BE409
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Opinião
A resposta abaixo foi enviada pelo Dr. João Figueiredo Ferreira ao jornal O Estado de São Paulo que, sabe-se lá movido por quais interesses, tem publicado notas e comentários absolutamente equivocados sobre as atividades notariais e registrais brasileiras e sobre o projeto de lei aprovado pelo Congresso que trata de aperfeiçoamento sistemático da Lei 8.935/94.
O editorial a que se refere está reproduzido logo abaixo.
O CENSURÁVEL PODER DA CALÚNIA
João Figueiredo Ferreira*
A verdadeira dificuldade não está em aceitar idéias novas, mas em livrar-se das antigas (John Maynard Keynes).
O posicionamento preconceituoso de algumas pessoas em relação à atividade notarial não permite que elas percebam as modificações que estão ocorrendo em relação a essa função, desde a aprovação do art. 236 da Constituição de 1988 e sua regulamentação pela Lei nº 8.935/94.
O editorial do dia 3 de dezembro (O misterioso poder desse 'lobby') leva-nos a meditar sobre a frase de Keynes. Atribuindo a 44 Senadores da República propósitos menores na aprovação de projeto de lei oriundo da Câmara dos Deputados, onde já fora também aprovado por expressiva maioria, o editorial lança aos parlamentares em questão calúnia odiosa, pela incapacidade objetiva de reação das partes envolvidas, que não dispõem dos mesmos meios para fazer frente às alegações injuriosas e absurdas sugeridas no editorial.
O projeto aprovado pelo Congresso Nacional dispõe que a aposentadoria compulsória não se aplica a notários e registradores, que são hoje profissionais do direito aos quais é delegado o exercício da atividade notarial e de registro. Até 1988, a função era exercida por funcionários da Justiça, que perderam essa qualidade com o advento da nova Constituição Federal.
Ao regulamentar a profissão de notário e registrador, o art. 39 da Lei nº 8.935/94 estabeleceu as formas de extinção da delegação: por morte, aposentadoria facultativa, invalidez, renúncia ou perda, ressalvando que a aposentadoria facultativa ou por invalidez se daria na forma da legislação previdenciária federal. Note-se que a lei poderia ter expressamente incluído a aposentadoria compulsória entre as formas de extinção da delegação, mas não o fez, referindo-se apenas à aposentadoria facultativa ou por invalidez.
A frase de Keynes tornou-se pertinente ao caso em questão quando alguns magistrados simplesmente não aceitaram a modificação da atividade notarial e registral, impondo a aposentadoria compulsória aos titulares de cartórios que completavam 70 anos, como se funcionários públicos continuassem a ser. Ou seja, quando esses profissionais se encontram no auge de sua formação e técnica jurídica são alijados da atividade, como se a experiência acumulada fosse um fardo que devesse ser levado ao lixo, por contingências de um dispositivo legal que data de 1934, ao invés de um patrimônio cultural a ser preservado.
O projeto ora aprovado nada mais faz senão esclarecer em definitivo a questão, deixando claro que a aposentadoria compulsória não se aplica a notários e registradores, os quais se sujeitam às mesmas normas que regulam a vida de qualquer profissional do direito. A outorga da delegação a esses profissionais é precedida de concurso público de provas e títulos ao qual concorrem candidatos com o curso de bacharel em direito, das mais diferentes idades, convocado e realizado sob a exclusiva responsabilidade do Poder Judiciário, a quem cabe a fiscalização dos atos da profissão.
O preconceito ou o desconhecimento do importante papel desenvolvido pela atividade notarial e de registro na garantia da segurança e da eficácia dos atos jurídicos permite que o autor do editorial aproveite a oportunidade para posicionar-se contra, entre outras coisas, o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia, como se tais exigências fossem feitas pelos notários ou registradores, e não um sistema adequado e barato de proteção jurídica da sociedade. Tais serviços existem em mais de 70 países, da mesma forma como são prestados em nosso país, ao contrário do que acredita o autor do editorial.
Em outra manifestação de preconceito, o editorial repete o chavão de que em certas capitais alguns cartórios chegam a faturar R$ 1 milhão por mês, atribuindo a alguns senadores tal avaliação.
No entanto, todos sabemos que a maioria dos serviços notariais e de registro são prestados à sociedade de maneira digna e adequada por modestos e competentes profissionais.
Nos países mais desenvolvidos, como a Alemanha, o Japão, a França, a Itália, a Áustria, a Espanha e tantos outros, a atividade notarial é respeitada, contribuindo decididamente para a segurança e a paz social que impera em tais países. Desejamos que o Brasil esteja presente nesse grupo privilegiado de nações e trabalhamos para que esse desejo se torne realidade.
Para fazer frente a tal desafio, os tabeliães estão investindo em instalações, em qualificação profissional e em tecnologia. Como resposta às necessidades da contratação à distância, os notários e registradores brasileiros acabam de firmar convênio com o Serpro objetivando exatamente prestar um serviço profissional da mais alta qualidade, oferecendo à sociedade o que existe de mais atual e seguro no gênero. É lamentável que o autor do editorial desconheça esses fatos e atribua genericamente a notários e registradores supostas atitudes e vícios que a fiscalização dos atos exercida pelo Poder Judiciário tem o direito e o dever constitucional de coibir.
* João Figueiredo Ferreira é Presidente do Colégio Notarial do Brasil.
O misterioso poder desse 'lobby'
Apesar dos pareceres contrários dos Ministérios da Justiça e da Previdência, da disposição do governo de impedir o retrocesso na regulação de uma instituição já por si arcaica e da praticamente unânime opinião dos juristas quanto a seu despropósito, foi aprovado pelo Senado o projeto de lei que acaba com a obrigatoriedade de os notários e oficiais de registro se aposentarem aos 70 anos - o que implicaria a substituição, por concurso público, dos responsáveis pelos cartórios. Com isso, a titularidade dos cartórios assume caráter vitalício - ou seja, só acaba com a morte - e neste sentido se distingue de todos os outros serviços públicos existentes no País, que exigem aposentadoria compulsória, por idade.
Ao conseguir impor uma fragorosa derrota ao governo, obtendo 44 votos de sua base parlamentar - depois de o governo ter se posicionado contra o projeto, em reunião na manhã do dia da votação -, o poderoso lobby dos donos dos cartórios mostrou a sua força real, que sem dúvida também é uma força em reais, já que em certas capitais alguns cartórios chegam a faturar R$ 1 milhão por mês, conforme avaliação de alguns senadores. E de que outra forma se poderia explicar tão grande capacidade de persuasão, por parte de tão poucos interessados, perante tão grande número de parlamentares? Será que grandes contingentes eleitorais, desses parlamentares, exigiriam a concessão desse abusivo privilégio, para desfrute exclusivo dos "donos" dos cartórios?
Na verdade, antes de ser uma instituição, o nosso sistema cartorário é um vício herdado dos tempos coloniais. Ele traz em seu bojo uma crônica presunção de desconfiança em relação a todos os membros de uma sociedade. De longa data, o Brasil tem sido o país da firma reconhecida, da exigência de comprovação documental para tudo, dos RGs, CPFs, da "autenticação" para comprovar a veracidade dos documentos, dos registros oficiais sem os quais as relações negociais não terão validade - seja uma escritura de compra e venda de um imóvel ou uma ata de assembléia de condôminos -, das certidões negativas de débitos e por aí vai. Nas democracias maduras vale a palavra do cidadão, até prova em contrário. Nelas ninguém precisa ficar demonstrando o tempo todo que "existe" (certidão de nascimento), que "reside" (comprovação de residência por contas de luz, água, etc.), que não é sonegador inveterado (certidão negativa de débitos fiscais), que não é réu (certidão negativa dos cartórios das varas cíveis e criminais), que não é doente (atestado de saúde) e até que não está mais vivo (atestado de óbito)...
Só para se ter uma idéia da diferença: a grande celeuma que se travou nos Estados Unidos, em torno do eventual desrespeito aos direitos da cidadania - depois da tragédia do 11 de setembro -, foi o da obrigatoriedade, que lá nunca houve, de se ter carteira de identidade! É preciso dizer mais?
Se tivessem prevalecido as idéias ou se se tivesse dado seqüência às iniciativas do saudoso ministro Hélio Beltrão, em sua luta inglória pela civilizada desburocratização do País, nossos cartórios, de todo gênero, teriam retornado ao registro histórico dos séculos passados, aos quais pertencem e dos quais, a rigor, nunca saíram. O novo Código Civil - aprovado em agosto, depois de um quarto de século, e atualmente em período de vacatio legis, por dois anos - procura em certo grau (ainda não o suficiente) estabelecer a confiança na palavra do cidadão, ao dispor (artigo 225) que as autenticações de documentos só serão necessárias se alguma parte interessada o exigir, por desconfiança de que sejam falsos. Já é um bom caminho, no sentido de deixar-se legalmente de presumir, neste país, que todos os seus habitantes são falsificadores até prova em contrário...
Se o sistema obrigatório dos registros cartorários já significa, por si, um clamoroso símbolo do atraso, no campo do reconhecimento puro e simples do valor da cidadania, tal como se efetiva nos países mais desenvolvidos - que levam em conta os avanços tecnológicos no campo da informação e da transmissão de dados, que permite os contratos e operações de todo gênero, entre partes, celebrados via Internet e conexões online -, a amplitude das funções dos cartórios se torna um anacronismo, de fato, jurássico. Ou será que o lobby cartorial é tão poderoso, a ponto de conseguir que um vício do passado impeça a evolução do futuro? (OESP 3/12/2001).
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