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Registro Civil e Cidadania - Israel Guerra Filho*
A questão do registro civil e suas implicações para a cidadania é um tema pouco mencionado na agenda das discussões sobre direitos humanos em nosso País. Entretanto, uma breve visão panorâmica sobre a situação dos cartórios do registro civil no Brasil, diante das últimas leis que estabeleceram a gratuidade total dos atos ligados à pessoa natural pode lançar interessantes questões para os que militam na área dos direitos da pessoa humana, bem como gestores públicos em geral.
O registro civil abrange três momentos importantes da definição do estado civil das pessoas: o nascimento, o casamento e seus efeitos e a morte. Esses três fatos da vida humana são devidamente registrados pelos cartórios que recebem delegação específica para esses fins. Daí se evidencia a indiscutível importância da atividade dos oficiais e servidores desses cartórios para o dia-a-dia da sociedade.
Poderíamos citar, como exemplo, que da atividade dos cartórios do registro civil decorrem importantes informações para as políticas de saúde, pois dali defluem os dados sobre natalidade e mortalidade, com suas causas mencionadas nas certidões de nascimento e de óbito. Dos registros sobre o casamento e seus efeitos (dissolução e extinção) decorrem a criação e extinção de direitos personalíssimos. A justiça eleitoral e a Previdência necessitam das informações sistemáticas dos cartórios do registro civil para atualizar suas bases de dados. Somente com o registro de nascimento o ser humano passa a exercer direitos e contrair deveres, ou seja, somente com esse documento torna-se presente no mundo jurídico e demográfico.
Com todas essas exemplificações, o leitor, certamente, concluirá que a atividade dos registradores civis deve ser objeto de todo o cuidado por parte do Estado, sendo-lhes garantidas as condições para o devido exercício de suas atribuições legais.
Lamentavelmente, este é um grande engano: os cartórios do registro civil, com a entrada em vigor das leis 6.934/97 e 10.169/2000, aprovadas pela Câmara dos Deputados, que estabeleceram a gratuidade total de todos os atos do registro civil para todos, sem estabelecer a forma de ressarcimento para os cartórios, perderam a sua principal e, em muitos casos, única fonte de renda, encontrado-se em verdadeira situação de inviabilidade de funcionamento!
Por isso se faz necessários e urgente uma mobilização das entidades de direitos humanos de todo o País, para sensibilizarmos o Congresso Nacional e o Governo Federal a criar um fundo nacional de retribuição pelos atos gratuitos de registro civil, a partir dos recursos da sua área social, que sirva para custear os atos gratuitos para a população carente.
Esta é uma prioridade para garantir que a universalização do registro gratuito possa ser efetivamente garantida para toda a população brasileira, principalmente para os excluídos e pobres, dentro de um contexto que possibilite aos cartórios de registro civil de todos os recantos do País cumprirem sua importante função social com as condições mínimas de funcionamento.
Esta é uma questão de cidadania!
* Israel Guerra Filho é diretor Geral do Procon. Fonte: Jornal do Commercio, Recife. Edição de 7/9/2003
Pesquisa nos cartórios - Avenida São João –finais do século XIX a meados do XX - Roberta Deák. Colaboração de Lara Figueiredo*
As portas dos cartórios estão abertas não só aos usuários comuns – adquirentes, transmitentes, advogados, juízes e demais profissionais do Direito.
De fato, os registros notariais e registrais servem à sociedade há séculos. O notável historiador português, José Mattoso, afirma que “a história medieval dos tabeliães e notários públicos portugueses, não só institucional como, sobretudo, social e política, aguarda o seu historiador. Advinha-se fascinante essa história”.
Pelos escritos perenes desses profissionais, é possível retraçar o longo percurso de gestação e desenvolvimento da última flor do Lácio e encontrar o sentido do Direito, naquele aspecto de perfeita adequação às reais necessidades sociais.
O Quinto Registro de Imóveis é fonte de pesquisa de historiadores, urbanistas e especialistas na história do direito. Na página www.quinto.com.br pode-se encontrar alguns elementos de história da cidade de São Paulo, dados que serviram à monografia apresentada pela acadêmica Roberta Deák, que elaborou um pequeno roteiro abaixo apresentado.
Note-se a afirmação peremptória da pesquisadora. Depois de exaustivas pesquisas em vários órgãos públicos, afirma que foi “nos Cartórios de Registro (...) que adquirimos as informações mais completas, em especial no 5º Cartório de Registro de Imóveis, no qual, graças ao apoio do oficial (...), uma intensa pesquisa foi realizada por mais de dois meses”.
Avenida São João –finais do século XIX a meados do XX
Roberta Deák. Colaboração de Lara Figueiredo*
No período de agosto de 2000 a agosto de 2003, desenvolveu-se uma pesquisa de iniciação científica sobre a evolução urbana da Avenida São João. Realizada por três estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP sob orientação do Professor Doutor José Eduardo de Assis Lefèvre, a pesquisa contou com bolsa da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Cnpq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
O trabalho tinha por objetivo compreender os processos de construção e de transformação do ambiente urbano paulistano, através do estudo de um campo físico preciso que é o da rua e depois avenida São João, a partir da análise e cotejamento dos registros existentes dessas transformações. Apesar de se ter a consciência de que somente uma avenida não pode servir de exemplo para que se definam causas e efeitos das transformações de toda uma cidade, o estudo de como se revela a evolução de seu espaço é válido para a compreensão de um processo maior, à medida que, em um campo restrito, ocorrem reflexos das grandes transformações em curso. Isso permite que as questões urbanas maiores possam ser estudadas de forma aprofundada e a partir de indicadores completos.
Servimo-nos de diversas fontes de informações, tanto públicas quanto privadas, a fim de obter registros que possibilitassem a análise das características da via em estudo, de seus imóveis e proprietários ao longo de sua existência. Em SIURB (Superintendência de Projetos Viários), pudemos achar registros referentes às transformações na avenida ao longo de sua existência, como projetos de alargamentos e extensões da via. No DPH (Departamento de Patrimônio Histórico do Município de São Paulo) e no Arquivo Geral de Processos, encontramos pedidos à prefeitura de construção e reforma feitos por proprietários de imóveis. Por fim, nos Cartórios de Registro de Imóveis, pudemos averiguar registros de transmissões fundiárias. Não seria exagero ressaltar que foram nestes últimos que adquirimos as informações mais completas, em especial no 5º Cartório de Registro de Imóveis, no qual, graças ao apoio do oficial Sérgio Jacomino, uma intensa pesquisa foi realizada por mais de dois meses.
Através do cotejamento e posterior análise de todo material obtido, foi possível chegar-se a certas conclusões sobre diferentes estágios da Avenida São João, principalmente no período entre o final do século XIX e meados do século XX.
Em fins do século XIX, praticamente no último quartel inteiro, a então rua de São João, além de transporte coletivo, iluminação, calçamento, jardins e praças, passava a contar com bons hotéis, restaurantes, confeitarias, novos teatros e comércio diversificado, além de estabelecimentos como o Clube Germânia e a loja maçônica Piratininga (ambos nos trechos mais próximos ao centro da cidade, mais precisamente no Vale do Anhangabaú), atraindo fazendeiros que nela passaram a construir residência fixa, a princípio predominantemente casas térreas de morada. Dessa forma, nesse período, a rua São João, particularmente privilegiada pela presença dos bondes, das hospedagens e dos teatros apresentou um grande desenvolvimento.
A última década do século XIX e a primeira do XX foram marcadas, em toda a cidade, pela “maquiagem” de seus edifícios, que ganhavam um ar europeu com a substituição dos beirais pelas platibandas, por exemplo, modificação que, assim como as demais, também decorria das inovações tecnológicas, no caso o desenvolvimento de métodos de canalização das águas pluviais. Particularmente os anos entre 1890 e 1900 foram marcados por diversas reformas de fachadas nas edificações da então rua São João, com muitas aberturas e alargamentos de janelas e portas. Esse período também foi marcado pela abertura de diversos estabelecimentos comerciais, desde os de serviços mais cotidianos, como armazéns, ferrarias, oficinas tipográficas, oficinas de lavanderia e engomaderia, marcenarias, padarias e açougue, passando pelo entretenimento, com os teatros Politeama e Carlos Gomes, o Conservatório Dramático e Musical e um bilhar, por fábricas, como a de chapéus e a de artigos esmaltados, até se chegar a um tipo de comércio mais requintado, como a instalação de um atelier de fotografia no final do período.
A maioria dos imóveis da São João pertenciam a grandes proprietários, ou seja, concentravam-se nas mãos de certas famílias cujos nomes são recorrentes. Até princípios do século XX, destacaram-se como grandes proprietárias as famílias Souza Barros (do Comendador Souza Barros) e Souza Queiros (do irmão do comendador), Pascal, Mesquita Vergueiro, Ferreira, Basto, Baptista e Oliveira. A partir da primeira década do século XX, outras famílias exerceram esse papel, dentre elas Pádua Salles, César Reis, Gueury, Almeida Prado, Loponte, e, ainda, a família Souza Barros.
Em 1912 iniciava-se o processo de desapropriação dos imóveis no lado par da então rua São João para o alargamento da mesma. A nova avenida que surgiria, com seus 30 metros de largura, seguia os planos de Bouvard de constituição de eixos viários para a cidade de São Paulo. Sendo a São João desde fins do século XIX rota de bondes a burro, com o advento dos bondes elétricos em 1900, tecnologia trazida da Europa pela Companhia Light, demandavam-se adaptações na via para sua implantação. Como solução, e aproveitando as obras para o alargamento, construiu-se um canteiro central arborizado na nova avenida.
Os primeiros anos da década de 10 foram marcados por um enorme surto de construções por toda a cidade, que crescia vertiginosamente, porém sem um plano de conjunto, sendo fruto da especulação de terrenos. A municipalidade incentivava o adensamento da área central, promulgando lei que limitava as novas construções a um mínimo de 3 pavimentos. Presenciava-se, na nova avenida São João, um grande movimento de requintamento dos estabelecimentos comerciais, com instalação de vitrines, adaptação do térreo das residências para lojas, construção nos fundos dos lotes de depósitos para armazenamento de material, de moradia para os empregados, de fornos para as padarias. A via era servida pelo novíssimo sistema de bondes elétricos. Uma fábrica de bombons, uma outra de vidros, uma oficina “de doces e pães”, garagens, escritórios. Os novos tipos de negócios que surgiam na avenida elucidam a mudança social que ocorrera. As pessoas que freqüentavam a Avenida São João não eram mais as mesmas de duas décadas antes. Esse aumento no status da via refletia-se também nas construções. Construíam-se prédios mais altos, no mínimo sobrados, geralmente com térreo comercial e pavimento superior para habitação. Acrescentavam-se andares às construções térreas. Empreendiam-se reformas, aumentavam-se as áreas internas. Definitivamente, a ascensão do status de rua para o de avenida modificou o ritmo da São João, aumentando sua densidade de ocupação, alterando o quadro das classes que ali circulavam e moravam, elevando o nível de seus comércios e serviços e aprimorando suas edificações.
Texto de Roberta Deák. Colaboração de Lara Figueiredo
Orientação do Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre
* A foto é de 1914, Fotógrafo: Aurélio Becherini, Arquivo de Negativosl/DPH. Pode ser vista em http://www.prodam.sp.gov.br/dph/spimagem/spimag02.htm
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