrador português necessita incrementar seu quadro em seis ou sete empregados a mais, não pode; necessita pedir ao Ministério da Justiça que tirará funcionários de onde possa, para enviá-los ao Registro. Ou seja, ao final de um ano esses senhores chegarão ao Registro e não saberão absolutamente nada, ainda há que formá-los. Isso é o que sucede com esse sistema
Porém, por que às vezes interessa a muita gente que o serviço registral funcione mal? Estamos administrando o Registro de Porto Rico, mediante um convênio que se fez com o governo de Porto Rico. Trata-se de um sistema de Registro de mera inoponibilidade, porque o documento certamente está aí e tem prioridade. Porém, sabemos pela experiência comparada que um sistema de mera inoponibilidade não dá ao mercado o nível de segurança jurídica exigido, porque o mercado é o único que sabe como um sistema Registral desse tipo é, que há toda uma série de documentos apresentados relativos ao prédio, é o que sabe, porém não sabe quem é o dono. Mas, já sabe muito. Já sabe que, enfim, o enigma se resolverá só em função de cinco, seis ou sete documentos. Então, isso tem suas conseqüências. Há uma série de senhores que levam o que se chama de caderno de chave, como uma espécie de guia para desenvolver-se nesse bosque de títulos. Há outros senhores que são os buscadores, há outros senhores que se dedicam a atuar como corretores de hipotecas e de corretores de companhias de seguros de títulos, enfim, há muita gente que vive às custas desse Registro. Não funciona, não funciona.
Estamos vendo agora que quando o Registro começa a funcionar, muitos se dão conta de que seu trabalho não terá sentido ou valerá muito menos no caso em que o Registro funcione e, portanto, estão muito interessados em que não funcione. Quem são os prejudicados se o Registro não funciona? Os cidadãos, os usuários. Esses senhores, que são uns buscadores de renda, são seus beneficiários.
Nos Estados Unidos ocorre o mesmo. Triunfaram as companhias de seguros de títulos, em geral, porque há estados onde estão proibidas, ou, enfim, sua atividade tem-se restringido muito como conseqüência de uma resolução do Congresso norte-americano. E há uma autêntica coalizão para que o Registro não se desenvolva porque se o Registro se desenvolver, o seguro de títulos não tem sentido, não tem futuro, não tem mercado.
O que aconteceu nos Estados Unidos foi que, em meados do século passado, para se conseguir recursos para empréstimos hipotecários gerou-se um mercado secundário de hipotecas, geraram-se bônus hipotecários. Criou-se uma companhia pública e esta garantia os bônus para que pudessem ser colocados no mercado e obter recursos a baixo preço. Porém, para garanti-los, exigia-se que estivessem assegurados por uma companhia de seguros de títulos. Isso significava que toda hipoteca e, portanto, toda compra prévia ou posterior tinha que levar, obrigatoriamente, um seguro de título porque senão não havia garantia do governo. E se não há garantia do governo não há bônus, porque o mercado não vai comprar isso.
Esses poderiam ser grandes adversários, mas será que são de fato? Creio que não, primeiro porque a doutrina do Banco Mundial e do Banco Interamericano, por exemplo, vão em sentido contrário, vão pelo Registro. E segundo porque, no final, o que interessa ao banco é o retorno. O que um banco quer é que a pessoa devolva o crédito, pague o que deve e que, caso não pague, que haja um mecanismo rápido para execução das hipotecas.
Há países onde executar uma hipoteca é praticamente uma notícia de jornal. Não se executa nunca, ou a execução demora anos. Isso é tão grave quanto o Registro não funcionar.
Na Espanha, neste momento, em caso de inadimplência, algumas hipotecas são executadas no prazo médio de seis meses. Isso é um grande estímulo para o cumprimento e, sobretudo, dá uma grande segurança ao banco e lhe permite baixar os juros. Isso é um dado e o contrário é pura demagogia.
No México, com uma inflação de 5%, as taxas de juros pessoais chegam a 17% e os empréstimos e juros hipotecários estão em 15%. O que se está dizendo no mercado é que seu sistema registral e de hipotecas não serve para nada. Por que não serve para nada? Em primeiro lugar, porque o sistema registral mexicano não dá fé de nada, por regra geral. Em segundo lugar, está entre a primeira e quarta fonte de rendas fiscais de cada estado. Quer dizer, não é Registro, é um instrumento de arrecadação fiscal. Essa é a conseqüência.
Além disso, no caso do México há um grave problema que afeta muitos outros países da área, ou seja, há uma definição difusa dos direitos de propriedade. Não se pode lançar a culpa de tudo no Registro. O fato é que os títulos têm que estar perfeitamente definidos. E no México houve uma revolução, em 1917, e havia razões de sobra para que houvesse, porque setenta e tantos por cento do território mexicano pertencia a duas mil famílias. Eram as famosas fazendas mexicanas. O fato é que a revolução não nacionalizou essas fazendas, mas as “comunalizou”. São os terrenos “ejidales”. Eram fazendas tão enormes que agora há cidades inteiras dentro das fazendas. Uma delas é a cidade do México, a capital. Quase toda a cidade estava dentro de uma fazenda. Isso quer dizer que, em teoria, cada apartamento que há na cidade do México é propriedade dos vinte milhões de habitantes e que, portanto, para vender um apartamento é preciso o consentimento de vinte milhões de mexicanos. Portanto, o tráfego é impossível e o que há é a clandestinidade mais absoluta. Certamente que propriedades são compradas e vendidas, mas por circuitos informais. Porém, as conseqüências são desastrosas. No México não se pode fazer o segundo aeroporto porque falta o consentimento dos duzentos “ejidatarios”. Qual o custo de a cidade do México não ter o segundo aeroporto, entre outras conseqüências? Tentaram solucionar isso com uma reforma, em 1992, que acabou por não funcionar.
Bem, poderia dar-lhes muitos exemplos como esse. Se os direitos dos cidadãos não estão bem definidos, documentados, atribuídos, protegidos, então o mercado não funciona e a prosperidade não se dará
Os países podem se dividir em dois: aqueles nos quais se pode comprar e aqueles nos quais não se pode. Há que procurar evoluir para que as instituições permitam que se possa comprar porque isso faz um país ser rico. Em um país em que ninguém pode se fiar em ninguém já sabemos o que se passa.
Muito obrigado.
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