BE657

Compartilhe:


 

Cartórios só existem no Brasil e Portugal? - Sérgio Jacomino*


"Para resolver isto, só se fosse possível explodir os cartórios de registro de imóveis, verdadeiras fábricas de papéis há mais de 300 anos, que só existem no Brasil e Portugal: legalizar propriedades é uma guerra burocrática e judiciária, dai a atual confusão". (Ermínia Maricato).

A informação supra foi publicada no Jornal de Brasília (30/3), em nota de Cláudio Humberto, que atribuiu a frase à Dra. Ermínia Maricato.

É preciso compreender perfeitamente o contexto em que a frase pode ter sido proferida. Os registradores conhecem a trajetória da Ministra-adjunta pelo incansável trabalho e pelas palestras proferidas em eventos realizados inclusive pelo próprio Irib e o Ministério Público de São Paulo (cfr. Boletim do Irib 293, de outubro de 2001). Todos sabem de seu empenho pessoal em resolver o grave problema habitacional e urbanístico brasileiro. Mas é preciso centrar o foco e identificar claramente os problemas.

A regularização fundiária é possível?

Em recente artigo publicado pela Revista de Direito Imobiliário (Irib/RT - 52/26), a professora paulista relata a impressionante cifra de propriedades ilegais (favelas, mocambos, ocupações de área públicas, loteamentos irregulares etc.) o que chegaria a abranger 50% de todos os habitantes de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Parafraseando Bertold Brecht, pela via de Roberto Schwarz, diz que em face da legislação urbanística (e porque não registral?) estaríamos diante de uma "situação na qual a regra se torna mais exceção do que regra e a exceção mais regra do que exceção".

Diz a Professora que a "regularização de assentamentos ilegais vem enfrentando mais problemas do que a própria urbanização. Enquanto a urbanização de favelas constitui uma experiência generalizada em todas as grandes cidades do Brasil, a localização de iniciativas de regularizações bem-sucedidas exige cuidadoso trabalho de busca". (id. ib). Faz referência aos obstáculos que travam o processo de regularização fundiária pela fragmentação de instituições que participam do processo de regularização: vários setores da prefeitura, Ministério Público, Cartórios de Registro de Imóveis e Judiciário. A Professora Maricato cita a participação de Rosana Denaldi no seminário Gestão da terra urbana e habitação de interesse social, em que os entraves burocráticos para a regularização fundiária foram enunciados.

Na parte que nos toca, ao contrário do afirmado no artigo da Profa. Maricato, temos a apresentar um extenso rol de contribuições técnicas para a regularização de parcelamento ilegais do solo. Basta compulsar o Boletim do Irib em Revista, na sua edição de outubro, inteiramente dedicada à questão da regularização. E mais: a Presidência do Irib participou ativamente do workshop Regularização fundiária, promovido pela Prefeitura Municipal de São Paulo, pelo Habitasampa, em parceira com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, em que discutiu e apresentou propostas concretas para superação dos entraves que inviabilizam, pela burocracia ou custos excessivos, os projetos públicos de regularização. (O relatório final foi publicado e será divulgado nestas páginas nos próximos dias. Aos interessados poderemos enviar cópia reprográfica). Ainda em decorrência desse importante trabalho, a Primeira Vara de Registros Públicos de SP baixou a Ordem de Serviço 1/2003 (abaixo publicada) que traz importantes mecanismos para viabilizar a regularização fundiária.

Burocracia e explosão de cartórios

Os problemas apontados pela competente pesquisadora e brilhante professora Ermínia Maricato são na verdade a ponta de um iceberg. A primeira parte de sua manifestação está evidentemente fora de contexto, e deve ser relevada em virtude de um círculo vicioso de desinformação e pelo possível ruído na tradução do que seria efetivamente a fala da Sra. Ministra-adjunta. Mas a parte final de sua manifestação dá os contornos precisos do objeto de sua queixa: legalizar propriedades é uma guerra burocrática e judiciária.

Percebe-se uma nítida confusão entre o que seriam atribuições próprias dos cartórios de registro de imóveis e de outras instituições no tocante à legalização das propriedades. Não tem sentido explodir cartórios por razões alheias à sua atribuição específica. A burocratização apontada certamente não é decorrência da atividade do registro de imóveis. Vamos ver rapidamente o porquê. 

Para se ter uma idéia da reiterada confusão, em evento realizado em 21/6 do ano passado, a convite dos organizadores (Ministério Público), estivemos presentes na Câmara Municipal de Guarulhos (SP) para debater com autoridades e convidados o problema da regularização fundiária. Coube-nos a defesa da instituição em virtude de ataques virulentos desferidos por urbanistas e técnicos da administração pública devotados inteiramente à regularização de parcelamentos ilegais. Os técnicos identificam, de maneira exclusiva, nos cartórios, os mais sérios obstáculos para a regularização pretendida. À parte a confusão que se instaura na identificação dos direitos envolvidos, cuja expressão legal e jurídica encontra no registro imobiliário a mais efetiva cidadela, os técnicos se frustram quando, encerrada a complexa cadeia de atividades de regularização, culminam com a negativa de seu acesso ao registro público em virtude de obstáculos que eram, desde o princípio, ignorados pelos envolvidos no processo. São problemas de domínio, especialização das parcelas afetadas, conflitos potenciais com confinantes, falta de providências de regularização da área objeto de assentamento, problemas de ordem ambiental, aprovação de órgãos estaduais, etc., etc.

Acenando para uma possível falta de perspectiva e planejamento no complexo processo de regularização, colocávamos o Instituto à disposição dos técnicos, procuradores, urbanistas e funcionários da administração para dar sua contribuição desde os primórdios do processo a fim de que os obstáculos pudessem ser de antemão conhecidos e desde logo resolvidos, desimpedindo o caminho da regularização. Além disso, há muitos atalhos para a regularização, e o Instituto coleciona importantes exemplos que devem ser conhecidos para que se aplainem os duros caminhos até a sua consumação.      

Além disso, pudemos demonstrar que os problemas apresentados localizavam-se em instâncias preliminares e alheias ao registro imobiliário - nomeadamente nos procedimentos de regularização de parcelamentos que têm curso judicial. Em sede de jurisdição voluntária, as regularizações experimentam problemas que estão afastados da órbita da atribuição estrita dos registradores. A falta de expressa previsão normativa, fez vicejar, em todo o país, uma prática judiciária que não guarda coerência e harmonia entre os vários operadores jurídicos, de forma a tornar a regularização um caminho seguro, rápido, econômico e livre de riscos e imprevistos. 

O Irib tem se manifestado no sentido de se alcançar um afrouxamento nos anéis burocráticos que cercam as regularizações, dando curso a iniciativas da administração pública para regularizar extensas áreas que, já urbanizadas, não logram atingir, contudo, sua plena expressão jurídica com a regularização dos lotes e a consagração dos direitos (domínio ou uso, principalmente). 

Nesse sentido, o Instituto tem realizado cursos, palestras, encontros, reunindo especialistas e operadores que vão enfrentar, no dia a dia de suas atividades, o mosaico de problemas variados que a regularização apresenta. O Irib é uma instituição que está inteiramente capacitada para oferecer o resultado de décadas de experiências e de contribuições positivas para a solução dos graves problemas que têm mobilizado a administração pública.

A guerra de informação

Mas a desinformação precisa ser vencida a todo custo. A indignação da Sra. Secretária Executiva e Ministra Adjunta de certa forma é procedente e deve merecer a nossa atenção. Em primeiro lugar, para que se dê uma perfeita identificação dos problemas. Conhecer o problema é avançar na sua solução. Seguramente não será com a explosão de cartórios que se conseguirá, justamente, a regularização tão desejada.

Os cartórios existem praticamente em todo o mundo e prestam relevantes serviços à sociedade. A falta de informação milita contra os planos da administração pública federal em atingir a regularização fundiária e a conferência de títulos de domínio à população carente. Corremos o risco de explodir cartórios para logo em seguida criarmos instituições que, à falta de um nome próprio, de boa fonte latina, num perfeito nominalismo, poderiam ser chamados por qualquer nome, mas seriam, no fundo e em essência, verdadeiros cartórios. 

Enfim, somente com a segurança que o registro provê, com a fortaleza de um título de domínio registrado, que afinal se alcançará o que a professora almeja: esse é o modo pelo qual os moradores, perante os olhos da sociedade, serão efetivamente considerados cidadãos.

* Sérgio Jacomino é registrador imobiliário e Presidente do Irib.
 



VRP de São Paulo regulamenta regularização fundiária - Ordem de serviço n. 1/2003


Os Doutores Venicio Antonio de Paula Salles, Tânia Mara Ahualli e José Henrique Fortes Muniz Júnior, Juizes de Direito que respondem pela 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DA CAPITAL, no uso de suas atribuições legais e na forma da lei,

Considerando a extrema importância atribuída pelo legislador constituinte à  ação de USUCAPIÃO, que foi eleita como um dos mecanismos mais importantes para a pacificação e estabilidade social, conquanto é a propriedade um dos suportes da própria cidadania;

Considerando que invariavelmente as ações de usucapião tem tramitação lenta e onerosa em face das dificuldades para a localização  e citação dos titulares dos imóveis confinantes e confrontantes, de forma que qualquer aperfeiçoamento pode alavancar uma redução de custos e viabilizar, de forma mais ampla, este fundamental meio de conquista da propriedade;

Considerando, finalmente, a necessidade de fixação de regras práticas para a regularização fundiária de ocupações consolidadas;

RESOLVEM:

I.–    USUCAPIÃO E AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ÁREA;

1.  - Nas ações de usucapião especial, coletivo, extraordinário ou ordinário, assim como nas ações de jurisdição voluntária relativa à retificação de área, quando a inicial vier deficientemente instruída no que afeta ao adequado levantamento físico/técnico, a citação destes, bem como do titular do domínio de que tratam os artigos 942 e seguintes do Código de Processo Civil, poderá ser precedida de vistoria pericial provisória;

1.1 - Para efeito deste item, considera-se regularmente instruída a inicial que vier acompanhada de “laudo técnico”, embasado em  levantamento topográfico, feito em atenção aos padrões registrais,  refletido em planta  que assinale a exata localização do imóvel, suas medidas perimetrais e a área de superfície, indicação dos ângulos e rumos, e amarração a pontos de referências existentes no fólio real. O “laudo técnico” deverá declinar o nome e qualificação dos confrontantes e confinantes e seus domicílios atualizados. Deverá, também, ser acompanhado de levantamento registral, com investigação filiatória.

1.2 - A vistoria pericial que alicerçará o LAUDO DEFINITIVO, se orientará conforme as exigências constantes no item anterior.

2.-  Nos feitos de que trata o item “1”, os confrontantes poderão ser citados pela via postal, com base nas informações coletadas na “vistoria técnica”, sendo que nos casos em que o aviso de recebimento postal (AR) for devolvido sem recebimento, a citação poderá ser efetivada por Edital.

3. – Nas ações de usucapião, o titular do domínio deverá ser citado pessoalmente. Caso este não seja encontrado após o esgotamento das diligências ordinárias, com a expedição de ofício à Receita Federal, a citação deverá ser feita por edital;

3.1 - Havendo notícia do falecimento do titular do domínio, será expedido Ofício ao Distribuidor Forense da Comarca, investigando a existência de Inventário ou Arrolamento e o endereço do inventariante. Sendo informado sobre a existência de processo sucessório (partilha não registrada), o inventariante deverá ser citado pessoal ou fictamente;

3.2 - A citação ficta do proprietário do imóvel usucapiendo ou do inventariante do Espólio, a critério do juiz da ação, poderá ser registrada junto à respectiva transcrição ou matrícula imobiliária, nos termos do art. 167, inciso I, item 21, da Lei 6.015/73;

II.– REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA;

4. – Em áreas de parcelamento não regularizado, poderá a Municipalidade promover a regularização registral da GLEBA integral, para ajustar os dados tabulares à realidade física existente no local, através de procedimento administrativo junto a esta 1ª V.R.P. Para este efeito, poderá apresentar levantamento aerofotogramétrico ou topográfico que atenda aos padrões registrais;

4.1 – Poderá a Municipalidade, com base no levantamento aprovado no procedimento, arquivar junto ao respectivo REGISTRO IMOBILIÁRIO, planta com a descrição de lotes ou áreas fracionadas, assim como os respectivos memoriais descritivos, de cada lote, indicando o número e o nome dos respectivos contribuintes;

4.2 - Os adquirente dos lotes ou promitentes compradores, poderão registrar seus títulos em matrícula que será aberta com base nos dados arquivados junto a serventia. Os títulos se submeterão à qualificação registral normal;

4.3 – O Oficial Registrador poderá fornecer certidão, bem como,  cópia da planta, ou cópia do memorial descritivo, para instruir eventual  usucapião individual, sendo que nestes casos, a perícia judicial poderá se limitar a uma singela constatação do local do exercício da posse.

5. – Para a regularização das áreas públicas desafetadas legalmente, em atenção aos termos da Medida Provisória nº 2220/01, deverá a Municipalidade apresentar a planta da área, extraída de levantamento topográfico ou aerofotogramétrico, em atenção aos padrões registrais, diretamente junto ao respectivo Registro, que providenciará a abertura da matrícula da área integral;

6.- O Oficial do Registro de Imóveis, deverá proceder a exame de qualificação, analisando eventual interferência da descrição da área sobre outras áreas registradas;

7. - Nos casos em que a área pública confrontar com particular, este deverá ser citado diretamente ou pela via postal, em regular procedimento junto à esta 1ª VRP;

7.1 - A citação poderá ser dispensada, se aos autos forem apresentadas “cartas de anuências” dos confrontantes, que expressamente venham a declarar conhecimento e concordância com a descrição constante do levantamento técnico;

8 - Publique-se, registre-se, remetendo cópia à Municipalidade, à ARISP, à O.A.B. e à Procuradoria do Estado.

São Paulo, 06 de Fevereiro de 2003.

Venicio Antonio de Paula Salles
Juiz de Direito Titular

José Henrique Fortes Muniz Junior
Juiz de Direito Auxiliar

Tânia Mara Ahualli
Juíza de Direito Auxiliar



Últimos boletins



Ver todas as edições