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Lei 11.481/07 – regularização fundiária de imóveis da União: efeitos e importância
Julia Azevedo Moretti*


Palestra apresentada pela representante da SPU, Julia Moretti, no XXXIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, no dia 24 de setembro, no hotel Majestic Palace, em Florianópolis, SC

Histórico

A lei 11.481 foiapresentada, originalmente, como a medida provisória 292. Por dificuldades de tramitação na Câmara dos deputados, não foi aprovada. Foi feita uma nova medida provisória, de número 335, que foi aprovada no Congresso nacional em 31 de maio de 2007.

A rápida tramitação da lei, no prazo de um ano, mostra a maturidade da sociedade no que diz respeito à regularização fundiária. A irregularidade em nossas cidades é um fato notório, evidente, e é preciso dar uma solução a esse problema. O projeto original enviado pelo Executivo sofreu algumas alterações. Foram propostas 53 emendas, algumas das quais foram aprovadas e outras não.

Gostaríamos de agradecer a participação da doutora Patricia Ferraz e do Irib pelo apoio que deram no processo de elaboração dos primeiros textos apresentados e modificados no processo legislativo. Essa colaboração foi muito importante para que não se criasse uma lei que trouxesse procedimentos absolutamente incompatíveis com a Lei de Registros Públicos ou com os procedimentos adotados pelos cartórios.

Objetivo e importância da lei

A lei é bastante ampla e prevê a regularização fundiária em imóveis da União, alterando algumas leis patrimoniais. Nem todos os dispositivos têm influência no processo de registro de imóveis, mas deu-se muita ênfase à questão da população de baixa renda e aos locais de mais carência onde existe grande desigualdade e evidente violação ao direito constitucional de moradia. Alguns procedimentos mereceriam ser atualizados na legislação patrimonial, mas não foram alterados porque a SPU entende que ainda é necessária uma revisão mais minuciosa na legislação patrimonial. Ficamos então diante de um problema gravíssimo: as ocupações por população de baixa renda precisam ter tratamento prioritário. Esse foi o espírito da lei, na mensagem ministerial e no parecer do relator.

A demarcação foi pensada como um procedimento absolutamente inovador, uma vez que usa conceitos já inseridos em outras leis, como a questão dos registros de imóveis demarcados administrativamente. Surgiu, então, a necessidade de registro de terras da União, o procedimento de retificação administrativa bem como o procedimento de demarcação urbanística tão discutido no projeto de lei que altera a lei do parcelamento do solo, atualmente PL 20/2007.

Todas essas leis mostram a importância do registro de imóveis nesse processo. A lei 11.481 consagra exatamente isso: não se faz regularização fundiária sem a participação do cartório de registro de imóveis.

A lei se aplica igualmente às áreas da União, dos estados e dos municípios. No caso dos estados e municípios, há necessidade de regulamentação porque o procedimento, apesar de genérico e ser previsto nas leis estaduais e municipais, tem algumas especificidades que podem não se aplicar aos bens de estados e municípios.

A lei também se aplica aos imóveis sem registro – quando há um caráter de discriminação – bem como aos imóveis com registro anterior – quando há um caráter de retificação.

É preciso destacar que não é a demarcação em si que cria a propriedade da União. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a demarcação feita em cartório que, na verdade, é o registro de um auto de demarcação, um ato administrativo que declara a propriedade da União. Há decisões do STJ sobre a demarcação feita pelos órgãos administrativos, nos termos da lei, que é declaratório da propriedade da União, constante do artigo 20 da Constituição federal.

A competência para lavrar esse auto de demarcação é da Secretaria de Patrimônio da União, SPU, cujo objetivo bastante específico, qual seja, a regularização fundiária de interesse social vinculada à questão da renda.

Como identificar se existe interesse social? Como saber se, de fato, se trata de um assentamento de baixa renda, para pessoas com renda familiar de até cinco salários mínimos mensais? Existem dois instrumentos bastante importantes para isso. Temos instruído nossas gerências para que esses documentos acompanhem o auto de demarcação. São eles: a lei de Zeis, ou seja, uma lei municipal que grave aquela área como de interesse social, e uma declaração da União, que é um ato da secretaria feito por uma portaria, que declara a área de interesse de serviço público para fins de regularização fundiária.

Podemos dizer que no estado de São Paulo todas as áreas objeto de regularização fundiária já foram gravadas como de interesse social por meio de portarias da SPU.

Existem assentamentos onde, muitas vezes, o registro incorpora áreas alodiais e áreas da União. Existe um caso em São Vicente, SP, em que uma transcrição diz que a área ia até o mangue. Foram feitas diversas transações e o registro posterior diz que a área vai até o rio, isto é, o mangue inteiro foi incorporado ao registro, uma vez que o mangue é de propriedade da União. Provavelmente esse mangue foi aterrado. Temos de lidar com esse passivo. Diversas áreas da União foram equivocadamente incorporadas ao registro e se tornaram objeto de algumas matrículas registradas em nome de particulares.

Procedimento: silêncio dos confrontantes significa anuência

No que se refere ao procedimento em si, gostaria de destacar que o silêncio dos confrontantes, ou titulares de direito, significa anuência. Muitas dessas pessoas morreram há muito tempo – há óbitos datados de 1950 – e ainda constam dos registros de imóveis e da União.

Quanto à questão do remanescente incontroverso, a União deve apresentar nova planta e novo memorial descritivo. No entanto, não é necessário apresentar novamente todo o processo de notificação dos titulares e confrontantes, o que já foi feito num primeiro momento e abrangia aquela área incontroversa.

Uma primeira dificuldade é conhecer a situação constante do cartório de registro de imóveis. A União e a prefeitura, muitas vezes parceiras nesse processo, precisam fazer buscas no cartório para saber como determinada área se encontra nos assentos registrais. Às vezes é necessário expedir inúmeras certidões, quando, de fato, precisamos apenas de uma informação. Isso tudo acaba sendo custoso porque o município tem de pagar pela expedição da certidão.

Uma perspectiva muito positiva é o ofício eletrônico, a certificação digital e a informatização das bases dos cartórios. Sabemos que, no estado de São Paulo, a Arisp tem um projeto muito interessante de certificação digital, o que pode facilitar muito a obtenção de informações para esse primeiro mapeamento.

Outra preocupação que devemos ter é com a segurança jurídica e os direitos de terceiros. Temos casos de pessoas que eram titulares de direito de grandes glebas, sabiam que a área era da União, mas o título foi registrado como particular. Em razão disso pode ter havido um parcelamento do solo e terceiros de boa-fé que compraram os lotes desconhecendo a situação de que a área era pública. O direito dessas pessoas tem de ser assegurado.

Além das citações pessoais e por edital previstas em lei, a própria gerência, num caso concreto, sugeriu ao cartório e ao juiz corregedor que utilizássemos painéis com um croqui ilustrativo espalhados em toda área a ser regularizada, bem como fosse estabelecido um plantão de dúvidas na prefeitura, além de uma audiência pública. Portanto, é possível ir além do que a lei exige como procedimento para assegurar o interesse de terceiros.

Essa é uma sugestão, e a idéia é que os cartórios sejam parceiros nesse processo. São questões que podem e devem ser discutidas pelo oficial de registro de imóveis no município, para que seja encontrada a melhor solução para os assentamentos informais e se encontre uma solução nos parâmetros possíveis de legalidade e segurança.

Outra questão refere-se à especialidade objetiva e à necessidade de perícia exigidas, como é o caso do estado de São Paulo. O procedimento de retificação tratado na lei 10.931 oferece certo indicativo no sentido de que a perícia é desnecessária, especialmente nos casos em que a regularização está sendo feita, e as plantas foram produzidas não só com anotação de responsabilidade técnica, mas subscritas pelo poder público que, nos seus atos, tem fé pública porque têm presunção de legitimidade e veracidade. Portanto, não há por que se preocupar com a necessidade da perícia em prol de mais segurança. Ao ampliar os procedimentos que garantem segurança jurídica, vamos assegurar o direito de terceiros, resolvendo a questão da precariedade de algumas transcrições antigas no próprio auto de demarcação.

A difusão da informação é importante, e os movimentos de discussão são muito ricos e produtivos. Temos um manual de regularização fundiária em terras da União disponível em PDFno site da SPU.

*Julia Azevedo Moretti  é representante da Secretaria do Patrimônio da União, SPU, do Ministério do Planejamento.



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