BE531
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2º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Registro do Estado de São Paulo – Processo nº 96.842.0/0 – Mandado de Segurança. ANOREG/ SP X Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de S.Paulo. Despacho.
Para conhecimento de todos os interessados, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo - ANOREG-SP prossegue na divulgação do andamento do MS impetrado contra o concurso de provas para remoção, com base na Lei nº 10.506/2002.
Processo nº 96.842.0/0 – Mandado de Segurança.
ANOREG/ SP X Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de S.Paulo
Despacho de Fls. 261. Cls. em 21/08/02 Des. Luis de Macedo (1º Vice)
Em Separado.
Fls.262/263. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado pela ANOREG/SP, contra o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de promoção do 2º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de registro em que, pelo despacho de Fls. 2vº/4vº foi deferida em parte liminar, para efeito de suspender o concurso para preenchimento das vagas pelo critério de remoção. Prestadas as informações (fls. 122/132), a impetrante interpôs agravo regimental (fls. 134/138), com o objetivo de obter liminar no sentido de sustar o concurso também pelo critério de ingresso, o que havia sido indeferido no despacho inicial. Antônio Reynaldo Filho e outros que requerem admissão no processo como assistentes- litisconsorciais também ofereceram agravo regimental (fls. 217/235), com vista a revogação da liminar concedida. Indefiro o processamento dos agravos regimentais, por entender que descabe esse recurso contra decisão concessiva ou denegatória de liminar em mandado de segurança. Esse é o entendimento que tem prevalecido junto ao E. Órgão Especial do Tribunal de Justiça, como ocorreu recentemente no julgamento do agravo regimental nº 94.675.0, por V.U. de 05/06/02. Na doutrina, confira-se Alexandre de Moraes “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, Ed. Atlas, 2002, pág. 2476. A douta turma julgadora decidirá sobre a admissão dos assistentes litisconsorciais. Ouça-se procuradoria-geral de justiça.
O separado de fato ante a união estável e a sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo - Paulo Roberto de Carvalho Rego*
Vem sendo usual a apresentação para registro, em títulos e documentos, de instrumentos particulares de declaração de união estável, com o fito de tornar público o fato e provar a data de sua constituição, bem como para os fins de amparo concedido pelas disposições contidas no artigo 226, § 3°, da CF/88 e nas Leis Federais 8.971/94 e 9.278/96.
Sucede que, em alguns casos, um (ou os dois) declarante(s) informa(m) o estado civil de casado(s).
Visando regular sua relação, têm começado a surgir declarações de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, pretendendo regular o patrimônio comum.
A questão vem merecendo acalorada discussão entre os profissionais do direito, entendendo uma corrente que, em ambas as hipóteses, o registro é possível para os fins civis pretendidos; outra parte entende que, no primeiro caso, estando em vigor o artigo 240 do Código Penal, tipificada resta a figura penal do adultério e que, portanto, haveria vedação ao registro porque tal ato implicaria crime, além de ser moralmente reprovável. Na segunda hipótese, a minoria entende ser impossível o registro de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo – porque a Constituição Federal enfatiza a união estável somente entre pessoas de sexos opostos – enquanto a maioria entende que, visando a efeitos meramente patrimoniais, decorrentes da sociedade de fato, tal registro seria possível.
Quid júris?
A) O separado de fato e a união estável
I. – A tese da impossibilidade do registro
A primeira corrente, minoritária, entende que há vedação ao registro porque implicaria na aceitação de um fato criminoso, eis que reconhecido estaria o cometimento do crime de adultério, tipificado no artigo 240 do Código Penal pátrio, que se encontra ainda em vigor; e que, ademais, tal conduta seria imoral.
Por essas razões, haveria a vedação ao registro, por força do contido nos artigos 115 e 156 da Lei 6.015/73.
Esses, em síntese, são os fundamentos da corrente contrária, minoritária, ao registro. Eles serão objeto de exame pormenorizado pela corrente contrária, motivo pelo qual dispensamo-nos de examiná-los, exaustivamente, neste tópico, de modo a evitar sua repetição desnecessária e tornar menos cansativa a leitura.
II. – A tese da possibilidade do registro
a) Histórico
O registro de títulos e documentos surgiu, segundo Kioitsi Chicuta, em razão de que, “desde tempos imemoriais, o homem tem demonstrado intensa preocupação de perpetuar atos e fatos relevantes (inscrições e desenhos em pedras)”[i]1 etc. No Brasil, ainda segundo o renomado especialista, “sua origem como serviço sistematizado pelo Estado” recebeu regramento original nos títulos 78 e 80 do Livro I das Ordenações do Reino de 1603, e foi atribuída, à época, aos tabeliães (aos quais, aliás, eram atribuídos todos os atos dos serviços hoje denominados extrajudiciais).
Com o desenvolvimento da sociedade, os serviços de registros públicos, pouco a pouco, foram especializando-se e, em razão de suas finalidades específicas, foram segmentados por naturezas (Registro de Hipotecas, posteriormente Registro de Imóveis; Registro de Títulos, Documentos e outros Papéis e Civil de Pessoas Jurídicas etc.). Assim, no ano de 1903, pelo Decreto Federal n° 973, foi criado, na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, o serviço público correspondente ao “primeiro ofício privativo e vitalício do registro facultativo de títulos, documentos e outros papéis, para autenticidade, conservação e perpetuidade dos mesmos e para os efeitos previstos no artigo 3° da Lei 79, de 1892”. Posteriormente, face ao sucesso da medida e à necessidade de sua implantação, outras unidades foram criadas nos demais Estados Federados.
Em 28 de setembro de 1906, foi instalado em São Paulo o primeiro ofício de registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas.
Em 1° de janeiro de 1916, revogando as ordenações, alvarás, leis e outras normas, foi sancionada a Lei n° 3.071, consolidando o Código Civil Brasileiro, que, em seu Livro III, Título I, Capítulo IV (arts. 129 e seguintes), disciplinou os meios de prova dos atos jurídicos, regulando os institutos.
Sucederam-se as normas[ii]2, até que, em 31/12/1973, foi sancionada a Lei n° 6.015, que vige até o momento, disciplinando, nos seus artigos 127 e seguintes, o registro de títulos e documentos.
Ocorre que, em razão de originalmente acometidos os serviços aos tabelionatos de notas e, posteriormente, aos ofícios de registro de imóveis, os usos e costumes inerentes a esses serviços nortearam a tônica da prática cartorária, muitas vezes olvidando a própria razão de ser do registro de títulos e documentos e outros papéis, sendo-lhes exigidos rigor e solenidades não prescritos em lei.
Sucede que os bens da vida juridicamente protegidos, por exemplo, pelo registro de imóveis são diversos dos protegidos nos registros de títulos e documentos: nos primeiros, visa-se proteger um fim, o direito de propriedade (direito real, que exige forma solene); nos segundos, o que se visa proteger é o próprio meio, ou seja, o título ou documento, o meio de prova que dará ensejo à proteção de eventual direito ou obrigação. Quer dizer, aqui a solenidade pode não ser da essência do ato ou fato pretendido provar e que, para tanto, necessita registro, seja quanto ao seu conteúdo (o qual não deverá ficar ao arbítrio do registrador examinar), para alcançar efeitos decorrentes de sua publicidade, seja para adquirir autenticidade, seja, enfim, para mera conservação ou prova de data.
Assim, os serviços atribuídos aos oficiais do segmento, desde sua origem e como traduz sua denominação, são os atos de registro de títulos, documentos e outros papéis, e não somente de títulos ou instrumentos (a utilização da conjunção aditiva “e” seguida do vocábulo “documentos”, que tem significação jurídica própria, não podendo ser havida como ignorância do legislador, muito menos sua insignificância – porque “a lei não contém palavras inúteis”, como ensinava a famosa máxima de Carlos Maximiliano, amparada em antigo axioma[iii]3).
Por relevante para a compreensão do tema, faz-se aqui necessário lembrar a clássica distinção entre instrumento, documento e papel, onde instrumento é o meio que dá forma a ato jurídico gerador de direitos e/ou obrigações à(s) parte(s); documento é qualquer meio de prova material por escrito; e, papel é o meio material de prova de menor relevância no mundo jurídico, mas que, por motivos pessoais, pode igualmente ser objeto de registro para mera conservação, publicidade e prova de data.
Enfoque importante dessa distinção está em que, se nos registros imobiliários são fundamentais conteúdo e forma, no registro de títulos e documentos essa importância é relativa, porque, às vezes, o objeto da proteção jurídica, o interesse juridicamente tutelado é a proteção ao meio, ao início de prova por escrito contido em uma declaração ou escrito particular. Sabendo-se que os atos jurídicos provam-se por qualquer meio material de provar um direito ou uma obrigação nele inserida (artigos 135 e 136 do Código Civil), seu conteúdo e sua forma têm relevância reduzida, não sendo razoável obstar o registro do meio de prova, o qual será objeto de apreciação judicial competente. Poderá, assim, uma parte ter legítimo interesse de registrar esse início de prova por escrito, esse documento, para lhe dar publicidade ou autenticidade, fazendo prova de sua data, e, nada mais razoável, que abrir-lhe as portas do serviço extrajudicial, para assim fazê-lo.
É curial que houve toda uma técnica jurídica na criação dos institutos, formando um sistema, um todo integrado. Aqui, todavia, ficou relegada, pelos costumes cartorários, a um segundo plano, sem qualquer razão, obstando, alguns registradores, a possibilidade de registro por temer afrontar a lei, como se o sistema de registros fosse um fim em si mesmo e não um meio de atender às necessidades das partes, da sociedade, do povo, seu usuário e razão de sua existência.
Operadores do direito, atuando na esfera preventiva desse junto às partes, atentos aos reclamos da sociedade, os oficiais, ora proponentes, preocupados em dar eco aos desejos comuns e certos de que sua atividade está vinculada à lei, cuja interpretação e integração deverá ser norteada pelo Poder Judiciário, regrando-a através de atos normativos, animam-se em propor a uniformização de entendimentos, de modo a corresponder aos anseios da população.
Ademais, é certo que a valoração da prova é competência do Poder Judiciário, no caso concreto, não sendo razoável (princípio da razoabilidade) obstar registro de meio de prova, cujo efeito merecerá apreciação judicial. O registro visa à segurança jurídica das partes. O registro não altera a natureza das coisas, o meio usado não altera o fato, pelo simples registro em títulos e documentos. Garante-lhe, todavia, a publicidade e a prova da data, na qual exarado. Os efeitos que irão gerar, nos casos concretos, serão objeto de apreciação judicial. O que não nos parece recomendável é impedir a publicidade e a prova da data da existência, do meio de prova por escrito, que será valorado em Juízo.
De igual modo, face às várias alterações legislativas ocorridas no último século, faz-se necessário dar maior transparência aos atos de registro, mais uma vez em garantia do princípio da segurança jurídica necessária, e entregá-la aos operadores do direito, em especial, e ao povo, em geral.
A importância da menção histórica do sistema dos registros de títulos e documentos e outros papéis para validade contra terceiros e sua conservação, portanto, está em que, desde os seus primórdios, o legislador previu a necessidade e a possibilidade de conferir maior transparência e segurança à população pelo registro de seus títulos, documentos e papéis em serviço próprio do Estado, hoje descentralizado, porém, ainda público.
b) União estável X casamento
A primeira confusão que surge no exame do tema é a pretendida equiparação entre os regimes jurídicos do casamento e da união estável.
Sabe-se da influência religiosa em nosso regramento jurídico. Porém, não está acima do contrato social espelhado na Constituição Federal como fruto dos anseios da sociedade e da construção jurisprudencial que a incentivou.
E é curial que o legislador constitucional, representante maior da sociedade brasileira, preferiu a criação de um instituto novo, a união estável, ao subdividir como gênero a célula mater da família em três grandes grupos: os das pessoas que, livremente, optaram relacionar-se pelo casamento, pela união estável ou que mantêm, por fatalidade ou escolha, uma comunidade familiar, regulando-os, distintamente. O primeiro, subdividido nas espécies do casamento civil (artigo 236, §1°, da CF/88) e o casamento religioso (artigo 236, §2°, da CF/88); o segundo, uma inovação, a união estável (artigo 236, §3°, CF/88); e o terceiro, outra modernidade, a comunidade entre pais e descendentes (artigo 236, §4°, CF/88). Quisesse o legislador constituinte igualar todas as entidades familiares admitidas, não as teria subdividido em espécies e, muito menos, disporia que cada tipo de entidade familiar seria regido por lei própria (idem, ibidem).
Lex, si aliud vuluisset, expressiset (a lei, se o quisesse, o expressaria). Como da dicção do comando constitucional, não se deflui a igualdade, mas mera equiparação para efeito da proteção estatal (vide artigo 236, §3°, da CF/88), não poderá, data venia, o intérprete igualar. A igualdade somente se dá, de forma plena, entre iguais, nunca entre meros assemelhados.
In casu, o constituinte distinguiu expressamente.
Enfocada a questão sob o princípio hermenêutico da técnica legislativa, torna-se mais fácil compreender por que o casamento mereceu regramento no Código Civil, em sua Parte Especial, Livro I, Título I, artigos 180 a 314; o casamento religioso está regrado no Decreto-Lei 3.200, de 19/4/1941, e na Lei 6.015, de 31/12/1973, artigos 71 a 75; a união estável encontra-se regida pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96, especiais; e a comunidade familiar, dispensável maior regramento, encontra-se regida completamente pelo §4° da Carta Política de 1988.
Desses regramentos específicos e, portanto, especiais, retiram-se regras próprias para cada instituto, donde se vê um maior rigor formal para o casamento, onde são previstas formalidades preliminares (arts. 180 a 182), impedimentos (arts. 183 a 191), forma de celebração (arts. 192 a 201), meios de prova específicos (arts. 202 a 206), nulidades (arts. 207 a 224), disposições penais (arts. 225 a 228), efeitos jurídicos (arts. 229 a 232), direitos e deveres do marido (arts. 233 a 239), direitos e deveres da mulher (arts. 240 a 255), regime de bens entre cônjuges (arts. 256 a 311), e, reguladas até as doações antenupciais (arts. 312 a 314), ficando sua dissolução, já por conta dos usos sociais, regrada pela Lei 6.515, de 26/12/1977, que revogou os arts. 315 a 324 do Código Civil.
Já a união estável, por não se confundir com aquele instituto, mereceu regramento próprio, primeiro quanto aos direitos alimentícios e sucessórios ensejados, através da Lei 8.971, de 29/12/1994, e quanto à sua definição jurídica, e regulamentação propriamente dita, conforme se deflui de seu título, que “regula o §3° do art. 226 da Constituição Federal”, pela Lei 9.278, de 10/5/1996, a qual, em seu artigo 1°, define o que é a união estável; no artigo 2°, rege os direitos e deveres dos conviventes; os arts. 3° e 4° foram vetados; no artigo 5°, dispõe sobre o patrimônio constituído após sua constituição; o art. 6° foi igualmente vetado; e os arts. 7°, 8° e 9°, tornam a dispor sobre alimentos, sucessão e competência, respectivamente.
Desse simples confronto, reforça-se a idéia de que o legislador quis distinguir os institutos, porque regulou a união estável em lei especial, subtraindo, ao reconhecimento da união estável, todo o formalismo exigido ao casamento, ao dispor, em seu artigo 1°, que, “é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. Quer dizer, é reconhecida, porque é um fato jurídico, e se constitui, como fato que é, pela convivência duradoura, ou seja, o simples fato da habitualidade da relação, com o elemento subjetivo da intenção de constituir família. Tudo matéria de fato e, portanto, de prova.
E não podia ser diferente, porque o legislador constitucional, ao equiparar a união estável, não ao casamento (tanto que dispôs da necessidade da facilitação de sua conversão nesse outro instituto[iv]4), mas ao gênero família, o fez em atenção à existência de vários núcleos familiares marginalizados, mas cuja existência em nada poderia afrontar a moral e refletia os usos comuns da atualidade social. E, desde os Estatutos da Universidade de Coimbra, já se sabia que a “sólida inteligência da lei depende do acertado conhecimento do verdadeiro espírito delas”[v]5, bem como que “Leis devem acomodar-se aos costumes dos povos no que for justo e honesto”[vi]6 e ninguém poderá discordar do acerto do legislador constituinte ao reconhecer efeitos jurídicos a esses fatos.
O direito nada mais é do que o retrato da sociedade em movimento, sendo ditado por ela e não para ela.
Ademais, o direito, como ciência, é informado por diversas fontes. A fonte maior, a Constituição Federal, considerando as alterações havidas na família brasileira e visando proteger as novas células surgidas da união estável entre homem e mulher, reconheceu-a como entidade familiar, independentemente do casamento (CF/88, artigo 226, §3°). Do fato da existência da união estável, decorre a proteção do Estado, sem exigência de qualquer outro requisito e sem confusão entre esse instituto e o do casamento, não se aplicando, àquele, regras inerentes a esse. Assim, as restrições impostas ao casamento não podem ser impostas à união estável. Restrições interpretam-se restritivamente.
E a importância dessa distinção está em demonstrar que o estado civil dos declarantes é irrelevante para o ato de registro da declaração de união estável.
Assim, o separado de fato, cujo estado civil tecnicamente correto é, ainda, o de casado, não pode ter obstado o registro de sua declaração porque os impedimentos matrimoniais não se aplicam à união estável. É certo que houve, em um primeiro momento, face às disposições da Lei 8.971/94, o entendimento de que a união estável estaria sujeita aos requisitos previstos no seu artigo 1°. Todavia, melhor observando a referida lei, colhe-se que, naquela, o que se visa resolver, inclusive de forma declarada em seu título, são os reflexos patrimoniais da união estável (alimentos e sucessão), mormente considerando-se a possibilidade da coexistência de interesses de cônjuges anteriores, companheiros e prole. Quer dizer, essa lei não veio para definir a união estável, mas, apenas, para resolver conflitos inadiáveis de interesse, decorrentes dessas relações, sob os aspectos sucessório e alimentar. Por isso, posteriormente, foi sancionada a Lei 9.278/96, a qual, nos termos da Constituição Federal, efetivamente definiu e regulou, por completo, o instituto, sem qualquer das restrições enunciadas na lei anterior. Assim sendo, ainda que se pudesse admitir que a união estável poderia sofrer as restrições contidas, no artigo 1° da Lei 8.971/94, para seu reconhecimento, com o advento da Lei 9.278/96, tais restrições estariam ab-rogadas pela lei nova.
Nesse sentido, a jurisprudência dos nossos tribunais, conforme demonstra o decidido na apelação cível 1999.001.19355, da 7a Câmara Cível do TJRJ, Relatora Desembargadora Marly Macedônio França:
“Alimentos. União estável. Estado civil dos companheiros. Irrelevância face à Constituição e à nova ordem legal vigente. Na vigência da Lei 9.278/96, a inexistência de impedimento para o casamento não é mais condição para o reconhecimento da união estável e o conseqüente direito à percepção de alimentos. Destacando que, se assim o fosse, estaria em confronto com a norma constitucional do §3° do artigo 226, que não prevê tal condição. Recurso provido.”
Nem se diga que a orientação à facilitação da conversão em casamento seria indicativo da sujeição do novel instituto ao do matrimônio porque, ao se fazer necessária, a conversão, é porque não são iguais. E a desigualdade está, justamente, na informalidade do novo instituto, que é matéria exclusivamente de fato. Ex facto jus oritur, sem qualquer solenidade, ao contrário do casamento, que é ato solene. Ademais, é de se observar que a união estável não se constitui com o registro, mas pelo simples fato da convivência duradoura, com animus de constituir família.
Veja-se, inclusive, que a Lei 9.278/96 não dispôs nenhum impedimento para o reconhecimento da união estável, diferindo do Código Civil que, ao regular os impedimentos para o casamento, dispôs, expressamente, que “não podem casar as pessoas casadas” e “o cônjuge adúltero com o seu co-réu, por tal condenado”[vii]7.
Aqui, caberia adaptar outro adágio para dizer que ubi lex distiguit, distinguere habemus.[viii]8
Sendo nosso sistema jurídico um todo ordenado, não se vislumbra o aparente conflito de normas defendido pela corrente que inadmite o registro quando um dos declarantes é casado, porém separado de fato, e que já constituiu família, de fato, nova.
c) A moral e os costumes
Questão mais difícil de ser analisada é o plano da moral e dos bons costumes, face à sua subjetividade.
Abstraído o positivismo, objetivo acima já examinado e que ampara o registro, adentremos o exame da matéria subjetiva, alavancada como impediente ao registro.
O conceito de Moral, no sentido filosófico, significa o “conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada (cf. ética)”[ix]9.
Dessa simples interpretação léxica, retira-se que, de forma alguma, o dispositivo constitucional fere a contemporânea moral da sociedade brasileira. Ao contrário, vai ao encontro dos anseios dessa, regulando e admitindo, como entidade familiar, também a formada por homem e mulher que mantiverem união habitual, com intenção de constituir família.
Estudando a filosofia do direito, o maior jusfilósofo brasileiro de nosso tempo, Miguel Reale[x]10, voltando aos primórdios do conhecimento filosófico humano, ensina que, para Aristóteles, “o problema da justiça reduz-se ao da igualdade, que se apresenta em dois momentos: igualdade entre iguais e igualdade entre desiguais. Às vezes, a igualdade é absoluta, porquanto se refere a coisas que se trocam, tanto por tanto; mas, outras vezes, a igualdade se realiza entre homens desiguais. A justiça comutativa é aquela que preside às trocas, porquanto se presume que, na compra e venda, o valor da coisa adquirida corresponda ao preço pago. Nas relações dos homens surge, no entanto, uma outra lei de igualdade, que é aquela que manda tratar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualem, dando-se a cada um o que é seu, consoante ditame da justiça distributiva. O Estado não pode tratar igualmente os indivíduos, situando no mesmo plano o criminoso e o santo. Há desigualdades naturais, assim como há graduação na virtude e no crime, de modo que a justiça distributiva deve atender, proporcionalmente, ao mérito e ao demérito de cada um”.[xi]11
E é claro que, sob esse prisma, a união habitual, de fato, entre homem e mulher, não é igual à união submetida ao casamento, mas essa desigualdade não chega ao ponto de ignorá-los como entidade familiar.
Prosseguindo o estudo histórico da matéria, observa Reale que, na Idade Média, prevaleceu a Teoria Tomista, porque “Santo Tomás de Aquino demonstra senso muito agudo e compreensivo da vida humana e de suas contingências (ratio pratica est circa operabilia, quae sunt singularia et contingentia), ensinando que mais de uma solução particular pode ser compatível, em certo tempo e lugar, com os imperativos da lei natural. Dentre os vários caminhos conciliáveis com as exigências racionais, cabe ao legislador fazer a escolha segundo critérios de utilidade”[xii]12, complementando que, “Santo Tomás aprecia o problema da justiça, segundo ensinamentos de Aristóteles em sua monumental Ética a Nicomano, mas desenvolve uma distinção que ficara de certa forma apenas esboçada: a de ‘justiça legal’, com a qual se completa a trilogia do justo.”[xiii]13 “O que determina o dever dos indivíduos para com o todo, a sociedade, o Estado? É a justiça legal ou, como mais tarde se disse, a justiça social. Um dos grandes méritos de Santo Tomas, a nosso ver, foi ter dado à justiça legal ou justiça social a preeminência entre todas as virtudes. A justiça por excelência não é a comutatividade das trocas, ou a corretiva do domínio penal, nem a distributiva, mas, antes, a justiça que traça o caminho das obrigações e dos deveres das partes para com o todo. Estas obrigações são determinadas por lei, tendo como centro o poder do legislador, a quem cabe apreciar as circunstâncias variáveis, sem ultrapassar o âmbito da discricionariedade traçado pela ‘lei natural’. A socialidade da justiça, desse modo tão claramente evidenciada, é submetida a uma análise percuciente, a propósito da alterabilidade ou da alteritas, lembrando, ainda, que é dentro dessa concepção geral que se situa a célebre definição de Direito legada por Dante, na qual é mister apontar uma contribuição nova, um sentido mais acentuado de ‘socialidade, a convicção profunda de que o direito é um fato social, de cuja vigência depende a sociedade toda’. ”[xiv]14
Passando à Idade Moderna, ensina que “na Idade Média existia um sistema ético subordinado a uma ordem transcendente, o homem renascentista procura explicar o mundo humano tão-somente segundo exigências humanas”. Lembrando a doutrina de Hugo Gróci, lembra que “há uma passagem característica, na qual declara que a justiça possui fundamento de razão, de maneira tão inamovível, que ela existiria mesmo que, por absurdo, Deus não existisse. Embora afirmada a existência de Deus, não é dessa idéia que decorre a legitimidade da ordem justa: é justa por ser expressão de ditames da razão”. Por isso, com o Renascentismo, “o dado primordial passa a ser o homem mesmo, orgulhoso de sua força racional e de sua liberdade, capaz de constituir por si mesmo a regra de sua conduta”. É por isso que surge, desde logo, a idéia de contrato. “O contratualismo é a alavanca do Direito na época moderna. Por que existe a sociedade? Porque os homens concordaram em viver em comum. Por que existe o Direito? O Direito existe, respondem os jusnaturalistas, porque os homens pactuaram viver segundo regras delimitadoras dos arbítrios”[xv]15, lembrando a clássica doutrina de Jean Jacques Rousseau, em seu Contrato Social. “Para Rousseau, o homem natural é um homem bom que a sociedade corrompeu, sendo necessário libertá-lo do contrato social de sujeição e privilégios para se estabelecer um contrato social legítimo, conforme a razão.”[xvi]16 Surge, então, o contratualismo parcial, no dizer de Hugo Grócio, “para quem a sociedade é um fato natural, oriundo do appetitus societatis; surge, porém, o Direito Positivo como resultado de um acordo ou de uma convenção”.
A partir desses conceitos históricos, conclui Miguel Reale que “o Direito tem como destino realizar a Justiça, não em si e por si, mas como condição de realização ordenada dos demais valores, o que nos levou, certa feita, a apontá-lo como o ‘valor franciscano’, cuja valia consiste em permitir que os demais valores jurídicos valham, com base no valor da ‘pessoa humana’, valor-fonte de todos os valores”[xvii]17, de onde surge a idéia da tridimensionalidade do Direito, reconhecendo que, “nas doutrinas ora examinadas, se acentua a tensão entre fato, valor e norma, elementos que o moralismo jurídico procura em vão compor na unidade das exigências éticas”[xviii]18, lembrando que, “ao lado dos puros ditames racionais, vai-se abrindo lugar para a contribuição positiva da vontade, das estimativas sociais e das mutações históricas. Essas novas orientações traduzem, em última análise, o desejo quase que universalmente sentido de uma Jurisprudência que tenha em conta a realidade jurídica, com abandono de explicações unilineares e redutivistas, conciliando-se as exigências axiológicas com as técnico-formais, em crescente harmonia com a existência e o aperfeiçoamento da comunidade”[xix]19.
De todo o subjetivismo teórico e de sua natural prolixidade retira-se que os conceitos de Justiça e Moral estão intimamente ligados ao conceito de Ética. E – é trivial – que Ética é o “estudo dos juízos de apreciação (ou seja, de valor), que se referem à conduta humana suscetível de qualificação (ou seja, de subsunção à fattispécie legal) do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”. (cf. Moral (1) e Hética)[xx]20
Por isso, o valor humano concedido à família transcende qualquer limite religioso ou traz qualquer ofensa ao direito natural, que surgiu com o homem muito antes da convenção do casamento. Como negar aos conviventes modernos o direito de constituir família, apenas porque não coadunam com o rigorismo do casamento? Como negar a essa entidade ou sua prole o direito de pertencer a uma família? Sensibilizado por esses valores superiores e ciente da conduta humana moderna, onde o casamento já não é mais indissolúvel pela vontade dos cônjuges, onde é comum a convivência habitual, o legislador constitucional preferiu dar fim à hipocrisia e reconhecer direito a essas entidades familiares, concedendo-lhes, também, a proteção Estatal.
Vê-se, pois, que, também a moral, com os avanços da sociedade e a revisão dos dogmas religiosos e éticos, admite e protege a relação de convivência, sem qualquer vedação a que ela se dê entre homens e mulheres, sem qualquer distinção aos separados de fato, sendo de se ressaltar que, para que haja a habitualidade e a intenção de constituir família, essa relação não poderá constituir-se entre pessoa casada que mantém o casamento e outra relação extraconjugal, concomitantemente, porque incompossíveis, face aos elementos da habitualidade e da intenção de constituir família, que é una.
Assim, o convivente separado de fato, mas ainda casado de direito, poderá, sim, sem ferir qualquer valor moral ou ético, constituir família, para efeitos de proteção do Estado.
d) O crime de adultério
De outro lado, mesmo sob a ótica penal, focado o adultério, a existência desse não inibe nem torna sem efeito a união estável, existente entre o separado de fato, equivocadamente tido como adúltero, e terceiro.
Em primeiro lugar, porque mesmo o legislador de 1940, reconhecia que a ação penal tem natureza privada, e, por isso, “somente pode ser intentada pelo ofendido e dentro de um mês após o conhecimento do fato”[xxi]21, realçando, com isso, a ausência do interesse estatal em coibir o fato e em admiti-lo, quando de sua habitualidade, consentida tacitamente.
Em segundo, porque o mesmo legislador estabeleceu a inadmissibilidade da ação penal pelo “cônjuge desquitado”[xxii]22, porque findo o dever de fidelidade, previsto no artigo 231 do Código Civil.
Em terceiro, porque previu a inaplicabilidade da pena, ao dispor que “o juiz pode deixar de aplicar pena se havia cessado a vida em comum dos cônjuges”[xxiii]23, deixando claro, já antes da equiparação da união estável à entidade familiar, que o Estado não via interesse em punir, ao separado de fato, porque finda a obrigação de fidelidade, não sendo razoável obrigar o “descasado de fato” a submeter-se a eventuais caprichos do cônjuge que não admitia conceder o desquite, ou, posteriormente, a separação ou o divórcio, sendo mesmo regra fundamental a liberdade de associação (eis que, antes da Constituição de 1988, a união estável era reconhecida como sociedade de fato, para efeitos patrimoniais). Além disso, não é fato desconhecido do legislador que, face à miséria que grassa no Brasil, há pessoas desprovidas, mesmo, do capital necessário ao casamento ou à dissolução desse, esta face à necessidade da contratação de advogado para assistência no processo, obrigatoriamente judicial.
Por que negar aos necessitados o direito de constituir família? Aqui a igualdade tem, forçosamente, de ser geral, porque, segundo o princípio da razoabilidade, não é admissível distinguir o ser humano por suas posses.
É certo, também, que, apesar de vetusto, o crime de adultério, ainda não foi revogado. Porém, não é menos certo que, abstraídos eventuais reflexos da área penal, já bastante reduzidos, como vimos, a união estável entre o “adúltero” e terceiro gera efeitos, inclusive patrimoniais e alimentares, entre os conviventes, razão pela qual, para proteção desses direitos, o meio de provar a sua existência não pode ser obstado. Os efeitos, civis e penais, oriundos da declaração serão objeto de apreciação judicial. O registro apenas preserva a prova.
Nem se alegue que o registro configuraria a facilitação ao crime, até porque a união estável constitui-se ipso facto, independentemente do registro, que lhe é posterior e reproduz apenas uma realidade. Assim, por exemplo, seria de se indagar se haveria vedação ao registro de uma confissão de um crime praticado por alguém? E não há, porque a confissão não é o ato que consuma o delito, sendo-lhe posterior, e é até de auxílio à Justiça, como meio de prova que é a confissão. Da mesma forma, não há vedação a que se registre a declaração de união estável, mesmo que tenha havido adultério, porque, o registro pretendido visa proteger os efeitos civis da relação e não a dar meios à prática do crime, afeta ao direito penal, o qual, se assim ainda considerado (ab absurdo, porque a separação de fato, por si, já eliminaria o dever de fidelidade inerente ao casamento, como visto), existiria independentemente do registro. Resumindo esse posicionamento, o decidido pela 5a Turma Cível do TJDF, na apelação cível n° 85.978, de 27/5/96, in verbis:
“Civil. Acordo de reconhecimento de sociedade de fato existente, há mais de trinta anos. União de pessoa separada judicialmente com parceira separada de fato. 1. – Não constitui obstáculo jurídico ao reconhecimento da sociedade de fato a existência de casamento não desfeito judicialmente. 2. – A ocorrência de adultério por parte da mulher não retira seus direitos de sócia dos bens comuns. 3. – Afastado o óbice da impossibilidade jurídica do pedido, conhece-se da apelação e se lhe dá provimento, para o fim de anular a sentença e determinar o processamento da ação.”
Por fim, a disposição contida no artigo 115 da Lei 6.015/73 também não impede o registro in casu. Primeiro, porque, essa disposição, é específica para o Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não se aplicando ao Registro de Títulos e Documentos. Segundo, por disposição constitucional, eis que, a união estável é matéria de fato, que dispensa qualquer solenidade ou formalidade. E, por último, porque o registro não é o meio que dará azo à perpetração do crime, que, se existisse, já teria se consumado. O registro não é constitutivo, mas e apenas, declaratório do estado de fato pré-existente.
De igual modo, não se aplica a regra do artigo 156 da mesma Lei 6.015/73, porque a discricionariedade, ali conferida ao oficial, como visto, visa obstar a fraude, ou seja, o uso do registro, como meio para conferir autenticidade a título ou documento falso ou fraudulento. Ora, a declaração de união estável, em princípio e por si só, não é fraudulenta nem meio para a consumação do adultério. Este, se existente, é pré-existente, não precisando do registro para constituir-se.
Temos de levar em conta, também, que a desonestidade não se presume, não sendo razoável obstar o registro de fatos, em favor de uma maioria que é honesta, em razão da possibilidade de algum desajustado poder beneficiar-se da norma.
Não há, pois, impedimento penal à constituição de família, quando um dos conviventes é separado de fato.
e) A necessidade do registro
Ademais, como vimos, a Lei 9.278/96, em seu artigo 1°, exige a publicidade e a prova da convivência duradoura. E há publicidade maior que a conferida pelo registro público? A publicidade perseguida com o registro é meio de prova que visa atender ao previsto no artigo 1° da Lei 9.278/96, inclusive para efeito de prova de data de sua constituição e da intenção manifestada de constituir família.
Outrossim, no campo das relações privadas, impera o Princípio da Legalidade, pelo qual “ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”[xxiv]24.
Lembremo-nos, também, do crime de constrangimento ilegal[xxv]25, onde é vedado impedir o exercício regular de um direito. E as partes têm direito a tornar pública a existência de sua união estável.
Portanto, não havendo distinção ou vedação legal expressa à constituição de entidade familiar ao separado de fato, este tem direito, líquido e certo, amparado por Mandado de Segurança, ao registro.
B) A sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo
Outra vertente do problema está no registro de sociedades de fato entre pessoas do mesmo sexo.
III. – A impossibilidade do registro
Mantendo o mesmo critério de exposição quanto ao tema anterior, iremos examinar, antes, a tese da minoria.
Entende a minoria que a Constituição Federal não amparou, nem equiparou, a união estável entre pessoas do mesmo sexo à família, nem lhe estendeu a proteção do Estado; que, o direito natural não acolhe a livre opção sexual nem essa se amolda aos critérios de moral e bons costumes; e que, apesar de admitida a livre disposição de bens, no âmbito do direito patrimonial, privado, por ato inter vivos ou causa mortis, não se confundem as liberalidades, por doação ou legado, onde o proprietário ou autor da herança pode dispor da parte disponível de seus bens, com o pacto de convivência entre pessoas do mesmo sexo, que, ainda na sociedade brasileira, é tida como em afronta à moral e aos bons costumes e, até mesmo, ao direito natural, por inconciliáveis questões biológicas.
Entendem, ainda, que a relação pública entre pessoas do mesmo sexo configuraria, em tese, o crime de ato obsceno ou atentado público ao pudor[xxvi]26. Admitem, entretanto, que, de lege ferenda, tal poderá vir a ser admitido, caso aprovada lei específica, no âmbito legislativo, sua permissão.
IV. – A possibilidade do registro
Amparada no arcabouço da tese que admite o registro das uniões estáveis, quando integrada por separado de fato, entende, a corrente majoritária, ser possível o registro da declaração de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, para efeitos meramente patrimoniais, como meio de preservar a prova.
Argumentam, inclusive, com a realidade fática dos tempos modernos, lembrando que já houve casos em que o reconhecimento de cláusula testamentária, nesse sentido, teria sido referendada pelo Tribunal de Justiça Carioca, no caso do artista plástico Jorge Guinle Filho.
a) A união estável entre pessoas do mesmo sexo
Aqui, em contrario sensu, é forçoso lembrar que o legislador constitucional excepcionou a possibilidade de existência ou equiparação à entidade familiar da união entre pessoas do mesmo sexo, ao ressaltar que somente “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher”[xxvii]27.
Não quis, portanto, o constituinte, reconhecer efeitos à união entre pessoas do mesmo sexo, muito menos a chancelou como se formadora de união estável.
Todavia, não é menos certo admitir-se que, na hipótese em tela, não se trata de união estável, porque assim não quis o legislador constituinte, mas mera sociedade de fato, perfeitamente admissível.
b) A formação biológica e o direito natural na convivência de fato
Não se trata, aqui, de rotular, como certa ou errada, a união entre pessoas do mesmo sexo. É certo que, a célula pretendida equiparar à família é aquela onde possa haver agrupamento social por descendência. É correto, também, afirmar que, biologicamente, ainda não é possível resultar prole entre pessoas do mesmo sexo, tendendo à extinção o agrupamento assim formado. De igual modo, não se olvida que, a relação entre pessoas do mesmo sexo, em público, é tipificada como ato obsceno[xxviii]28.
Todavia, não é menos certo que, apesar de não encontrar eco no direito natural nem no direito positivo, conferir status de família a essa convivência, a sociedade tolera sua prática[xxix]29, apesar de ainda não lhe admitir, ipso facto, efeitos jurídicos.
c) A livre disposição de bens, por atos inter vivos ou cláusula testamentária, e a sociedade de fato
De início e para que fique claro, não se pode negar a possibilidade da existência de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, porque essa pode ocorrer mesmo se
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