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O NOTARIADO NA CHINA - João Figueiredo Ferreira*


Sob coordenação da União Internacional do Notariado Latino (UINL) e da Associação de Notários da China (ANC), com o apoio do Ministério da Justiça da República Popular da China, realizou-se na cidade de Shanghai, de 15 a 17 de janeiro, um seminário jurídico denominado O Notariado e o Desenvolvimento Econômico, do qual participaram dois notários brasileiros, João Figueiredo Ferreira, Conselheiro Executivo da UINL, e Paulo Roberto Gaiger Ferreira, membro da Comissão de Informática Jurídica da UINL.

O Seminário foi aberto com discursos do Vice-Ministro da Justiça, do Presidente da ANC e do Vice-Presidente da UINL, cumprimentando os 400 participantes inscritos, dos quais 200 eram notários associados da UINL e outro tanto notários associados à ANC.  Os trabalhos foram desenvolvidos em dois segmentos, realizados nas modernas dependências do Hotel Oriental Riverside, às margens do Rio Huang Pu.  No primeiro segmento, foi abordado o tema O Notário e o Desenvolvimento Econômico, dividido em dois sub-temas: O Estatuto e a Função do Notário na Economia de Mercado e A Função do Notário no Direito das Empresas e das Sociedades.  No segundo segmento, foi abordado o tema A Escritura Notarial e o Desenvolvimento Econômico, dividido em dois sub-temas: Os Efeitos e a Função que desempenham os Contratos Notariais e A Garantia que adicionam e os Efeitos que produzem as Escrituras Notariais nas Transações Econômicas.

Os notários ocidentais apresentaram ao Seminário seis trabalhos doutrinários a respeito dos assuntos em discussão, enquanto os notários chineses trouxeram dezesseis trabalhos informativos enfocando a realidade atual do notariado naquele país e as aspirações da sociedade em torno de seu desenvolvimento.

A China possuía um notariado do tipo administrativo, em que os tabeliães eram funcionários do Estado e faziam as certificações dos atos previstos na lei civil.

Em 13 de abril de 1982, foi promulgado um Regulamento Provisório da República Popular da China sobre o Notariado, que passou a permitir a prestação de serviços notariais por profissionais agrupados em pessoas jurídicas de interesse público e de finalidade não comercial.  Esse serviço notarial deve ter um capital superior a 300.000 yuans (cerca de 37.500 dólares americanos), ser formado por dois ou mais notários e ser regido por um estatuto que defina os direitos e obrigações dos associados.

A reforma prevê a convivência durante o período de transição de um notariado misto, praticado nas localidades em que o rendimento profissional nos três últimos anos tenha sido inferior a 30.000 yuans (cerca de 3.750 dólares americanos), em que o notário guarda provisoriamente o seu estatuto vinculado ao corpo administrativo do Estado, mas já devendo atuar segundo as novas regras de mercado.

Em 31 de julho de 2000, o governo central chinês aprovou um Projeto de Aceleração da Reforma Notarial apresentado pelo Ministério da Justiça, que entrou em vigor em 1º de outubro do mesmo ano e será implementado até 2010.  Os tabelionatos passaram a desenvolver sua atividade segundo as leis de mercado, respondendo pelos atos praticados e submetendo-se à autoridade da Associação Notarial Chinesa e à fiscalização direta do Ministério da Justiça.  Até 20 de setembro de 2001, já haviam sido transformados 838 serviços notariais, correspondente a 27% do total.

A cada dois anos, o Ministério da Justiça realizará estudos para adaptar os serviços notariais às necessidades do mercado de trabalho.  Os notários podem trabalhar isoladamente ou associados.  Neste último caso, o contrato de associação prevê a forma de distribuição do resultado entre os notários antigos mais experientes e os mais jovens, sendo obrigatória a constituição de um fundo de reserva equivalente a 3% do movimento para fazer frente a eventuais indenizações.  Especial relevo é dado à formação profissional: além da exigência de qualificação superior em direito, o notário em exercício deve realizar curso de atualização equivalente a 40 horas por ano.  A cada cinco anos, todos os notários deverão participar de um exame de suficiência profissional, estando previsto o primeiro deles para 2005.

Em razão da necessidade de conciliar os interesses econômicos e sociais do sistema político vigente na China, as autoridades desenvolveram um plano de aperfeiçoamento da atividade notarial do tipo latino, como sendo a mais adequada à proteção da segurança dos negócios jurídicos a serem realizados com pessoas e empresas estrangeiras, dentro de um processo de abertura que tem levado investimentos impressionantes àquele país.

Os atos notariais possuem força executória para estabilizar a ordem econômica e lutar contra os riscos financeiros, estando previsto o alargamento do campo de atividades do notário, que passará a fornecer múltiplos serviços jurídicos de natureza não contenciosa.

A Associação Notarial Chinesa (ANC) foi fundada em março de 1990 e possui hoje 18.313 membros individuais e 3.192 membros coletivos, sendo responsável pelo exame de qualificação dos notários, pela proteção de seus direitos e interesses, pelo treinamento de seus membros e pela manutenção dos preceitos éticos, punindo a má prática notarial.  A ANC possui 31 associações provinciais ou regionais.

O Serviço Notarial de Changning, bairro de Shanghai, foi fundado em 1983 e possui 32 notários, produzindo hoje cerca de 25.000 atos notariais por ano, no âmbito civil, financeiro, imobiliário, de relações com o exterior e de comércio eletrônico.

O Serviço Notarial de Yangpu, outro bairro de Shanghai, também fundado em 1983, possui 16 notários e produz cerca de 20.000 atos notarias por ano, sendo 4.000 relativos a testamentos, sucessão, doação, mandato e declarações diversas.

Em ambos os serviços, 70% dos profissionais possuem idade inferior a 40 anos e todos receberam formação jurídica superior.

O Serviço Notarial do Município de Nanjing, na província de Jiangsu, foi fundado em 1953 e realiza hoje cerca de 60.000 atos por ano, possuindo 36 notários e 30 auxiliares administrativos, que trabalham em um prédio de 3.200 metros quadrados.

O 1º Serviço Notarial de Beijing foi fundado em 1950 e adaptou-se à reforma institucional no ano de 1995, especializando-se em direito empresarial.  Possui hoje 40 notários e 80 empregados, sendo 10 tradutores.

Artigo publicado na edição do dia 22 de janeiro no China Daily, editado em Beijing, de autoria de Jiao Xiaoyang, sob título Código defende a Propriedade Privada, dá-nos uma preciosa apreciação dessa nova revolução cultural por que passa a China.  Em dezembro último, o Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo, órgão que corresponde ao Poder Legislativo chinês, iniciou as discussões sobre um projeto de Código Civil, com 1.209 artigos, tratando de temas como propriedade, contratos e família, no qual aparece pela primeira vez termos como propriedade privada, ao lado da propriedade coletiva e da propriedade estatal.  A propriedade privada recebeu um capítulo especial no projeto, onde fica permitido ao indivíduo ser proprietário não só dos bens materiais essenciais, como também dos meios de produção.  A lei define claramente a propriedade privada e assegura aos empreendedores que eles não mais necessitarão preocupar-se com sua propriedade, informa Wang Liming, professor de direito da Universidade Chinesa de Renmin.  Profissionais do direito acreditam que adicionar regras sobre a propriedade privada ao código civil é um passo decisivo na proteção à propriedade privada de uma maneira prática.

Os números apresentados pela economia chinesa são gigantescos.  Shanghai, Beijing e Xi'an, cidades que visitamos, são verdadeiros canteiros de obras públicas e particulares, dando à China a condição de maior consumidora de aço do que o Japão e os Estados Unidos juntos.  Segundo mercado de computadores pessoais no mundo, o nível de informatização das atividades cotidianas chama a atenção pela alta qualidade da tecnologia empregada.  Modernos aeroportos ligados por auto-estradas com diversas pistas estão sendo construídos ou ampliados graças à cobrança de taxa aeroportuária e de pedágios.  Os Jogos Olímpicos, que se realizarão em Beijing em 2008, e a Feira Mundial, que se realizará em Shanghai em 2010, são pretextos para a abertura e ampliação de hotéis das mais diferentes cadeias internacionais, bem como para a montagem de uma infra-estrutura turística de elevada qualificação, como tivemos oportunidade de apreciar em nossa viagem.  Somente na primeira semana de fevereiro, quando acontecem as festividades do Ano Novo chinês, era esperada a movimentação de 70 milhões de turistas chineses, que corresponde a muito mais do que a França ou a Espanha, primeiros países de destinação turística do mundo, recebem em um ano.

O impressionante desenvolvimento da planificada economia chinesa deixou-nos a idéia de que o notariado do tipo latino tem naquele país um largo campo de ação, tanto na atividade empresarial, que era o tema básico do Seminário, como especialmente no aperfeiçoamento da regulamentação das incipientes relações jurídicas que envolvem sobretudo o direito de propriedade, de família e de sucessões.

Estamos trabalhando na União Internacional do Notariado Latino com a convicção da aceitação da admissão do notariado chinês naquela organização não governamental, na reunião que realizaremos em Paris, em março próximo.   A China, com seus 1 bilhão e 300 milhões de habitantes, irá então juntar-se aos seleto grupo de setenta países atualmente associados, que praticam o notariado do tipo latino.  Como reagirão os desinformados detratores do notariado brasileiro, que acham que cartório é coisa de país atrasado, que não existe em nação desenvolvida?

* João Figueiredo Ferreira é notário no RS e Conselheiro Executivo da UINL.



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