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O cadastro napoleônico - Jürgen Philips - UFSC, Florianópolis, SC
Este artigo descreve o processo do início dos cadastros modernos nos países europeus com ênfase nos do século XVIII. Segundo várias opiniões, esse é o século mais importante para a procura de uma nova relação entre povo e Estado e uma nova definição do cidadão. Ele é riquíssimo em tentativas, mas pobre em resultados, razão por que vamos sair do século XVIII e descrever pelo menos as primeiras duas décadas do XIX, o que permite reconhecer que os esforços feitos em um século inteiro teve finalmente êxito, realizou uma série de novos conceitos, dentre eles novas regras para garantir a propriedade, em contrapartida do estado pelo direito de tributar o solo. O século XIX pode ser considerado o século do cadastro –, quando praticamente todos os países da Europa conseguiram controlar seus territórios à luz de cadastros.
Um outro aspecto muito interessante é observar o difícil nascimento do novo cadastro para entender as forças políticas, econômicas e sociais que formaram o Estado moderno. Na época, ser a favor ou contra o cadastro tornou-se exatamente a linha divisória entre a parte da sociedade que passou a ver o Estado como um conjunto de indivíduos com iguais direitos e obrigações, apenas subordinados ao soberano, e a outra, de indivíduos que entendiam o estado como ele se formou na Idade Média, um conjunto de instituições intermediárias entre o indivíduo e o centro do poder – a nobreza, a Igreja ou os sindicatos profissionais.
Essas instituições dividiam com o soberano uma parte do poder expressada diretamente na participação dos impostos, o que complicava qualquer tentativa de reformas fiscais. O poder dos intermediários baseava-se nas informações, que apenas eles detinham, sobre a renda dos contribuintes, razão por que a idéia de um cadastro central era ameaçadora para toda a classe intermediária.
As tentativas do Estado de criar sistemas de cadastros fiscais tinham então o objetivo de instalar uma relação mais direta entre o contribuinte e o poder central, reduzindo assim a importância, e com ela, o poder do intermediador. O que parecia uma simples reforma tributária era na verdade uma mudança na raiz do Estado com a perspectiva de se criar um novo cidadão que mantém – sem intermediação – relações diretas com o centro do poder. Por isso, nas pesquisas dos historiadores atuais sobre o século XVIII avalia-se o cadastro como um símbolo da modernização do Estado.
Essa modernização realizou-se apenas com a Revolução Francesa, em 1789, aproveitada, poucos anos depois, por Napoleão I para estabilizar seu poder político na França pós-revolucianária. Se ele realizou os sonhos de grande parte da sociedade de uma tributação justa com regras únicas para todos, ele também gerou os créditos na população para fortalecer seu poder, que no final era maior do que o poder dos reis absolutos contra os quais o povo se levantou na revolução.
Exemplo de planta geral do município de Banhars
Hoje, a maioria dos países com modernos sistemas de informações territoriais referem seus registros técnicos do território ao cadastro napoleônico. Foi o fato, porque essa obra sempre despertou, e ainda desperta, o interesse público e dos profissionais para saber mais sobre as forças sociais, políticas e econômicas que formaram esse produto, pouco após a Revolução Francesa, que trouxe para o mundo os princípios de liberdade, igualdade e do direito da autodeterminação do destino do homem comum. Em muitas publicações, se apresenta o cadastro napoleônico como fruto apenas da Revolução de 1789. Sem dúvida, o cadastro não teria sido tão rigoroso e conseqüente se não tivesse ocorrido a revolução, e se Napoleão I não tivesse sido seu líder mais poderoso. Mas, o tempo já estava, antes da Revolução, cada vez mais maduro para mudanças no gerenciamento do solo, principalmente do solo rural. Assim, além da Revolução na França, vamos encontrar as demais causas e raízes na Europa do século XVIII, para ver quais eram os fortes sinais que indicavam antecipadamente as futuras transformações.
O cadastro do ducado de Milão
A Europa do século XVIII era absolutamente feudal. Apenas as “cidades livres”, como as da Hansa, no centro e no norte da Europa, gozavam de uma certa independência dos feudos da região, uma vez subordinadas apenas e diretamente ao imperador. A grande massa da população, predominantemente rural, vivia sob a dependência absoluta da nobreza local, na sua imensa maioria proprietária legal das terras. A carga tributária era alta e o povo rural vivia na miséria.
Especialmente em épocas de turbulências políticas ou guerras, além das contribuições diretas, essa carga subia às vezes a um índice insuportável de 30% ou mais do valor estimado da produção agrária em dinheiro. A insatisfação do povo rural era geral. Houve muitas revoltas contra essa carga pesada dos feudos, que, por sua vez, tinham o privilégio de pagar menos ou nenhum imposto. Os cofres do Estado, representado pelo rei ou pelo imperador, estavam permanentemente vazios, o que demandava procurarem-se novas fontes de recursos. Canalizada pelas elites do poder, no mesmo omento espalhou-se por toda Europa a idéia da igualdade em projetos como igualdade de pesos e medidas, para não dar igualdade política e de direitos. Mas os gritos por igualdade nas obrigações tributárias foram ouvidos cada vez mais altos. Se bem por razões distintas, os interesses do poder central, do imperador ou do rei, eram os mesmos da população. Pretendia-se quebrar ou reduzir o poder da classe inferior e média, da nobreza, da Igreja e dos demais intermediários com os quais o governo central dividia o poder em processos complicados, demorados e com muitas dificuldades, que impediam a realização de qualquer reforma do Estado.
Nessa mesma situação, o Império austro-húngaro, precisando de mais dinheiro, procurou um caminho para aumentar a arrecadação dos impostos sem provocar grandes tumultos. A solução foi um projeto de reforma tributária baseado no princípio do tratamento igual para todos, incluindo nele a classe nobre e o clero, até então com privilégios tributários, com uma nova fórmula ligada aos bens de cada família, o que garantia ao Estado um aumento significativo da arrecadação tributária.
Em geral, os bens eram predominantemente territoriais, e o instrumento para avaliação fiscal deles era o cadastro. Muitos Estados europeus já haviam criado cadastros em algumas regiões, mas nenhum deles dispunha de um levantamento sistemático do território, impedido pela nobreza e o clero, os latifundiários da época. Por isso encontram-se cadastros principalmente nas regiões onde a influência deles era menor, como nas cidades livres. Em Colônia, por exemplo, entre 1220 e 1400, encontram-se, em 200 livros (Schreinsbücher) cerca de 150 mil inscrições com suas respectivas atas, mas nenhum mapeamento.
O Imperador Carlos VI, da Áustria, criou no ducado de Milão um modelo de cadastro baseado em levantamento, mapeamento e avaliação de todas as parcelas do território, usando para isso todas os conceitos modernos e a tecnologia de ponta da época. O objetivo era criar e gerenciar esse modelo de cadastro para levantar e avaliar o império todo.
Em Milão já existia um cadastro fiscal desde 1248, provavelmente o mais antigo da Europa. Em primeiro de novembro de 1546 foi criada uma secretaria exclusivamente para medição de todas as propriedades do ducado. No contrato de paz de Utrecht, em 1714, Milão passou ao domínio do imperador Carlos VI, da casa Habsburgo, quando se transformou numa dependência austríaca. Já em 1718 formou-se uma comissão para criar um cadastro do ducado que serviria posteriormente como modelo para todo o império, usando todas as tecnologias e métodos da época.
O matemático Johann Jakob von Marinoni (1676–1755), como diretor da Academia militar de engenharia de Viena, fundada em 1717, para atender a demanda do exército por engenheiros, formulou o projeto do cadastro de Milão, preparou as instruções técnicas e treinou o pessoal para aplicá-lo. Exigia-se que os resultados fossem uniformes, gerados com os mesmos métodos e padrões de medidas, a fim de que se garantissem a mesma precisão e o máximo de justiça fiscal em todo ducado. Os mapas foram trabalhados em escala uniforme de 1:2000, já no sistema decimal. Marinoni substituiu o esquadro pela prancheta de campo, permitindo, assim, um levantamento mais rápido, mais barato e muitas vezes também mais preciso e bem controlado.
Graças a essa tecnologia, entre 1720 e 1723, foram levantados 2.387 municípios numa área de 19.220 km². Depois de classificados os prédios, determinavam-se os custos e a rentabilidade para calcularem os tributos devidos. Essa avaliação começou em 1721, mas foi várias vezes interrompida por turbulências causadas pelo falecimento de Carlos VI, que finalmente terminaram em 1759 com a posse de sua filha Maria Teresa como nova imperatriz. Esse cadastro de Milão entrou em vigor no dia primeiro de janeiro 1760, 40 anos após o início dos levantamentos. Com isso, Milão foi o primeiro Estado europeu a ter um cadastro fiscal completo de todas as propriedades baseado em medições uniformes e sistemáticas.
O cadastro de Milão tornou-se modelo não apenas para a Áustria, mas para todos os demais países da Europa, tanto por sua riqueza quanto precisão. Adam Smith (1723–1790), em sua famosa obra The Wealth of Nations, escreve: “O cadastro do ducado de Milão, iniciado na época de Carlos VI, foi considerado uma das obras mais exatas e cuidadosamente elaboradas desse tipo jamais realizada”.
Em 26 de julho de 1748 houve uma retificação da legislação fiscal de Milão. Baseado no novo cadastro, foi determinado o princípio da obrigação geral de pagamento de impostos, incluindo a nobreza e o clero. Maria Teresa queria expandir esse cadastro para outros Estados do império, o que, de fato, só aconteceu no Tirol com a homologação do novo cadastro tirolês, em 1784. O resto do império teve de esperar. Na pauta da história, mudaram-se as prioridades e a Europa das décadas seguintes tornou-se palco de um grande espetáculo de mudanças políticas e sociais.
A França pré-revolucionária
No século XVIII o centro geodésico científico mudou para a França. Em 1735 a Academia de Ciências da França enviou duas expedições, uma para a Lapônia e outra para o Peru, com a tarefa de medir o achatamento da Terra e obter com isso um melhor conhecimento de sua verdadeira forma. Ao mesmo tempo, instalou-se uma rede de triangulação, que estabelecesse uma malha de referências geodésicas em todo o país. Piccard e Giovanni Domenico terminaram as medições do arco meridiano entre Amiens e Paris. Depois deles, três gerações da família Cassini contribuíram para o desenvolvimento da geodésia científica. O mais importante deles, Jacques Dominique Comte de Cassini, foi diretor do observatório astronômico de Paris. Em 1789, ele concluiu a triangulação e o levantamento cartográfico da França, trabalho iniciado por seu pai em 1744.
Graças à sua capacidade geodésica e cartográfica, a França do século XVII, melhor que qualquer outro país da Europa, estava tecnicamente bem preparada para ter um moderno cadastro. Não faltaram tentativas anteriores de reformas tributárias e cadastrais: Em 1666, foi a vez de Juan Bautista Colbert; em 1700, a de Chamillart; em 1749, de Machault; em 1763, do ministro da fazenda Laverdy; em 1770, a do ministro da guerra Choiseul; em 1776, do ministro da fazenda Jaque Turgot. Todos, no entanto, fracassaram na tentativa de criar um cadastro que servisse de base para tributação dos rendimentos das atividades rurais de forma mais correta e justa.
Mesmo fracassadas, as várias tentativas de instalação de cadastros iniciaram uma ampla discussão sobre a necessidade e viabilidade de um sistema cadastral para o país sob os aspectos políticos, administrativos, fiscais, econômicos e técnicos. Seriam os cadastros declaratórios de Luxemburgo e Espanha o exemplo mais barato ou o do ducado de Milão, mais preciso, o melhor modelo para a França? Houve quem fizesse a proposta de um “terceiro caminho”, a criação de um cadastro dos cultivos, cuja base para tributação seria o rendimento bruto da exploração do bem territorial e não seu valor comercial. Para muitos, o cadastro baseado em levantamentos geométricos e mapas das plantas das propriedades parecia ser o melhor caminho. Foi esse o modelo escolhido por Turgot e Marie Lefèvre d’Ormesson, do ministério da Fazenda, que, em 1763, organizaram uma visita a Milão para encontrar Pompo Neri, consultor legal do imperador da Áustria para o cadastro do Ducado.* Turgot contratou agrimensores austríacos, com experiência no cadastro de Milão, para trabalhar na França e instruir os técnicos franceses. Mais uma vez, o cadastro não foi criado, graças à resistência da nobreza e do clero, os latifundiários de então, contra as reformas. Parece que a hora do cadastro ainda não tinha chegado.
O cadastro após a Revolução Francesa
Com a Revolução Francesa, em 1789, a classe dos nobres foi praticamente extinta da sociedade e o clero perdeu seus privilégios. Em primeiro de dezembro de 1790, a Assembléia Constituinte da Revolução publica uma nova lei sobre a tributação das atividades econômicas, na qual aparece também o imposto predial. Mas essa lei não teve muito êxito, uma vez que a tributação mais justa se apresentou como ilusão, principalmente por falta de uma avaliação correta dos bens territoriais.
Em 1793/94, a assembléia decreta a criação de um “cadastro geral da nação”, junto com uma avaliação dos bens; em 1798, o decreto se transformou em lei que passou a regulamentar também a tributação do solo. Mas o “cadastro geral” era apenas uma reambulação(???) das informações que já existiam sobre o território, sem novos levantamentos, razão pela qual essa nova tentativa de chegar a uma justiça fiscal mais aperfeiçoada fracassou novamente.
Com a posse de Napoleão Bonaparte, em 1799, como primeiro-ministro, começa um novo capítulo na história do cadastro. Em 1801, ele cria uma comissão técnica para buscar a forma mais eqüitativa da distribuição do imposto predial.
O método proposto foi selecionar 1.800 municípios representativos de todos os departamentos da França e levantar os cultivos deles. Calcularam-se os valores médios do rendimento bruto de cada parcela. Com base nessa avaliação do imposto predial, aplicaram-se nos demais municípios do país valores equivalentes das parcelas nos municípios levantados. A representatividade, no entanto, revelou-se muito fraca, razão por que os resultados não puderam ser aplicados. A busca da justa tributação sofreu mais um fracasso.
No dia 20 de outubro de 1803 publicou-se mais um decreto para levantar e avaliar os prédios de todos os municípios do país. Dessa vez optou-se pelo método da coleta das declarações dos proprietários e do levantamento das dimensões globais do município. Naturalmente, as declarações eram deficientes e imprecisas o que impedia confrontar as áreas declaradas com as medidas da área do município. Em 1805,os trabalhos foram cancelados. Com isso, o cadastro francês foi enriquecido com mais uma experiência fracassada.
Napoleão e o cadastro
Em julho de 1807, Napoleão Bonaparte reage aos repetitivos fracassos anteriores, decreta finalmente a criação de um cadastro baseado no levantamento de toda a nação e justifica sua decisão ao ministro do tesouro, Nicolas-Francois Comte Mollien, com as palavras: “As meias medidas de até agora são tempo e dinheiro perdidos. A única saída dessa dificuldade é avaliar, com medições gerais no campo, cada parcela de propriedade em todos os municípios do império”.
No dia 15 de setembro do mesmo ano, o ministro de fazenda Martin-Michel-Charles Gaudin [8] publica a lei, Instruções relativas ao cadastro, que contém os fundamentos e princípios para realizar esse trabalho. Ainda no mesmo ano, formou-se uma comissão presidida pelo famoso matemático Delambre, então secretário geral da Academia de Ciências. A comissão preparou o decreto regulamentador da lei, que foi aprovado no dia 27 de janeiro de 1808. Em 20 de abril, seguiam as Instruções Gerais com as normas técnicas para a realização do cadastro.
Este decreto também regulamenta as competências do geômetra (agrimensor), dando a ele a função de intermediador em casos de litígio: “se uma porção do solo é disputado entre duas ou mais pessoas, o geômetra tentará conseguir um acordo entre elas; se não conseguir, ele mostrará aos interessados na planta a linha que representa a situação de cada uma e o caráter provisório de suas posses”.
O trabalho no campo foi iniciado imediatamente após a publicação das normas técnicas e no final do mesmo ano de 1808 ele já se estendia a mais de 3.200 municípios.
Em 1810 formou-se a comissão dos Doze Inspetores Gerais que, um ano depois, publicou um compêndio – Recueil méthodique des lois, décrets, règlements, instructions et décisions sur le cadastre de la France –, uma coleção de todas as leis, decretos, regulamentos e instruções relativos ao novo cadastro.
Entre 1807 e 1814 foram levantadas 37 milhões de parcelas em nove mil municípios.
Esse cadastro de 1807 foi o primeiro bem sucedido. Graças a ele foi garantida a arrecadação de tributos durante todos os anos do governo de Napoleão bem como dos seguintes.
O mais espetacular do novo cadastro era: o território de todos os municípios foi sistematicamente levantado por precisas medições; todas as medidas foram referenciadas a uma rede geodésica, materializada por uma malha de pontos de triângulação; e a divisão do território era “parcelar”.
Os cadastros anteriores, mesmo o do ducado de Milão, não eram vinculados aos já existentes registros imobiliários, que arquivaram todos os documentos de direito das propriedades, como títulos e contratos. A precisão dos cadastros completos, como o novo cadastro de Napoleão bem como a perfeição do gerenciamento da sua administração, oferecia a possibilidade natural da parceria técnica, utilizando a descrição perfeita das unidades territoriais como identificador para o registro legal. Napoleão reconhece a importância da perfeita especialização do imóvel pelo cadastro e comenta: “Um bom cadastro de parcelas será o complemento do meu Código Civil para arquivar uma ordem sistemática nas propriedades de terras. É importante que as plantas sejam corretas, para servir para a definição dos limites das propriedades e para assim evitar futuros litígios”.
Esse e outros comentários de Napoleão demonstram bem que ele não queria limitar a função do cadastro apenas à tributação do solo. Com o mesmo entusiasmo ele se dedicou à utilidade do cadastro como instrumento fiscal. No Código Civil ele exigia máxima atenção na consistência do cadastro com a legislação sobre a propriedade no uso das medições no campo com as plantas como principal identificador para os imóveis do país.
Napoleão também enfatizou: “O que melhor caracteriza um bom direito de propriedade é a posse pacífica. No cadastro deve constar essa propriedade. O meu código fará o restante para que na segunda geração não haja mais processos por limites em litígio”.
O cadastro após Napoleão
A atratividade do novo cadastro francês era muito grande. Suas vantagens foram rapidamente valorizadas graças à precisão e ao conceito parcelar, especialmente nos países e nas regiões ocupadas pelas tropas francesas.
Durante os anos de ocupação da maioria dos países vizinhos, os engenheiros franceses instalaram o cadastro napoleônico em algumas províncias ocupadas, como na Renânia e Westfália, da Prússia. Após a ocupação, esse cadastro foi concluído e estendido a toda Prússia; no início, usando as próprias instruções francesas – apenas traduzidas. Os prussianos aperfeiçoaram mais tarde as instruções e acrescentaram novos conceitos para atualização permanente e imediata de cada alteração no campo e limitação dos itens levantados apenas para os dados necessários e mais relevantes da parcela.
A primeira medida garante que o cadastro mantenha, considerando todo o tempo de uso, o mesmo grau de qualidade e utilidade, independentemente da data da sua criação. Com isso ele protege os investimentos feitos contra a desvalorização dos dados e mapas do cadastro. A segunda medida garante a realização do projeto “cadastro” num intervalo razoável. O conceito implicava também que não se deve permitir a modelagem de um cadastro com dados para os quais não existam regras e possibilidades reais de sua permanente atualização. Esse cadastro perdeu sua credibilidade em poucos anos, tornou-se inútil, gerou frustrações e alimentou preconceitos contra o verdadeiro valor de um cadastro territorial.
O mundo inteiro denomina hoje os cadastros modernos, que seguem o modelo do cadastro francês, de napoleônicos, ignorando com isso que, de fato, foi Carlos VI quem demonstrou no ducado de Milão, pela primeira vez na história, a viabilidade e as vantagens de um cadastro baseado em medições sistemáticas; e que foi a Imperatriz Maria Teresa quem concluiu e oficializou esse cadastro. Sem dúvida, os técnicos de Napoleão conheciam muito bem o modelo de Milão com as vantagens, os custos e o tempo de sua realização e usaram essas informações para estimar os dados correspondentes, a fim de planejar o cadastro para a França. A semelhança entre os dois cadastros era tão grande que existem muitos argumentos para colocar, ao lado de Napoleão, Carlos VI e Maria Teresa no pedestal da história.
Porém, a Napoleão atribui-se apenas um privilégio: o de ter a visão e a sensibilidade legal e política de encarar o cadastro como um instrumento importante no sistema de segurança da propriedade. Exilado na ilha de Santa Helena, ele se lembra: “(...) o cadastro pode ser avaliado como o verdadeiro início do império, pelo fato de garantir com segurança a propriedade de terras, fornecendo assim para cada proprietário segurança e independência”.
Os cadastros modernos ainda são do tipo “napoleônico”. A evolução tecnológica nos permite hoje realizar projetos cadastrais mais perfeitos e mais precisos com menos dinheiro e menos tempo. Para o levantamento no campo, usamos atualmente instrumentos à base de laser ou satélites artificiais; o lápis foi substituído pelo computador – mas o conceito ainda é o mesmo, como há dois séculos na França.
Graças a essa constância conceitual, o cadastro pôde evoluir de um cadastro predominantemente fiscal para um cadastro multifinalitário, atendendo às necessidades legais, econômicas, sociais, ambientais, etc.
Referências bibliográficas
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