BE839
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Cancelamento de registro - Nulidade de pleno direito. Escritura pública. Servidão de passagem. Anulabilidades.
1. A servidão é um direito real que onera o imóvel serviente em favor do imóvel dominante. Sendo um gravame, relevante para o seu aperfeiçoamento que haja o devido consentimento dos titulares do imóvel serviente. O não consentimento dos titulares do imóvel dominante materializa ato anulável.
2. Para o cancelamento da servidão, o interessado deverá buscar o processo contencioso, nos termos do art. 709 do Código Civil.
Processo nº: 000.03.013331-9
Vistos, etc...
Cuida-se de procedimento administrativo para CANCELAMENTO E RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO proposto por ETICA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LIMITADA. Destacou que é proprietária de imóveis, que acusam por força da averbação 01, o transporte de servidão perpétua de passagem, beneficiando os imóveis dominantes de propriedade de Joaquim da Costa Borges e José Xavier de Gouvêa. Que o ato de oneração foi instaurado por força da inscrição 23.426, gerando a averbação junto à matrícula 107.576. Apresenta certidão da inscrição, destacando que foi utilizada com base em escritura que não conta com a assinatura de seus outorgantes, carência que nulifica a inscrição e conseqüentemente as averbações feitas nas matrículas 52.719 e 108.379. Acrescentou que a casa de espetáculos instalada nos imóveis dominante, sequer existe atualmente. Ao final, pugnou pela procedência, para efeito de ser declarada a nulidade da inscrição em pauta. Juntou documentos e pugnou pelo processamento.
Instado a se pronunciar, o OFICIAL do 4º. CRI, destacou que por escritura lavrada em novembro de 1949, foi efetivada a inscrição 23.426, tendo por objeto o direito real de servidão de passagem perpétua. Apresentou os confrontantes do imóvel. Destacou que a escritura que determinou a inscrição 23.426 foi aditada para constar que a servidão tem "somente por objeto saída de emergência de uma casa de espetáculos localizada nos fundos da referida faixa, bem como se destina a canalização de rede de águas servidoras da casa de espetáculos e ainda acesso lateral de pedestres ao prédio 87 da Rua Dr. Eduardo de Souza Aranha". Acrescentou que a matrícula 108.379 foi aberta por determinação judicial. Acrescentou que na matrícula 107.576, que descreve imóvel correspondente a 14 prédios, também fez menção à inscrição da servidão.
O Ministério Público pediu esclarecimentos, destacando ser necessária a citação do titular do imóvel dominante.
Realizada a citação da INFRAPREV – INSTITUTO INFRAERO DE SEGURIDADE SOCIAL, apresentou impugnação. Destacou que é proprietário do imóvel objeto da matrícula 107.576/4º.CRI.
O Ministério Público se pronunciou pela extinção do feito, destacando que a nulidade do título não é alcançada pelo disposto no art. 214 da Lei de Registros Públicos.
É o relatório.
DECIDO:
Postula a requerente o CANCELAMENTO da averbação 01, mantida junto às matrículas n° 52.719 e 108.379/4°CRI, decorrente da inscrição n° 23.426, lançada com base na ESCRITURA PÚBLICA de SERVIDÃO DE PASSAGEM, lavrada aos 29 de novembro de 1949. Sustentou, com base em CERTIDÃO expedida pelo 19° Tabelionato de Notas da Capital, que a ESCRITURA de SERVIDÃO é NULA DE PLENO DIREITO, por ter sido lavrada sem a subscrição dos outorgados (Joaquim da Costa Borges e José Xavier de Gouveia), titulares do imóvel dominante.
O cancelamento da averbação "01" das matrículas 52.719 e 108.379, em decorrência da NULIDADE da inscrição 23.426, não pode ser proclamado nestes autos, não em decorrência da IMPOTÊNCIA do procedimento administrativo correcional para tais efeitos, como sustentou o Ministério Público, mas apenas porque não se materializou NULIDADE PLENA da ESCRITURA DE SERVIDÃO, em face da falha, da omissão ou da ausência detectada e apontada por CERTIDÃO.
Por evidente que a SERVIDÃO é um encargo, de consistência "real", que onera o imóvel serviente, a favor do imóvel dominante, retirando daquele, "parte" da disponibilidade ínsita ao exercício pleno da propriedade. Sendo encargo, ônus, oneração, gravame, relevante para o seu aperfeiçoamento, que haja o devido CONSENTIMENTO dos titulares do imóvel serviente.
A não subscrição dos titulares do imóvel dominante, anuindo com o aperfeiçoamento do ATO que os beneficia, materializa ATO ANULÁVEL, pois incide na forma e formalização da VONTADE, tal como preceitua o art. 86 e seguintes do novo Estatuto Civil. Tal subscrição, conquanto componha a ESSÊNCIA do ATO, não nulifica a manifestação de vontade, pois despida de onerosidade para os ausentes ao ato.
O ato se materializou com a assinatura dos titulares do imóvel serviente, e se aperfeiçoaria com a subscrição dos titulares do imóvel dominante, contudo a ausência destes ao ATO, provoca apenas a sua ANULABILIDADE e não a sua nulidade, na medida em que este ato comporta convalidação, pelos próprios ausentes ou seus sucessores.
No presente feito houve a CITAÇÃO dos atuais titulares do domínio, que apresentaram IMPUGNAÇÃO ao pedido de desconstituição do ATO. Manifestaram, destarte, pela validade do ATO e por sua manutenção, o que pode ser tido como ato de convalidação.
O REQUERENTE deverá trilhar o caminho contencioso para tentar obter o CANCELAMENTO da servidão, nos exatos termos do art. 709 do Código Civil, devendo provar o "não uso", ou qualquer outra matéria elencada na disposição normativa.
Portanto, imprestável para os efeitos colimados a utilização de procedimento escudado no art. 214, da Lei de Registros Públicos, na medida em que não se vislumbra NULIDADE do ato de registro.
Ressalte-se, por oportuno, que as nulidades simplesmente do REGISTRO ou do registro e do título, podem e devem ser proclamadas na forma estatuída no art. 214 da LRP, não havendo qualquer impedimento, qualquer inconveniente jurídico, ou qualquer obstáculo LEGAL para tal propósito.
Sobre este tema o professor Serpa Lopes, destacou que as NULIDADES, do ponto de vista registral, podem ser classificadas como: (a). – nulidade exclusivamente formal, inerente tão-só ao próprio registro; (b). – nulidade mista, isto é, a que atinge tanto o título que deu causa ao registro como a este, tornando, em ambos, o ato ineficaz, por si mesmo; (c). – nulidade do ato jurídico que deu causa ao registro, em que a nulidade deste ocorre obliquamente, e não diretamente, como nos dois primeiros casos "(in Tratado dos Registros Públicos, 1942, volume IV, pag. 305). Esta classificação foi utilizada por Afrânio de Carvalho, que chegou a concluir que as "nulidades" que admitem o cancelamento são aquelas inerentes ao próprio procedimento de "registro".
O prestígio dos renomados mestres fez perpetuar a classificação e a conclusão, que passou a ser empregada e utilizada na solução de um grande número de contendas judiciais e administrativas, tendo gerado um número incontável de decisões neste sentido. Entretanto, em que pese a reverência e o respeito que os insignes mestres merecem, a RESTRIÇÃO, a limitação procedimental não reflete o melhor direito, a melhor dicção legal e o melhor manejo interpretativo.
Em primeiro lugar é de se alertar que o ESTADO DE DIREITO proclamado em nossa CARTA POLÍTICA FEDERAL, tem sentido e dinâmica diversa em termos de conteúdo e abrangência, daquela que vigia quando tais ensinamentos foram lançados e ministrados. A preservação dos DIREITOS FUNDAMENTAIS, não se esgota apenas com a concessão de oportunidade para DEFESA, recebida e processada com observância do CONTRADITÓRIO e refletida em DECISÃO FUNDAMENTADA. O "estado de direito" exige mais. Impõe que os MECANISMOS que se prestam a viabilizar o due process of law, sejam úteis, ágeis e operativos, de forma que não se pode submeter um titular de direito a um procedimento lento e formal, quando exista outra forma, outro procedimento mais rápido e mais e ágil.
Esta posição, atualmente encampada também pelos estudiosos do "direito civil constitucional", que extraem do CÓDIGO CIVIL a consagração de princípios como o da UTILIDADE e OPERACIONALIDADE, exige que a via procedimental mais rápida não seja mitigada ou evitada por interpretações mesquinhas, restritivas e inconsistentes.
Desta forma, quando a LRP estabelece em seu art. 214, que as NULIDADES DE PLENO DIREITO DO REGISTRO, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta, não restringe apenas aos casos de nulidade ínsita ao ATO DE REGISTRO, mas toda e qualquer nulidade (- desde que PROVADA -), que o contamine.
Por imperativo lógico, a contaminação pode ter sido transmitida, como normalmente ocorre, por defeito do TÍTULO, e assim mesmo, continuar a ser NULIDADE DE PLENO DIREITO DO REGISTRO.
Cuidando-se de NULIDADE, pouco importa a origem, pouco importa o momento, pouco importa a forma de contaminação, este vício provoca a ineficácia do ATO ou dos ATOS atingidos. Este é o único RELEVO que o DIREITO empresta à situação, pois sendo IRREGULAR, tal vício deve ser superado, deve ser suplantado, sendo irrelevante o fato do VÍCIO ser interno do ato de REGISTRO ou transmitido a este pelo TÍTULO CAUSAL.
Portanto, quando a lei alude a NULIDADE DE PLENO DIREITO DO REGISTRO, não envolve as nulidades materializadas exclusivamente no próprio ATO DE REGISTRO, mas toda e qualquer NULIDADE que tenha retirado deste (ato de registro), seus efeitos jurídicos próprios.
Assim, o ATO DE REGISTRO é nulo ou porque se mostra insitamente irregular, ou porque nulo o "título" que lhe deu causa. Pouco importa para o contexto registral, ambos não podem produzir efeitos.
Seria de todo imprestável o art. 214, em se confinando o vício ao ATO DE REGISTRO, posto que tais irregularidades, que decorrem de uma constatação registral interna, podem e devem ser DECLARADAS como ERRO EVIDENTE, nos termos do § 1°, do art. 213 da mesma lei.
Observe-se ademais que as NULIDADES, como elenca o art. 145 do Código Civil, decorrem da INCAPACIDADE dos agentes, da ilicitude do OBJETO ou do descumprimento de FORMALIDADE essencial ao ato. O ato de registro, como reflexo do título causal, não ostenta isoladamente tais vícios ou descaminhos, pois a incapacidade é revelada no título, assim como a ilicitude, bem como o vício formal, posto que o registro sem CAUSA sequer consubstancia ATO NULO, mas sim ATO INEXISTENTE.
Se as nulidades somente impregnam o TÍTULO, não se pode LOGICAMENTE proclamar NULIDADE DE PLENO DIREITO desconsiderando a origem.
Aqueles outros episódios em que o ato de registro é falho, pois em desacordo com seus precedentes registrais e filiatórios (impropriamente tidos com nulidades), como destacado, merecem correção para via do ERRO EVIDENTE e não pela forma do art. 214 da LRP.
Portanto, o art. 214, para conquistar sentido e efeito, deve logicamente considerar todas as NULIDADES DO ATO DE REGISTRO.
Assim, quando a lei alude a NULIDADE DE PLENO DIREITO, está enfocando as NULIDADES cuja proclamação estejam revestidas de certeza e de eficácia, de forma que, em se tratando de NULIDADES do título causal, estas devem ser reconhecidas em decisão judicial, proferida em demanda judicial de cunho contraditório, bem como, em decorrência da proclamação de CERTIDÕES dotadas de fé-pública.
O art. 214 não tem dicção restritiva, pois não existe coerência e UTILIDADE em se limitar a extensão do dispositivo, quando o reconhecimento da NULIDADE já se encontra eficazmente proclamado em decisão judicial ou em certidão pública. Ao intérprete é defeso criar restrições e limitações não apresentadas pelo legislador.
Destaque-se, por oportuno, que o TÍTULO CAUSAL que não tem aptidão para ingressar no Registro Imobiliário, pelos mesmos motivos, também não poderá permanecer REGISTRADO. A mesma vontade legal que impede a "qualificação", impõe a sua exclusão. Trata-se de mais um argumento para se dar fluidez ao salutar controle dos ATOS NULOS.
Portanto, as NULIDADES DE PLENO DIREITO são as plenamente provadas e comprovadas por ação judicial ou por documento público.
No caso sub examine, tal proclamação não pode ser dada, não em face da inviabilidade PROCEDIMENTAL, mas apenas porque não se reconhece que se trata de NULIDADE e sim de ANULABILIDADE.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de CANCELAMENTO da averbação 01, lançada junto às matrículas 52.719 e 108.379/4°CRI (160.047). Cientifique-se o requerente e o impugnante.
P.R.I.C.
São Paulo, 17 de Setembro de 2003.
Venício Antônio de Paula Salles
Juiz de Direito Titular
Condomínio edilício – personalidade jurídica. Aquisição dominial – vagas de garagem – dação em pagamento. Carta de arrematação.
Os condomínios especiais da Lei 4591/64 estão legitimados a adquirir bens imóveis.
Processo nº: 000.03.050361-2
Vistos, etc...
Cuida-se de procedimento administrativo de Dúvida, suscitada nos termos do art. 198 da Lei de Registros Públicos, pelo Oficial do Primeiro Registro de Imóveis da Capital. Informou que o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LAURA MARIA apresentou para registro Escritura de Dação em Pagamento, pela qual Daniel Chequer Arquitetura, Construção e Incorporação Limitada, deu em pagamento 13 vagas de garagem situadas no andar térreo do Edifício Laura Maria, matriculadas sob os números 5.647/8/9, 5.653/4/5/6/7/8/9 e 5.600/1/2. Destacou que não foi permitido o ingresso do título por não possuir o CONDOMÍNIO, personalidade jurídica. Juntou documentos e pugnou pelo processamento.
Transcorreu in albis o prazo para impugnação.
O Ministério público se pronunciou pela procedência da dúvida.
É o relatório.
DECIDO:
Trata-se de procedimento de dúvida, levantada em face da recusa de registro da CARTA DE ARREMATAÇÃO conquistada pelo CONDOMÍNIO suscitado. O registrador, adotando entendimento jurisprudencial pacífico, negou registro à CARTA JUDICIAL, observando que CONDOMÍNIO não tem “personalidade jurídica” para inscrever em seu nome patrimônio IMOBILIÁRIO.
Examinando os precedentes jurisprudenciais, constata-se que os Julgados do E. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo se mostram unânimes em declarar e reconhecer a ausência de personificação dos CONDOMÍNIOS de que trata a Lei 4.591/64 e o atual Código Civil, concluindo que em face de tal delineamento jurídico, não se encontram os CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS credenciados para a aquisição imobiliária.
As decisões que se debruçaram sobre o tema, apresentam argumentos consistentes e coerentes, destacando que a FACULDADE que confere aos CONDOMÍNIOS atributos postulatórios em juízo, não é se afigura suficiente ou capaz de lhes outorgar PERSONALIDADE JURÍDICA. Ademais, ressaltam que a previsão do art. 63, da Lei 4.591/64 que estabelece a possibilidade do CONDOMÍNIO incorporador ADJUDICAR imóvel de adquirente inadimplente, igualmente não atribui a este, a condição ou atributo de “pessoa jurídica”. O entendimento jurisprudencial assinala e observa que tal dispositivo representa uma “exceção” à regra geral, e como tal, apenas se prestando para confirmar o conteúdo e alcance da própria REGRA.
A decisão abaixo transcrita bem espelha o entendimento dominante:
Ementa: A capacidade do condomínio limita-se à postulação em juízo, não lhe é atribuída capacidade aquisitiva. Ausência do princípio da continuidade. Obrigatoriedade de o título ser original. Exegese do art. 221 da Lei 6.015/73. ITBI obrigatório em razão da transmissão imobiliária. IPTU devido a partir do auto de adjudicação. Apelação improvida. ApCiv 70.660-0/9 – Conselho Superior da Magistratura de São Paulo – j. 04.05.2000 – rel. e Corregedor-Geral da Justiça Luís de Macedo.
ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 70.660-0/9, da Comarca de Guarujá em que é apelante Condomínio Edifício Simone e Betina e apelado o 1º Tabelião de Notas e Oficial de Registro de Imóveis da mesma Comarca.
“....”
Procede ainda o último óbice para o registro, considerando-se que os condomínios não possuem personalidade jurídica para aquisição imobiliária.
As disposições legais do art. 63 da Lei 4.591/64 aplicam-se às construções de edificações em condomínio. O legislador procurou criar mecanismos para que os condomínios em construção possam arrematar as unidades em débito, propiciando aos condôminos a possibilidade de continuação da obra e o levantamento de recursos financeiros com a venda dessa unidade adquirida. “O art. 63 da Lei 4.591/64 criou instituto rápido e eficiente de resolução do contrato nas construções chamadas de preço de custo, visando preservar a massa de condôminos e evitar que a conclusão do empreendimento sofra solução por insuficiência de recursos financeiros de um dos adquirentes” (rel. Des. Márcio Bonilha, ApCív 30.786-0/0-07.06.1996).
“...”
A capacidade processual do condomínio e o simples fato de possuir CGC/MF não lhe proporcionam poderes de aquisição. Sua figura possui como finalidade as relações e atribuições administrativas condominiais. Falta-lhe para possuir personalidade jurídica affectio societatis, segundo leciona Pontes de Miranda (Tratado de direito privado. São Paulo: RT. T. 12, p.1.311).
Não se confunde capacidade postulatória em juízo com capacidade aquisitiva especial do condomínio. A primeira é resultante do art. 12, IX, do CPC e a segunda dos casos de incorporação por construção a preço de custo.
O condomínio apelante não pode adquirir direito real e não há impedimento para que seus condôminos, se desejarem, constituam uma associação que, revestida de personalidade jurídica, poderá em seu nome possuir propriedade imobiliária.
“...”
- São Paulo, 04 de maio de 2000 – (a) Luís de Macedo, Corregedor-Geral da Justiça e relator (DOE de 06.06.2000) -
......
A despeito da profundidade como o tema tem sido tratado, e a forma reiterada como este entendimento vem sendo apresentado nos diversos julgados da Corte Paulista, necessário se mostra, não só em função das alterações sociais e econômicas que modificaram o sentido e alcance da própria instituição condominial, mas principalmente em razão das próprias alterações do DIREITO POSITIVO pátrio, em especial em razão da nova CONSTITUIÇÃO FEDERAL (que ainda não foi adequadamente digerida e entendida por civilistas), bem como em decorrência de novos DIPLOMAS mais afeiçoados a questões relativas à estruturação dos centros urbanos, como o Estatuto da Cidade e o novel CÓDIGO CIVIL.
O novo contexto normativo torna imperiosa a realização de novas reflexões, novos estudos, no sentido de melhor atender a atual PRINCIPIOLOGIA, que impõe a todos os segmentos do Direito, caminhos interpretativos mais condizentes com resultados ÚTEIS e uma preocupação OPERATIVA.
Talvez a maior das reformas que se deve exigir do PODER JUDICIÁRIO, é que este passe a REINTERPRETAR os textos normativos, considerando a trilogia normativa (fato, valor e norma), viabilizando antigos instrumentos legais ou compatibilizando-os aos novos tempos, aos novos rumos, aos novos valores.
Árdua é a luta para que o PODER JUDICIÁRIO se dispa de seus inflexíveis padrões conservadores e passe a refletir a realidade fática e as regras jurídicas em uma dimensão única.
Existe uma reação neste sentido, que sem perder de vista a importância da “segurança jurídica”, concebe re-estudos sobre as questões decididas, extraído dos textos resultados mais condizentes com as realidades, mais adequados aos anseios gerais.
É certo que as relações individuais e coletivas experimentaram certa mutação e acomodação, assim como também a organização ESTATAL sofreu modificações. Toda esta realidade passou a operar efeitos mais significativos, de forma que também o direito positivo veio atender a tal sinalização.
As relações condominiais por comporem parte importante do TECIDO SOCIAL refletiram estas mudanças, e não podem ficar à margem de re-estudos, re-interpretações e re-análises.
CONTEÚDO SOCIAL
É certo que as relações individuais vêm, gradativamente, cedendo espaço para a participação de entidades ou grupos aglutinados de pessoas, reunidas em função da comunhão de interesses ou de propósitos. Várias associações e organismos estão sendo criados para a defesa de interesses gerais ou para cumprimento de desideratos comuns. Neste contexto, também os condomínios tradicionais conquistaram maior espaço e mais relevo, fatores que devem ser considerados e respeitados em qualquer análise interpretativa.
A análise destas alterações ou mutações sociais ocorridas ao longo dos anos deve inspirar uma reapreciação ou um reexame da legislação de regência, para que o novo perfil e as novas atribuições sociais dos condomínios EDILÍCIOS não resultem limitadas ou reduzidas em virtude de interpretações de consistência EXCLUSIVAMENTE FORMAIS.
Principalmente nas metrópoles e grandes centros urbanos, os condomínios especiais ou edilícios, passaram a desempenhar funções múltiplas e cada vez mais amplas, se distanciando daquela antiga figura estática, instituída exclusivamente para cumprir tarefas ligadas à preservação e conservação física e estética dos prédios.
Destaque-se que atualmente os CONDOMÍNIOS edilícios, além das funções corriqueiras, respondem perante terceiros, firmando contratos das mais diversas espécies e naturezas. Além disto, são EMPREGADORES diretos, de forma que são chamados pela JUSTIÇA OBREIRA em face das reclamações trabalhistas intentadas por seus funcionários. Esta própria relação funcional submete os CONDOMÍNIOS a obrigações de ordem FISCAL, conquanto são obrigados ao recolhimento do IMPOSTO DE RENDA como FONTE PAGADORA, e também previdenciária, perante o INSS.
Celebram contratos para obras e reformas, realizam contundente manutenção, adquirindo os mais variados equipamentos ligados à conservação, conforto e principalmente à SEGURANÇA. Possuem, em razão da expansão de funções, sofisticados e valiosos equipamentos, veículos, e são protagonistas de contratos coletivos, como os relativos a canal de televisão a cabo, ligação da internet, etc.
Os “condomínios edilícios” administram valores expressivos, aplicando no mercado financeiro, mantendo movimentada conta corrente bancária. Além da responsabilidade trabalhista, previdenciária e fiscal, respondem civilmente pelos acidentes que eventualmente venham ocorrer em suas dependências.
Enfim, os CONDOMÍNIOS exercem funções que vão muito além da antiga missão de apenas arrecadar as taxas condominiais para fazer frente às despesas com a manutenção do prédio. Respondem por todos os interesses COLETIVOS dos condôminos.
O entendimento que considera que os condomínios especiais têm apenas CAPACIDADE POSTULATÓRIA ou capacidade para estar em juízo, mas não possuem PERSONALIDADE JURÍDICA, se antagoniza com esta realidade, e decorre de uma interpretação que visualiza em todos os dispositivos que permitem vida jurídica plena aos CONDOMÍNIOS, a condição de disposições excepcionais, que se prestam apenas para confirmar a regra da despersonalização (“Inclusione unius fit exclusio alterius. Qui de uno dicit, de altero negat. Qui de uno negat, de altero dicit”).
Os fatos e o avanço social reclamam por um novo tratamento e uma nova abordagem, pois a intensidade da vida jurídica dos CONDOMÍNIOS determina uma inversão acentuada, para efeito de se considerar como “regra” e não como “exceção” tais disposições legais que admitem a personalização (art. 63). Contudo, a revisão enfrentará resistências, o que é natural neste segmento do direito.
CAPACIDADE POSTULATÓRIA:
Entende-se que os CONDOMÍNIOS dispõem apenas de capacidade postulatória e não de “personalidade jurídica”. A este propósito, é de se enfatizar que capacidade postulatória é a simples aptidão jurídica para estar em juízo. No dizer do prof. Arruda Alvim, “tem capacidade para estar em juízo toda a pessoa que se acha no exercício de seus direitos (art. 7º). Assim, aquele que pelo Direito Civil tem capacidade de gozo e de exercício de direitos, tem capacidade para estar em juízo.
Lembremos que muitas vezes, se materializa a capacidade de estar em juízo mesmo quando a entidade ou o organismo não dispõe de personalidade jurídica, mas apenas personalidade judiciária. “Todas as pessoas têm capacidade de gozo de direitos, mas nem sempre de exercício. (in Manual de Direito Processual Civil/79 – volume I – pág. 295).
A “personalidade judiciária” como é conhecida a personalidade limitada ao exercício ad causam, afeta certas entidades especificamente enumeradas no art. 12 da Lei Processual. A algumas daquelas entidades foi conferida prerrogativas limitadas à DEFESA JUDICIAL de seus INTERESSES. Exemplo de tal situação é o que ocorre com a MASSA FALIDA, bem como com o ESPÓLIO ou com a Câmara Municipal.
Relevante é a comparação da situação dos “condomínios edilícios” com estas outras situações jurídicas, para se patentear a abissal, não se podendo confundir a gestão de um condomínio, com a administração de uma “massa falida” ou com o trabalho de ajuste dos bens de um “espólio”.
Primeiramente, quanto à “massa falida”, estabelece a legislação adjetiva, que a defesa dos interesses da coletividade de CREDORES deve ser feita por seu síndico. Neste intento é franqueada ao SÍNDICO, a possibilidade de toda e qualquer intervenção judicial para a cobrança de créditos pendentes ou para promover a defesa da MASSA. Trata-se de prerrogativas nitidamente tendentes à finalização de uma atividade ou ao esgotamento da gestão e dos negócios da sociedade falida.
Além da MASSA FALIDA, o ESPÓLIO possui a peculiar possibilidade de defesa de seus interesses, enquanto o acervo patrimonial não é rateado entre os herdeiros. Também no caso do ESPÓLIO a tarefa é tendente a finalizar ou encerrar ou ESGOTAR uma “gestão patrimonial”.
A situação da Câmara é ainda mais peculiar, nascendo a sua legitimidade ad causam de motivos políticos, decorrentes da incompatibilidade de interesses entre a Edilidade e a entidade que normalmente promove a defesa e tutela de seus interesses.
A simples apresentação das situações encaradas como semelhantes, revelam que, ao reverso, não há pontos de contato entre a MASSA FALIDA, o ESPÓLIO e os CONDOMÍNIOS EDILÍCOS. A despersonalização daquelas (MASSA FALIDA e ESPÓLIO), se justificam, pois não são entidades com “vida jurídica”, mas apenas com uma certa “sobre-vida” jurídica. São situações necessárias para o encerramento de uma gestão ou para o esgotamento de uma administração, ao passo que os condomínios projetam suas ações para o futuro, inovam, criam e geram obrigações e deveres, de forma que não podem ser assemelhados àquelas. As diferenças não podem ser negadas.
Ademais, mantendo-se a análise comparativa das entidades “despersonalizadas”, é significativo o fato do art. 12 do C.P.C. ter tratado em incisos DISTINTOS, de um lado as entidades “sem personalidade jurídica” (inciso VII) e de outro os condomínios (inciso IX). Trata-se de mais um apoio para o reconhecimento da personalidade jurídica para os prédios em condomínio.
A propósito, é de se frisar que “a idéia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações” (in Instituição de Direito Civil professor Caio Mário da Silva Pereira – 8ª ed. - vol. I – pág. 153).
Ao realizarem atos da vida civil, assumindo obrigações e possuindo responsabilidades, os condomínios assumem a condição de PESSOA. Além do mais, o pressuposto formal do registro, tal como exigido no art. 18 do C.C. superado, e no art. 45 do novo Estatuto Civil, também pode ser considerado cumprido. Os condomínios possuem registro público de seus atos constitutivos, os quais são lançados frente ao Registro Imobiliário. As convenções e regulamentos são seus atos constitutivos, e estes atendem às exigência do dispositivo em referência, bem como de seu subseqüente. Frise-se que o registro exigido pelo Código Civil para a existência da PESSOA, não se constitui apenas nos assentos da Junta Comercial, ou nos lançamentos dos Cartórios de Títulos e Documentos. Pelo contrário, todo e qualquer assento PÚBLICO que confira efeitos erga omnes ao ato deve ser considerado como um “registro” para efeito de conferir status de PESSOA à entidade considerada.
É de se acrescentar que o elenco do art. 42, não é exaustivo, e mesmo se fosse, insuperável a configuração dos CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS na categoria de ASSOCIAÇÕES, dado a não exploração de atividade econômica (art. 51o. – Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos).
Também por este prisma, seriam os “condomínios registrados”, PESSOAS DE DIREITO PRIVADO, e como tal, dotados de personalidade jurídica como uma forma peculiar de ASSOCIAÇÃO.
Retomando a definição de personalidade jurídica (aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações), imperioso é reconhecer que atualmente os CONDOMÍNIOS não têm quaisquer restrições relativas à conquista de direitos ou mesmo pertinentes a assunção de obrigações. Possuem todos os requisitos para exercer em sua integralidade, a vida jurídica plena, posto que são dotados de todo instrumental jurídico para o desempenho dos mais diversos papeis nas relações rotineiras.
Possuem CNPJ (CGC); são empregadores; podem subscrever os mais variados contratos; aplicam recursos financeiros e tomam todas as decisões ligadas a seus interesses peculiares e próprios. Assim como uma sociedade ou uma associação são os condomínios limitados ao respectivo estatuto. No mais atuam com liberdade, inexistindo pacto ou contrato que, em princípio, não possa ser celebrado validamente pelo representante autorizado pelo órgão coletivo.
Este contexto nos remete ao sempre atual alerta apresentado pelo prof. Rubens Requião apresentado em seu Curso de Direito Comercial, que abordando a questão da personalização das sociedades comerciais, aceita a afirmativa de Messineo, que considerou de somenos importância o problema sobre a REALIDADE ou FICÇÃO das pessoas jurídicas, satisfazendo-se com a circunstância de possuírem elas uma realidade NO e PARA o mundo jurídico (pág. 267). O mestre deixa claro com sua observação que o relevante para a PERSONALIZAÇÃO é a realidade, é o fato da entidade realizar os atos da vida jurídica sem restrições ou limitações.
No seu entender decorreria da aptidão da entidade de realizar atos da vida civil, da condição de titular de DIREITOS e OBRIGAÇÕES. Se a entidade realiza tais misteres no mundo fenomênico, dispõe, em conseqüência, de personalidade jurídica.
Aliás, o Direito Tributário que invariavelmente promove alterações nos ramos paralelos e afins, considera CONTRIBUINTE do IR (art. 115 do RIR), o “condomínio de fato” que promove o parcelamento irregular ou clandestino do solo urbano. Ao reconhecer esta precária entidade como titular de direitos e deveres, aceitando a sua personalização, sinaliza a legislação fiscal, também pelo reconhecimento dos CONDOMÍNIOS regulares como entidades que ostentam o “status” jurídico de entidades personalizadas.
De outro lado, não se pode deixar de reconhecer na constituição dos CONDOMÍNIOS ESPECIAIS, a presença de peculiar afectio societatis, assim entendida como o “elo de colaboração ativa entre os sócios” (Thaller), ou simplesmente como “à vontade de colaboração ativa” (prof. Lagarde).
Mesmo não se tratando de requisito necessário para a personalização da entidade, mas apenas para revelar um caráter de natureza das SOCIEDADES, forçoso é reconhecer que existe entre os condôminos este ELO DE COLABORAÇÃO ou elo de propósitos, sempre convergente para satisfação dos anseios comuns.
Assim, frente a mais este elemento, é de se concluir que todos os pressupostos necessários para o reconhecimento da PERSONALIDADE JURÍDICA para os condomínios se encontram presentes, nos termos do art. 18 do Código Civil (art. 45 do NCC).
Exigir que os CONDOMÍNIOS constituam uma ENTIDADE PARALELA ou uma ASSOCIAÇÃO ESPELHO apenas para conquistarem uma “estrutura formal” considerada indispensável para o registro imobiliário, não revela o melhor sentido ou a melhor dicção da legislação de regência, mormente porque o reconhecimento da personalidade jurídica para os condomínios, não afeta a órbita de interesse ou de direitos de terceiros.
Seguramente que esta questão admite mais de uma interpretação viável ou possível, e estes caminhos merecem uma eleição determinada pelo “bom senso jurídico”, assim como, pela razoabilidade da situação, além de inspirado pelo sentido prático que contamina toda norma geral e abstrata.
Neste exame, relevante é destacar que o reconhecimento da personalidade jurídica dos condomínios não causa danos, prejuízos ou dificuldades para terceiros, e mais do que isto, pode representar uma conquista para os CONDOMÍNIOS que melhor poderão operar suas cobranças e suas execuções. Não há porque se negar este caminho interpretativo, optando-se por entendimento que mitiga direitos e dificulta seu exercício. A JUSTIÇA possível é feita mediante a eleição da interpretação legal que melhor venha a se ajustar aos padrões sociais, morais e aos anseios coletivos de justiça.
O reconhecimento de PERSONALIDADE JURÍDICA para os condomínios não acarreta qualquer ameaça para os interesses dos condôminos, pois é a ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL que, soberanamente, decide sobre a gestão, os destinos e a forma de proceder do CONDOMÍNIO autorizando ou negando a compra ou adjudicação de imóvel ou dando ou negando poderes para o síndico tomar decisão neste sentido.
Tendo personalidade jurídica o CONDOMÍNIO pode adquirir imóvel de devedor inadimplente, quando tal conduta atenda aos propósitos ligados a uma melhor e mais eficiente arrecadação. O condomínio, no entanto, não poderá se distanciar de seus objetivos, pois neste caso, estaria agindo contra legem.
A adjudicação ou arrematação de bem imóvel pelo condomínio em ação de cobrança da taxa interna, atende, evidentemente, os propósitos condominiais. Evidente que nestes casos pode nascer uma nova obrigação tributária determinada pelo eventual LUCRO IMOBILIÁRIO, o que não significa risco ou prejuízo para os condôminos. As unidades autônomas sempre estarão preservadas, pois não compõe o acervo coletivo ou condominial, assim como a parte comum (que mesmo estando registrada em nome do condomínio, representam frações que tocam a cada um dos condôminos).
Assim, não havendo riscos ou prejuízos para terceiros, não há “burla legal” ou qualquer outro desvio ou irregularidade. Lícita é a interpretação que reconhece aos CONDOMÍNIOS “personalidade jurídica” para atuarem nos limites de seus regimentos e regulamentos, atendendo sempre às determinações das assembléias.
Na insuperável obra sobre hermenêutica e aplicação do direito, o prof. Carlos Maximiliano ensina que “não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelo legislador. Se as normas positivas se não alteram à proporção que envolve a coletividade, consciente ou inconscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes, imprevistas. A jurisprudência constitui, ela própria, um fator do processo de desenvolvimento geral; por isso a Hermenêutica se não pode furtar à influência do MEIO no sentido estrito e na acepção lata; atendendo às conseqüências de determinada exegese: quando possível evita, se vai causar dano, econômico ou moral, à comunidade”....”Toda ciência que se limita aos textos de um livro e despreza as realidades, é ferida de esterilidade. Cumpre ao magistrado ter em mira um ideal superior de justiça, condicionado por todos os elementos que INFORMAM a vida do homem em comunidade”.... ”Não se pode conceber o Direito a não ser em seu momento dinâmico” (obra citada – pág.169/170). A dinâmica do Direito é a própria dinâmica social. Se os condomínios passaram a desempenhar funções algo mais amplas do que aquelas originalmente desempenhadas, este é fato ou fator que autoriza a reinterpretação ora apresentada.
DIREITO COMPARADO :
Países com tradição jurídica semelhante a nossa, passaram a reconhecer a personalização dos condomínios, primeiramente em razão do pronunciamento jurisprudencial e posteriormente pela consagração feita pelo direito positivo.
Na França a legislação que regia os condomínios residenciais datada de 1938 nada estabelecia a este respeito, contudo a Lei 60.577 de 10 de julho de 1965, em seu art. 14, reconheceu a personalidade jurídica dos CONDOMÍNIOS.
Também na ARGENTINA a matéria experimentou igual evolução, tendo a Lei 13.512 consagrada à existência de personalidade jurídica para os condomínios (extraído dos “estudos e comentários” de J. Nascimento Franco – in Revista de Direito Imobiliário).
No Chile o desenvolvimento do Direito Imobiliário igualmente resultou no reconhecimento da personalização dos condomínios, o que mais um impulso para a alteração interpretativa apresentada.
Operacionalidade:
No novo Código Civil, que inaugurou disciplina sobre os condomínios edilícios, revogando parcialmente a Lei 4.591/64, assinalou entre as OBRIGAÇÕES do síndico, a tarefa de efetivar a COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES AOS CONDÔMINOS (art. 1.348, inciso VII). Efetivamente que se trata de OBRIGAÇÃO da qual o administrador não pode se furtar ou declinar.
O síndico, em nome e por conta do CONDOMÍNIO EDILÍCIO, deve cobrar de forma eficaz, exigindo a verba condominial sem trégua, sem desvios, tudo em atenção aos interesses coletivos.
Portanto, para que a obrigação LEGAL de que trata o art. 1.348 do Código Civil, receba a extensão completa como foi conferida, necessário que o CONDOMÍNIO, por seu síndico, tenham aptidão e condições para realizar os atos próprios e pertinentes para que a COBRANÇA atinja seus termos e conseqüências. Necessário que ao CONDOMÍNIO seja admitida à adjudicação da unidade em cobrança.
Sem tal entendimento a obrigação que é exigida do síndico (promover as cobranças), não se mostraria completa e absoluta na forma expressa no dispositivo em apreço.
Aliás, não se trata de situação hipotética ou cerebrina. Pelo contrário, freqüentes são os casos em que o CONDOMÍNIO, em decorrência de vários fatores, mas sempre em atenção a seus mais salutares propósitos, se vêm na contingência de ARREMATAR a unidade praceada, e quando o faz, fica impossibilidade de promover o registro, o que equivale a dizer, que fica impossibilitado de concluir a COBRANÇA.
Como um dos princípios vetores do Novo Código Civil, se encontra enunciado o PRINCÍPIO DA OPERACIONALIDADE, destacado pelo Prof. Renan Lotufo em palestra proferida à Escola Paulista da Magistratura. Este princípio sem dúvida, impulsiona o intérprete a rejeitar as FORMAS SEM CONTEÚDO ou sem propósito certo ou ÚTIL.
A criação de ASSOCIAÇÃO ESPELHO do condomínio, apenas para melhor realizar as cobranças judiciais, bem revela a ausência de senso operativo deste resultado interpretativo.
Ademais, a instituição de ASSOCIAÇÃO ESPELHO apresenta sérios inconvenientes. Em primeiro lugar a sua criação demandaria custos e despesas, que não se esgotariam no ato de criação, pois o novo “ente”, para ser mantido vivo e regular, viria a demandar o cumprimento de rotineiras obrigações fiscais e sociais, exigindo, eventualmente, a contratação de um serviço de apoio contábil para tal intento.
Assim, uma entidade criada apenas tal desiderato (emprestar o nome para adjudicação de bens em cobrança), revela de forma contundente, a inconveniência do resultado interpretativo (não registrabilidade), e deve impulsionar os TRIBUNAIS a novas reflexões, mormente porque não existem prejudicados no caso de se reconhecer a personalização dos CONDOMÍNIOS.
A jurisprudência, embora tímida, já apresenta indícios de reavaliação:
CONDOMÍNIO -Legitimidade de parte - Ação proposta contra os condôminos em virtude da falta de segurança no edifício - Inadmissibilidade - Entidade jurídica distinta de cada um dos condôminos - Ilegitimidade passiva reconhecida - Recurso não provido Uma vez instituído esse condomínio constitui um ente jurídico que se distingue perfeitamente dos titulares de cada uma das entidades autônomas, da mesma forma pela qual se distingue da sociedade a pessoa de cada um dos sócios. Numa fase primitiva do sistema, poder-se-ia admitir que ao condomínio em edifícios faltasse personalidade jurídica. Mas a jurisprudência e a doutrina vêm evoluindo no sentido de lhe reconhecer ampla capacidade, e, com esta, plena. (Agravo de Instrumento n. 219.610-1 - São Paulo - 03.05.94)
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida levantada em nota devolutiva pelo Oficial do 1º CRI. Expeça-se mandado para o registro.
P.R.I.C.
São Paulo, 10 de Julho de 2003.
Venício Antonio de Paula Salles
Juiz de Direito Titular
Ementação e verbetação: SJ
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