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Meu pai, meu norte - Maria Helena Leonel Gandolfo*
Ao assumir, no dia 7 de outubro de 1939, a titularidade do 10° Cartório de Registro de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo, meu pai, José Ataliba Leonel, deve ter se sentido frente a um desafio.
Moço, 36 anos, chegado há pouco de Piraju, então pequena cidade do interior onde havia nascido, passara sua mocidade envolta pela turbulenta política do velho PRP - Partido Republicano Paulista – filho que era de Ataliba Leonel, líder político de grande prestígio em todo o Estado, principalmente na região sorocabana.
Jovem ainda, e quanta coisa já vivera! Havia conseguido conciliar sua vida familiar com o exercício da medicina e com o cargo de prefeito pirajuense, entremeados por três revoluções das quais participou ativamente (1924, 1930 e 1932). E agora se deparava com outra realidade numa embrionária metrópole, numa cidade que não era seu berço.
Como deve ter pesado em seus ombros a responsabilidade das funções que a partir dessa data passou a exercer! Admirável, porém, foi a tenacidade e a competência com que a enfrentou.
Autodidata, adquiriu seus conhecimentos jurídicos pela leitura e com a vivência das questões registrárias. Sua visão, além do seu tempo, e a sua capacidade de organização, fizeram com que imprimisse ao cartório recém-criado uma estrutura que projetou seus reflexos até hoje, malgrado as décadas de explosão e desenvolvimento imobiliário que a cidade de São Paulo vivenciou e ainda vive. Basta dizer – embora apenas registradores e pessoas familiarizadas com o funcionamento interno dos cartórios saibam dar valor a isso – que o Indicador Pessoal por ele iniciado em forma de fichário foi tão eficiente e bem planejado que permitiu, recentemente, a transposição de seus dados para o sistema eletrônico de maneira absolutamente confiável. Isso significa que hoje há possibilidade de pesquisar com segurança absoluta, por meio de computador, a existência de qualquer ato relativo a imóveis situados na 10ª Circunscrição Imobiliária, em nome de qualquer pessoa – física ou jurídica – praticado a partir da data instalação do cartório (1939).
Não posso também deixar de assinalar sua capacidade de ensinar e orientar os escreventes a elaborarem os extratos (resumos datilografados) das escrituras e demais títulos apresentados para registro, que serviam para o lançamento dos atos nos livros. Sua feitura e conferência, procedidas com extremo rigor e exatidão, e o modo racional de seu arquivamento (as averbações logo em seguida ao registro correspondente), tornaram e ainda tornam desnecessário o penoso e desajeitado manuseio dos “livrões”, seja para consultas, seja para a expedição de certidões. O mesmo método foi mantido até o surgimento da matrícula.
Esses são apenas dois exemplos que servem para testemunhar como encontrei aplainado o caminho que trilhei quando, por minha vez, assumi em 1961 o cargo de oficial do 10° Cartório de Registro de Imóveis, que exerci até ser aposentada compulsoriamente em 1999.
A evocação desses fatos reavivou em mim a saudade da longa convivência que tivemos, não só como pai e filha, mas também como companheiros de trabalho.
José Ataliba Leonel, que faleceu em 1972, completaria 100 anos no próximo dia 7 de dezembro.
Creio muito oportunas, portanto, estas reflexões e lembranças, traduzindo uma carinhosa homenagem que presto a meu pai, a esse homem íntegro, cujo exemplo marcante de vida norteou a minha.
* Maria Helena Leonel Gandolfo, Registradora aposentada - [email protected]
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