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Emolumentos notariais e registrais

As normas gerais em debate


O Boletim Eletrônico do Irib/AnoregSP. procurando aprofundar e debater aspectos práticos da aplicação da Lei 10.169 de 2000, que regula o § 2 do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Para início dos debates, convidamos o juiz paulista Dr. Hélio Lobo Jr. para uma entrevista, colocando em discussão o que parece ser o ponto mais controvertido da Lei: a questão da imediata (ou não) aplicação das restrições contidas no artigo 3, independentemente de lei superveniente.

O Dr. Hélio Lobo Jr. é Juiz do Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, muito conhecido e respeitado por todos os profissionais do direito envolvidos com o tema do direito registral e notarial no Brasil. O Dr. Hélio Lobo especializou-se em estudos que fez sobre parcelamento do solo urbano e o Registro de Imóveis, tendo sido Juiz da Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo e Juiz-Auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado.

A entrevista é o ponto de partida para os estudos e comentários que serão aqui publicados.

Boletim Eletrônico - O advento da Lei 10.169, de 29 de dezembro de 2000, causou certa perplexidade entre os usuários dos serviços e os registradores e notários brasileiros. Especialmente a redação do artigo 9o, que trata das vedações estabelecidas na própria lei. Como o Sr. interpreta a abrangência do citado artigo 9o?

Dr. Hélio Lobo Jr. De fato, a redação da Lei dá ensanchas a interpretações conflitantes e pode causar, de início, certa perplexidade ao intérprete. Mas é preciso atentar muito bem para o real sentido da Lei - o que pode ser facilmente alcançado a partir de uma exegese mais racional e consentânea com os objetivos que inspiraram o seu advento. Com efeito, se as prescrições estabelecidas no artigo terceiro deverão ser observadas desde logo, então a prática de algumas espécies de atos - notadamente aqueles que se baseiam em emolumentos fixados com base em percentual incidente sobre o valor do negócio jurídico - estaria simplesmente inviabilizada. E por uma razão muito simples: a cobrança pela prática desses atos estaria impossibilidade pela inexistência de tabelas substitutivas pendentes de edição.

BE - Em alguns Estados da Federação as tabelas de custas são inteiramente calcadas em percentagens deduzidas do valor dos negócios jurídicos. A entender-se que a Lei exigiria a aplicação imediata das suas vedações, estar-se-ia inviabilizando a própria prestação dos serviços, o que seria ilógico e representaria indesejável desequilíbrio econômico e financeiro para os serviços.

HL - De fato, admitir-se que pelo prazo de 90 dias a prática desses atos estaria suspensa é mesmo bastante ilógico. E mesmo conceder que a cobrança dos emolumentos, nesses casos, estaria simplesmente vedada, tal fato infringiria frontalmente a própria lei, que dispõe que deverá ser garantida a "adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados". E não é só. É oportuno salientar que a latere da adequada remuneração desses serviços, a lei aponta para o caráter social dos serviços notariais e de registro e todos nós sabemos que há emolumentos cobrados com base em percentual para beneficiar justamente os adquirentes de baixa renda. O mesmo se dá com o registro de conjuntos habitacionais e com as regras bastante favorecedoras para a lavratura do protesto de microempresas, sem falar na legislação de crédito rural, que estabelece regras e preceitos que seriam atingidos em cheio por uma interpretação literalista e apressada. Depois, não se pode negar que essa conclusão levaria a um paradoxo, pois se por um lado a lei federal poderia beneficiar uma classe de usuários - coincidentemente os de maior poder aquisitivo, aqueles que celebram contratos com valores elevados - de outro prejudicaria os mais necessitados. Trata-se de uma inversão cruel dos objetivos sociais da lei.

BE - E se os Estados e o Distrito Federal não editarem no prazo de 90 dias as respectivas normas legais fixando tabelas substitutivas?

HL - Esse aspecto é importante para as conclusões aqui expendidas. Não se deve olvidar que as tabelas substitutivas poderão demorar mais do que o prazo estabelecido no artigo 9o. Evidentemente que tal circunstância não poderá ser imputada aos usuários ou mesmo aos delegados do serviços notariais e registrais. Nesse caso pergunta-se: ficará suspensa a prática dos atos de registro? Ou sua cobrança será suspensa por falta de um critério definidor?

BE - Não seria possível a adoção de um critério analógico para o cobrança desses atos, aplicando-se a tabela ordinária sempre que ela se referir a percentagem?

HL - Não há analogia em direito tributário. A melhor exegese da Lei, na minha opinião, deverá levar em conta a aplicação desde logo dos preceitos proibitivos do parágrafo único do artigo 9o, quando cabíveis. Vale dizer, quando as novas tabelas de emolumentos, revistas e adaptadas, forem publicadas, prevalecendo, até então, a remuneração na forma da legislação em vigor nos Estados e no Distrito Federal, sob pena de se estabelecer um vazio normativo incompatível com os preceitos básicos de nosso sistema jurídico. A redação da própria lei leva a essa interpretação quando projeta para mais adiante a proibição de fixação de percentuais, vale dizer, quando estatui comando legal expresso dirigido ao legislador para elaboração das futuras tabelas. Mas note que não só das tabelas substitutivas do artigo 9o, mas de toda e qualquer norma legal ou regulamentar, inclusive da própria União, que tenha por objeto a fixação de emolumentos com base em percentual. A lei estabelece um marco definidor de um critério que deverá nortear a atividade legislativa a partir de seu advento. Isto é, sem cogitar aqui de eventual afronta ao princípio federativo deste Lei Federal, quando se impõe aos Estados e Distrito Federal limites à sua atuação legislativa e sem levar em conta o princípio de anualidade para fixação de tributos ou taxas, como é o caso dos emolumentos notariais e registrais.

BE - E quando as vedações se harmonizem e sejam congruentes com as leis de custas e emolumentos dos Estados?

HL - Bem, se algumas vedações se compatibilizarem com a legislação anterior, sem causar a paralisia dos atos pela ausência de regulamentação, poderão ser, desde logo, aplicadas. É o exemplo das contidas nos incisos III e IV do artigo terceiro. Assim, as normas gerais previstas na lei n.10.169, de 29.12.2000, se não dependerem da edição de tabelas complementares pelos Estados e Distrito Federal, deverão, desde logo, ser seguidas, mas, se estiverem condicionadas às novas tabelas, previstas no artigo nono e parágrafo único, dependerão de regulamentação, sob pena de se instaurar o caos normativo, justamente pela ausência de preceitos a observar.

BE - O Senhor sustenta, em conclusão, que seria lógico e razoável manterem-se as atuais regras que imperam a cobrança de emolumentos até lei superveniente?

HL - Os atos relativos a situações jurídicas com conteúdo financeiro, deverão ser estabelecidos conforme percentual incidente sobre o valor do negócio jurídico objeto dos serviços notariais e de registro, até que tabelas editadas pelos Estados ou Distrito Federal estabeleçam faixas com valores mínimos e máximos, nas quais enquadrar-se-á o valor constante do documento apresentado. A expressão desde logo prevista no parágrafo único deverá se entendida e aplicada diante da possibilidade para a sua efetivação, pois, caso contrário, até a edição das tabelas mencionadas no caput do dispositivo, inexistirá parâmetro que permita a cobrança dos emolumentos pelos atos praticados, o que contraria a lógica do razoável. 



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