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Propedêutica Jurídica: uma perspectiva jusnaturalista
Ricardo Dip lança livro em SP
O conhecido autor e colaborador assíduo da Revista de Direito Imobiliário do Irib, juiz Ricardo Henry Marques Dip, acaba de lançar uma obra que vem sendo reconhecida como importante contribuição ao pensamento jurídico luso-brasileiro.
A obra que realizou em parceria com o jurista português Dr. Paulo Ferreira da Cunha, professor da Universidade de Coimbra e celebrado autor português, acaba de chegar às livrarias em bem acabada edição da Millenium.
A obra foi escrita por autores separados pelo Atlântico. Segundo nota da Editora, "a idéia original era suprir os anseios dos estudantes sobre o pensamento jusnaturalista, mas o resultado permite que seja lido por curiosos em geral. Não obstante o enfoque e a terminologia jurídicos a obra é escrita com tal fluidez de pensamento que desobriga o leitor de fazer complicados exercícios de leitura. É envolvente!".
A entrevista abaixo, concedida ao Empório do Saber (http://www.emporiodosaber.com.br) , dá-nos uma visão do autor sobre o trabalho recém publicado. Confira.
Empório - O que significa "Propedêutica Jurídica - uma perspectiva jusnaturalista?".
Dr. Dip - É um trabalho dedicado aos estudantes. Desde que eu entrei na Faculdade, no final da década de 60, sempre tive muita curiosidade de estudar o pensamento jusnaturalista e não encontrava, facilmente, entre nós, obras específicas (a de José Pedro estava esgotada então). A intenção foi escrever um livro que fosse acessível, em português, para estudantes, cujo preço fosse razoável porque todo estudante precisa comprar livros baratos e que fosse uma obra clara na exposição - existem muitas obras de Direito Natural que são muito complexas, algumas em latim, em francês, inglês, alemão... O que se pretendeu fazer foi uma iniciação, um trabalho muito simples, para estudantes e também do ponto de vista mercadológico uma introdução que tem seu atrativo. A Editora Millennium fez uma obra realmente interessante: do ponto de vista gráfico conseguiu fazer um jogo de espaços em branco para anotações, juntou figuras, fotos. É uma introdução ao Direito desde a perspectiva jusnaturalista. É um livro que convida ao debate.
Empório - É para ser usado em sala de aula?
Dr. Dip - Também. Eu estou fazendo a experiência de utilizá-lo assim. Embora seja um livro de introdução, há facilmente uma ponte que pode ser usada para a Filosofia do Direito. Os meus alunos estão fazendo testes; eu mostro uma figura e peço que eles debatam sobre isso para suscitar a reflexão jurídica, com uma certa orientação que vai nos levar ao direito natural, ou seja, à idéia do justo.
Empório - Como surgiu a idéia de escrever o livro?
Dr. Dip - O Paulo Ferreira da Cunha mandou-me um livro seu que estava esgotado chamado "Direito". Eu mostrei para duas alunas o livro que me chamou atenção porque tinha figuras, não era sisudo como os livros habituais de Direito. Minha primeira idéia era atualizar o livro no Brasil, o que foi aprovado pelas meninas. Escrevi ao Paulo propondo que fizéssemos algumas alterações, condizentes com a realidade brasileira. Ele preferiu que escrevêssemos um novo livro. Começamos a trocar e-mails (chegamos a 4 por dia), o que nos permitiu terminar o trabalho muito rapidamente, apesar da distância, pois o Paulo mora na cidade do Porto, em Portugal.
Empório - Então o sr. recomendaria este livro para os estudantes que estão entrando na faculdade?
Dr. Dip - Eu acho que é um livro interessante tanto para alunos do primeiro ano quanto para os de quinto. Os "iniciantes" porque vão aprender conceitos novos, os "veteranos" porque a obra proporciona um fecho para aqueles conceitos que eles começaram a aprender quando entraram na faculdade e foram aprofundando ao longo da vida acadêmica. Mas é também um livro de leitura interessante para aqueles que não têm contato acadêmico com o Direito. Eu tenho alguns amigos de outras áreas que estão lendo e gostando, justamente porque o livro trabalha um pouco com idéias que todo mundo tem, a chamada pedagogia assimilativa. Também permite avaliar um pouco a própria vocação, no caso dos estudantes que estão em dúvida sobre o curso.
Empório - Quem se forma em Direito pode escolher entre diversas profissões, o que provoca uma certa confusão que é mencionada no livro...
Dr. Dip - É uma tradição e algo que é uma situação de fato. Na Espanha chegaram a levantar mais de 100 profissões que são exercidas por quem tem o curso de Direito. Quando se pergunta ao jovem estudante o que ele estuda, se disser Direito, habitualmente as pessoas já ligam o curso à profissão de advogado, o que é um erro. Temos um problema de linguagem, o fato de termos duas palavras na origem latina que significam a mesma realidade de Direito - uma é derectum e a outra é ius. Daí quem se forma em Direito é Jurista. Nossa dificuldade é não ter nenhuma palavra que identifique a profissão a partir do vernáculo "direito".
Empório - Os profissionais do Direito têm que se especializar em determinada área ou têm a obrigatoriedade de entender do sistema inteiro?
Dr. Dip - Eu acho que nós precisamos ser realistas com o universo jurídico. O estudante de Direito está sendo chamado cada vez mais a sobreviver economicamente na sua profissão. Eu mesmo tenho uma forte vontade de um dia estudar unicamente a Filosofia do Direito, mas me dediquei a me especializar em Direito Registral Imobiliário, tanto que até hoje se há uma especialidade em que me identifico é a do Direito Registral, embora eu esteja há 7 anos estudando Direito Penal. Eu não considero um mal a especialização. O mal é a tendência de separar as especialidades do conjunto do Direito, porque tratamos delas como se não fossem compartimentos de uma mesma casa, o que nos faz perder a noção do todo, que é importante porque o Direito como um todo deve encarrilhar para a organização do bem comum. Nós só teremos condições de compreender a justiça especializada quando entendermos a justiça como um todo.
Empório - O sr. acha que o Direito é justo?
Dr. Dip - O Direito é uma coisa justa, mas está projetada para ser realizada em cada caso. O Direito propende a isto, a legislação também. Esse volume enorme de leis é uma tendência própria do positivismo normativista em considerar que o Direito é a mesma coisa que a lei. Acaba passando a impressão que o Direito não pode ser justo. Há uma contradição nisso. Ou o Direito é justo ou não é Direito.
Empório - Há várias interpretações para o mesmo fato?
Dr. Dip - É possível haver várias perspectivas de um fato. A riqueza de peculiaridades pode dar-se de tal sorte que se percebam diferentes aspectos de uma mesma coisa. Contrariamente a esta possibilidade de perspectivas diversas de um mesmo objeto é que nós pretendêssemos que não existe a realidade, ou que a realidade não pode ser apreendida só porque ela pode ter várias perspectivas. Aqui haveria um erro muito grave. Os fatos podem ter sensações distintas, mas não necessariamente elas serão todas verdadeiras e o critério que se usa para saber se uma coisa é verdadeira ou não é o critério de adesão à realidade.
Empório - Qual a relação entre o amor e o Direito?
Dr. Dip - Há uma imensa gama de comportamentos sociais que são ordenados pelo amor e não pelo Direito. O Direito não pode exigir o amor compulsório. Não pode exigir ao marido que ame sua mulher ou a uma mãe que ame seu filho. Não pode impor o amor, mas pode socorrer materialmente para evitar alguns efeitos do desamor. Uma sociedade não se faz exclusivamente do Direito. As tentativas de fazer uma sociedade à margem do amor fracassaram. Felizmente fracassaram. Temos cada vez mais de verificar que a sociedade se integre em parte pelo Direito, em parte pela força, que é indispensável muitas vezes para manter a ordem, força essa que deve ser regulada pelo Direito e temperada pelo amor. Assim como o amor deve ser socorrido pela força e também, na medida do possível, subsidiado pelo Direito. São três forças distintas para manter a ordem social. Uma ordem justa e moral.
Empório - O que há de diferente no livro que o sr. gostaria de destacar?
Dr. Dip - Em primeiro lugar, é uma obra jusnaturalista. Acho que está na hora de se fazer uma experiência, a experiência da tradição, que é o jusnaturalismo clássico. Deu-se oportunidade a tudo que foi contra a tradição: o resultado do positivismo, do iluminismo, está à mostra - guerras mundiais, totalitarismo -; está na hora de realizarmos uma experiência clássica. Que terá tido seus defeitos, porque não há instituição humana perfeita. Não se pode imaginar algo humano sem defeitos. O livro ressuscita autores, desde os romanos, passando por Santo Isidoro de Sevilha, chegando a São Tomás de Aquino que foi o ponto de culminância desse pensamento até chegar ao pensamento contemporâneo. Talvez seja a solução para a crise mais do que secular. Saímos até aqui sempre de coisas ruins para coisas piores. É hora de experienciar a verdadeira tradição. Em segundo lugar o livro tem uma novidade que se deve fundamentalmente ao Dr. Alfredo, diretor da Millennium, que apostou em uma reformulação gráfica muito interessante; é magnífico. Em terceiro lugar o fato de escrever a 4 mãos com um autor português, separados pela distância imensa que o Atlântico nos impõe e conseguirmos tamanha unidade de pensamento e de estilo. Um quarto ponto é o de que se trata de uma obra para universitários; não é obra de um filósofo do Direito, nem de um literato jurídico, mas um trabalho de professores, que fomentam o diálogo com a participação dos alunos. Não é o livro perfeito, mas busca a verdade.
Empório - O sr. tem outros livros que gostaria de mencionar?
Dr. Dip - Este ano eu tive a ventura e a aventura de publicar como autor ou co-autor 3 livros. Como atualizador, mais um, todos pela Editora Millennium. No início do ano eu publiquei o Direito Penal - Linguagem e Crise, uma obra que se está esgotando. Talvez se lance uma 2ª edição revisada. No fundo é um livro que representa uma aula, também. Depois houve o lançamento de uma obra atualizada do Dr. José Frederico Marques, Estudos de Direito Processual Penal, que me levou a uma interpelante introdução. Talvez tenha sido aí o mais importante esboço que eu escrevi sobre meu próprio pensamento. É um resumo exatamente do que eu penso em matéria jurídica, e eu nunca tinha feito isso em lugar nenhum. Enfim, finalmente em julho eu coordenei e também fui co-autor de um trabalho chamado Tradição, Revolução e Pós-modernidade. Esse livro reúne 12 autores estrangeiros de grande valor e mais 4 autores brasileiros também valiosos; além de mim próprio. O primeiro passo para unir os autores é que todos trataram ou de tradição, ou de revolução ou de pós-modernidade, ou de mais de um dos temas. Segunda coisa é que o livro é uma homenagem em face do décimo aniversário da morte de José Pedro Galvão de Sousa, que foi o maior teórico brasileiro do Direito Natural. Vai demorar muito tempo - se é que esse tempo chegará - para o pensamento do José Pedro, no campo da Filosofia do Direito, ser superado no Brasil. A terceira coisa que me orgulha muito é que todos os autores são meus amigos, o que facilitou a coordenação do livro. Eu tenho recebido alguns elogios. Na semana passada recebi um e-mail de um grande advogado de São Paulo, Dr. Max Basile, que disse que este livro se transformará, para ele, em um livro de cabeceira, de consulta obrigatória. Já está circulando em Buenos Aires e vai ser lançado solenemente em Madrid, em março ou abril do próximo ano. Publicou-se ainda agora em Buenos Aires um relevante elogio à obra.
Dr. Ricardo Henry Marques Dip é Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, integrando a 11O Câmara, Membro da Academia Paulista de Direito, Leciona na Faculdade de Direito da Universidade Paulista - campus Alphaville, e é professor convidado do curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Buenos Aires.
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