BE3209
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Exceções à vedação de convenções de pagamento em moeda estrangeira
Sandro Alexander Ferreira*
Introdução
No Brasil, a regra geral é de que são nulasas convenções de pagamento em moeda estrangeira, conforme artigo 318 do Código Civil.
Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.”
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”
Com o Plano Real, nossa moeda passou a ter curso forçado no país. Por esse motivo, a regra é a vedação à circulação e utilização de moeda estrangeira.
Mas há diversas exceções, as quais, exemplificativamente, procuraremos tratar nesse artigo.
Exceções à vedação de vinculação de convenções à moeda estrangeira
A primeira exceção que apresentamos está prevista na Lei 10192-2001, conversão da MPv n.º 2074-73-2001, que trata do Plano Real.
Lei 10192-2001 – Conversão da MPv nº 2.074-73, de 2001. Dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real e dá outras providências.
Art. 1o As estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exeqüíveis no território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal.
Parágrafo único. São vedadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de:
I - pagamento expressas em, ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2º e 3º do Decreto-Lei no 857, de 11 de setembro de 1969 , e na parte final do art. 6º da Lei no 8.880, de 27 de maio de 1994 ;”
A citada MPv 2074-73-2001 foi, na verdade, resultado de uma sucessiva série de inúmeras medidas provisórias reeditadas, a saber:
Originária: 1.053
Edições:
1.079, 1.106, 1.138, 1.171, 1.205, 1.240, 1.277, 1.316, 1.356, 1.398, 1.440, 1.488, 1.488-13, 1.488-14, 1.488-15, 1.488-16, 1.488-17, 1.488-18, 1.540, 1.540-20, 1.540-21,1.540-22,1.540-23, 1.540-24,1.540-25, 1.540-26, 1.540-27, 1.540-28, 1.540-29, 1.540-30, 1.540-31, 1.620-32, 1.620-33, 1.620-34, 1.620-35, 1.620-36, 1.620-37, 1.620-38, 1.675-39, 1.675-40, 1.675-41, 1.675-42, 1.675-43, 1.675-44, 1.750-45, 1.750-46, 1.750-47, 1.750-48, 1.750-49, 1.750-50, 1.750-51, 1.875-52, 1.875-53, 1.875-54, 1.875-55, 1.875-56, 1.875-57, 1.950-58, 1.950-59, 1.950-60, 1.950-61, 1.950-62, 1.950-63, 1.950-64, 1.950-65, 1.950-66, 1.950-67, 1.950-68, 1.950-69, 1.950-70, 1.950-71, 2.074-72
A segunda exceção que apresentamos está prevista na Lei 9069-1992, conversão da MPv n.º 1027-1995, que também trata do Plano Real.
Lei 9069-1992, conversão da MPv nº 1.027, de 1995. Dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL, e dá outras providências
Art. 1º A partir de 1º de julho de 1994, a unidade do Sistema Monetário Nacional passa a ser o REAL (Art. 2º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994), que terá curso legal em todo o território nacional!
5º Admitir-se-á fracionamento especial da unidade monetária nos mercados de valores mobiliários e de títulos da dívida pública, na cotação de moedas estrangeiras, na Unidade Fiscal de Referência - UFIR e na determinação da expressão monetária de outros valores que necessitem da avaliação de grandezas inferiores ao centavo, sendo as frações resultantes desprezadas ao final dos cálculos.”
CAPÍTULO VII
Disposições Especiais
Art. 65. O ingresso no País e a saída do País, de moeda nacional e estrangeira serão processados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento bancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário.
1º Excetua-se do disposto no caputdeste artigo o porte, em espécie, dos valores:
I - quando em moeda nacional, até R$ 10.000,00 (dez mil reais);
II - quando em moeda estrangeira, o equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais);
III - quando comprovada a sua entrada no País ou sua saída do País, na forma prevista na regulamentação pertinente.
2º O Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes do Presidente da República, regulamentará o disposto neste artigo, dispondo, inclusive, sobre os limites e as condições de ingresso no País e saída do País da moeda nacional.
3º A não observância do contido neste artigo, além das sanções penais previstas na legislação específica, e após o devido processo legal, acarretará a perda do valor excedente dos limites referidos no § 1º deste artigo, em favor do Tesouro Nacional.”
A terceira exceção está prevista no Decreto-Lei 857/1969, que cuida especificamente de consolidar e alterar a legislação sobre a moeda de pagamento de obrigações exeqüíveis no Brasil.
Art 1º São nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.
Art 2º Não se aplicam as disposições do artigo anterior:
I - aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;
II - aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior;
III - aos contratos de compra e venda de câmbio em geral;
IV - aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional;
V - aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país.
Parágrafo único. Os contratos de locação de bens móveis que estipulem pagamento em moeda estrangeira ficam sujeitos, para sua validade a registro prévio no Banco Central do Brasil.
Art 3º No caso de rescisão judicial ou extrajudicial de contratos a que se refere o item I do artigo 2º deste Decreto-lei, os pagamentos decorrentes do acerto entre as partes, ou de execução de sentença judicial, subordinam-se aos postulados da legislação de câmbio vigente.”
A quarta exceção é a trazida pela Lei 8880-1994, que dispõe sobre o Programa de Estabilização Econômica e o Sistema Monetário Nacional, institui a Unidade Real de Valor (URV) e dá outras providência
Art. 6º - É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.”
Decisões judiciais sobre o uso de moeda estrangeira no Brasil
O reajuste pelo dólar nos contratos de arrendamento mercantil – leasing – só é possível se houver captação de recursos no exterior para pagamento do bem arrendado. O ônus de provar tal circunstância é da instituição financeira, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.641 - RJ, Rel. Ministro Athos, 4ª Turma do STJ, julgado de 18/12/1990,
Ementa
Arrendamento mercantil. Leasing de veiculo automotor. Fabricado no Brasil. (...) O artigo 38 da Resolução n. 980/84 do Banco Central extravasa o permissivo do Inciso v do artigo 2. Do decreto-lei n. 857/69, contrariando, Assim, o disposto no artigo 1. Do aludido decreto-lei, que veda a estipulação, em contratos exeqüíveis no Brasil, de pagamento em moeda estrangeira, a tanto equivalendo calcular a divida com indexação ao dólar, e não ao índice oficialprevisto na lei n. 6.423/77. Juros e encargos. Incidência da súmula 596 do pretório excelso. Recurso especial conhecido em parte, e nesta parte provido.
596 – STF.As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.
INF 310 STJ – Primeira Seção
CONTRATO. MOEDA ESTRANGEIRA. PAGAMENTO. CONVERSÃO. MOEDA NACIONAL.
A questão cinge-se à possibilidade ou não de contratação em moeda estrangeira, com pagamento a ser realizado pela conversão em moeda nacional e, como questão secundária, se a conversão em moeda nacional deve ocorrer no momento do ajuizamento da execução ou do efetivo pagamento da dívida. A Min. Relatora esclareceu que a discussão, nesse processo, não gira sob o foco da Lei do Plano Real e sim sob a égide do DL n. 857/1969. O art. 1º do referido DL veda quaisquer negócios jurídicos que estipulem pagamento em moeda estrangeira. E, por sua vez, o art. 27 da Lei n. 9.069/1995, ao fixar índice oficial de correção monetária, proíbe a indexação em moeda estrangeira. No que concerne ao momento em que se deve proceder à conversão da moeda estrangeira em nacional, os precedentes mais antigos deste Superior Tribunal são no sentido de que deve a conversão ocorrer na data da propositura da ação de execução, ao fundamento de que proceder de modo diverso implicaria negar o curso legal de nossa moeda.A jurisprudência mais recenteadota posicionamento diverso (REsp 119.773-RS, DJ 15/3/1999). Sob essa ótica, extrai-se que respeitar o curso forçado da moeda nacional não significa proibir a vinculação de um débito à variação cambial, notadamente quando esse débito, como na hipótese, tem como parâmetro caixas de laranja, que são usualmente cotadas em dólares pelo mercado brasileiro (a própria Bolsa de Mercados Futuros da Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa faz suas cotações diárias de produtos agrícolas em dólares). A obediência ao curso forçado da moeda nacional implica, indiscutivelmente, a proibição de o credor recusar-se a receber o pagamento da dívida em reais eFAZ SURGIR A CONCLUSÃO DE QUE O MOMENTO DA CONVERSÃO EM MOEDA NACIONAL É O DO PAGAMENTO DA DÍVIDA, não o do ajuizamento da execução. Precedentes citados: REsp 402.071-CE, DJ 24/2/2003; REsp 239.238-RS, DJ 1º/8/2000, e REsp 83.752-RS, DJ 13/8/2001. REsp 647.672-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/2/2007.”
Conclusão
Em resumo: a regra é a vedação do uso de moedas estrangeira no Brasil, mas nossa legislação prevê diversas ocasiões em que a moeda estrangeira pode ser usada. Em geral, são situações de tributação, comércio exterior e seguro com resseguro no exterior.
Bibliografia
CENEVIVA, Walter, Lei dos Notários e dos Registradores Comentada (Lei 8935/1994), 4.ed., São Paulo, Saraiva, 2002.
GUARIENTO, João Augusto Pires,Contrato nacional – É nula cláusula de pagamento fixado em moeda estrangeira – http://conjur.estadao.com.br/static/text/42425,1
ROSENVALD, Nelson, "Direito das Obrigações", 2.ed., Rio de Janeiro, Impetus, 2003.
*Sandro Alexander Ferreira é delegado da Polícia Federal em Belo Horizonte, MG.
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