BE3312
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Cédula de crédito industrial – firma individual – inadmissibilidade. Qualificação registral. Legalidade. Integralidade
Dúvida suscitada pelo segundo Oficial de Registro de Imóveis de Piracicaba, SP, julgada procedente pelo Conselho Superior da Magistratura (BE 3310)
Excelentíssimo Senhor Doutor Eduardo Velho Neto
Digníssimo Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba-SP
Corregedoria Permanente das Serventias de Registros de Imóveis
DÚVIDA
Suscitante: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Piracicaba/SP.
Suscitado: Banco do Brasil S/A.
ANTONIO REYNALDO FILHO, 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Piracicaba, Estado de São Paulo, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 198 e seguintes da Lei Federal nº 6.015/73, em atendimento ao requerido pelo Banco do Brasil S/A., suscitar a presente dúvida, expondo o quanto segue:
Aos 04/10/2006, foi apresentada a esta Serventia e conseqüentemente prenotada sob nº 113.595, a Cédula de Crédito Industrial nº 40/00245-4, datada de 10 de fevereiro de 2006, emitida por Roberto Carrer ME em favor do Banco do Brasil S/A, a qual encerra obrigação no valor de R$ 35.000,00, garantida pela alienação fiduciária do bem havido com o crédito (uma impressora Plotter, marca Roland, modelo SP540v) e pela hipoteca constituída sobre o imóvel matriculado neste Registro sob o nº 12.712.
Aludido título foi qualificado negativamente, conforme nota de devolução de 09/10/2006, e, tendo sido devolvido à parte interessada, foi reapresentado a este Registro no dia 19/10/2006.
Expostos os fatos, passamos a declinar as razões da dúvida.
Conforme explicitado na nota devolutiva respectiva, a falta de personalidade jurídica da firma individual (ou empresário individual) impede a efetivação do registro.
Com efeito, é sedimentado o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca de tal assertiva. Senão vejamos.
Conforme o escólio do consagrado comercialista Rubens Requião, “A firma individual, do empresário individual, registrada no registro do comércio, chama-se também de empresário individual. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu quer sejam civis, quer sejam comerciais; a transformação de firma individual em pessoa jurídica é ficção do direito tributário, somente para o efeito de imposto de renda” (Curso de Direito Comercial, v.1, p.74, Saraiva).
E no mesmo sentido a jurisprudência:
“Tratando-se de firma individual, o patrimônio confunde-se com o da pessoa natural. Não ocorre distinção posto que o patrimônio serve às duas figuras. A empresa individual não tem personalidade jurídica própria e independente da de seu titular, tratando-se de uma única pessoa” (Agravo de Instrumento n. 221065-1 – Pirassununga, Rel. Benini Cabral, CCIV 7, v.u. 30/11/94).
“A firma individual é equiparada à pessoa jurídica tão somente para fins tributários. Confunde-se com a pessoa do seu titular, que com seus bens responde integralmente pela execução, configurando fraude à alienação feita após sua citação” (Agravo de Instrumento 59.185-5, Jaú, 4ª Câmara de Direito Público, Rel. Eduardo Braga, 4/12/97, v.u).
Ora, em não tendo a firma individual personalidade jurídica, os negócios jurídicos por ela celebrados e instrumentalizados pela cédula em cotejo (emissão de título de crédito, alienação fiduciária etc.) são inexistentes, pela falta de elemento estrutural de ordem geral, o agente.
Conforme obtempera o eminente Professor Antonio Junqueira de Azevedo:
Assim, se o negócio jurídico é uma espécie de ato jurídico, torna-se óbvio que não há um negócio sem um agente (do verbo ‘agere’, cujo particípio passado é ‘actum’).”
(...)
“Os elementos gerais ‘extrínsecos’, portanto, são três: tempo, lugar e agente, dos quais os dois primeiros são comuns a todo fato jurídico e o último, ao ato jurídico em sentido amplo. Esses elementos são não apenas extrínsecos, mas também elementos pressupostos, no sentido preciso de que existem ‘antes’ de o negócio ser feito” (in Negócio Jurídico, Existência, Validade e Eficácia, 4ª Edição, 2002, Saraiva, p. 33).
O mesmo autor, na obra já referida, à pág. 74, deixa assentado o seguinte:
Os ‘elementos gerais’, sintetizando o que foi dito neste parágrafo até aqui, são, pois, aqueles sem os quais nenhum negócio existe. Podem ser: a) ‘intrínsecos’ (ou constitutivos): forma, objeto e circunstâncias negociais; e b) ‘extrínsecos’ (ou pressupostos): agente, lugar e tempo do negócio”.
“Sem os citados elementos gerais, qualquer negócio torna-se impensável. Basta a falta de um deles para inexistir o negócio jurídico. Aliás, precisando ainda mais: se faltarem os elementos tempo ou lugar, não há sequer fato jurídico; sem agente, poderá haver fato, mas não ato jurídico; e, finalmente, sem circunstâncias negociais, forma ou objeto, poderá haver fato ou ato jurídico, mas não negócio jurídico”.
É intuitivo, não demandando maiores argumentos, que atos inexistentes não podem acessar o fólio real.
O C. Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, em recente decisão proferida na Apelação Cível nº 523-6/9 de Jundiaí, relatada pelo Desembargador Corregedor Geral da Justiça, Gilberto Passos de Freitas, foi peremptório ao asseverar a impossibilidade de acesso ao registro imobiliário das cédulas emitidas por firma individual, cuja ementa tem o seguinte teor:
Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa de acesso ao registro de Cédula de Crédito Comercial com Hipoteca Cedular emitida por firma individual – Imóvel registrado em nome desta – Impossibilidade - Necessidade de regularização do registro e do próprio título – Recurso não provido, com observação” (cópia da íntegra da decisão segue anexa).
Informa-se a Vossa Excelência que, no último dia 11 de outubro, foi distribuído junto a esse d. Juízo de Direito, sob o nº 0135163-3, processo de dúvida envolvendo questão jurídica idêntica à aqui tratada, figurando como suscitado, igualmente, o Banco do Brasil S/A.
À vista do exposto, submete-se a presente dúvida à elevada apreciação de Vossa Excelência, que decidirá a melhor forma de se proceder.
Piracicaba-SP, 23 de outubro de 2006.
ANTONIO REYNALDO FILHO
Oficial
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