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Os Tabeliães e os Registradores e a aposentadoria compulsória

Hermann Homem de C. Roenick*


1 - Induvidosamente a questão relacionada com a aposentadoria compulsória dos tabeliães e registradores é de altíssima relevância. Inúmeros têm sido os pronunciamentos judiciais e as manifestações doutrinárias a respeito do tema, e ante a divergência verificada, entre juízes e mestres do direito, não é demasia trazer a balha algumas considerações outras que entendo pertinentes.

2 - Em primeiro passo é mister que se enfatize e se deixe bem claro que a edição da CF de 1988, os tabeliães e os oficiais de registro deixaram de ser servidores públicos (art. 236), vez que os serviços respectivos passaram a ser exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

E, por delegação, se entende a transferência de atribuições de uma entidade a outra. - (Cretella Júnior - Comentários à Constituição de 1988, vol. IX, Pág. 4612).

Assevera o mestre citado que a delegação outorgada pelo Poder Constituinte é juridicamente inatacável, completando que "delegação" é um "dar", um "transferir", "movimento legal e espontâneo do delegante para o delegado" (op. cit., pág. 4614).

Foi por essa razão que a lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, incidiu retroativamente, estabelecendo, no art. 47, que "o notário e o oficial de registro, legalmente nomeados até 05 de outubro de 1988, detêm a delegação constitucional de que trata o art. 2º". Essa delegação, por óbvio, é a que ventila o art. 236, da CF.

A lei ordinária e regulamentadora simplesmente deu ênfase à transferência de todos os notários e oficiais de registro, da categoria de servidores públicos, para a condição de particulares detentores de uma delegação estatal.

3 - É de ser salientado, inclusive, que o sistema previdenciário restou modificado (art. 40) e que a garantia dos direitos e vantagens adquiridos ficou condicionada à manutenção do sistema anterior (art. 51).

Ora, por todos esses aspectos, e tendo em vista, especificamente, o disposto no art. 47, da Lei nº 8.935, não se pode falar, sob pena de grave erronia, em servidor público relativamente ao notário e ao oficial do registro, e isso a partir de 05 de outubro de 1988.

Após a promulgação da vigente Constituição Federal, todos os notários e oficiais do registro que foram "nomeados" em virtude de concurso público, também não são mais servidores públicos, e sim "profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem restou delegado o exercício da atividade notarial e de registro" (art. 3º da Lei nº 8.935/94).

Dert'arte, face ao efeito retroativo imprimido pelo art. 47, da citada Lei, todos os tabeliães e registradores que se achavam no exercício de suas funções no dia 5 de outubro de 1988 deixaram de ser servidores públicos para assumirem a condição constitucionalmente deferida de profissional do direito com a delegação do Poder Público para praticar atos concernentes ao notariado e ao registro.

A Constituição Federal, no art. 236, dispôs que "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público".

A lei ordinária e regulamentadora (nº 8.935/94), simplesmente deu ênfase à transferência de todos os notários e oficiais de registro, da categoria de servidores públicos, para a condição de particulares detentores de uma delegação estatal.

Objetivando ressaltar a mencionada delegação, afastando os costumeiros "apadrinhamentos", a norma constitucional previu a realização de concurso público, garantindo, dessa forma, o aproveitamento segundo os méritos do candidato.

Por óbvio que o simples fato de condicionar a outorga da delegação ao concurso público não transforma o cidadão em servidor público, sujeito a todo um regramento específico e especial.

Observe-se que o dispositivo constitucional não tratou a respeito do tempo da delegação e não previu nada sobre a aposentadoria, deixando para a lei ordinária regular as atividades notariais e registradoras, e bem assim estabelecer a responsabilidade civil e criminal de tais agentes e prepostos, bem como a forma de fiscalização dos seus atos pelo Poder Judiciário (CF art. 236, § 1o).

4 - Em razão dessa previsão expressa, o legislador ordinário editou a Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, regramento este que foi exaustivo em prever as hipóteses de extinção das atividades delegadas de notários e registradores.

Tendo-se presente o art. 39 do citado diploma legal, constata-se:

Art. 39 - Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro:

I - morte

II - aposentadoria facultativa

III - invalidez

IV - renúncia

V - perda, nos termos do art. 35".

Ora, o legislador, casuística e propositalmente, enunciou apenas a aposentadoria voluntária como forma de extinção do exercício da função delegada, não apontando a aposentadoria compulsória como hipótese extintiva daquele exercício. Aliás isso foi pretendido pelo Senador Suplicy, em emenda que apresentou, mas foi repelido pelo Congresso.

5 - O próprio Estado do Rio Grande do Sul, ao editar a Lei nº 11.183 de 29/06/98, cujo ante-projeto foi elaborado e encaminhado pelo Tribunal de Justiça, dentro da sua competência residual, supletiva ou complementar, deixou claro e induvidoso que ao notário ou ao registrador não se aplicam o disposto nos arts. 40, II, da Constituição Federal, e isso pela singela razão de não considerar aqueles agentes como servidores públicos.

A Constituição Federal, no art. 236, já os havia considerado como exercentes de um serviço de caráter privado, apenas condicionado a uma delegação de Poder Público.

A Lei nº 8.935, de 18/11/94, a seu turno, não os denominou de "servidores", mas sim de profissionais do direito a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

A lei federal não aludiu a cargo, função o atividade pública subordinada à administração direta ou indireta, daí porque denominá-los de "servidores lato senso" é investir contra a sistemática adotada e contra o próprio pensamento do legislador federal.

O Estado do Rio Grande do Sul, por evidente, e dentro de sua competência legislativa, não desrespeitando os princípios constitucionais federais, poderia, como efetivamente pode, disciplinar os serviços notarias ou registrais, inclusive ventilando as hipóteses de cessação das delegações outorgadas.

Nem as Constituições Federal e Estadual, e nem a lei nº 8.935/94, referiram ser o notário ou o registrador um funcionário público.Essa assertiva apenas é uma resultante de uma equivocada interpretação feita por alguns órgãos do Poder Judiciário mas que, sublinhe-se, não é pacífica, haja visto os inúmeros pronunciamentos, também judiciários, em sentido oposto.

6 - Ora, como afirmado pelos mestres do Direito Constitucional, os poderes dos Estados se estendem a tudo o que não lhes é proibido por norma constitucional federal, ou não haja sido explícito, quer por estar implicitamente contido nos poderes expressos. Por isso é que o art. 25 § 1º, da CF estabeleceu, expressamente, que "são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição."

É de se perquirir: há alguma norma proibitiva de o Estado legislar a respeito do agente delegado ao exercício da atividade notarial ou registral?

Muito pelo contrário, o Estado do Rio Grande do Sul, editando a Lei nº 11.183/98, atrelou-se ao pensamento e entendimento do legislador da Lei nº 8.935/94 que, por sua vez, considerada a natureza particular da atividade preconizada no art. 236, da CF, também deixou claro que o notário e o registrador não são funcionários públicos de qualquer espécie.

Dest'arte, o § 2º, do art. 23, da lei nº 11.183/98, é expresso ao estabelecer que a vacância do serviço notarial ou de registro só ocorre pela extinção da delegação, causada esta, exclusivamente, pela morte, aposentadoria facultativa ou por invalidez, renúncia ou perda.

A lei estadual, como se observa, se manteve adstrita ao preceito estabelecido pelo art. 39, da Lei nº 8.935/94.

Ao entenderem, alguns julgados, que a aposentadoria compulsória aos 70 anos se aplica aos notários e registradores, os Tribunais, com a mais respeitosa vênia, estão inserindo nos textos legais, na Lei nº 8.935/94 (art. 39) e agora na Lei nº 11.183/98 (art. 23, § 2º), mais uma hipótese de extinção da delegação. Os Tribunais estão dando uma de legislador e, subrepticiamente, atribuindo aos membros do Congresso, Senadores e Deputados, a pecha de ignorantes em matéria constitucional, e isso pela "omissão" cometida.

7 - Agora, todavia, a polêmica surgida com a equivocada interpretação, por alguns Tribunais, da situação funcional do notário e do registrador, a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, não pode mais subsistir.

Não obstante a redação clara do art. 236, da CF, que dava atividade notarial e registral como sendo realizada em caráter privado e por delegação do Poder Público, insistiram alguns arestos em posicionar tais agentes como servidores públicos latu sensu, e desse entendimento extrair a conclusão de que eles estavam sujeitos à aposentadoria compulsória, prevista no art. 40, II, da carta maior, na sua anterior redação. De nenhuma valia, para esses acórdãos, o fato de que a Lei nº 8.935/94, que regulamentou o art. 236, da CF, aludir, apenas e tão somente, à aposentadoria facultativa, como se vê no art. 39, desse regramento ordinário.

O anterior texto do art. 40 da CF, assim estava redigido:

"Art. 40 - O servidor será aposentado:

I - ................................

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;

III - ................................

Se os Tribunais, embora em compreensão totalmente equivocada, admitiam que o notário ou o registrador eram servidores públicos, então aceitável se mostrava a incidência do art. 40, II, da CF.

Toda a discussão anterior, portanto, residia no fato de se situar, ou não, tais agentes, com servidores públicos.

Entretanto, e a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98, a aposentadoria, segundo os termos do art. 40, da CF, só se aplica aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.

O novo texto tem a seguinte redação:

"Art. 40º - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, do Estado, do Distrito Federal, e dos Municípios, incluindo as suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo."

8 - Dest'arte, atualmente, só se pode afastar compulsoriamente, pelo implemento de idade, o servidor titular de cargo efetivo nos âmbitos federal, estadual e municipal.

Ora, o notário e o registrador não são titulares de cargos efetivos no âmbito estadual, e sim meros delegados nos precisos termos do art. 3º, da Lei nº 8.935/94, que assim está redigido:

"Art. 3º - Notário, o tabelião, e oficial de registro, o registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro."

Então, e como sempre vem sendo sustentado, e desde a promulgação da carta de 1988, como reforço da Lei nº 8.935/94, afirma-se que os notários e registradores são servidores públicos, constitui uma heresia jurídica sem precedentes.

9 - Destaca-se, pois, que o legislador ordinário tanto federal como o estadual, erigiu apenas a aposentadoria voluntária ou facultativa como forma de extinguir a atividade notarial ou registral.

E a razão maior, sem dúvida, da não inclusão da forma compulsória do texto legal, é porque a atividade notarial ou registradora é, por previsão constitucional,uma atividade privada.

Ora, se os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, parece evidente que não se sujeitam, os seus titulares, à normas que só atinge os servidores públicos.

Portanto, e com máxima vênia, não é possível confundir a função do agente delegado com a de funcionário público, com o objetivo de fazer incidir naquele a regra da aposentadoria aos 70 anos.

Ao definir, o legislador constituinte, a natureza privada da atividade delegada afastou a incidência de normas próprias da natureza pública de outros serviços, deixando o agente notarial ou registrador a livre opção de se auto-determinar, inclusive no que diz com a sua inativação.

10 - Como parece curial, e a doutrina tem enfatizado com propriedade tal aspecto, o exercício de uma atividade pública por um agente particular, não transforma esse agente em funcionário público.

Delegar, como assinalam os doutos, é cometer a alguém o exercício de uma atribuição que lhe pertence ou que lhe é própria. Assim, uma delegação pública consiste em atribuir a outrem uma função pública. A investidura se dá por ato de delegação, e daí se concluir que o vínculo estabelecido, por óbvio, permanece de caráter privado.

Inexistente, por conseguinte, uma vinculação estatutária ou empregatícia desses agentes com o Estado, posto que o fato de haver fiscalização dos atos praticados, realizada pelo Poder Judiciário, não os transforma em funcionários públicos, como já asseverado. Eles não são detentores de cargos públicos mas tão só delegados do Poder Público.

Como já se afirmou anteriormente, a doutrina não discrepa desse entendimento.

PINTO FERREIRA, por exemplo, em seus Comentários à Constituição Brasileira, refere o seguinte:

"Daí dever concluir-se que os titulares de serviços notariais e de registro não devem ser entendidos como funcionários públicos ou a estes equiparados; eles não ocupam cargo público, porém exercem atividades de caráter privado.

.......................

Quaisquer dúvidas sobre o caráter público ou privado dos serviços notariais e de registro ficam dirimidas por força da nova Constituição que qualificou como de caráter privado tais serviços notariais e de registro, refletindo-se naturalmente no regime jurídico de seus titulares.

Uma conseqüência importante daí resultante é a inaplicabilidade da regra da aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade e aos proventos proporcionais por tempo de serviço (CF art. 40, II), norma que não têm incidência sobre os tabeliães e oficiais de registro que tenham alcançado tal idade no dia da promulgação da Constituição, em 5/10/1988". (Com o art. 236, 4ª parte - vol. 7, pág. 492).

Hoje, com maior razão se pode afirmar, e isso com base no art. 40, da CF, em sua nova redação, que o notário e o registrador, por não serem detentores de cargos públicos, não são atingidos pela regra da aposentadoria compulsória.

O mesmo renomado jurista, ao finalizar os seus comentários ao art. 236, da CF, assim se posicionou:

"Em conclusão, a ova sistemática prevista na CF de 1988 integrou de modo claro o notariado e os oficiais de registro no sistema jurídico que lhes atribui o estatuto de profissão liberal; qualificou os serviços notariais e os de registro como sendo de caráter privado por delegação do Poder Público; permitiu à lei disciplinar e regulamentar tais atividade e inclusive regras de afastamento definitivo nos casos de incapacidade comprovada, inabilitando ao exercício da profissão; e fundamentalmente os tabeliães e oficiais de registro que tenham completado setenta anos de idade, por ocasião da promulgação da CF de 1988, não serão atingidos pelo comando da aposentadoria compulsória, pois exercem uma atividade de caráter privado." (op. cit., pág. 494).

É de ser destacado, por significativo, o título que PINTO FERREIRA deu à 4ª Parte dos seus Comentários ao art. 236, da CF (pág.491):

"4ª Parte - Regime jurídico dos tabeliães e oficiais de registro na CF de 1988

I

A CF de 1988 e a abolição das aposentadorias compulsórias dos tabeliães e oficiais de registro que completarem setenta anos de idade depois de 5/10/1988".

11 - Não é demasia, tendo em conta a importância do tema enfocado, trazer à colação alguns pronunciamentos de eminentes magistrados e que, induvidosamente, caracterizam-se como irrespondíveis.

No Tribunal de Justiça do RGS, o culto e digno Desembargador JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER, no processo nº 595054982, assim se posicionou:

"Desde a Constituição de 198, os notários e oficiais de registro não são servidores públicos, não se lhes aplicando, portanto, as normas contidas em seus artigos 39 e seguintes. O art. 236 da Constituição é claro: " Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público." Isso, por si só, já seria suficiente para afastar a compulsoriedade da aposentadoria. Alguma dúvida que ainda pudesse haver restou afastada pelo disposto na Lei 8.935, de 18/11/94, que assim dispôs em seu art. 39: "Estingue-se a delegação a notário ou oficial de registro por: I - morte; II - aposentadoria facultativa; III - invalidez; IV - renúncia; V - perda, nos..."

De igual sorte,no Supremo Tribunal Federal, o Ministro MARCO AURÉLIO, no RE nº 178236-6-RJ, deixou assente o seguinte:

"Daí Hely, o administrativista por todos sempre lembrado, haver consignado em Direito Administrativo", publicado pela Editora Revista dos Tribunais, 14ª edição, à página 71, que:

"Estes agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público.

Nesta categoria se encontram os concessionários e permissionários de serviço público, os serventuários de ofícios e cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos e demais pessoas que recebem designação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo".

"Os notários enquadrados no artigo 236, em virtude de atuarem em caráter privado, não integram sequer a estrutura do Estado. Atuam em recinto particular, contando com os serviços de pessoas que também não têm a qualidade de servidor e que auferem salário em face de relação jurídica que os aproximam, regida não pela lei disciplinadora do Regime Jurídico único, mas pela Consolidação das Leis de Trabalho.

Sim, os empregados do Cartório, do notário dele titular, tais como este, nada recebem dos cofres públicos, não passando pela cabeça de ninguém enquadra-los, mesmo assim, como servidores e atribuir-lhes os direitos inerentes a esse status"...

Nota, a seguir, que é preciso dar-se conta das mudanças:

"Somente o misoneísmo, ou seja, o apego ao anteriormente estabelecido, sem perquirir-se as razões do novo enfoque, da realidade constitucional, é capaz de levar à conclusão de que nada mudou, persistindo, em que pese a referência ao caráter privado contida no artigo 236, a delegação indispensável a ter-se o exercício sob tal modalidade, o passado, ou seja, os parâmetros próprios à delegação."

Lembra, outrossim, a propósito, a tentativa frustrada de modificação da Lei nº 8.935/94:

"O Senador Eduardo Suplicy tentou, mediante a Emenda nº 10, ao Projeto 2.248/91, incluir mais uma hipótese de cessação da atividade da delegação, que seria, justamente, a compulsória, completados pelo titular os setenta anos de idade.

Essa emenda foi rejeitada por expressiva maioria. Fez-se ao mundo jurídico a vontade dos representantes do povo - os Deputados - e dos Estados - os Senadores. Digo que isso ocorreu não apenas sob ângulo político, presentes a oportunidade e a conveniência . A rejeição da emenda ao projeto foi em obséquio, em respeito a algo de dignidade maior, de objetividade ímpar, à Constituição Federal."

No mesmo julgamento anotam-se passagens elucidativas do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:

Não tenho dúvida de que se trata de serviço público, e aí me dispenso de outras considerações, tanto se "sangrou na veia da saúde" para mostrar o que me parece patente.

Cuida-se sim de um serviço público, o que, porém, não resolve, por si só, o status do seu agente; nem todo serviço público é executado por servidor público, e o exemplo típico é o do serviço público prestado por delegação do Estado, como está no art. 236 da Constituição. Não se pode conceber que o Estado delegue a prestação de serviço público a quem é servidor público. O delegado, é elementar, exerce a delegação em nome próprio; o servidor o faz em nome do Estado, representa o Estado, para fazer honra à linguagem do saudoso Pontes de Miranda."

"A investidura por concurso público também não me impressiona para caracterização do notário como servidor público. De um lado, no exemplo escolar de exercício de serviço público por delegação, que é da concessão do serviço público, a Constituição impõe licitação, que é, mutatis mutandis, uma forma de concurso. Neste Plenário, aliás, já levamos a exigência do concurso público também aos empregos em sociedades estatais, sem com isso afirmar que se tratava de servidores públicos."...

E concluindo:

"... para dizer da responsabilidade de servidor público não seria preciso prever que a lei o faria especificamente com relação à atividade dos oficiais de registro; também não era preciso prever que a lei regulará a fiscalização de sua atividade pelo Poder Judiciário, pois data vênia, o que o Estado exerce sobre os seus servidores é poder disciplinar, e não fiscalização, que é atividade de inspeção de atividade alheia, praticada em nome próprio." - (DJ de 11/04/97, pág. 12207; Ementário vol. 01864-08, pág. 01610).

12- Também podem ser alinhados, em grau de consignação sumária, liminares outorgadas por eminentes magistrados, em processos outros, a saber:

a) Ministro MARCO AURÉLIO:

"Vistos, etc.

1- ...................

2- ...................

3- Defiro a liminar pleiteada, assegurando ao Requerente, com os consectários próprios, a continuidade no exercício, como oficial do Cartório do 1º Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Piracicaba, dos serviços cartorários, tal como ocorreu, após a denegação da ordem, no âmbito da Corte de origem, isto em face ao recurso que interpusera.

4. - Dê-se conhecimento desta liminar ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo" - (doc. n° 7)

b) Des. ALUIZIO QUINTÃO

"Vistos, etc.

...................

Prima facie, parece-me estarem presentes os requisitos condicionantes da medida liminar requerida, eis que coexistem, in casu, a aparência de plausibilidade do direito invocado e a possibilidade de prejuízo de difícil reparação.

Defiro, portanto, a liminar pleiteada, para o fim específico de assegurar ao Impetrante, com os consectários pertinentes, a continuidade do exercício das suas atribuições na referida serventia, até oi julgamento final desta ação mandamental, nos termos legais. (doc. n ° 8).

De igual sorte, e porque os argumentos alinhados são relevantíssimos, vale destacar o voto proferido pelo eminente Ministro Humberto Gomes de Barros, no STJ, e relativo ao Recurso em MS n° 330-0-SP, publicado na Ver. Lex, vol. 45, págs. 86 e sgs., cujo teor é de uma incontestável juridicidade.

13.- ainda com referência à alusão feita pelo eminente Min. Marco Aurélio ao Senador SUPLICY, vale repisar que, quando da discussão do Projeto de Lei n° 16, de 1994, e apreciando emendas apresentadas, inclusive a de n°10, de autoria do Sem. Eduardo Suplicy, que pretendia fazer incidir a compulsoriedade da aposentadoria para os notários e registradores, a mesma foi rejeitada pela Casa Legislativa, o que faz ressaltar a real e efetiva vontade do legislador: a aposentadoria para esses agentes delegados é apenas facultativa.

Assim, se o legislador, durante a tramitação do Projeto de Lei, expressamente repeliu a condição de "servidor público" ao notário e ao registrador, vedando a aplicação da "expulsória" aos mesmos, não pode o Judiciário, para o efeito de admitir a "aposentadoria compulsória", denomina-los "servidores latu sensu". Isso não existe em direito administrativo. Os tabeliões e registradores não são detentores de "cargos públicos", o que lhes retira, de pronto, a condição de servidor público. Aliás, a Lei n° 8.935/94, em momento algum, alude a cargo de tabelião ou cargo de registrador, mas simplesmente ao exercício delegado de um serviço notarial ou de registro, isto é, à titulares de serviços, isto é à titulares de serviços. Agora, e como já aduzido, só o detentor de "cargo público" pode ser aposentado compulsoriamente (CF art. 40, II).

14. - Merece especial atenção um artigo na Revista ajuris, vol. 71, pgs. 81/93, de autoria do eminente Desembargador CRISTIANO GRAEFF JÚNIOR, que enfrenta com propriedade, o tema sub judice. Esse mesmo trabalho foi publicado na Ver. Revista de Direito Imobiliário, n° 47, págs. 116 e sgs.

De igual sorte é de se destacar a opinião abalisadíssima do eminente Prof. RAUL MACHADO HORTA, ao emitir Parecer sobre o tema, quando deixou claro e induvidoso de que a aposentadoria compulsória não se aplica aos notários e registradores.

Vale transcrever a lição:

"Serviços públicos e serviços privados são categorias que se repelem. Se a Constituição pretendesse qualificar os serviços notariais e de registro de serviço público, a regra constitucional incorporaria as palavras qualificadoras. O intérprete e o aplicador da Constituição não poderá introduzi-las na norma constitucional, exercendo tarefa de redação que lhe é verdade" (grifei)

E ainda aduziu, o ilustre mestre, categoricamente, o seguinte:

"Os Tabeliães e Oficiais de Registro, titulares de serviços privatizados pela constituição, não se enquadram na categoria de servidores públicos civis, nem se sujeitam às regras disciplinadoras dessa categoria. Por isso, a regra da aposentadoria compulsória, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço (Constituição Federal, art. 40, II), é inaplicável aos tabeliães e Oficiais de Registro que tenham atingido esta idade na vigência da Constituição promulgada em 05 de outubro de 1988. A norma constitucional ou legal porventura existe no regime anterior, impondo a aposentadoria compulsória dos titulares dos serviços notariais e de registro, perdeu a eficácia, por incompatibilidade com a regra da Constituição Federal de 05 de outubro, que explicitamente conferiu a esse serviço privado."

Com a mais respeitosa vênia, não é possível que tantos e tantos juristas de renome no País, com diuturnas incursões no campo do direito constitucional, e cujas manifestações restaram elencadas e apontadas neste trabalho, estejam equivocados, e que verdade e a certeza jurídicas sobre o tema sejam privativas de alguns julgados expendidos pelo STF e STJ. A Emenda Constitucional n° 20/98 veio demonstrar a erronia dessas r. decisões.

É preciso que se assimile a idéia, corporificada nos estatutos constitucionais e legal, que s notários e os registradores não são detentores de cargos públicos e que, em razão disso, não são funcionários públicos, nem strictu e nem latu sensu. é possível que, com a nova redação dada ao art. 40, da CF, não se insista mais nessa heresia jurídica.

É mister que se reconheça a impossibilidade de uma aposentadoria compulsória (aos 70 anos) contra texto constitucional expresso, dado que a Carta de 88 estatuiu os serviços notariais e registrais como serviços privados. Tanto a CF como as leis subseqüentes, federal (8.935/94) e estadual (11.183/98), filiaram-se declaradamente ao sistema jurídico que confere aos Tabelionatos e Registros o status de profissão liberal.

E se exercem uma atividade privada, não pertencem à categoria dos funcionários ou servidores públicos, vez que não ocupam cargo e não remunerados pelos cofres públicos.

15 - A comprovar tudo o que foi mencionado, articulado e demonstrado, há um outro elemento, constante da Lei n° 8935-94, e que se vê no artigo 20.

Segundo esses dispositivo os notários e os registradores poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, escreventes e auxiliares, escolhendo, dentre os primeiros, os seus substitutos.

Ora, haverá algum impedimento, por exemplo, de um notário contratar um escrevente com idade superior a 70 anos? Haverá algum impedimento desse escrevente ser escolhido substituto? E se o notário completar 70 anos? Pela tese da compulsória, o notário sai, mas o substituto fica, pelo menos até o novo provimento do Cartório, e o substituto permanece praticando os mesmos atos que o titular praticava.

Ainda pela Lei n° 8.935/94, a demonstrar que os agentes delegados deixaram de ser funcionários públicos, regulou-se a situação dos escreventes e auxiliares que detinham a condição de funcionário públicos e que, á critério dos interessados (titular do Ofício e servidores) poderiam transformar o regime jurídico, passando a empregados regidos pela CLT.

Pela tese de alguns acórdãos, esses funcionários, embora hajam optado pelo regime celetista, também continuariam a ser considerados servidores públicos latu sensu ou sui generis.

O absurdo é tão grande que não se compreende como, frente á Constituição Federal (art. 236) e à lei n° 8.935/94, ainda se possa considerar o notário e o registrador como servidores públicos. È evidente que, após a publicação da Emenda Constitucional n° 20, de 15/12/98, não se poderá mais afirmar tal heresia jurídica.

16 - Com o objetivo, ainda, de trazer maiores e melhores subsídios a respeito do tema jurídico sob exame, é de ser mencionado o brilhante trabalho elaborado pelo eminente Dês. DÉCIO ANTONIO ERPEN, sem dúvida uma das maiores autoridades nacionais sobre Direito Notarial e Registral, e que foi publicado na Revista de Direito Imobiliário nº 47, pág. 103 e sgs. Sua Excelência de forma clara, precisa e contundente, demonstra, nesse trabalho, que notário e registrador, por não titularem cargos efetivos, não são servidores públicos e, por isso, não podem ser atingidos pela aposentadoria compulsória.

Nesse mesmo número da Revista de Direito Imobiliário existem dois outros pronunciamentos, notáveis pelo conteúdo, e que estão a merecer a devida atenção.

São eles de autoria de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, insigne constitucionalista, e de RICARDO HENRY MARQUES DIP, eminente magistrado brasileiro.

Vale aludir, também, à Resolução nº 350/99, baixada pelo órgão máximo do TJMG e que dimensiona, com exatidão, o tema relacionado com a atividade notarial e de registro (doc. nº25).

No § 1º,do art. 2º, se disse:

"A vacância das serventias situadas na comarca de Belo Horizonte será declarada pelo Corregedor-Geral de Justiça, mediante comunicação do Juiz Corregedor que dirigir o foro , a qual será feita no prazo peremptório de cinco (5) dias úteis, sob pena de responsabilidade, com indicação da ocorrência que tiver dado causa a extinção da delegação, prevista no "caput" do art. 39 da Lei Federal nº 8935/94. (grifamos).

No 2° dessa Resolução se enfatiza a mesma norma, apenas alterando a autoridade comunicante.

Ora, essa previsão da Corte Superior do TJMG se ajusta ao que se tem sustentado reiteradamente: o notário e o registrador não podem ser aposentados compulsoriamente, porque esse tipo de inativação não consta do elenco estabelecido no art. 39 da Lei n° 8.935/94.

17 - Assim exposta a matéria impende que se adote a mesma conclusão emitida pelo eminente Des. DÉCIO ERPEN em seu brilhante trabalho.

Como contribuintes da Previdência Pública os notários registradores estão sujeitos apenas às normas da Previdência Social e, como tais, não são passiveis de aposentadoria compulsória por limite de idade.

Sendo os tabeliães e registradores profissionais públicos do direito e agentes particulares em colaboração com o Poder Público, que lhes delegou seu mister, não podem ser considerados funcionários públicos.

É de ser ressaltado que a partir da Constituição Federal 1.988 deixaram de existir os cargos de tabelião e registrador, dando lugar aos serviços de tabelionato e registros públicos os quais passaram a ser exercidos por agentes delegados em caráter privado.

Em assim sendo, só podem esses agentes ser afastados de suas funções nos casos expressamente previstos na Lei n° 8.935/94, que disciplinou suas atividades.

* O autor é Desembargador aposentado do TJRS, Professor Universitário e da Escola Superior da Magistratura - Ajuris e Advogado. 



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