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Promessa de compra e venda - Instrumento público ou privado? - Sérgio Jacomino
O workshop realizado em São Paulo entre os dias 20 e 21 de fevereiro, reunindo registradores e seus convidados, fez precipitar questões candentes que ainda estão sendo aprofundadas e serão oportunamente divulgadas nesse espaço.
Entre as questões que alimentaram aceso debate, figura a que considera indispensável a formalização do compromisso de compra e venda por instrumento público notarial.
O tema rendeu muitas e acaloradas discussões no bojo dos debates que se seguiram à brilhante exposição do Des. José de Mello Junqueira.
Sustentei, com alguma dificuldade, agarrado a uma exegese estrita dos artigos 108 e 1.417 do NCC, que o instrumento público notarial era indispensável quando o valor do negócio ultrapassasse o limite legal previsto no novel código.
Regra geral, que se irradia como princípio para o corpo legislativo, o artigo 108 estabelece o estalão que deverá imperar na formalização dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação e renúncia dos direitos reais sobre imóveis. O artigo 1.417, por outro lado, espanca, de forma definitiva, que a aquisição do direito real à aquisição do imóvel (art. 1.225, VII) fica condicionada ao registro. Esse o escopo básico e fundamental do artigo. A referência lateral da instrumentalização do negócio jurídico visou tão-somente modular a regra geral do art. 108, sinalizando, em perfeito sentido integrativo, que as regras excepcionais restavam hígidas, perfeitamente válidas e eficazes. Entre elas pode-se elencar confortavelmente as que regram os contratos no âmbito do SFH, SFI e parcelamentos do solo urbano.
Preparando o texto em que expunha minhas conclusões, buscava ilustrar o desvio lamentável - pelos prejuízos que vem causando ao consumidor - de se prestigiar o instrumento privado, em detrimento do público notarial. Certamente haveria uma matriz histórica justificadora, aos menos explicativa, do fenômeno da adoção do instrumento particular, malgrado os graves prejuízos econômicos e sociais que representa.
Mas os meus estudos foram colhidos pela abordagem muito mais abrangente e aprofundada do nosso colega Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, registrador de Teresópolis, Rio de Janeiro, vice-presidente do Irib para aquele Estado.
As tímidas razões expostas em pronunciamento verbal no workshop de São Paulo foram melhor desenvolvidas no trabalho que tenho a honra de prefaciar e publicar.
Dedicando-se a estudar, com zelo sistemático, as novas regras sobre os compromissos de compra e venda, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, nos brinda com excelente estudo que deve figurar obrigatoriamente em nossa biblioteca eletrônica e divulgado em nossas revistas.
Além de sustentar, de maneira segura, a ultrapassagem das referência sumuladas no STJ, cita exemplos de legislação extravagante que permanece plenamente em vigor, não tendo sido revogada pelo NCC.
As razões da rainha
(ou a loucura do contrato particular)
Por outro lado, as razões históricas que nos levaram à aceitação passiva do contrato de padaria - como um notável desembargador qualificou o contrato particular - merecem ser melhor compreendidas e avaliadas.
Para cingir a nossa abordagem a nossas fontes imediatas, desde quando a Rainha D. Maria I, já afastada dos negócios públicos -- com o príncipe D. João à frente do governo --, baixou o Alvará de 30 de outubro de 1793, em que confirmava o "costume do Brazil acerca do valor dos escriptos particulares e provas por testemunhas", até os dias de hoje, há uma mal compreendida articulação de interesses econômicos, favorecidos pela agilidade e opacidade que imprimem às transações imobiliárias. Admiravelmente, o instrumento particular atravessou os tempos e se mantém contra os interesses do fisco e dos próprios consumidores.
Seja pelos valoráveis interesses das "praças commerciantes", seja ainda pelo fato de que o Brasil fosse, à época, "paiz de conquista sem Tabelliães, mais que nas cidades, villas, e alguns grandes arraiaes", o fato é que o escrito particular vem de se firmar, galgando paulatinamente estágios importantes, ganhando ardorosos defensores.
Com o advento do NCC, poderemos estar às vésperas de uma viragem. Oxalá possam os nossos juristas afetarem-se mais pelas vantagens econômicas e sociais que o instrumento público notarial representa e menos pela invidia dos emolumentos recebidos.
Mas isso é uma outra conversa. Fica prometido que se publicará brevemente o ilustrativo Alvará de 30 de outubro de 1793, com adendos e notas explicativas.
A Promessa de Compra e Venda no NCC - reflexos das inovações nas atividades notarial e registral - Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
1) Introdução;
2) O direito real do promitente comprador e a adjudicação compulsória;
3) A instrumentalização da promessa;
4) A aplicação dos arts. 467 a 471 aos compromissos decompra e venda;
5) Conclusões.
1) Introdução
A vigência do novo Código Civil trouxe inovações relativas aos compromissos de compra e venda, contidas nos arts. 1.225, VII, 1.417, e 1.418, ensejando reflexões no confronto com o art. 108 e com dispositivos de leis especiais não expressamente revogadas pelo novel diploma. Exige abordagem, também, a aplicação dos arts. 467 a 471, que cuidam do contrato com pessoa a declarar, às promessas de compra e venda.
A promessa de compra e venda é espécie de contrato através qual uma pessoa, física ou jurídica, denominada promitente ou compromitente vendedora, se obriga a vender a outra, denominada promissária ou compromissária (ou promitente) compradora, bem imóvel por preço, condições e modos pactuados.
A forma do contrato em foco, seus efeitos e sua execução têm sido alvo de diversas discussões doutrinárias, dando origem a diferentes correntes jurisprudenciais e merecendo, outrossim, atenção do legislador, com sucessivas alterações nas normas referentes aos contratos de promessa de compra e venda, culminando com a introdução, no Código Civil de 2002, dos arts. 1.417 e 1.418, que tratam do direito do promitente comprador.
As novas regras afetam, de forma induvidosa, algumas posições de jurisprudência (conduzem à ineficácia, por exemplo, o verbete 239 da Súmula do STJ., que dispensava o registro imobiliário para exercício do direito à adjudicação compulsória), e exigem nova análise dos doutrinadores quanto a lições embasadas na legislação anterior (relativas, por exemplo, à forma do contrato).
Este estudo preliminar abordará, de forma sucinta, as questões quanto à forma do contrato de promessa de compra e venda e os efeitos de seu registro, que atinem às atividades notarial e registral, bem como o cabimento da cláusula pro amico eligendo (art. 467 do C.C.) nos contratos em foco.
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2) O direito real do promitente comprador e a adjudicação compulsória.
O art. 1.088 do Código Civil de 1916, no dizer de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil - Forense), é “o ponto de partida” da série de fases em nosso direito envolvendo a promessa de compra e venda. Nos termos do artigo citado, podia o promitente, antes de celebrado o contrato definitivo, arrepender-se.
Maria Helena Diniz, no Curso de Direito Civil Brasileiro – Saraiva, sintetiza as fases referidas pelo ilustre civilista mineiro, referindo-se à falta de escrúpulodos promitentes vendedores que “preferiam, valendo-se do direito de arrependimento, sujeitar-se ao pagamento das indenizações, que quase sempre consistia na devolução do preço em dobro, a terem de passar a escritura definitiva, o que seria desvantajoso, sob o prisma econômico”. A prática foi coibida pelo Decreto-lei 58/37, que visando a segurança das relações jurídicas e o bem-estar coletivo, conferiu ao promissário comprador direito real sobre o lote compromissado. Prossegue a doutrinadora lecionando que o Decreto 3.079/38 estendeu às escrituras de promessa de compra e venda de imóveis não-loteados os efeitos do Decreto-lei 58/37, sendo efetivamente criado o direito real de promessa de venda com a alteração do art. 22 do Decreto-lei 58/37 pela Lei 649/49, que dispôs no art. 1º que “os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não-loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais prestações, desde que inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito real, oponível a terceiros, e lhes confere o direito de adjudicação compulsória” (com redação da Lei 6.014/73). O art. 25 da Lei 6.766/79 atribui direito real a compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, estando registrados, atribuindo o art. 69 daLei 4.380/64 eficácia de direito real ao contrato de promessa de cessão de compromisso registrado.
Divergem os doutrinadores quanto à classificação do direito real decorrente do registro da promessa de compra e venda.
Não obstante alguns o entendam como direito real de gozo ou fruição, e outros como direito real de garantia, antes mesmo da edição do novo Código Civil, Caio Mário da Silva Pereira invocou Serpa Lopes para asseverar que a promessa de compra e venda mais se aproximava de “uma categoria de direito real de aquisição”. Maria Helena Diniz o enquadra como “direito real sobre coisa alheia de aquisição”. Ocupa, pois, lugar à parte na classificação dos direitos reais, “formando uma nova categoria”, segundo Arnoldo Wald (Direito das Coisas - RT).
Decorrência do direito real é o exercício do direito à adjudicação compulsória, execução coativa do contrato, com registro da carta de adjudicação transferindo a propriedade do bem imóvel para o promissário comprador adimplente.
A ausência do direito real de aquisição no rol dos direitos reais do Código Civil de 1916, sendo previsto apenas em dispositivos esparsos da legislação extravagante posterior, levou a jurisprudência a vacilar sobre a necessidade do registro da promessa de compra e venda como requisito para a adjudicação compulsória.
O verbete mais recente da súmula dos tribunais superiores, anterior à Lei 10.406/02, é o de nº 239, do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Em boa hora o novo Código Civil, ao inserir o direito do promitente comprador do imóvel no elenco dos direitos reais (art. 1.225, VII), e ao discipliná-lo nos arts. 1.417 e 1.418, resolveu várias discussões sobre o instituto. O legislador, ciente da evolução legislativa na proteção do promitente comprador, cônscio também das divergências doutrinárias e jurisprudenciais atinentes à promessa de compra e venda, andou bem ao trazer para o rol dos direitos reais o direito do promitente comprador do imóvel, espancando, com as regras domiciliadas nos arts. 1.417 e 1.418, as controvérsias sobre a classificação do direito real em questão e sobre a adjudicação compulsória.
Com efeito, deve o direito do promitente comprador ser classificado como direito real à aquisição do imóvel (art. 1.417, in fine). É efetivamente direito real sobre coisa alheia, limitado, mas que assegura a execução coativa do contrato, que se aperfeiçoará com a transmissão da propriedade. Distingue-se dos direitosreais de garantia poisestes sãoacessórios,enquanto que aquele diz respeito ao objeto do contrato, à substância do negócio jurídico. Quanto aos de gozo e fruição, encerram-se em si mesmos.
Regulamentou, outrossim, a nova lei, a adjudicação compulsória, estabelecendo no art. 1.418 que “o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”. Ao cessionário do promitente comprador, que o substitui na relação contratual, à evidência também cabe o direito à adjudicação, desde que com título registrado.
Titular de direito real à aquisição é aquele que, nos exatos termos do art. 1.417, registrou na serventia de registro de imóveis o instrumento de promessa de compra e venda em que se não pactuou arrependimento.
Assim, é requisito indispensável para a adjudicação compulsória, dentre outros (que aqui não serão analisados, por escapar ao objetivo), o registro do instrumento de promessa. A Súmula 239 do STJ perdeu, portanto, eficácia para os negócios celebrados na vigência do novo Código. Joel Dias Figueira Jr., em Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza, Saraiva, ressalta a perda de eficácia da súmula em mira, assinalando que o registro “se trata de condição necessária definida no próprio art. 1.417 do CC, ou seja, requisito que se opera ex lege para a configuração do próprio direito real, não podendo ser rechaçado por orientação pretoriana, ainda que sumulada, nada obstante perfeitamente adequada, antes do advento no novo CC”.
Ao exigir o registro da promessa sem cláusula de arrependimento para a adjudicação, os art. 1.417 e 1.418 nada mais fazem do que ser fiéis ao sistema que integram, posto que sendo o direito do promitente comprador direito real (art. 1.225, VII), e adquirindo-se os direitos reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos por atos entre vivos pelo registro (princípio da inscrição – art. 1.227), é inafastável a necessidade do registro da promessa para que se torne o promitente comprador titular de direito real e, então, possa exercê-lo erga omnes. A segurança das relações jurídicas envolvendo promitente vendedor e promitente comprador, bem como terceiros de boa-fé, só se faz presente com o registro da promessa, pois eventual adjudicação compulsória embasada em título à parte do fólio real poderia não ser eficaz se, durante o trâmite do processo,o bem fosse adquirido por terceiro de boa-fé, protegido pela prioridade decorrente da prenotação de seu título. O contrato teria que ser resolvido em perdas e danos, não se atingindo o fim colimado pela adjudicação. O novo Código, neste ponto, com acerto prestigia o registro e a segurança dele decorrente.
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3) A instrumentalização da promessa.
Na vigência do Código Civil de 1.916 prevaleceu o entendimento de que a promessa de compra e venda de bem imóvel poderia ser celebrada, em qualquer hipótese, por instrumento particular.
Não incluído no rol dos direitos reais na legislação então vigente o direito do promitente comprador, acabou por predominar a corrente que defendia não ser o instrumento público da substância do ato.
Bruno Mattos e Silva, em Compra de Imóveis, Atlas, afirma que o compromisso de compra e venda “pode ser feito por simples instrumento particular”.
Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Forense, colacionando decisões do Supremo Tribunal Federal admitindo o instrumento particular na hipótese, concluiu que “a promessa de venda com cláusula de irretratabilidade, seja o seu instrumento público ou particular, arma-se, com a inscrição no Registro de Imóveis, para a execução forçada, podendo versar sobre imóvel loteado, incorporado ou livre de loteamento ou incorporação.” O renomado autor, ao historiar o efeito compulsório da promessa de venda em face do vendedor, cita a alteração do art. 22 do Decreto-lei 58/37 pela Lei 649/49, que alongou o direito de adjudicação compulsória aos imóveis não loteados, e utilizou o termo “contrato”, enquanto que na redação anterior constava “escritura”, o que permitiu conclusão de que a troca foi intencional, para o fim da dispensa da escritura pública.
Caio Mário da Silva Pereira menciona a controvérsia, a tendência da doutrina e da jurisprudência na aceitação do instrumento particular, mas leciona que “plantado no terreno do direito real de promessa de venda, não se poderia em tese deixar de exigir a forma pública para a sua integração, uma vez que ela é da substância do ato, em todos os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis de valor superior à taxa legal, excetuado o penhor agrícola” (art. 134, II, do CC de 1916) ressalvando a exceção por lei especial quanto aos terrenos loteados.
Wilson de Souza Campos Batalha, em Comentários à Lei de Registros Públicos, Forense, enfrenta a questão aprofundadamente, à luz da legislação anterior à Lei 10.406/02. A tese da inexigibilidade do instrumento público nas promessas de venda de imóveis, loteados ou não, e independentemente do valor, vingou no dizer do autor por predominar em nosso Direito “a opinião de que o contrato preliminar ou pré-contrato origina essencialmente uma obrigação de fazer - a de contrair o contrato definitivo. Quem promete vender não pratica um contrato translativo de domínio, consistindo a obrigação fundamental do promitente num faciendi, não num dandi, aplicando-se à sua formação, por conseguinte, a regra geral da liberdade de forma consagrada no art. 129 do Cód. Civ. – (de 1916). Ora, se a promessa de venda não é contrato translativo de domínio, não há porque exigir, para a sua perfeição, a escritura pública”. Invocando Orlando Gomes, o autor diferencia a executividade específica e a natureza real do direito do promitente comprador, para rematar que o registro da promessa não é a causa da admissibilidade da execução in specie, resultando do princípio geral que toda obrigação deve ser cumprida como se pactuou, e da irretratabilidade do compromisso. Assim, a adjudicação compulsória derivava da irretratabilidade, e não do registro da promessa, o que acabou consagrado pelo STJ (Súmula 239).
Maria Helena Diniz, em edição atualizada, de acordo com o novo Código Civil, do Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, cita a exigência da escritura pública pelo art. 108 do C.C. de 2002, mas assevera que “razões de ordem prática têm levado nossos juízes e tribunais a aceitar sua constituição por instrumento particular, pois a sua insegurança estaria contrabalançada pela exigência do registro no Ofício de Imóveis, para que o compromissário-comprador adquirisse o direito real”.
O advento do novo Código impõe a análise da instrumentalização da promessa sob outros prismas, pois há dispositivos que infirmam argumentos utilizados para sustentar que o instrumento particular é forma admissível para contratar a promessa de compra e venda de qualquer bem imóvel.
O art. 108 da lei vigente é de teor seguinte: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País”.
O direito do promitente comprador é direito real (art. 1.225, VII), que se adquire com o registro (art. 1.227).
À evidência, a promessa de compra e venda visa a constituição de direito real sobre imóvel, e portanto é da substância do ato a escritura pública. A promessa só terá eficácia, que é a aptidão para produzir efeitos (e dentre eles o de constituir direito real pelo registro), se for lavrada por instrumento público, ressalvadas as exceções, que se verão à frente.
O robusto argumento de que a execução da promessa se fincava na irretratabilidade, e não no registro, e portanto útil seria o instrumento particular, caiu por terra ante à conjugação dos arts. 1.417 e 1.418, pois a adjudicação compulsória só pode ser agitada por titular de direito real, que se adquire mediante registro na serventia registral imobiliária. As normas mencionadas levaram à ineficácia a Súmula 239 do STJ, e garantem efetiva segurança às relações jurídicas, pelos motivos expostos anteriormente.
Decorrendo da promessa direito real de aquisição, assegurado estará o contrahere futuro em sendo adimplente o comprador, o que deixa claro que não se trata de obrigação meramente pessoal, posto que há ingresso no campo do direito real, exercitável erga omnes. O contrato preliminar de compra e venda, considerando o direito real que visa a constituir, e a execução coativa através da adjudicação, apresenta caracteres diversos dos demais contratos preliminares, pois traz em seu bojo a possibilidade de sua execução com alcance do exato fim do contrato definitivo, que é a transferência da propriedade plena. Não se resolve simplesmente em perdas e danos. Em razão da peculiar situação, o legislador editou normas especiais exigindo para a sua celebração o instrumento público (art. 108), e dispondo sobre sua execução (arts. 1.417 e 1.418), não se aplicando a regra geral do art. 462.
A civilista Maria Helena Diniz reconhece em sua obra, outrossim, que o instrumento particular gera insegurança. Por seu turno, Eduardo José Martínez Garcia, registrador espanhol, em seu artigo publicado na Revista de Direito Imobiliário, RT, nº 48, aduz que “al analizar el fraude inmobiliario se señala como uma de las causas el contrato privado...” Não há porque prestigiar o instrumento particular contra literal disposição da lei.
A intervenção do tabelião, profissional do direito que deve atuar com imparcialidade, garantindo publicidade, autenticidade, e especialmente eficácia e segurança aos atos que pratica, deve ser estimulada, reservando-se o instrumento particular para situações especialíssimas.
E situações há em que o instrumento particular é admitido.
O art. 1.417, que cuida do direito do promitente comprador, refere-se à promessa de compra e venda celebrada por instrumento público ou particular, devendo o intérprete se socorrer do dispositivo que trata da forma dos negócios jurídicos para verificar quando se utiliza o instrumento público ou o particular.
Em regra, o instrumento público, como já dito, é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 108). A contrario sensu, os negócios que dizem respeito a imóveis de valor igual ou inferior ao limite fixado, podem ser celebrados por instrumento particular. Contudo, a cautela recomenda a utilização do instrumento público, com a assistência de profissional do direito e observância de todas as normas para sua lavratura, gozando de presunções que não alcançam os documentos particulares.
O art. 108 admite, outrossim, outras exceções, aos estabelecer a regra do instrumento público “não dispondo a lei em contrário”. Não contém a lei palavras inúteis.
Encontramos, na legislação extravagante anterior ao novo Código, exceções que estão, S.M.J., em vigor .
Quanto à vigência da legislação extravagante ante o advento do novo Código Civil, permanece íntegra naquilo que com ele não for incompatível.
As disposições especiais referentes aos instrumentos particulares constantes do Decreto-lei 58/37, das Leis 4.380, 6.766 e 9.514 permanecem em vigor, no que não houver confronto com a nova legislação. Seus dispositivos se baseiam em razões diversas das que conduziram o legislador de 2002 a exigir o instrumento público como regra. São outros o objeto, o espírito e fim das disposições especiais.
Joel Dias Figueira Jr., na obra já citada, assinala que “continua em vigor toda a legislação extravagante correlata ao tema referente ao compromisso de compra e venda”.
Assim, em vigor o art. 11 do Decreto-lei 58/37, o art. 26 da Lei 6.766, o § 5º do art. 61 da Lei 4.380 e o art. 38 da Lei 9.514, exceções a admitir o instrumento particular.
Sucede que as situações são excepcionais.
A legislação relativa aos parcelamentos do solo (Decreto-lei 58/37 e Lei 6.766) exige o depósito de um memorial no Registro de Imóveis, do qual consta o contrato-tipo (Dec.-lei 58) ou o exemplar do contrato-padrão de promessa de venda (Lei 6.766), tendo esta enumerado no art. 26 indicações obrigatórias do contrato, visando a proteção do comprador. Qualquer pessoa pode examinar o processo de loteamento e os contratos depositados, livre de emolumentos (art. 24). O contrato-padrão rege as relações entre as partes quando o devedor não cumpre a obrigação (art. 27). Como se vê, há uma proteção à parte teoricamente mais fraca na relação, que se sujeita a um contrato-padrão que passou pela qualificação do registrador, consta de acervo público e que, como contrato de adesão que é, merece interpretação mais favorável ao aderente, nos termos da Lei 8.078 (Código do Consumidor) e dos arts. 423 e 424 do Código Civil.
A Lei 4.380/64 está impregnada pelo interesse social, visando estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento de aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da população de menor renda (art. 1º). As entidades autorizadas a contratar nos termos da lei operam sob fiscalização do Poder Público e aplicam-se, assim como nos parcelamentos, as normas que protegem o consumidor nos contratos de adesão. Ressalte-se, contudo, que na hipótese não se tem atingidos os fins de economia de tempo e despesas para o adquirente (previstos no texto legal), em razão dos procedimentos adotados e dos valores cobrados pelas entidades do SFH.
Quanto à Lei 9.514/97, que tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, aplica-se o que foi dito sobre a Lei 4.380/64.
As exceções contempladas são, portanto e como afirmado, especialíssimas.
Assim, em se tratando de promessa de compra e venda, admite-se o instrumento particular apenas incidindo hipótese de lei extravagante ou ocorrendo a exceção do art. 108 do Código Civil. Nos demais casos, é essencial à validade do negócio jurídico a escritura pública.
Recebendo o registrador o instrumento particular de promessa de compra e venda que não se enquadre nas exceções legais, deve qualificá-lo negativamente, por não ser admitido a registro nos termos do art. 221 da Lei 6.015.
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4) A aplicação dos arts. 467 a 471 aos compromissos de compra e venda.
Inovação no direito pátrio, o contrato com pessoa a declarar é instituto já regulado no direito civil português e italiano. O negócio jurídico é celebrado com a inclusão da cláusula pro amico eligendo, que permite a um dos contratantes indicar outra pessoa que o substitua na relação contratual, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações dele decorrentes.
O Desembargador e Professor paulista Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Principais Inovações no Código Civil de 2002, Saraiva, ao comentar o instituto, diz que “trata-se de avança comum nos compromissos de compra e venda de imóveis, nos quais o compromissário comprador reserva a si a opção de receber a escritura definitiva ou de indicar terceiro para nela figurar como adquirente”. Prossegue o Desembargador para afirmar que a cláusula “tem sido utilizada para evitar despesas com nova alienação, nos casos de bens adquiridos com o propósito de revenda, com a simples intermediação do que figura como adquirente”.
Com efeito, a cláusula é plenamente aplicável aos compromissos de compra e venda de imóvel. Não há óbice à sua adoção. Equivale em tal espécie de contrato a verdadeira cessão dos direitos do promitente comprador, à qual anui o promitente vendedor no momento da celebração do pacto. Efetivamente, ao constituir a promessa de compra e venda direito real sobre coisa alheia com o registro, tal direito passa a integrar o patrimônio do credor, e a substituição deste na relação contratual, com a conseqüente alteração do titular do direito real (oponível erga omnes), consuma cessão de direitos.
Maria Helena Diniz, ao discorrer sobre os efeitos jurídicos da promessa de compra e venda , inclui a cessibilidade da promessa pelo promitente comprador, “valendo a cessão independentemente do consentimento do promitente-vendedor, ficando, contudo, solidário com o cessionário perante aquele; entretanto, se houver a anuência do promitente vendedor, não há tal solidariedade passiva”. A solidariedade mencionada pela civilista é também referida por Arnoldo Wald (obra citada).
A relevância da inclusão da cláusula pro amico eligendo está em afastar a solidariedade passiva do promitente comprador/cedente independentemente da anuência do promitente vendedor no ato da cessão, pois antecipadamente a admitiu ao contratar nos termos do art. 467 e seguintes da lei civil.
Jones Figueirêdo Alves, no Código Civil Comentado, sob a coordenação de Ricardo Fiúza, afirma que “aceita a nomeação, retroagem os efeitos do vínculo sobre o nomeado, ficando o contratante que exercita a faculdade da cláusula pro amico eligendo, liberado de obrigação. A lei não trata do momento da liberação, embora possa se concluir que o contratante originário retira-se do contrato, quando a aceitação operar-se como declaração de vontade e pela forma vinculada, ocorrendo a substituição”.
Em se tratando de promessa de compra e venda, a inclusão da cláusula em questão, a meu ver, não evita qualquer despesa. Configurando cessão dos direitos do promitente comprador, estando o título registrado, importará em prática de atos no registro imobiliário e pagamento de tributos.
A aceitação da pessoa nomeada somente será eficaz de revestida da mesma forma que as partes usaram para o contrato (parágrafo único do art. 468). Vale dizer, exigido o instrumento público para o contrato, deve a aceitação se revestir da mesma forma. Contudo, nos casos em que se admite o instrumento particular, não há qualquer óbice que a aceitação se dê por escritura pública, forma mais solene.
Sendo incapaz ou insolvente a pessoa nomeada, a substituição será ineficaz com relação ao promitente vendedor, produzindo o contrato seus efeitos entre os contratantes originários (arts. 470, II, e 471 do C.C).
A substituição do promitente comprador e a ineficácia da nomeação devem ser objeto da prática de atos no registro imobiliário, que veremos a seguir.
Sendo cessão de direitos, a indicação, devidamente aceita pela pessoa nomeada, celebrada pelo instrumento adequado com observância de todas as normas legais aplicáveis, e estando a promessa de compra e venda registrada (princípio da continuidade), deve ser objeto de registro, nos termos do art. 167, I, 9, 18 e 20, da Lei 6.015.
O registrador deverá, na qualificação do título, verificar o respeito aos princípios da especialidade e continuidade, e se estão preenchidos todos os demais requisitos para uma qualificação positiva, inclusive quanto ao recolhimento do imposto de transmissão (art. 289 da Lei 6.015) e à apresentação dos documentos exigidos pela Lei 7.433, seja o instrumento público ou particular, posto que ubi eadem ratio , ibi eadem legis dispositio.
O art. 155, I, da Carta Magna, estabelece que compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre a doação, de quaisquer bens ou direitos, e o art. 158, II, dispõe que aos Municípios cabe instituir impostos sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais sobre imóveis, exceto de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. Constituindo o direito do promitente comprador direito real, que se adquire com o registro, a sua transmissão, a título gratuito ou oneroso, importa em fato gerador do tributo, devendo o oficial do registro de imóveis verificar a legislação estadual, sendo gratuita a transmissão, ou a municipal, sendo onerosa, fiscalizando assim o pagamento dos impostos devidos por força dos atos que pratica em razão do ofício.
Registrada a cessão e verificada a ineficácia da nomeação, produzindo o contrato seus efeitos entre os contratantes originários, deve o registro da cessão ser cancelado por averbação (art. 248 da Lei 6.015).
Sendo insolvente o nomeado, o registro poderá ser cancelado por requerimento unânime do promitente vendedor, promitente comprador e do cessionário, se capazes, com as firmas reconhecidas, com esteio no inciso II do art. 250 da Lei 6.015. A intervenção tanto do promitente vendedor quanto a do promitente comprador se impõe vez que as relações entre os mesmos voltarão a ser regidas pelo contrato original, sendo indispensável a do insolvente reconhecendo seu estado e a ineficácia da cessão. Embora inexigível que o promitente vendedor tenha participado da cessão que deu origem ao ato registrado, não o fez diretamente, mas com o mesmo anuiu ao celebrar o compromisso com a cláusula pro amico eligendo.
Absolutamente incapaz o cessionário, entendo viável o cancelamento a requerimento do interessado, desde que a incapacidade possa ser provada de maneira incontestável, como na hipótese da menoridade (art. 3º, I, do C.C), ou da interdição (art. 3º,II, do C.C), provadas por certidão do registro civil de pessoas naturais, aplicando-se o inciso III do art. 250 da Lei 6.015.
Havendo litígio entre os interessados, ou sendo a incapacidade relativa, o cancelamento deverá decorrer de decisão judicial trânsita (art. 250, I, da Lei 6.015).
Promovido o cancelamento, que é jurídico, o ato não mais produzirá efeitos.
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5) Conclusões
5.1- É requisito indispensável para a adjudicação compulsória o registro da promessa de compra e venda, perdendo eficácia a Súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça;
5.2- O instrumento público, em regra, é essencial à validade da promessa de compra e venda. O instrumento particular só é admissível em se tratando de imóveis de valor igual ou inferior a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, ou havendo previsão em lei extravagante (Ex.: Dec.-lei 58/37, Lei 6.766);
5.3- As normas relativas ao contrato com pessoa a declarar, inseridas no Título V, Dos Contratos em Geral, aplicam-se ao contrato de promessa de compra e venda, por não haver qualquer incompatibilidade;
5.4- A indicação da pessoa nos termos da cláusula pro amico eligendo importa em cessão dos direitos do promitente comprador; estando registrada a promessa, há transferência de direito real sobre imóvel;
5.5- A cessão nos termos do item anterior importa em pagamento de tributos e na prática de ato de registro no Registro de Imóveis;
5.6- A ineficácia da nomeação terá como conseqüência o cancelamento do registro da cessão, por averbação, que se dará a requerimento dos interessados ou por determinação judicial, dependendo de sua causa.
BIBLIOGRAFIA:
ALVES, Jones Figueiredo. Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2.002.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei de Registros Públicos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.979.
CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.002, v.4.
GARCÍA, Eduardo José Martínez. Relaciones catastro-registro. Revista de Direito Imobiliário, nº 48. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.000.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Principais Inovações no Código Civil de 2.002. São Paulo: Saraiva, 2.002.
JUNIOR, Joel Dias Figueira. Novo Código Civil Comentado, coordenação de Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2.002.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.998.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III, 7ª ed., vol. IV, 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.986 e 1.987.
SILVA, Bruno Mattos e. Compra de Imóveis, aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2.001.
WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das Coisas. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.980.
* EDUARDO PACHECO RIBEIRO DE SOUZA é Titular do Serviço Registral e Notarial do 2º Ofício de Teresópolis - RJ., Vice-Presidente do Irib para o Estado do Rio de Janeiro e ex-magistrado no Estado do Rio de Janeiro
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