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O mercado imobiliário e o respeito à lei das incorporações
Mercado volta a lançar empreendimentos sem registro
Mauro Antônio Rocha*
O mercado imobiliário brasileiro está efervescendo e as edições domingueiras dos grandes jornais impressionam pela quantidade de lançamentos e pré-lançamentos anunciados. Essa ebulição é provocada pelo aporte de US$ 4 bilhões ao setor, captados com a abertura de capital das principais incorporadoras e construtoras do país e pelo súbito interesse dos grandes bancos nacionais e estrangeiros pelo segmento de crédito imobiliário.
Para este ano, é estimada a produção de 180 mil unidades residenciais para um volume de financiamentos que deverá ultrapassar R$ 17 bilhões. Parece haver mais recursos para financiamento que produtos para financiar e isso intensifica a concorrência, obriga as incorporadoras ao lançamento prematuro de empreendimentos e se presta a justificar o sistemático descumprimento dos dispositivos legais que regem a atividade incorporativa.
É notável a veiculação de peças publicitárias sem a obrigatória e ostensiva indicação da matrícula e do registro da incorporação imobiliária. Não bastasse a deliberada omissão, algumas incorporadoras e construtoras adotaram uma nova modalidade de propaganda destinada a não vender. Explico-me: por meio do anúncio de breve lançamento do empreendimento, com informação do endereço e mapas indicativos de localização, das frações de terreno e das áreas construídas, dos detalhes arquitetônicos e das condições de venda, convidam o consumidor para visitar os estandes de atendimento público. Entretanto, em nota minimizada informam ao interessado que "o empreendimento só será comercializado após o registro do memorial de incorporação imobiliária, nos termos da Lei nº 4.591/64".
Mas tudo que começa mal tende a piorar e algumas das maiores incorporadoras do país passaram a anunciar o breve lançamento de empreendimentos imobiliários que, além de não registrados no competente ofício de imóveis, sequer tiveram seus projetos aprovados pelo poder público. Candidamente ressalvam em notas que "o projeto encontra-se em aprovação na prefeitura" e que "o empreendimento somente poderá ser vendido após a expedição do registro do memorial de incorporação".
De um lado, essa publicidade de cunho comercial deixa clara a irregularidade e tipifica o crime contra a economia popular. De outro, a omissão da matrícula e do obrigatório registro no informe publicitário destitui as características da incorporação e a intenção de incorporar e, nesse caso, a eventual alienação de fração ideal durante a construção configurará o ilícito civil e criminal.
A incorporação imobiliária continua regida em todo o território nacional pelos artigos 28 a 62 da lei federal 4.591 de 16 de dezembro de 1964. Consiste, basicamente, na atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, antes e durante o período de construção, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.
Observa Melhim Chalhub que o "traço característico dessa atividade é a venda antecipada de apartamentos de um edifício a construir, que, do ponto de vista econômico e financeiro, constitui o meio pelo qual o incorporador promove a captação dos recursos necessários à consecução da incorporação". [1]
Para o exercício dessa atividade, que se caracteriza pela captação antecipada de recursos junto ao público, a lei exige que o incorporador apresente previamente o memorial descritivo da operação e os documentos comprobatórios da origem e titularidade do imóvel, de aprovação do projeto de construção pelo poder público, de idoneidade jurídica, fiscal e comercial, de capacidade técnica e financeira para levar a bom termo a empresa, entre outros, ao dispor, no artigo 32, que "o incorporador somente poderá negociar sobre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis" os documentos referidos, que serão submetidos ao exame pelo oficial de registro, para o registro da incorporação.
Esse registro, obtido com o arquivamento do memorial, "constitui ato básico do negócio da incorporação imobiliária, é ato preliminar, requisito legal, indispensável para o exercício da atividade de incorporador. Sem o arquivamento do memorial, o incorporador não estará legitimado a promover a oferta pública para comercialização das unidades... É o registro que legitima o incorporador a empreender sua atividade empresarial de oferta pública das frações ideais do terreno e das acessões que corresponderão às futuras unidades imobiliárias ". [2] Nada há na legislação vigente que autorize ou justifique a oferta pública de unidades autônomas sem o seu regular processamento e expedição.
Para garantia do efetivo cumprimento de suas determinações a lei dispõe que o número de registro da incorporação constará, "obrigatoriamente, dos anúncios, impressos, publicações, propostas, contratos, preliminares ou definitivos, salvo dos anúncios classificados". E, para a hipótese de seu descumprimento ou inobservância, dispõe, no artigo 66, que constitui contravenção relativa à economia popular, punível com multa e na forma do artigo 10 da lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951 – "negociar o incorporador frações ideais de terreno, sem previamente satisfazer às exigências constantes desta Lei".
E mais, de acordo com o artigo 65 da lei constitui crime contra a economia popular "promover incorporação fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações", pelo qual respondem o incorporador, o corretor, o construtor, individuais, bem como os diretores ou gerentes de empresa coletiva, incorporadora, corretora ou construtora, sujeitos à pena de reclusão de um a quatro anos e multa.
Também estará sujeito à multa em importância correspondente ao dobro do preço pago pelo anunciante, a qual reverterá em favor da respectiva municipalidade, o órgão de informação e publicidade que se presta à divulgação da publicidade sem os requisitos legais, notadamente a informação ostensiva sobre a matrícula do imóvel e registro da incorporação, preços da fração ideal do terreno, das construções, forma de reajustamento etc.[3]
Assim, o que tipifica a contravenção penal é a omissão do registro existente. A omissão, por inexistência do registro, tipifica o crime contra a economia popular, uma vez que a oferta pública da incorporação não registrada equivale à falsa afirmação de sua existência. Dessa forma, aquela informação sobre a inexistência do registro inserida na publicidade comercial também equivale à falsa informação sobre a própria promoção da incorporação.
Ao adotar procedimentos ilegais e desleais, além de desrespeitar as leis vigentes, essas incorporadoras e construtoras expõem a risco a própria atividade incorporativa. Cabe aos agentes atuantes no mercado – Secovi, Sinduscon, Abecip, Ademi, Crea, Conar e associações representativas de jornais e revistas, dentre outros –, fiscalizar e reprimir essa espécie de dissimulação que permite e facilita a ação de aventureiros sempre interessados em corroborar uma aparente anomia legislativa para repetir fatos e situações que, em passado recente, minaram a confiança dos consumidores no mercado imobiliário e impediram, por longo tempo, o crescimento do mercado da incorporação imobiliária.
Até porque, da forma que a coisa vai, em breve veremos o lançamento de incorporação imobiliária com a ressalva de que "as vendas das unidades somente poderão ocorrer quando e se houver a aquisição do terreno pelo incorporador".
Notas
[1] Chalhub, Melhin N., Da incorporação imobiliária, 2.ed., Renovar, Rio, 2005, p. 11
[2] Op. cit, p. 21
[3] Artigo 64, lei 4.591/64.
*Mauro Antônio Rocha é advogado e coordenador jurídico de contratos habitacionais da Caixa Econômica Federal.
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