BE827
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Sociedades Simples e Empresárias - José Edwaldo Tavares Borba*
Consulta
Consulta-nos o Registro Civil das Pessoas Jurídicas a respeito da nova classificação das sociedades, decorrente do Código Civil de 2002, e da conseqüente repercussão dessa sistemática sobre as atribuições do Registro Público de Empresas Mercantis (Juntas Comerciais) e do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, formulando-nos as seguintes questões:
a) Como distinguir uma sociedade simples de uma sociedade empresária?
b) Quando, e em que circunstâncias, as sociedades com atividade de natureza intelectual seriam empresárias?
c) A sociedade com atividade rural, ainda que de grande porte, poderia ser uma sociedade simples?
d) A pequena empresa poderá ser considerada desde logo uma sociedade simples?
e) Como situar a sociedade cooperativa nesse contexto?
f) Quais as sociedades cujo registro deverá se processar obrigatoriamente no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e quais aquelas que poderão optar entre esse registro e o Registro Público de Empresas Mercantis?
Parecer
I – A Unificação do Direito Privado
O direito comercial, como ramo distinto do direito civil, surgiu em decorrência do esforço e do labor dos próprios comerciantes, que não se conformando com as limitações e o formalismo do direito romano-canônico, criaram um novo direito, prático e dinâmico, capaz de atender a suas necessidades e às novas relações e institutos que iam despontando no mundo dos negócios.
Vivia-se a baixa Idade Média, época em que o comércio e as cidades floresciam em oposição ao sistema feudal então dominante, cuja base era o direito civil.
Instalou-se, com efeito, um processo de ruptura entre o direito civil e o novo direito – o direito dos mercadores – que sendo também uma forma de direito privado, representava um fator de diferenciação dentro desse universo comum.
Os comerciantes, através de suas corporações, a partir da própria experiência, e com base na tradição comum do comércio marítimo, engendraram todos os grandes institutos do direito comercial, tais como as sociedades, o seguro e os títulos de crédito, ao tempo em que sedimentavam princípios e conceitos específicos da nova disciplina.
Ultrapassado o feudalismo, e uma vez estruturados os estados nacionais, estes se arrogaram, naturalmente, a prerrogativa de ditar o direito, mas já então a dicotomia do direito privado estava consagrada, e bem refletia a realidade social vigente. Foram então promulgados, paralelamente aos ordenamentos e aos códigos de direito civil, os ordenamentos e os códigos de direito comercial, que regulavam o estatuto do comerciante, os contratos comerciais, a prescrição em matéria comercial e todos os demais institutos próprios e característicos da atividade mercantil.
O comerciante, na sua condição originária, era o mercador, ou seja, era aquele que fazia a compra de mercadorias para revenda, atuando como intermediário entre o produtor e o consumidor, ou entre um comerciante e outro comerciante.
O direito comercial terminou por abranger outras categorias que, por suas afinidades funcionais ou de origem com o comerciante, com este se identificaram, como é o caso do banqueiro, do industrial, do transportador, todos envolvidos pela energia própria do mundo dos negócios.
Estamos falando da riqueza dinâmica, que é própria da atividade negociai, e que, como tal, se opõe à riqueza estática, peculiar e característica das atividades ligadas à terra, como a agricultura e a pecuária.
Formaram-se, consequentemente, no âmbito da atividade produtiva, duas ordens distintas, uma ligada aos atos de comércio (compra e venda de mercadorias, atividades financeiras, atividades industriais etc.), e outra aos atos civis (agricultura, pecuária, extrativismo etc.).
Conforme se verifica, a distribuição dessas atividades para o âmbito civil ou comercial não se fundava em razões conceituais, mas, em vez disso, em contingências de fato, resultantes das necessidades dos comerciantes, industriais, banqueiros, transportadores.
Tullio Ascarelli, por isso mesmo, divisou “no direito comercial uma categoria histórica” (Panorama do Direito Comercial, São Paulo, 1947, pág. 22).
Com o passar do tempo, ocorreu, todavia, a chamada comercialização do direito civil. Ou seja, o direito civil foi aos poucos absorvendo e incorporando os institutos e princípios do direito comercial, de tal modo que o fosso outrora existente, e que determinara a bifurcação do direito privado em dois ramos distintos, perdeu a sua razão de ser, propiciando o retorno do direito comercial ao âmbito comum do direito privado unificado.
Em 1867, o celebrado jurista brasileiro Teixeira de Freitas já sustentava, pioneiramente, a tese da unificação do direito privado, que foi retomada, em 1882, por Cesare Vivante, com grande repercussão.
Ainda no século passado (1919) editava a Suiça o seu Código das Obrigações, no qual observou a idéia da unificação, o mesmo fazendo a Itália (1942), com o seu Código Civil.
O novo Código Civil brasileiro, que também é um código de direito privado, revoga o Código Comercial, salvo no que concerne ao direito da navegação, reunindo em um mesmo corpo de leis, e sob os mesmos princípios, a matéria comercial e a matéria civil.
Não mais existem contratos comerciais distintos dos contratos regidos pelo direito civil. Tampouco permanecem os diferentes prazos de prescrição para obrigações civis ou comerciais.
Mais do que isso. O conceito jurídico de comerciante deixou de existir, substituído que foi pelo de empresário. Não se trata, porém, de uma singela mudança de nomenclatura, posto que as figuras do empresário e do comerciante não se identificam.
O comerciante era aquele que praticava profissionalmente atos de comércio, e os atos de comércio correspondiam às atividades que historicamente se situaram no âmbito do comércio.
O empresário, diferentemente, é o titular da empresa, sendo esta uma atividade econômica organizada.
Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que, com o novo Código Civil, o complexo normativo aplicável a empresários e não-empresários, e a sociedades empresárias e sociedades simples, ressalvadas algumas exceções bastante limitadas, é exatamente o mesmo.
Unificados o direito das obrigações e as modalidades contratuais, assim como os prazos de prescrição, as diferenças que remanescem se resumem às seguintes: a) ao sistema de registro, posto que os empresários e as sociedades empresárias se registram no Registro Público de Empresas Mercantis (Juntas Comerciais), enquanto as sociedades simples se registram no Registro Civil das Pessoas Jurídicas; b) ao processo de execução coletiva, que, para os empresários e sociedades empresárias, observa a lei de falências e concordatas, ao passo que, em se tratando de não-empresários e sociedades simples, incide o processo de insolvência civil; c) ao sistema de escrituração contábil, que é mais rigoroso com relação aos empresários e às sociedades empresárias.
Guardadas essas divergências, empresários e não-empresários regem-se pelos mesmos preceitos, podendo-se declarar que os sistemas são bastante convergentes. Seria mesmo o caso de afirmar-se que a classificação da pessoa natural ou da sociedade como empresária ou não-empresária apenas significa uma dose maior de rigor para o empresário no que tange à escrituração contábil e ao processo de execução coletiva.
As normas de escrituração contábil a serem observadas, compulsoriamente, por empresários e sociedades empresárias, encontram-se estabelecidas pelo Código Civil, nos arts. 1.179 e seguintes, que não se dirigem ao não-empresário e à sociedade simples, os quais apenas se sujeitariam aos preceitos de escrituração decorrentes da legislação fiscal, e àqueles que, de acordo com os princípios gerais da contabilidade, fossem necessários a bem demonstrar 5 regularidade e os resultados dos seus negócios, tudo de acordo com as demais normas já anteriormente existentes. E, por força do disposto no art. 2.037 do Código Civil, o processo de execução coletiva aplicável a empresários e sociedades empresárias é o que se encontrava previsto para comerciantes e sociedades comerciais (lei de falências e concordatas).
A falência e a insolvência civil são processos paralelos, com idêntica finalidade, qual seja a execução coletiva do devedor insolvente. A falência envolve procedimentos mais complexos e regras mais gravosas para o devedor, e pode tipificar o cometimento de crimes falimentares, os quais não se estendem à insolvência civil.
A concordata é um instituto restrito ao empresário, mas o não-empresário, de forma análoga, poderá acordar com os seus credores uma forma de pagamento, que será submetida a homologação judicial. Trata-se de uma “concordata contratual”... “que se estabelece por acordo entre o devedor e os credores concorrentes” (Humberto Theodoro Júnior, A Insolvência Civil, Rio de Janeiro, 1998, pág. 328).
Cabe, pois, enfatizar que empresários e não-empresários, ao se dedicarem, profissionalmente, ao exercício de atividade econômica, para a produção ou circulação de bens e serviços, regem-se pelos mesmos princípios e normas, exceto com relação ao rigor maior que é exigido do empresário no que tange à escrituração contábil e ao processo de execução coletiva.
II – A Nova Classificação das Sociedades
O Código Civil de 2002 estabeleceu uma nova classificação das sociedades, considerando-as empresárias ou simples (art. 982) segundo tenham ou não por “objeto o exercício de uma atividade própria de empresário sujeito a registro.”
O empresário sujeito a registro encontra-se definido no art. 966, que assim considera “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços.”
O cerne da conceituação do empresário e da sociedade empresária encontra-se portanto no exercício de uma atividade econômica organizada.
É preciso, por conseguinte, elucidar o que se deve entender por atividade econômica organizada, porquanto, a partir desse entendimento, é que se poderá construir a linha divisória entre empresário e não-empresário, e, por via de conseqüência, entre sociedade empresária e sociedade simples.
O direito brasileiro, ao adotar essa classificação, inspirou-se no Código Civil italiano de 1942, que também é um código de direito privado, e que, no art. 2082, utiliza os mesmos termos para definir o empresário.
A sistemática acolhida pelo direito brasileiro não se confunde, porém, com a instituída pela legislação italiana, a qual preserva o conceito jurídico de comerciante, inclusive enumerando exaustivamente as atividades que se consideram comerciais (art. 2195 do Código Civil italiano), e que são as atividades industriais, as propriamente comerciais (intermediação na circulação de bens), as de transporte, as atividades bancárias e as que forem auxiliares das precedentes.
No direito brasileiro, abandonou-se por inteiro o conceito jurídico de comerciante.
A nova classificação funda-se, basicamente, na existência ou não de uma atividade econômica organizada, que não é senão a empresa.
O empresário e a sociedade empresária exercem a empresa; ausente a empresa, tem-se a figura do profissional autônomo ou da sociedade simples.
No plano da pessoa natural, despontam, pois, as figuras do profissional autônomo e do empresário individual, ambos desenvolvendo o seu mister de forma profissional, voltada para o mercado, com a diferença de que o primeiro não dispõe de uma atividade organizada, ou seja, de uma estrutura empresarial, enquanto o segundo apoia a sua atividade em uma organização, que coordena e dirige, e que é a própria empresa.
No plano das sociedades, verifica-se o mesmo fenômeno, tanto que a sociedade empresária é a titular de uma empresa, enquanto a sociedade simples, por não contar com uma organização, desenvolve a sua atividade, prevalecentemente, a partir do trabalho dos próprios sócios. A teoria da empresa, conforme se analisará a seguir, contribui para bem fixar os marcos e os limites que evidenciam as fronteiras entre os empresários e os não-empresários.
Essa classificação das sociedades, de que estamos tratando, e que as distribui em empresárias e simples, concerne à natureza estrutural e fUncional da atividade desenvolvida, e se apoia, como demonstrado, na existência ou inexistência de uma organização; dessa classificação resulta o regime jurídico da entidade para fins de registro, execução coletiva e escrituração contábil.
Uma outra classificação, completamente diversa, é a que se refere à forma ou tipo da sociedade, e, sob esse aspecto, as sociedades podem ser simples, em nome coletivo, em comandita simples, limitadas, anônimas e em comandita por ações.
A expressão sociedade simples oferece, é bem de ver, dois sentidos, o primeiro, já examinado, atinente à natureza da sociedade, e que a distingue da sociedade empresária, e o segundo referente a uma das formas ou tipos de sociedade, conforme classificação supra.
A sociedade simples lato sensu (natureza da sociedade) poderá assumir a forma típica da sociedade simples (sociedade simples stricto sensu – tipo da sociedade) ou qualquer das outras formas societárias, exceto as das sociedades por ações (sociedades anônimas e sociedades em comandita por ações), uma vez que estas são sempre empresárias (art. 982, § único).
Por outro lado, as sociedades empresárias poderão revestir qualquer dos tipos societários previstos no Código Civil, com exceção do que é próprio das sociedades simples (art. 983) Também não poderiam adotar a forma da sociedade cooperativa, que é simples por definição legal (art. 982, § único), e que conta com um regime especial, que será referido posteriormente.
III – A Teoria da Empresa
O Código Civil, ao fundar a definição do empresário no exercício de atividade econômica organizada, abraçou a teoria da empresa.
O empresário (art. 966) e a sociedade empresária (art. 982) são os titulares da empresa.
Impõe-se, pois, delucidar o que se deve entender por empresa, para, a partir desses lindes, identificar o empresário e a sociedade empresária.
A doutrina italiana, a partir das lições de Cesare Vivante e Alfredo Rocco, foi a principal responsável pelo desenvolvimento do conceito de empresa, o qual alcançou uma formulação bastante apurada, especialmente em função das pesquisas preparatórias do Código Civil italiano (Asquini) e dos estudos de Francesco Ferrara e Tullio Ascarelli.
Francesco Ferrara (Empresarios y Sociedades, Madrid) é esclarecedor:
“Con estas antecedentes, veamos qué se entiende por empresario. Su concepto la da el art. 2.080: ‘Es empresario quien ejerce profesionalmente una actividad económica organizada, dirigida a la producción o cambio de bienes o servicios.’Son precisas, pues, /as condiciones siguientes: a), ejercicio de una actividad económica dírigida a la producción o al cambio de bienes o servicios; b), que la actividad esté organizada; c), que se ejercite de modo profesional” (pág. 25).
E sobre a organização (pág. 30) :
“Y coordinando el artículo 2.082 con los arts. 2.089 y 2.555, resulta que cuando el primero hab/a de actividad organizada se refiere a la actividad que se ejercita organizando el trabajo ajeno, o bien organizando un complejo de bienes.”
É, por conseguinte, a estrutura organizacional que vai distinguir o trabalhador autônomo do empresário.
O autônomo exerce a sua atividade econômica de forma pessoal, ou com a colaboração de auxiliares subalternos ou até mesmo de outros profissionais, mas o que prevalece é o seu trabalho pessoal.
O mesmo acontece com a sociedade simples, que tem no trabalho pessoal dos sócios o núcleo de sua atividade produtiva. Ainda que tenha empregados, estes apenas colaboram, mas o que se exterioriza, prevalecentemente, é o labor dos próprios sócios, ou de um administrador designado que opere de forma pessoal.
O empresário e as sociedades empresárias operam através da organização, posto que esta se sobreleva ao labor pessoal dos sócios, que poderão atuar como dirigentes, mas que não serão, de forma predominante, os operadores diretos da atividade-fim exercida.
A empresa demanda um estabelecimento, tanto que não se concebe a existência de uma estrutura organizacional de pessoas ou de meios materiais sem que se disponha do instrumento dessa organização, que é o complexo de bens e pessoas que fazem atuar a empresa.
Mas não basta o estabelecimento, para que se tenha a empresa; é necessário, para tanto, que esse estabelecimento conte com elementos de atuação (pessoas ou coisas), que o elevem ao nível da organização.
Não se deve esquecer que o profissional autônomo poderá estabelecer-se, sem que essa circunstância venha a retirar-lhe a condição de não-empresário, porquanto o estabelecimento não subentende necessariamente a organização.
A empresa pressupõe um estabelecimento, mas o estabelecimento por si só não confere a condição de empresário.
O que separa o empresário e a sociedade empresária, de um lado, do trabalhador autônomo e da sociedade simples, do outro lado, é exatamente o requisito da organização, conforme consignado no art. 966 do Código Civil. Todo empresário deve possuir uma organização, que, segundo Ascarelli (Iniciación al Estudio de/ Derecho Mercantil, Barcelona, 1964, pág. 165) terá uma valoração mais funcional que quantitativa, cuja marca será "la cooperación de colaboradores o el recurso a bienes concurrentes con el trabajo personal (de tal forma que la organización podrá referirse a personas o a medios materiales) ...”
A empresa existe quando as pessoas coordenadas ou os bens materiais utilizados, no concernente à produção ou à prestação de serviços operados pela sociedade, suplantam a atuação pessoal dos sócios.
A coordenação, a direção e a supervisão são pertinentes ao empresário ou à sociedade empresária; o exercício direto do objeto social, vale dizer, a produção ou a circulação de bens e a prestação de serviços são operadas pela organização.
Se os próprios sócios, ou principalmente os sócios, operam diretamente o objeto social, exercendo eles próprios a produção de bens, ou a sua circulação, ou a prestação de serviços, o que se tem é uma sociedade simples.
Alguns exemplos ajudarão a melhor precisar a matéria.
A atividade econômica produtiva, da qual devem emergir os exemplos, compreende, conforme ressaltado pelo jurista português Pinto Furtado (Curso de Direito das Sociedades, Coimbra, 1986, págs. 212 e 213), “os gêneros máximos, como o exercício da agricultura, o exercício da indústria, o exercício do comércio, e os ramos ...”, tais como, no caso do comércio, o supermercado, o comércio de tecidos, o comércio de perfumes, o comércio de automóveis, o bar.
Comecemos com o exemplo do comércio de tecidos, a fim de vislumbrar o exercício dessa mesma atividade por uma sociedade simples e por uma sociedade empresária.
O comércio de tecidos, se exercido por uma sociedade em que o trabalho dos sócios é a essência da atividade, posto que são eles próprios que compram e que revendem, estaremos diante de uma sociedade simples. Os empregados, meros auxiliares, apenas completam o trabalho dos titulares da sociedade.
Cuidando-se, porém, de comércio de tecidos conduzido por uma estrutura hierarquizada, que compre e revenda as mercadorias sob a coordenação dos sócios e administradores sociais que, mesmo presentes, não operam, de forma prevalecente, o objeto social, a hipótese seria de sociedade empresária.
Um bar conduzido pelos sócios seria uma sociedade simples, mas se estiver entregue a um grupo, ainda que diminuto, mas ao qual seja confiada a realização do objeto social, ter-se-ia a configuração da organização, que denota a empresa.
Um supermercado, pela dimensão de sua atividade, teria que ser operado por uma organização, e, por ser assim, a sua condição empresarial resultaria evidente, o que não ocorreria com uma mercearia a cujos sócios estivesse entregue, de forma direta, a operação do estabelecimento.
Um restaurante, tanto poderia ser operado pelos próprios sócios, que atuariam, de forma prevalecente, no atendimento dos clientes, e nesse caso a sociedade seria simples, ou os sócios apenas coordenariam o trabalho dos profissionais encarregados de exercer o objeto social – a organização – e teríamos uma sociedade empresária.
Na área industrial, o objeto social compreende o processo de produção em escala, que, pela sua própria natureza, demanda uma estrutura organizacional que envolverá pessoas hierarquicamente ordenadas, além de máquinas e equipamentos necessários ao processo produtivo. A atividade industrial, pela sua complexidade, tende a conferir, ao seu titular, em quase todos os casos, a condição de empresário ou de sociedade empresária.
Uma padaria não deixa de ser uma indústria, mas, em certos casos, se efetivamente restrita, em sua atividade, ao trabalho dos próprios sócios, que utilizariam os equipamentos necessários, com a ajuda de meros auxiliares, pode-se vislumbrar uma sociedade simples. Neste caso, estaríamos lidando com uma atividade artesanal, que lembra e antecede historicamente a atividade industrial, mas que com esta não se confunde, eis que não conta com qualquer estrutura organizacional.
Hoje, com o avanço científico e o automatismo, algumas indústrias quase não têm empregados, os quais foram substituídos pelo aparato tecnológico, que processa a matéria prima, elabora o produto, e até mesmo o acondiciona para o mercado. Nesses casos, ainda que não se tenha uma organização de pessoas, tem-se a coordenação de meios materiais, e a sociedade empresária, por essa razão, avulta indiscutível.
Os transportadores, tal como os comerciantes, tanto poderão desenvolver a sua atividade de forma pessoal, como através de uma organização, daí decorrendo a sua classificação como sociedade simples ou empresária.
No setor de prestação de serviços, muitas são as variantes. Se, como quotistas de uma sociedade, cabeleireiros, costureiras, bombeiros, técnicos em geral, eles e seus auxiliares, mas principalmente eles próprios, cortam os cabelos da clientela, costuram as roupas encomendadas, consertam os canos danificados e executam a assistência técnica solicitada, as correspondentes sociedades, de que participam esses profissionais, seriam sociedades simples. Estruturada uma organização nessas sociedade, para o efeito de prestar o serviço a que elas se propõem, os sócios refluiriam para uma posição de coordenação, deixando a operação para os empregados, e, como conseqüência, despontaria a sociedade empresária.
Cabe consignar, entretanto, que o legislador, embora adotando a teoria da empresa, fê-la de forma mitigada, uma vez que, em determinadas situações (trabalho intelectual, atividades rurais e pequena empresa), ainda que caracterizada a organização, que levaria à identificação do empresário ou da sociedade empresária, o tratamento a ser aplicado não foi, necessariamente o concernente ao empresário ou à sociedade empresária.
IV – O Trabalho Intelectual
O Código Civil, depois de definir (art. 966) o empresário como sendo aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços”, ressalva no respectivo parágrafo único:
“Art. 966 - .............................
O único – Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”
O parágrafo único representa no caso, a toda evidência, uma exceção à regra estabelecida no caput do artigo.
Pelo caput do artigo, para a configuração do empresário, já seria necessária a existência de uma organização. O parágrafo único, por conseguinte, com relação ao trabalho intelectual, dispõe que, mesmo presente a organização, não se teria a figura do empresário.
O trabalho intelectual, por força de tradição que o considera qualitativamente distinto da atividade econômica ordinária, ou em função do que Ascarelli chamou “diversa valoración social”, foi afastado do conceito de empresa.
A empresa produz. O intelectual cria, e assim a sua criação, por ser uma emanação do espírito, não seria assimilável aos chamados processos produtivos.
O trabalho intelectual constituiria, pois, uma atividade não-empresária, mesmo quando exercido através de uma organização.
Dessarte, a sociedade cujo objeto social compreenda a realização de um trabalho de caráter intelectual será sempre e necessariamente uma sociedade simples, afora tão-somente as situações em que o trabalho intelectual represente um elemento de empresa.
Trabalho intelectual, segundo a própria lei, é o que apresente natureza científica, literária ou artística. Trata-se, portanto, de conceito bastante abrangente de todo o espectro intelectivo, como tal compreendendo o campo da ciência, que é auto-explicativo, o campo literário, que se desdobrará em suas várias manifestações, inclusive as de índole popular, e o campo da arte, este naturalmente circunscrito às expressões artísticas de cunho intelectual, tais como as artes plásticas, a música, a dança, o teatro, pouco importando para esse fim o seu caráter erudito ou popular.
Todas as sociedades que se dedicam à criação intelectual serão pois sociedades simples, independentemente de possuírem ou não uma estrutura organizacional própria de empresa.
A ressalva posta pelo legislador somente se aplicaria às hipóteses em que o trabalho intelectual assumisse a condição de elemento de empresa.
A questão, pois, resume-se na clarificação do que se deve entender por trabalho intelectual como elemento de empresa.
Ascarelli (obra citada, pág. 158), depois de referir-se à condição não empresarial do trabalho intelectual, aduz:
“La solución debe ser opuesta para el caso de una sociedad que, con el ejercicio de su actividad ofrezca los servicios de profesionales, por ejemplo, a través de casas de salud o de cura, ali como también la hipótesis de/ empresario (art. 2.338), cuando la actividad profesional (aúm predominante) sea un elemento (como en la citada hipótesis de /as casas de cura) de una actividad (empresarial).”
O notável comercialista italiano oferece-nos a clave para desvendar o que seria o trabalho intelectual como elemento de empresa, ao referir-se à sociedade que, “com o exercício de sua atividade, ofereça os serviços de profissionais” (intelectuais), exemplificando com as casas de saúde e os sanatórios.
O trabalho intelectual seria um elemento de empresa quando representasse um mero componente, às vezes até o mais importante, do produto ou serviço fornecido pela empresa, mas não esse produto ou serviço em si mesmo.
A casa de saúde ou o hospital seriam uma sociedade empresária porque, não obstante o labor científico dos médicos seja extremamente relevante, é esse labor apenas um componente do objeto social, tanto que um hospital compreende hotelaria, farmácia, equipamentos de alta tecnologia, além de salas de cirurgia e de exames com todo um aparato de meios materiais.
Uma clínica médica, ou um laboratório de análises clínicas (uniprofissional ou não), compostos por vários profissionais sócios e contratados, ainda que dotados de uma estrutura organizacional, mas cujo produto fosse o próprio serviço médico, que se exerceria através de consultas, diagnósticos e exames, e que portanto teriam no exercício de profissão de natureza intelectual a base de sua atividade, seriam evidentemente uma sociedade simples.
No primeiro caso (o hospital), o trabalho intelectual é uma elemento da empresa (um componente); no segundo caso (a clínica médica), o trabalho intelectual é o próprio serviço oferecido pela sociedade.
A palavra “elemento”, inclusive quando se invoca o seu sentido lexicográfico, corrobora essa noção de “componente”, a que estamos recorrendo:
“Elemento – (...) Tudo que entra na composição doutra coisa e serve para formá-la: As palavras são os elementos do discurso; o enxofre, o salitre e o carvão são os elementos da pólvora. (...) (Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, Caldas Aulete, Editora Delta, 1970).
O trabalho intelectual somente se reduziria a um elemento de empresa quando, considerada a sociedade e o seu objeto social, a criação científica, literária ou artística apenas representasse um componente desse objeto, isto é, uma parcela do produto ou serviço oferecido pela empresa ao mercado, jamais o próprio produto ou serviço.
Convém repassar outros exemplos.
Uma sociedade de pesquisa científica pura seria uma sociedade simples. Se, no entanto, a pesquisa se destina ao aperfeiçoamento dos produtos desenvolvidos industrialmente pela sociedade, o trabalho intelectual não passaria de um componente – elemento de empresa – e a sociedade seria empresária.
A sociedade que concebe roteiros para a televisão desenvolve um trabalho literário, próprio de sociedade simples, mas se esse trabalho é produzido pela própria sociedade que, concomitantemente, é uma emissora de televisão, a criação literária seria elemento da empresa, e a sociedade seria empresária, posto que o produto final não seria a criação intelectual propriamente dita.
Uma sociedade que reuna artistas plásticos, inclusive contratados, e que pintem e exponham apoiados em uma organização, seria simples, mas a sociedade que, a partir desse trabalho intelectual, promovesse a sua reprodução em série para distribuição no mercado, seria empresária.
Uma sociedade que fosse detentora de uma orquestra sinfônica – o trabalho artístico – e explorasse as suas exibições, seria simples, mas uma sociedade voltada para a exploração fonográfica dessas “performances” estaria utilizando o trabalho artístico como elemento de empresa, e seria empresária.
Uma sociedade dedicada à elaboração de projetos de engenharia seria uma sociedade simples – trabalho científico; a que se dedicasse também, e de forma preponderante, à execução desses projetos seria empresária, tanto que o trabalho científico dos engenheiros seria um elemento da empresa, cujo produto final seria, não o esforço de criação dos engenheiros, mas, em vez disso, a obra realizada, com seus vários componentes.
Uma sociedade aplicada ao ensino, qualquer que fosse a dimensão da organização, seria necessariamente simples, considerando que o produto oferecido pela entidade é o próprio conhecimento. Ainda que dotada de internato, e, por conseguinte, de alguma hotelaria, esta seria. de molde puramente subsidiário e auxiliar, não interferindo na qualificação do objeto social da sociedade, nem tampouco deslocando o trabalho intelectual para a posição de elemento da empresa.
V - A Atividade Rural
O Código Civil, no art. 970, prevê que “a lei assegurará tratamento diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.”
E depois enuncia:
“Art. 971 – O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.”
Esse tratamento diferenciado, que a lei asseguraria, já se encontra estabelecido pelo próprio Código Civil, tanto que o empresário rural “pode", essa é uma opção sua, requerer inscrição no Registro de Empresas, e, uma vez inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.
Ora, se uma vez inscrito no Registro de Empresas, ficará equiparado ao empresário sujeito a registro, enquanto não inscrito desfrutará das condições próprias do não-empresário.
O mesmo se diga em relação à sociedade:
“Art. 984-A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.”
Se a sociedade com atividade rural pode – é também uma opção – inscrever-se no Registro de Empresas equiparando-se à sociedade empresária, enquanto não o fizer será uma sociedade simples, e como conseqüência deverá inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
A sociedade com atividade rural, se não for empresária – vale dizer, se não contar com uma organização – será necessariamente uma sociedade simples. Dotada de organização, poderá optar, livremente, entre a condição de sociedade simples e a condição de sociedade empresária.
Para qualificar-se como sociedade empresária, não poderá revestir a forma típica de sociedade simples, e, se esta for a sua forma, cumprirá transformar-se para, em seguida, requerer a sua inscrição no Registro de Empresas.
Se e enquanto não requerer a sua inscrição no Registro de Empresas, deverá a sociedade rural inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, assim assegurando a sua condição de sociedade simples.
A sociedade rural desfruta, pois, de uma situação singular. Mesmo sendo uma empresa, cabe-lhe escolher o seu status jurídico, de sociedade simples ou empresária, para tanto bastando optar, respectivamente, pelo Registro Civil das Pessoa Jurídicas ou pelo Registro Público de Empresas Mercantis.
Essa especial situação da empresa rural deita as suas origens na tradição e no contexto histórico que sempre reservaram ao produtor rural um regime diferenciado.
A empresa rural compreende todas as atividades que têm na terra o fator principal de sua realização. Neste gênero se situam a agricultura, a pecuária, a silvicultura, o extrativismo, a caça. As atividades conexas, tais como as de beneficiamento dos produtos rurais, promovidas localmente, a fim de adequá-los à comercialização, também se integrariam nesse mesmo contexto.
Pode-se, então, assentar que o empresário individual rural não se encontra sujeito a registro, mas poderá promovê-la, passando a ser tratado formalmente como empresário, e que a sociedade empresária rural, independentemente de seu porte ou patrimônio, poderá optar entre inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, assumindo a condição de uma sociedade simples, ou no Registro Público de Empresas Mercantis, assumindo a condição formal de sociedade empresária.
É curiosa a situação aqui analisada. Estamos falando de uma sociedade empresária que será tratada ou não como sociedade empresária, segundo o registro adotado. Mas é exatamente isto. A empresa rural pode preferir o status de sociedade simples e, como conseqüência, não se sujeitará à lei de falências e concordatas, nem a processos mais rigorosos de escrituração contábil
VI - A Pequena Empresa
Assim dispõe o Código Civil:
“Art. 970 -A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.”
Essa norma, ao dispor que a lei (outra lei) asseguraria tratamento diferenciado, simplificado e favorecido ao empresário rural e ao pequeno empresário, incorreu em evidente atecnicismo, posto que se arrogou a condição de preceito constitucional, sob a forma de “norma de eficácia limitada.”
O art. 970 Código Civil, por uma interpretação literal e restrita, estaria desprovido de toda e qualquer eficácia, pois, como é intuitivo, não haveria necessidade de uma lei para preconizar que outra lei da.mesma hierarquia poderia dispor neste ou naquele sentido, principalmente porque a lei ordinária não se destina a traçar metas legislativas.
Todo preceito legal, por definição, apresenta um conteúdo normativo que deve ser perseguido pelo intérprete, a fim de que a norma alcance a efetividade que é inerente a sua natureza.
No caso do empresário rural, conforme analisado no item anterior, o próprio Código Civil integrou a norma do art. 970, através das normas dos arts. 971 e 984.
Com relação ao pequeno empresário, o que se tem, na verdade, é uma norma em branco, mas apenas no que tange ao conceito de pequeno empresário, que é remetido à lei (a outra lei), posto que o conteúdo da norma, consistente no “tratamento favorecido, diferenciado e simplificado” que será assegurado ao pequeno empresário, esse já se encontra enunciado no próprio preceito, que se refere, para esse fim, “à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.”
O tratamento favorecido, diferenciado e simplificado que se pode conferir ao empresário, no que tange à inscrição e aos seus efeitos, é o que decorre da vinculação ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, que traz como conseqüência, conforme demonstrado no item I deste parecer, a simplificação e a diferenciação do processo de execução coletiva e de escrituração contábil, representando uma forma de favorecimento que atende inclusive ao disposto no art. 197 da Constituição Federal, onde se dispõe a respeito da simplificação das obrigações das empresas de pequeno porte.
A definição de pequena empresa, para os efeitos do art. 970 do Código Civil, poderá ser instituída por lei especial a esse fim destinada, mas, enquanto tal não ocorrer, essa definição poderá ser encontrada em outras leis federais que, no intuito de regulamentar o referido art. 179 da Constituição Federal, tenham fixado os parâmetros do que se deve entender por pequena empresa.
A Lei Federal nº 9.841, de 15.10.99, considerou empresa de pequeno porte (pequena empresa) "a pessoa jurídica e a firma individual” com receita bruta anual igual ou inferior a R$ 1.200.000,00, valor este sujeito a atualização, por ato do poder executivo, de acordo com a variação do IGP-DI.
O ponto relevante da Lei nº 9.841/99, no que concerne à matéria ora examinada, qual seja a integração da norma em branco, cinge-se à.caracterização da pequena empresa, e, para tanto, importa tão-somente o faturamento. Os demais aspectos disciplinados nessa lei dizem respeito a regime previdenciário e trabalhista, apoio creditício e desenvolvimento empresarial, matérias estranhas ao objeto deste estudo. Além disso, a qualificação de pequena empresa para os fins do art. 970 do Código Civil não guarda qualquer relação direta com o seu enquadramento para os efeitos dos benefícios tributários conferidos à microempresa e à empresa de pequeno porte. A sociedade pode, portanto, inscrever-se como pequena empresa, e, a despeito disso, não pleitear o seu enquadramento como microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP).
As sociedades empresárias com faturamento igual ou inferior a um milhão e duzentos mil reais encontram-se, pois, legalmente autorizadas a promover a sua inscrição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, com o que terão assegurado o tratamento mais simplificado que desse registro resulta quanto ao processo de execução coletiva e quanto à sistemática de escrituração contábil.
Essas sociedades, mesmo com a natureza de empresárias, serão regidas como se não o fossem, assim se equiparando às sociedades simples.
VII - A Cooperativa
A chamada sociedade cooperativa situa-se evidentemente no âmbito do fenômeno associativo, mas representa uma categoria especial, posto que se coloca entre a associação e a sociedade.
Não se destina a produzir lucros para distribuição aos seus sócios de acordo com a participação no capital. O seu objetivo é desenvolver atividades de interesse dos sócios, podendo essas atividades serem lucrativas, mas esses lucros serão distribuídos aos sócios “proporcionalmente ao valor das operações efetuados pelo sócio com a sociedade, ...” (art. 1.094, Vll, do Código Civil).
Por isso mesmo, já se afirmou que os sócios de uma cooperativa são concomitantemente seus clientes (Modesto Carvalhosa, Comentários ao Código Civil, vol. 13, Saraiva, 2003, pág.400).
A cooperativa é essencialmente mutualista, sendo o seu regime especial, e por isso mesmo regulada por lei específica, não obstante as suas linhas gerais estejam definidas no Código Civil.
No regime anterior ao atual Código Civil, era a cooperativa considerada uma sociedade civil, mas o seu registro fazia-se na Junta Comercial.
Esse registro constituía evidentemente uma anomalia, somente explicável pelo rígido controle a que se submetia a criação de cooperativas, cujo funcionamento dependia de autorização do governo federal, a ser concedida mediante providências articuladas entre o órgão de controle federal e a Junta Comercial (art. 18 da Lei nº 5.764/71). Sendo a Junta Comercial um órgão sujeito à supervisão técnica do Departamento Nacional do Registro do Comércio, que é uma repartição federal, o que se tinha no caso era um processo integrado de controle.
Com a Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XVIII), essa matéria foi inteiramente reformulada, proclamando-se o princípio da livre criação de co.operativas;
“Art, 5,º.........................
XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;”
Vê-se, portanto, que a autorização do governo federal foi revogada por incompatibilidade com a Constituição Federal, e a razão de ser para o registro das cooperativas na Junta Comercial, perdera, por via de conseqüência, a sua consistência. De qualquer sorte, e sem qualquer motivação, como se fora uma mera reprodução, essa mesma norma constou também da art. 32, II, “a", da Lei nº 8.934/94, que dispõe sobre o registro público das empresas mercantis.
O novo Código Civil (art. 982) preceitua, de forma absoluta:
"Art. 982 - ..................
5 único – Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.”
Assim, tal como a sociedade anônima, que é sempre empresária por força de lei, a sociedade cooperativa, qualquer que seja o seu objeto, será sempre simples.
E sendo simples, por força do disposto no art. 1.150 do Código Civil, o seu registro deverá se fazer no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
A matéria suscita, no entanto, a questão da norma especial face à norma geral.
Seriam os arts. 18, da Lei nº 5.764/71, e 32,11,”a”, da Lei nº 8.934/94, no tocante às sociedades cooperativas, normas especiais, como tais imunes ao novo diploma legal?
Sobre o tema, convém invocar a lição de Carlos Maximiliano:
"Do exposto já se deduz que, embora verdadeiro, precisa ser inteligentemente compreendido e aplicado com alguma cautela o preceito clássico: 'A disposição geral não revoga a especial.’ Pode a regra geral ser concebida de modo que exclua qualquer exceção; ou enumerar taxativamente as únicas exceções que admite; ou, finalmente. criar um sistema completo e diferente do que decorre das normas positivas anteriores nesses casos o poder eliminatória do preceito geral recente abrange também as disposições especiais antigas” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 2001, pág. 294).
Ou o que preleciona o acatado jurista português José de Oliveira Ascenção:
"Mas no Brasil não se encontra já a dificuldade resultante da exi
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