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III Seminário Internacional de Direito Registral Imobiliário: o sistema registral português
Leia o inteiro teor do trabalho apresentado pelaprofessora Margarida Costa Andrade, da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal.
O III Seminário Internacional de Direito Registral Imobiliário, realizado nos dias 2 e 3 de abril de 2008, na Universidade Fundação Educacional Serra dos Órgãos, em Teresópolis, no Rio de Janeiro, foi promovido em parceria pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Irib; Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Unifeso; Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, Arisp; Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de Minas Gerais e Associação dos Notários e Registradores de Minas Gerais, Serjus-Anoreg/MG; Colégio de Registradores da Espanha e Cadri, Curso Anual de Direito Registral Iberoamericano. O evento foi co-patrocinado pelo banco Santander e pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, Abecip.
O sistema registral português — Breve descrição*
Margarida Costa Andrade **
As primeiras palavras que devo dirigir a este auditório são de natureza preventiva. Pois que não sou conservadora — ou, se quiserem, registradora —, nem notária.
De qualquer modo, aceitei com muita audácia o convite que o Sr. Dr. Eduardo Pacheco de Souza teve a gentileza e a generosidade de me dirigir para estar hoje aqui, apresentando o sistema registral português, e em representação do Centro de Estudos Notariais e Registais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, CENOR, com que o IRIB tem desenvolvido uma profícua colaboração de há uns anos a esta parte.
Aquelas palavras de prevenção ainda mais se justificam, porque o direito registral é, ao contrário do que muitos parecem pensar, um ramo jurídico de exigência técnica muito elevada, dada a importância fundamental que reveste na construção de um sistema de segurança e de certeza jurídica para toda uma comunidade, além de que tem sido em Portugal objeto de um profundo processo de alteração, que começou no ano de 2007 e se pretende definitivamente terminado no final de 2008.
Bem, seja como for, procurarei cumprir a tarefa que me foi entregue, sem gorar as expectativas de quem aqui me trouxe, de quem aqui me ouve e de quem eu represento. É que, como diria o Brás Cubas de Machado de Assis, nas suas memórias póstumas, “eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado.”
Traços gerais do sistema registral imobiliário português. Registro é condição de oponibilidade de direitos
Ora, tal como por enquanto ainda se encontra, o sistema registral português é, sinteticamente, um sistema de fólio real, com efeitos declarativos, e de fé pública, embora apenas na medida em que gera fé pública negativa1.
Na verdade, encontra-se organizado a partir do prédio, registrando-se os sucessivos fatos que a ele se referem, buscando-se uma tradução nas tábuas dos atos e negócios jurídicos que têm o prédio por objeto. Supõe-se, pois, que cada prédio tenha uma folha aberta no registro, de modo a servir a função de dar a conhecer a titularidade e encargos reais vigentes sobre o imóvel, e, assim, se cumprirem os desígnios estabelecidos no art. 1º CRP2: “dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”.
Sendo um sistema de inscrição declarativa — ao contrário do que sucede, por exemplo, com os sistemas brasileiro ou alemão3, mas semelhantemente aos sistemas francês e italiano —, o direito real vem constituir-se fora e independentemente do registro — por mero efeito do contrato —, ao assento registral ficando adstrito o papel de publicitar (de declarar) o direito.
Assim, se A vende a B um imóvel, B é proprietário desde o momento em que as vontades de ambos convergem, ainda que, por alguma razão, B nunca venha a registrar o direito.
Em Portugal vale a regra consensus parit proprietatem, de influência jusnaturalista, e nos termos da qual basta o encontro de vontades para a transferência ou constituição de direitos reais (art. 408º CCv. 4).
O registro vem, apenas, conceder a B a possibilidade de opor o direito adquirido a terceiro.
Essa regra conhece, porém, pelo menos uma exceção5: é que a hipoteca necessita ser levada a registro para que produza efeitos inter partes, sendo então aqui o registro constitutivo (arts. 687º CCv. e 4º/2 CRP).
Desse modo, se C pretende constituir uma hipoteca a favor da instituição bancária D, para garantia de um crédito próprio ou alheio, não bastará a aceitação deste, será necessário o registro como requisito de constituição dessa garantia real.
Como se vê, o registro em Portugal é condição de oponibilidade de direitos. É esse, pois, o efeito central que dele decorre, e que está consagrado no art. 5º/1 CRP: “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.” O que bem se compreende tendo em conta o princípio da verdade registral, consagrado no art. 7º CRP, segundo o qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” Isto é, do registro do fato aquisitivo resulta uma dupla presunção: a de que o direito real inscrito existe, por um lado, e, por outro, tal como se encontra descrito.
Desse modo, o ordenamento jurídico português presume que a pessoa que figura registralmente como proprietário ou titular de um direito real o é na realidade, presunção que só se afastará pela impugnação do conteúdo do registro, através da competente ação judicial. O registro oferece, então, uma presunção iuris tantum, colocando nas mãos de quem o quer impugnar o ônus da prova contrária ao que no registro se descreve. “Daí o seguinte aforismo: ‘o registo definitivo não assegura que o respectivo beneficiário seja o titular; mas faz presumir que o seja e garante que ainda o é.’” 6 E por tudo isto se compreende a magnitude e importância da tarefa do conservador (o registrador), que tem de ser rigorosamente exercida por juristas habilitados e competentes.
O sistema português é, pode dizer-se com maior ou menor precisão, e tal como acontece em praticamente toda a Europa, na Austrália (com o famoso sistema Torrens) e em bastantes países ibero-americanos, um registro de direitos, bem diferente do sistema de registro de títulos (vigente, por exemplo, nos Estados Unidos e em França). Sem que, contudo, se tenha decidido retirar todas as conseqüências advenientes de um completo registro de direitos, pois que o sistema português consagra todos os princípios que de tal sistema são característicos, mas já não um que lhe é fundamental: o da fé pública em sentido positivo.
Deixemos aqui só uma nota a esse propósito: o registro comercial português foi objeto de profundas alterações em 2006 e 2007, uma delas levando à introdução de uma nova forma de registro de atos comerciais, o registro por depósito, que consiste no mero arquivamento de documentos, que não são objeto de qualquer qualificação e que, numa primeira legislação, quando o registro dissesse respeito às participações sociais, ainda assim, gozaria da presunção de verdade. O legislador, contudo, e felizmente, acabou por, alguns meses depois, dar um passo atrás, não para derrogar o registro por depósito, mas, simplesmente, para lhe retirar aquela presunção. 7
Sendo esses os traços gerais que permitem fazer um primeiro esboço do sistema registral imobiliário português, avancemos um pouco mais, desta feita para uma sumária descrição dos princípios orientadores do registro português, e, assim, conhecer dos seus efeitos.
Princípios orientadores do registro português
Naturalmente, os princípios registrais são aliados e servem o direito substantivo, pelo que teremos de recordar, mais uma vez, que, no ordenamento jurídico português vigora o princípio da consensualidade, nos termos do qual bastará o acordo entre as partes para a constituição ou transferência de direitos reais. Assim, se A e B acordam na transmissão do direito de propriedade sobre um imóvel, esse direito deixará a esfera jurídica de A para passar à esfera jurídica de B, desde que se respeite a forma do negócio. Ora, aquelas novidades a que me referi no início da exposição merecem já a nossa atenção. Até ao passado mês de Julho, o legislador português exigia que a compra e venda de imóveis fosse formalizada através de escritura pública, quando, atualmente, desde que vigente o Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho, pode tal escritura ser dispensada no chamado procedimento especial de aquisição, oneração e registro de imóveis, conhecido como “Casa Pronta”. Agora, em traços muito largos, estão ao dispor das partes três alternativas:
a, digamo-lo assim, via tradicional, em que o contrato de compra e venda será formalizado através de escritura pública lavrada pelo notário, em cartório notarial,
e a “Casa Pronta”, em que aos particulares são oferecidas duas subvias:
a) podem dirigir-se a um balcão — o balcão Casa Pronta, para já funcionando apenas em algumas conservatórias — onde manifestam a sua vontade de transmissão/aquisição da propriedade sobre um imóvel, ou de constituição de uma hipoteca8, optando por um dos contratos-modelo aprovados pelo PIRN, sendo apoiados pelo conservador, que, autoriza-o o legislador, poderá delegar a sua competência em oficial de registro;
b) ou escolhem um procedimento em tudo idêntico, mas em que há uma marcação prévia, caso em que as partes já não terão de optar por um dos contratos-tipo.
Esse procedimento é apresentado pelo Governo como significativamente mais barato que o processo tradicional — o preço-base do serviço Casa Pronta será de €230 + impostos, ao passo que o equivalente serviço do notário (que é legalmente tabelado, note-se) custará €550 + impostos. Um dos motivos fundamentais aduzidos pelo legislador para defesa desse novo procedimento de transmissão do direito de propriedade sobre imóveis é o de acabar com aquilo que tem sido designado como duplo controle da legalidade (o do notário e o do conservador) e qualificado como obstáculo burocrático. Por isso, considerou o legislador dispensável um dos controles, precisamente aquele em que intervém o notário. Mas isto apenas para o substituir pelo controle do conservador. Além de que a novidade não é assim de tão grande monta, pois que já desde 1993 vigora em Portugal uma solução idêntica, dispensando-se a escritura para os contratos de compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, de prédio destinado a habitação, ou fração autônoma para o mesmo fim9. Que, porém, acabou por ser rejeitada pelos cidadãos, que raramente optam por essa solução. Será caso, pergunto eu, para recordar as famosas palavras de Oscar Wilde, “a ambição é o último refúgio do fracasso”?
Mas, não se pretende que as reformas no sistema notarial e registral fiquem por aqui. Estão em estruturação outros balcões únicos: junto dos advogados, junto das câmaras de comércio e indústria e junto dos solicitadores, em todos eles se praticando atos relativos a imóveis. Isto é, dentro em breve, poder-se-ão praticar, perante qualquer uma dessas entidades, e por documento particular autenticado, vários atos sobre imóveis: não só a compra e venda e a constituição de hipoteca, mas também:
doações,
contratos-promessa de compra e venda com eficácia real,
pactos de preferência com eficácia real,
partilhas,
sujeição de prédios ao regime de propriedade horizontal
ou ao direito real de habitação periódica (time-sharing),
consignações de rendimentos,
divisão de coisa comum,
contratos de mútuo de valor superior a €20.0000,
ou transmissão de créditos garantidos por hipoteca.
É intenção assumida pelo legislador, assegurar o cumprimento do programa governamental, onde pode ler-se ser seu objetivo terminar com “imposições burocráticas que nada acrescentem à qualidade do serviço”, “eliminando-se atos e práticas notariais que não importem um valor acrescentado e dificultem a vida do cidadão e da empresa”.
E sobre isso cremos serem pertinentes duas notas.
Uma primeira para recordar, sem mais, as palavras de Ihering: “a forma, inimiga declarada do arbítrio, é irmã gémea da liberdade (…). As formas fixas são a escola da disciplina e da ordem e, concretamente, da liberdade. O povo que ama verdadeiramente a liberdade compreende instintivamente que a forma não é um jugo, mas um guardião da liberdade”.10
E uma segunda nota para dar o necessário relevo ao fato de essas alterações virem a permitir a titularização de atos sobre imóveis — e estamos a falar dos mais importantes e freqüentes, como a compra e venda e a oneração com hipoteca — por quem, até agora, nunca teve tarefa de tal natureza sob a sua competência, o que pode implicar um aumento da litigância judicial, quando o que se pretende é facilitar a vida dos cidadãos…11
Bem, seja qual for a opção dos contraentes, uma vez celebrado o contrato, o comprador torna-se proprietário do imóvel.
Até 2007, ofereciam-se-lhe, agora, dois caminhos: registrar ou não registrar o seu direito. Isso porque, sendo o registro português declarativo, o direito do adquirente não fica prejudicado pela ausência do registro, mantendo as características comuns aos direitos reais, especialmente a eficácia absoluta. Daí a importância do registro entre nós, atuando como instrumento minimizador dos riscos para o público em geral, que, sem ele, não teria como conhecer da obrigação que se lhe impõe de não atuar de modo a lesar o direito real (obrigação passiva universal). Como ensinava Orlando de Carvalho, o princípio da publicidade é a compensação da causalidade e da consensualidade quando vigora rigorosamente um regime de título, como acontece entre nós. De qualquer forma, o registro é (ou melhor, era até ao presente) um ônus do adquirente, pelo que não registrar não implicava a violação de um dever, mas sim a não obtenção da vantagem da oponibilidade a terceiro. 12 Ora, desde Julho de 2007, porém, se as partes envolvidas no contrato optarem pela Casa Pronta, aí o registro é obrigatório, embora não para as partes, mas para os conservadores. De fato, o serviço de registro onde as partes titularam o contrato passa agora a ter de realizar obrigatoriamente, de modo oficioso e imediato, o pedido de registro (art. 8º/1/g) DL 263-A/2007). E se os projetos do legislador atingirem o estatuto de lei, a mesma obrigação onerará o notário, o advogado, o solicitador, ou a câmara de comércio e de indústria em cujo balcão único for celebrado o contrato de constituição ou transferência de direitos reais. Pois que cada uma dessas entidades passará a estar obrigada ao pedido de registro para que assim, segundo o Governo, se evitem deslocações às conservatórias. Dessa forma, parece cair por terra um dos princípios que até agora caracterizava o sistema registral português — o princípio da instância (art. 41º CP) —, nos termos do qual o registro é (melius, era) feito a pedido das partes ou de outros eventuais interessados, só se podendo efetuar com base nesse pedido, sendo os casos de oficiosidade excepcionais. Explicava a doutrina ser objetivo dessa regra a garantia da imparcialidade do conservador, que estaria sempre à margem da perda e da aquisição de posições registrais. Agora, o conservador deixou a margem para mergulhar, e de cabeça, uma vez que, no processo Casa Pronta, entre outras, será obrigação do conservador, não só requerer obrigatoriamente o registro do direito que as partes constituíram ou transferiram, mas intervir ex ante, prestando auxílio aos sujeitos privados na elaboração dos documentos que titulam os negócios jurídicos, mesmo que aqueles tenham optado por recorrer aos modelos-tipo que ao seu dispor foram colocados. Aliás, o legislador até os obriga (aos conservadores, licenciados em Direito e escolhidos através de um concurso público tecnicamente muito exigente, ou ao oficial de registro com competência delegada) a ler e explicar o respectivo conteúdo, tarefa ainda mais exigente quando as partes no contrato, em vez de terem escolhido o modelo contratual, tenham buscado no conservador ajuda para tradução da sua vontade negocial num documento de constituição ou transferência de direitos reais (crf. arts. 8º/1/b)/4/5 e 13º DL 263-A/2007).
Essa função de titularização da vontade das partes era, tradicionalmente, função típica do notário. Que estava obrigado, nos termos daquilo que entre nós se designa por princípio da legitimação (arts. 9º CRP e 54º/2 CNot), a certificar-se da existência do registro em nome do disponente, já que só está legitimado para dispor do prédio em causa quem estiver munido de título suficiente para prova do direito transmitido ou onerado. Parece-nos claro que o notário, quando as partes optem pela sua intervenção na titularização do acordo, continuará a ter de o fazer, e o mesmo é expressamente exigido ao conservador ou oficial de registro no procedimento Casa Pronta. O que já permite concluir que, mesmo antes de o legislador tornar obrigatório o registro, já o sistema registral português o tornara indiretamente obrigatório, precisamente porque só podia alienar ou onerar, aproveitar o valor econômico do prédio, quem tivesse o direito registrado a seu favor. Face às alterações legislativas que se antevêem, temos de perguntar que conseqüências delas resultarão no que a esse princípio diz respeito. Se só tem legitimidade para exercer direitos sobre imóveis quem estiver munido de título suficiente para prova do seu direito, terão os sujeitos de provar junto dos advogados, solicitadores e câmaras de comércio e indústria que são titulares de direito suficiente para a transmissão ou oneração que se propõem? Não conhecemos as intenções do legislador sobre essa matéria. Contudo, da redação do art. 9º CRP, nos termos do qual “os factos de que resulte a transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo”, parece-nos decorrer que a obrigação que onera o notário e o conservador deverá igualmente ser cumprida por qualquer outra entidade que apóie as partes na titulação do direito. Pois que a estatuição desse preceito se refere sem dúvidas à disposição do imóvel, ou seja, dirige-se a quem tem a tarefa de titular nos termos da lei, seja o notário, o conservador ou qualquer outro sujeito escolhido pelo legislador para desempenhar idêntica função.
Seja como for, facilmente se compreende a importância da tarefa de assegurar que quem aparece como disponente no título é efetivamente quem tem direito de o fazer, o que se prova, justamente, pela certidão do registro, que, como vimos, concede ao titular registral a presunção, ainda que ilidível, da titularidade do direito.
Continuemos o nosso percurso.
Para que um direito seja registrado, o pedido terá de chegar a uma conservatória do registro predial. Atualmente, a conservatória competente será a da localização do prédio, pois vigora o princípio da competência territorial (art 19º CRP). Também ele, contudo, moribundo, pois o legislador já anunciou a vontade de extinguir essa regra para que, diz-se, qualquer interessado goze da vantagem de praticar qualquer ato de registro em qualquer uma das 337 conservatórias, no máximo a partir do final de 2008. Dessa forma, prevê o Governo, ficarão os serviços mais próximos dos cidadãos e das empresas, que poupam em deslocações e, além disso, podem escolher a conservatória que preste o melhor serviço. A transformação aqui é, portanto, radical. E exige, como bem o reconhece o legislador, um (hercúleo, acrescentamos nós) esforço da parte dos serviços de registro na criação de uma completa e funcional base de dados, apoiada por um poderoso e fiável hardware, que permita acompanhar o número, galopantemente crescente, de solicitações a que o sistema informático terá de responder.
O pedido de registro ou apresentação será anotado no Diário, com um número de ordem e uma data, pormenores absolutamente essenciais para o funcionamento do princípio da prioridade registral. Estamos aqui perante uma das mais importantes conseqüências da natureza declarativa e não constitutiva do registro em Portugal. Assim, e nos termos do art. 6º/1 CRP, o direito primeiramente registrado prevalece sobre o que é posteriormente inscrito, mesmo que tenha nascido antes, justamente porque o registro concede àquele primeiro a oponibilidade a todos os direitos futuramente inscritos13. Estamos a pressupor que os direitos em causa sejam incompatíveis, evidentemente. Pois que pode o direito levado a registro em data posterior ser compatível com o anteriormente registrado — aqui não há incompatibilidade, mas graduação prioritária, em função, precisamente, da data da apresentação ou, quando esta seja a mesma, do número de ordem inscrito no Diário, independentemente da data em que o registro é efetivamente lavrado. 14 15
Naturalmente, nem todos os direitos cujo registro é pedido atingirão o estatuto da oponibilidade que se pretende. De fato, pode a apresentação ser imediatamente rejeitada, desde que se concretize um dos motivos de rejeição tipificados na lei, como, por exemplo, a apresentação ser efetuada fora do período legal, os documentos não respeitarem a atos registráveis ou o pedido não ser feito em impresso apropriado (este motivo, com a obrigatória desmaterialização eletrônica, também desaparecerá mais tarde ou mais cedo) — v. art. 66º CRP.
Se o pedido de registro for, porém, regular, terá o conservador de assegurar-se que o fato que se pretende registrar é conforme à lei e tem por base um título válido e correto — isto é, terá de assegurar-se o cumprimento do princípio da legalidade (art 68º CRP), numa tarefa que recebe, como se sabe, a designação de qualificação. Para decidir se deve ou não incorporar no registro uma nova situação jurídica imobiliária, não exerce o conservador uma função judicial, mas os critérios da qualificação — independência e imparcialidade — são os mesmos que norteiam a atividade do juiz. A necessidade de gerar uma confiança absoluta nas decisões dos conservadores obriga, como indica a declaração de Antiqua, a que o ordenamento jurídico os dote das mesmas garantias de independência e imobilidade dos juízes e magistrados, assim como deverão existir certos controles que impeçam a arbitrariedade16. E por essas mesmas razões, a escolha dos conservadores deve ser feita através de concurso público, guiado por critérios de igualdade, mérito e capacidade. Por outro lado, o conservador tem de ser imparcial, dado que a entrega de direitos que o registro implica e a sua eficácia erga omnes determinam a existência de uma pluralidade de interessados, que são todos os que podem ser prejudicados no caso de as partes contratuais violarem normas imperativas. 17
Para a qualificação da apresentação, o conservador deverá ter em especial atenção:
a identidade dos prédios,
a legitimidade dos interessados,
a regularidade formal dos títulos (requisitos extrínsecos e formais dos documentos)
e também a validade substantiva dos atos dispositivos que estão titulados.
Quanto a este último controle, exceção é feita para as decisões judiciais transitadas em julgado, que assumem caráter de incontestabilidade quanto a questões substantivas, embora já não para as questões tabulares.
Se, por exemplo, encontrando-se um prédio registrado a favor de A, o pedido de registro for instruído com certidão de sentença em que apenas se julga provada a transmissão de B para C, justamente quem pede o registro, claro está que a C se torna necessário comprovar também a transmissão entre A (titular inscrito) e B, para se dar cumprimento ao princípio do trato sucessivo. Está aqui, pois, em causa uma questão tabular.
Mas, se a transmissão respeitar a um lote de terreno para construção — e o respectivo alvará não foi junto ou não existe — o conservador não pode opor a nulidade desse ato translativo que tenha sido titulado por sentença transitada em julgado. 18
Face ao que descrevemos, não se estará a confirmar a idéia de que efetivamente, em Portugal, existiria um duplo controle da legalidade, assim se concedendo razão ao legislador quando acusa o sistema português de ser excessivamente burocrático e que, portanto, um dos controles tem de deixar de existir? Parece que não. E para fundamentarmos essa afirmação nem sequer nos parece necessário ir investigar o que seja exatamente burocracia, como se distingue esta de simplificação e quais as conseqüências que de uma e de outra resultam para a segurança e certeza do tráfico jurídico19. Basta não confundir o procedimento de registro com o procedimento que é usado para a documentação dos atos e contratos. Aliás, em abono da verdade, o próprio legislador português parece ter acabado por reconhecer que as suas reformas, no fundo, não terminaram com o duplo controle da legalidade, pois que mesmo que a titulação dos contratos e atos não seja feita imperativamente pelo notário, as outras entidades que foram e serão também chamadas para realizar idêntica tarefa estão obrigadas ao cumprimento da lei. E dizemos que foi essa a constatação a que chegou o legislador, porque nos últimos documentos e declarações que têm vindo a público se largou a bandeira da luta contra o duplo controle de legalidade, para assumir como palavra de ordem a luta contra a inútil burocracia.
Dizíamos, então, que uma das preocupações essenciais do conservador assim que confrontado com um pedido de registro será o de verificar a situação tabular do imóvel, especialmente para dar cumprimento ao princípio do trato sucessivo, entre nós consagrado no art. 34º CRP, e que é o princípio registral por virtude do qual o registro em nome do adquirente se vai tornar dependente do registro em nome do transmitente ou onerante. Ou seja, só será registrado o direito do adquirente ou beneficiário do ônus se receber o direito de quem era, segundo as tábuas, titular de um direito real bastante para sustentar o encargo ou transmissão. Desse modo se garante um histórico ininterrupto do prédio e, também, um elevado grau de credibilidade e de certeza para o registro, porque através dele se concretiza na ordem tabular a regra segundo a qual o direito já tem de existir em quem transmite visto que ninguém pode transmitir o que não tem (nemo plus iuris ad alium transferre potest quam ipse habet). E é porque o registro exige a prova de um trato sucessivo que também existe fundamento lógico para que a lei estabeleça a presunção de verdade do assento registal.
Em conseqüência do exame que fez sobre a viabilidade do pedido de registro, o conservador pode lavrar o registro definitivamente ou recusá-lo. A primeira decisão será conseqüência da conclusão de que não existem quaisquer óbices, tanto no que respeita à suficiência e à validade dos documentos, como às circunstâncias de ordem tabular. Optando pelo registro, o conservador terá de cumprir o princípio da especialidade (arts. 82º e ss. e 93º e ss. CRP). Isto é, tem de assegurar-se de que todos os elementos do registro devem ser certos e determinados: os sujeitos, o objetos e os fatos que se querem inscrever. A totalidade dos elementos da publicidade imobiliária (o prédio, o direito, o titular, o título e o assento) têm de estar perfeitamente identificados na sua vigência e hierarquia, como na sua extensão.
Já a recusa só é admitida nos casos tipicamente descritas no art. 69º CRP. Por exemplo:
se for territorialmente incompetente da conservatória (por enquanto),
se for manifesto que o fato não está titulado nos documentos apresentados, ou se se verificar que o fato constante do documento já está registrado ou não está sujeito a registro (por causa do princípio da tipicidade dos fatos sujeitos a registro — art. 2º e 3º CRP),
quando o ato seja manifestamente nulo,
ou quando o registro tiver sido lavrado por dúvidas sem que estas tenham sido removidas.
Característica do ordenamento jurídico português é, ainda, a possibilidade de o registro ser feito provisoriamente. O registro provisório é de dois tipos: registro provisório por natureza (quando a lei prevê diretamente a provisoriedade do registro — art. 92º/1/2 CRP) e registro provisório por dúvidas, quando se verifique a existência de um obstáculo, referente aos próprios documentos ou à situação tabular, que impede que o registro seja lavrado como definitivo (ou como foi pedido), mas que não é tão grave que deva determinar a recusa (art. 70º CRP). Por exemplo, quando o ato de disposição não é praticado pelo titular inscrito, pode, ainda assim, ingressar no registro provisoriamente, porque se entende que pode haver mera desatualização do registro — por existir título em que esse titular alienou ao que ora foi transmitente. Note-se que não estamos aqui perante situações em que o conservador hesita ou tem dúvidas acerca da qualificação. Nas palavras de Mouteira Guerreiro, “o conservador não pode duvidar, nem também a legalidade do título ou do acto pode ser duvidosa. É, ou não é, legal. Falta, ou não falta, certo documento ou determinada declaração. (…) O conservador regista por dúvidas quando tem a certeza de que deve ser essa a característica do acto.” 20
A recusa de registro e o registro provisório por dúvidas são feitos por despacho, fundamentado sucintamente, que tem de ser notificado ao interessado, e do qual será possível recorrer, hierarquicamente para o PIRN, ou contenciosamente para o tribunal de comarca a que pertence a sede da conservatória (art. 140º CRP). Em julgando procedente o recurso, da sentença do tribunal só poderá resultar uma decisão de anulação do despacho do conservador, não uma ordem dirigida ao conservador. Como já decidiu o STJ, “Administração e Tribunal são entidades independentes. Não dão nem recebem ordens entre si. Anulado ou declarado nulo o despacho impugnado, cumpre à Administração, em obediência à ordem jurídica (…), ‘sponte sua’, praticar novo acto, agora tendo em conta o julgado e seus fundamentos, que se lhe impõem.” 21
Registrado definitivamente o direito, entra em palcoo princípio da verdade ou presunção da exatidão, consagrado no art. 7º CRP, norma em cujos termos o registro definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos, relembremos, em que o registro o define. Presunção que se manterá enquanto não for comprovado e decidido judicialmente o contrário. Por isso, quando numa ação judicial se pretende impugnar a veracidade dos fatos publicitados pelo registro é necessário que se peça o cancelamento de próprio registro, estando, aliás, o prosseguimento da ação condicionado à formulação desse pedido (art. 8º CRP).
Embora o registro não converta o titular registrado no sujeito a quem pertence o direito — como usamos dizer, o registro não dá nem tira direitos — da presunção que com ele se obtém resultarão vantagens indisputáveis, tanto de natureza substantiva, como de natureza processual. O titular registrado pode dispor do direito com relativa segurança para quem com ele contrate (o que não se conseguiria apenas com o título, que não garante que o transmitente seja verdadeiramente titular do direito em questão, nem que o adquirente ainda o seja, mas apenas que a sua vontade e a deste são aquelas que aparecem tituladas), assim como se lhe reconhece legitimidade processual ativa para intentar todas as ações de defesa da propriedade ou de outro direito real inscrito22.
Ora, aqui chegados, será altura de deixar alguns esclarecimentos, atendo-nos mais especificamente nos efeitos do registro.
Dissemos por várias vezes que o registro, no direito português, é mera condição de eficácia do direito perante terceiros.
Mas, como todas as regras, esta também tem exceções.
Situações há em que o registro terá apenas um efeito enunciativo, ou seja, limitar-se-á a dar publicidade do fato registrado, não trazendo nada de novo, nem mesmo em termos de eficácia em relação a terceiros, para o direito. Isso acontece, fundamentalmente, em dois casos: 1) registro da usucapião; 2) registro de mera posse (posse pública, pacífica, com 5 anos, reconhecida por decisão judicial) 23.
Por outra parte, temos também pelo menos um caso em que o registro é constitutivo: para que a hipoteca produza efeitos inter partes tem de ser registrado, ou, de outra forma, sem registro não há hipoteca.
Seja como for, o efeito central do registro é o de tornar os fatos sujeitos a registro oponíveis perante terceiros. Conseqüentemente, cabe aqui uma pergunta: quem são os terceiros para efeitos de registro? E respondendo a ela, encontraremos o registro a produzir também efeitos substantivos ou aquisitivos.
Terceiros para efeitos de registro são os que tiverem adquirido de transmitente comum, pode ler-se no n.º 4 do art. 5º CRP.
Concretizando: se A vendeu a B e B registrou, mesmo que A venda a C, o direito de B a este será oponível. O registro consolida o direito de B, que deixará, em princípio, de ser posto em causa — e por isso se fala aqui do registro consolidativo. Na verdade, pode dizer-se, com Henrique Mesquita e Mónica Jardim24, que o registro por B impede o funcionamento da condição legal resolutiva, a que o seu direito estava sujeito enquanto B não registrou. De outra forma: com o funcionamento do princípio da consensualidade, B é o válido adquirente do direito de propriedade, mas perdê-lo-á a favor de um sucessivo adquirente (C) do mesmo autor comum (A), se não registrar o seu direito.
Mas, se A vender a B que não registra, e posteriormente, vender a C, que, por sua vez, registra, será este que verá reconhecido o direito na sua titularidade, mesmo que, substancialmente, tenha adquirido a non domino. Quer porque o direito não registrado não se opõe a terceiros, quer porque C cumpriu a condictio sine qua non do efeito aquisitivo. C adquirirá o direito de propriedade por força do registro, não por causa de um fundamento material que o permitisse, mas porque a lei considera que, quando o único vício de que o negócio dispositivo padece é a ilegitimidade do alienante, o direito deverá ser atribuído ao titular inscrito, com prejuízo do primeiro adquirente.
Não será essa solução injusta, tendo em conta o princípio nemo plus iuris? Parece que não. Fazer a apologia da aplicação radical de tal princípio pode vir a significar incerteza de transações jurídicas e, por isso, trazer nefastas conseqüências para o regular funcionamento do tráfico jurídico. Ou seja, com o objetivo de tutelar o interesse de um particular lesar-se-ia a confiança de todos os operadores no mercado jurídico. Assim, vemos que nos termos do direito substantivo, tanto por aplicação do princípio da consensualidade, como do princípio nemo plus iuris, é B o titular do direito, pelo que C adquiriu a non domino. Porém, o registro terá aqui um efeito aquisitivo, na medida em que será a C que se reconhecerá a titularidade do direito, justamente por força da inoponibilidade do direito de B.
A identificação de terceiros para efeitos de registro tem sido objeto de conturbada discussão, mais pacificada, porém, desde que, em 1999, o legislador optou por aquela definição no art. 5º/4 CRP. Não será aqui o lugar para descrever o intricado dogmático e jurisprudencial que a esse propósito se levantou e ainda se levanta, mas parece-me importante, para a função comparativa que hoje aqui nos congrega, deixar algumas notas.
Primeira
A lei não exige que o terceiro esteja de boa fé. Muito embora essa seja, precisamente, uma das causas da grande divergência que tem oposto doutrina e jurisprudência quanto ao conceito de terceiros para efeitos de registro, a verdade é que, ao contrário do que acontece em outros preceitos (nomeadamente, nos art. 291º CCv. e 17º/2 CRP), não há no art. 5º/4 CRP qualquer referência à boa fé do titular registrado. Isso quer dizer que, regressando ao nosso exemplo prático, C pode até conhecer do negócio A/B, que, ainda assim, sairá vencedor da disputa. Como afirmam Antunes Varela e Henrique Mesquita, “o registo destina-se a facilitar e a conferir segurança ao tráfico imobiliário, garantindo aos interessados que, sobre os bens a que aquele instituto se aplica, não existem outros direitos senão os que o registo documenta e publicita. Os direitos não inscritos no registo devem ser tratados como direitos ‘clandestinos’, que não produzem quaisquer efeitos contra terceiros.
Se os efeitos do registo fossem impugnáveis pelo facto de o titular inscrito ter sabido ou ter podido saber, antes de requerer a inscrição, que havia direitos incompatíveis não registados, o instituto do registo deixaria de proporcionar a segurança e a comodidade que constituem as suas finalidades principais.” 25
Segunda
A lei também não exige que os direitos incompatíveis tenham sido transferidos ou constituídos a título oneroso, diferentemente do que acontece em outras disposições de proteção de terceiros para efeitos de registro, como veremos. Assim, as soluções expostas não sofrerão qualquer alteração se o titular inscrito (C), em vez de ter celebrado um contrato de compra e venda ou de permuta, tiver recebido o direito de propriedade por doação (de A). Diferentes serão as coisas, naturalmente se o titular inscrito tiver acedido ao direito de propriedade através de uma aquisição originária, “porque o facto aquisitivo a título originário funda-se sempre sobre uma relação particular em que o sujeito se encontra com a coisa e verifica-se prescindindo do direito que qualquer outro tenha sobre ela. (…) Assim, não obstante o C. R. Pred. apenas se referir expressamente à usucapião, pelo que fica dito e perante o n.º 4 do art. 5º do C. R. Pred., não restam dúvidas de que o mesmo vale para a acessão.” 26
De todos os argumentos aduzidos para justificar a tutela do terceiro adquirente a título gratuito, dois parecem-me particularmente convincentes. Em primeiro lugar, sendo certo que o registro se destina à proteção do comércio jurídico que se não desenvolve pelas operações gratuitas, a verdade é que não se promoverá a segurança do comércio exonerando do registro o transmissário gratuito. Em segundo lugar, os donatários também têm credores, a quem será indiferente que os bens integrados no patrimônio daqueles aqui tenham chegado onerosa ou gratuitamente. 27
Terceira
Por outro lado, também não parece ser exigível que a aquisição registral do direito por C deva estar dependente de A ter contribuído voluntariamente para a dupla transmissão. A questão é complexa (tão complexa que as respostas ensaiadas para tal questão já justificaram dois Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência), e coloca-se particularmente para aqueles casos em que o titular do direito registral tenha chegado a essa posição pelo exercício de um direito ou pela atuação do poder público.
Tomemos por ponto de partida o seguinte exemplo: A vende um imóvel a B, que não registra o seu direito; entretanto C, credor de A, promove e registra penhora do mesmo prédio, contra a qual se opõe B, afirmando-se proprietário e possuidor do imóvel em disputa, ainda que o seu direito careça de expressão tabular. Se for necessário, como parte da opinião portuguesa professa, que haja um transmitente comum, no sentido de que contribui, através de duas manifestações de vontade, para o conflito entre o direito prioritário, mas não registrado, e o direito posterior, registrado, então C não é terceiro para efeitos de registro, pelo que o seu direito não pode ser tutelado face ao direito não registrado de B. Mas, se optarmos por um conceito mais amplo de terceiros para efeitos de registro, e nele integrarmos aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei, tenham o mesmo alienante como sujeito passivo, ainda que ele não tenha sido parte interveniente nos atos jurídicos de que tais direitos resultam (como a penhora, o arresto ou a hipoteca judicial) 28, C já será entendido como terceiro para efeitos de registro e, consequentemente, verá a sua posição jurídica tutelada face a uma outra não registrada.
Quarta
O mesmo já não se dirá para situação diferente da que estamos a considerar, prevista no art. 291º CCv., em que se tutela um terceiro que, de boa fé, tenha, há pelo menos três anos, adquirido um bem imóvel ou móvel sujeito a registro de quem não era proprietário por, por sua vez, ter celebrado um negócio translativo anulável ou nulo.
Por exemplo: A vende a B um imóvel, sob a ameaça de publicar umas fotografias que ofenderão a sua honra; B, por sua vez, vende o mesmo prédio a C, que de nada sabia, e registra a aquisição. A posição de C, nos termos do art. 291º CCv., será protegida, desde que não seja intentada contra B qualquer ação em que se peça a anulação do negócio por que este adquiriu.
Essa solução, que não existia no ordenamento jurídico português durante a vigência do Código de Seabra (aqui, os efeitos decorrentes da declaração de nulidade ou da anulação do negócio operavam em toda a sua extensão, pelo que o terceiro, ainda que de boa fé, teria necessariamente de abrir mão da coisa adquirida, dada a eficácia retroativa daquelas duas conseqüências da invalidade do negócio — isto é, no nosso exemplo, a anulação do negócio A/B implicaria que tudo o que aconteceu posteriormente fosse apagado do universo jurídico, tendo C que devolver o imóvel, apesar de não conhecer da coação) foi integrada no direito português pelo Código Civil de 1966, por influência do Codice Civile (como ensina Mónica Jardim). Aqui também o registro terá um efeito aquisitivo, mas o conceito de terceiro será diferente. Na verdade, nessa norma, ao contrário do que acontece no art. 5º que, como vimos, se refere às situações de dupla alienação, a estatuição tuteladora do terceiro de boa fé adquirente a t&
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