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Desenvolvimento econômico e o mercado imobiliário
Maílson da Nóbrega*


Palestra proferida  pelo ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, no XXXIV  Encontro dos  Oficiais de  Registro de  Imóveis do Brasil, no  dia 26 de  setembro, no  hotel Majestic Palace,  em Florianópolis, SC

Faremos uma apresentação geral sobre a situação econômica do país, para analisar as transformações em curso no Brasil sob uma perspectiva de longo prazo, levando em conta a construção institucional que vem sendo feita de maneira mais intensa nos últimos 25 anos.

De acordo com a teoria econômica do último quarto de século, o principal fator a incentivar e estimular a atividade que gera crescimento econômico está relacionado com instituições. Instituições no sentido amplo, não apenas o Senado, a Câmara, o Banco do Brasil, Banco Central, mas as instituições no sentido das regras do jogo, formais e informais, instituições que entendem a maneira como as pessoas pensam, na visão dos especialistas, isto é, as crenças da sociedade.

Queremos chamar a atenção para um conjunto de fatores que parece constituir uma nova realidade brasileira.

O amadurecimento de 25 anos de reformas

O Brasil é um dos poucos países da América Latina que construiu instituições fortes, particularmente a democracia e as instituições econômicas. Eles explicam, em grande parcela, o recente êxito da economia brasileira.

Reclamamos muito, com razão, que não foi feita a reforma tributária, que não foi feita a reforma previdenciária, que não foi feita a reforma trabalhista, que não foi feita a reforma política. Tendemos a pensar que as grandes reformas resolvem de uma vez o problema do país.

A experiência mostra que nenhum país complexo e democrático, como é o caso do Brasil, conseguiu atacar de uma só vez reformas de tamanha complexidade. Essas reformas são incrementais por natureza, elas vão acontecendo à medida que a sociedade vai amadurecendo e sempre que um líder transformador é capaz de mobilizar a sociedade para apoiar e pressionar o sistema político para introduzir essas reformas.

Essas reformas não acontecem rapidamente, porque afetam interesses de grupos poderosos. São medidas que atingem grupos com grande capacidade de focalização e beneficia uma massa difusa da sociedade que não consegue se mobilizar em prol de reformas. Um bom exemplo são as aposentadorias generosas dos servidores públicos no Brasil e no mundo. Aqui, não há força política capaz de mudar, pelo menos em curto prazo, os privilégios de que gozam parcela considerável dos servidores públicos no Brasil.

Na Tendências Consultoria, listamos as reformas que foram feitas nos últimos 25 anos. É impressionante como houve mudanças. Foram feitas várias reformas microeconômicas que incluem a criação de mecanismos de gestão do Tesouro Nacional; a separação das funções do Banco do Brasil e do Banco Central, que se transformou numa organização autônoma; a criação do patrimônio de afetação; a Lei de Falências; a solução de parcela não incontroversa da dívida; a própria estabilidade da economia; e a criação de agências regulatórias. Tudo isso vai gerando um conjunto de mudanças que transformam o modo de operar da economia, reduzem incertezas e diminuem a volatilidade, diminuem custos de transação e vão tornando a economia cada vez mais eficiente.

O que faz uma economia crescer é a combinação de investimentos em capital físico – como máquinas, equipamentos e instalações –, e em capital humano, mais a maneira como essas duas coisas se combinam para gerar desenvolvimento por meio de ganhos de produtividade, isto é, a maneira como avança a tecnologia. Por traz disso, há uma série de coisas: como as pessoas são preparadas, como as empresas são dirigidas, como os operários são treinados e como são introduzidos os métodos mais modernos de gestão e governança corporativa.

Todas as reformas feitas nos últimos anos convergiram para inaugurar algo absolutamente fundamental, o ciclo de crédito. O Brasil vive um ciclo de crédito que é muito forte e continua caminhando. Está surgindo no ciclo de crédito um ciclo de crédito imobiliário que será o mais vigoroso da história e com capacidade de transformação gigantesca.

Ciclo de crédito e ciclo de crédito imobiliário – o mais vigoroso da história

Apresentarei alguns números para avaliarmos a importância que tem o ciclo de crédito.

O mais importante é saber que tudo isso está acontecendo sem a necessidade de se proceder às reformas tributária, previdenciária e trabalhista, uma vez que várias reformas microeconômicas foram realizadas.

O Brasil pode continuar gerando crescimento por muitos anos, se continuar fazendo essas reformas, como por exemplo, uma reforma que fortaleça as agências reguladoras, que aperfeiçoe os marcos regulatórios, que ainda apresentam defeitos. Essas reformas vão gerando estabilidade. O Brasil vive praticamente treze anos de estabilidade macroeconômica. Ao final do governo Lula serão dezesseis anos de estabilidade, ou seja, de política econômica que segue na mesma direção, com aperfeiçoamentos ao longo dos períodos, o que será absolutamente inédito. O governo Lula segue a política econômica que herdou de Fernando Henrique Cardoso. Ele preside, provavelmente, o governo de maior contraste da história, com um grau de gestão muito pobre, marcado por corrupção e bagunça, porém, vai ficar como o brasileiro que, contra todas as evidências e contra todo o seu passado, decidiu não interromper o ciclo de estabilidade. Esse é o grande legado de Lula.

Isso vai gerando um ambiente de previsibilidade que caracteriza um país moderno. Entre outras coisas, é um conjunto de instituições que tornam o governo previsível, por isso a economia também fica previsível. Tudo isso gera comportamentos favoráveis ao desenvolvimento, além de possibilitar o acesso inédito ao crédito.

No Brasil, o crédito vem crescendo desde 2003 e ainda tem um longo caminho a percorrer. Ainda haverá uma série de conseqüências, como mais crédito, mais acesso ao crédito, mais consumo, mais capacidade de compra da casa própria, mais capacidade de financiar investimentos, tudo isso vai gerando um clima favorável.

As empresas estão incorporando essa nova realidade, cada vez mais se convencem de que não existe um mágico que tem a capacidade de ir ao Banco Central e mandar baixar os juros, ou que possa mandar o presidente da Fiesp subir o câmbio, enfim, as empresas estão se dando conta de que têm de trabalhar com essa nova realidade, como acontece em qualquer lugar do mundo. É com base nelas que devem tomar decisões, se param de produzir uma linha, se vão para o exterior, se ampliam sua capacidade de exportação, ou se páram de exportar.

Ao tomar essas decisões, ao buscar reduzir custos, essas empresas se transformam e se tornam mais eficientes. Tudo isso gera ganhos de eficiência. A produtividade é fator fundamental de um processo de crescimento sustentado da economia.

Para crescer mais, precisaremos daquelas grandes reformas que mencionamos. Precisamos da reforma tributária, precisamos achar uma saída para a rigidez dos gastos públicos que permita, num prazo razoável, equilibrar o peso dos tributos. Precisamos reformar a arcaica legislação trabalhista brasileira, precisamos dar um sinal de longo prazo para evitar o desastre que está se formando para as gerações futuras relativamente ao sistema previdenciário, que é absolutamente inviável e cheio de privilégios, mesmo para os mais pobres. A questão não é analisar quanto o aposentando ganha, mas comparar quanto ele ganha em relação ao resto da sociedade. O problema é que o Brasil é um país de renda média baixa, por isso a aposentadoria também é relativamente baixa.

Em termos reais, o salário mínimo aumentou 100% desde 1994. Somos o único país do mundo que dá aumento real de rendimento para aposentados. Por isso, também somos o único país do mundo onde a média de rendimento dos aposentados é superior à média de rendimento das pessoas que trabalham. A média costuma ser de 30% a 50%.

Para se ter uma idéia, com esses aumentos irresponsáveis dos últimos anos, o salário mínimo do Brasil já representa 40% do rendimento médio do trabalhador brasileiro. Isso não pode dar certo, por isso, temos de achar saída para esses problemas.

Temos de achar saída para a aposentadoria precoce. O que importa para o sistema previdenciário não é a expectativa de vida ao nascer, mas qual é a sobrevida após certa idade. É isso que conta para a aposentadoria.

A sobrevida do brasileiro após os sessenta anos de idade já é semelhante à da Suécia. O sueco vive mais ou menos até os oitenta anos de idade, e a sueca até os oitenta e quatro anos. No Brasil, a expectativa média do homem é de 79 anos, e da mulher é de 81 anos.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, a professora primária pode se aposentar com 25 anos de trabalho, ou seja, ela entra na escola aos 20 anos de idade, se aposenta aos 45 anos de idade, e vive até os 90 anos. Essa professora fica 45 anos ganhando aposentadoria porque contribuiu com uma parcela durante 25 anos. Ou seja, não precisa ser especialista para dizer que isso está errado.

Portanto, existe uma série de desafios para preparar o país para o futuro, mas, para o presente, bastam as transformações resultantes dessas reformas, o longo período de estabilidade, e agora, no governo Lula, a sorte de estarmos convivendo com um benigno período de crescimento, porque já há quem compare esse período atual de crescimento da economia mundial àquele que caracterizou a grande expansão econômica do pós-guerra.

Brasil cresce mais do que o esperado

Algumas projeções, para 2007 a 2010, apontam um crescimento do PIB de 4,8% em 2007, e 4,3% nos próximos três anos.

A inflação, abaixo da meta, aponta 4,0% este ano, 4,1% em 2008, 3,6% em 2009, e 3,4% em 2010.

Em 2007, os juros representam 11,25%. Estamos admitindo que o Banco Central não vai alterar a taxa de juros na próxima reunião do Copon. Retoma a queda da taxa em 2008, com 9,5%, 9% em 2009, e 8,5% em 2010.

A taxa de câmbio deve ficar em torno de 1,85%, em 2007, e 1,80% até 2010. Não há força suficiente para promover uma desvalorização forte da moeda.

A balança comercial foi robusta nesse período, com superávit acima de U$ 40 bilhões, e também robusto o superávit em transações correntes. As transações correntes resumem as transações do país com o restante do mundo, resultado das exportações e importações de bens e serviços. Os economistas chamam de transações unilaterais o dinheiro que a pessoa que está no exterior manda para o Brasil, sem a contrapartida de um serviço ou um bem. Essa conta é importante para o Brasil, algo em torno de U$ 3 a U$ 4 bilhões entram no Brasil de maneira unilateral.

Essa é uma economia muito saudável, incluindo sua capacidade de gerar poupança externa. O Brasil, hoje, é um exportador de poupança. Quando o superávit em conta corrente aparece, significa que o Brasil exportou mais do que importou de bens e serviços. Essa é uma característica brasileira de 2003 para cá. Quando há superávit em conta corrente, significa que nosso passivo externo está diminuindo. É por isso que a dívida externa brasileira vem diminuindo desde esse período.

Vamos terminar o ano de 2007 com uma situação completamente inédita para nós. Devemos terminar o ano com reservas internacionais na ordem de U$ 170 a U$ 180 bilhões, um nível mais elevado do que a dívida externa de médio e longo prazo, que está em torno de U$ 150 bilhões, e quase três vezes a dívida externa pública.

Para se ter uma idéia de como isso é diferente, o Brasil já nasceu como Nação independente devendo no exterior. Depois da Independência, houve um acordo entre Brasil e Portugal, coordenado pelos ingleses, que possibilitou o reconhecimento da independência do Brasil, que admitiu assumir a dívida de Portugal com a Inglaterra, que era de dois milhões de libras. Já começamos endividados, essa é uma realidade que as pessoas não se dão conta.

Sempre alguém pergunta como se resolverá o problema da dívida externa brasileira. Essa dívida não existe mais, o Brasil tem mais dinheiro em caixa do que deve. Agora estamos caminhando para resolver o problema da dívida interna, porque o que importa na dívida interna é a relação entre a dívida e o PIB, e essa relação está declinando. Provavelmente, será de 43% em 2007. Devemos terminar o governo Lula abaixo dos 40%, aproximando-nos de países com boa situação de finanças públicas, como é o caso do México e da China, e seguramente melhor do que os países europeus.

Tendemos a olhar para a dívida pelo seu tamanho, o que não tem muita importância. Os americanos devem cerca de U$ 2 trilhões e ninguém está preocupado uma vez que a economia americana é de U$ 14 trilhões.

Para 2007, o cenário é de bons ventos na economia mundial, apesar das turbulências que vêm por aí. O FMI está para divulgar uma nova projeção de crescimento da economia mundial, a mais recente turbulência seria que a economia mundial cresceria 4,8% em 2008, este ano vai crescer 5,2%.

Mesmo que a economia americana, que vai desacelerar de 2,5% para 1,5%, impacte o restante do mundo, não será capaz de produzir uma desaceleração forte da economia mundial. Na pior das hipóteses, a economia mundial vai crescer 4,2%, superando a média histórica de crescimento da economia mundial desde 1970.

De 1970 a 2006, a economia mundial cresceu, em média, anualmente, 3,2%. O Brasil está crescendo mais do que esperávamos. O IBGE mudou a metodologia de cálculo do PIB e apontou que, ao invés de crescermos 3,5%, o Brasil está crescendo quase 5%. Houve uma mudança na maneira de medir alguns componentes do PIB, particularmente os serviços.

O crédito e a renda estão se expandindo

De um modo geral, podemos dizer que este ano, e talvez o próximo, será caracterizado por uma taxa de câmbio estável e previsível, e por um baixo risco de descontrole inflacionário. Estamos vendo uma deterioração de expectativas inflacionárias dos mercados e os brasileiros estão mostrando isso, de acordo pesquisa do Ibope que apontou que uma parcela importante dos brasileiros está com medo da volta da inflação, e isso tem a ver com o aumento recente no preço dos alimentos.

Como estamos com uma demanda muito aquecida, vendendo 28% mais de automóveis, 30% mais de refrigeradores, a renda está crescendo, tudo isso está gerando uma pressão de preço que está produzindo aumentos generalizados em algumas áreas, principalmente na área de alimentos e bens de consumo não durável.

Mesmo assim, acredito que não há riscos porque o Banco Central tem autonomia para agir e evitar que o Brasil reingresse num ciclo pavoroso de inflação. Provavelmente, a inflação será de 4%, o que não representará nenhum desastre.

O crédito e a renda estão se expandindo. A massa salarial vem crescendo acima da inflação desde 2003, e neste ano deve crescer algo em 6% acima da inflação. Isso tem muita importância para a área dos cartórios, como veremos adiante.

O Brasil está consolidando as condições para obter o grau de investimento. Hoje, a dúvida dos analistas é se isso vai acontecer em 2008 ou em 2009. Tudo indica que poderá acontecer já em 2008.

Quando o país se tornar grau de investimento, significará que seus papéis colocados no exterior podem ser adquiridos por determinado tipo de investidor institucional. Por exemplo, de acordo com as regras locais, os fundos de pensão americanos só podem comprar papéis de dívida de países grau de investimento.

O Brasil já é considerado grau de investimento nas empresas, já é possível formar uma carteira de empresas brasileiras com grau de investimento, como a Gerdau, Embraer, AmBev, Banco Bradesco, Itaú, etc.

Os mercados estão antecipando que não terá muito efeito o fato de o Brasil se tornar grau de investimento. O Brasil terá acesso a uma massa de recursos considerável para suas dívidas, se necessitar. Os investidores institucionais americanos, como os fundos de pensão, os fundos de investimento, e as seguradoras, são uma massa que gera U$ 30 trilhões, aproximadamente.

O que pode dar errado a ponto de mudar todo esse cenário é uma desaceleração brusca da economia mundial. Essa turbulência gera quebras em cadeia no sistema financeiro e transborda para a economia real. Os consumidores têm perda de riqueza porque os imóveis despencam, seus bens passam a valer menos, principalmente as ações, fazendo o consumidor se retrair, o que produz uma desaceleração rápida da economia que pode conduzir o país a uma recessão, e em caso extremo, a uma depressão.

Mas esse é o cenário menos provável. As coisas estão se acalmando, muito embora ainda haja alguns problemas nas empresas que financiaram hipotecas para devedores de histórico ruim.

Poderia também haver uma piora da gestão macroeconômica. Na nossa avaliação, a gestão macroeconômica perdeu qualidade com a saída do ministro Antônio Palocci. No entanto, é crescente a percepção de que o grande fiador da política econômica brasileira, e da sua preservação, é o presidente Lula. Ele dá demonstrações inequívocas de que entendeu duas coisas, e ele é dos raríssimos políticos brasileiros a ter essa percepção: primeiro, que existe uma relação entre popularidade e baixa inflação, ou seja, ele sabe que, se a inflação subir, a popularidade dele cai; segundo, que existe um nexo causal entre a ação do Banco Central e a inflação, por isso no seu governo o Banco Central se tornou autônomo.

O Lula não está nem um pouco preocupado com o que vão dizer, ele vai naquela sua direção. Essa é a percepção que se consolidou no mercado financeiro no Brasil e no exterior. Tanto que o Brasil é cada vez mais visto como um país de baixo risco político, ou seja, mesmo que mude o presidente da República, não fará o estrago que faria no Brasil em anos atrás.

Forças que viabilizam um ciclo de crédito imobiliário

Gustavo Loyola, Maílson da Nóbrega, Helvécio Castello, João Pedro Lamana Paiva e Lincoln Bueno Alves

Existem várias forças que viabilizam um ciclo de crédito imobiliário. Identifiquei nove forças, mas vamos falar apenas de três, que são fundamentais.

A estabilidade macroeconômica percebida como permanente. Há um estudo recente de duas economistas americanas que analisou os ciclos de crédito imobiliário do mundo todo nos últimos trinta anos. Em todos eles há um fator presente: a estabilidade macroeconômica. O crédito imobiliário só se viabiliza se possibilitar operações de longo prazo, de até trinta anos. Não é por outra razão que começou a existir no Brasil o crédito de trinta anos para a compra da casa própria. Associar a queda de juros com a ampliação do prazo traduz-se em valor menor das prestações. Cada vez mais a prestação se aproxima do valor do aluguel. Daqui a dois anos, muitos lançamentos estarão abaixo do valor do aluguel do mercado, o que vai dar um ânimo adicional às pessoas que querem comprar a casa própria. Apesar de 60% dos brasileiros serem proprietários, e uma parte disso está na favela, ainda vemos as pessoas preocupadas em adquirir um financiamento de trinta anos.

 Crescimento da economia. O crescimento da economia gera mais renda, e mais renda aumenta a capacidade de endividamento das pessoas. Também podemos citar a chegada dos bancos estrangeiros, a sofisticação do sistema financeiro, o aumento da segurança jurídica, o reconhecimento do recebível imobiliário, a parcela incontroversa da dívida, o patrimônio de afetação, as condições que viabilizaram o uso mais amplo da alienação fiduciária de bens imóveis, fator fundamental para a viabilização dos recebíveis imobiliários e do Sistema Financeiro Imobiliário. Tudo isso está se acelerando, por isso o crédito imobiliário no Brasil vai continuar crescendo a dois dígitos, sem dúvida alguma. O crédito imobiliário, em agosto, subiu 19,5% acima da inflação.

A relação do crédito habitacional com o PIB. Chile – 15%; México – 10%; Colômbia – 10%; Brasil – 2%; Suíça – 130%. Se dentro de dez anos chegarmos próximo ao Chile significa que, como proporção do PIB, o crédito imobiliário ficará bem complicado, o que pode até gerar uma bolha, porque todo mundo sairá comprando. E não é por outra razão que empresas estrangeiras estão se associando às incorporadoras no Brasil. Esse mercado veio para valer porque estamos amadurecendo as condições que viabilizaram a expansão do crédito imobiliário em outros países.

O grande beneficiário desse movimento vai ser o componente que chamamos de Classe B. O grande déficit está entre as pessoas que ganham entre três e dez salários mínimos. O maior déficit está entre os que ganham até três salários mínimos, representando 90% do déficit.

Essa é uma expansão que só não acontecerá na hipótese de um desastre, um desastre externo ou um equívoco interno de proporções gigantescas.

Um futuro otimista

Por que há razões para sermos otimistas quanto ao futuro do Brasil, olhando o país na perspectiva institucional e de longo prazo?

Esqueçamos a absolvição de Renan Calheiros, o mensalinho, a violência, a deterioração das estradas; vamos imaginar que tudo isso faz parte de um processo de transição que está amadurecendo.

O que pode fazer com que o Brasil continue se transformando? Primeiro, a democracia. Desde o século XIX, nenhum país deu certo sem ter se consolidado como democracia. É o caso da China, que não tem outra saída a não ser caminhar para a democracia. A China está adquirindo um grau de complexidade social, política e econômica tamanha que haverá uma demanda natural de participação e democracia. Haverá uma dificuldade inequívoca de gerenciar as complexidades dos interesses internos e externos da China pelo partido comunista. Se não acontecer, a China será um país que caminhará para o sistema capitalista.

Nesse sentido, o Brasil tem essa conquista. Nossa democracia ainda é jovem, a atual começou em 1985, tem só 22 anos, e a anterior, isto é, a primeira experiência democrática brasileira, sobreviveu 19 anos, de 1945 a 1964. Essa foi muito tumultuada, teve várias crises institucionais, suicídio de presidente, renúncia de presidente e golpe de Estado.

A experiência atual é vitoriosa e se enraizou na sociedade sem nenhuma crise institucional. O impeachment de um presidente não significou uma crise institucional, mas uma crise política resolvida segundo as instituições, sem tanques na rua e fechamento do Congresso.

Tivemos várias crises políticas no governo Lula, como a do mensalão, e algumas no governo Fernando Henrique, mas nada que pusesse as instituições sob risco. E quanto mais o tempo passa, mais isso se consolida, porque quanto mais a população se educa, maior o seu apoio a esse ambiente institucional.

Nesse aspecto, a democracia é fundamental porque forma o pano de fundo do debate, da crítica, da reflexão, da ausência de medo da repressão, e assim por diante.

A outra opção para que o Brasil continue se transformando são as instituições econômicas. O Brasil tem duas fortíssimas instituições econômicas. São elas as instituições fiscais, que não podem ser confundidas com a carga tributária, que é excessiva e caótica. Mas me refiro às regras fiscais que determinam o comportamento dos governos. São aquelas que estão caracterizadas na Lei de Responsabilidade Fiscal, isto é, existem regras para gastos de pessoal, para os gastos eleitorais, para o endividamento público, para os restos a pagar para governos seguintes, e até mesmo o crime de responsabilidade fiscal, que já está tipificado no Direito penal brasileiro. Em tese, alguém pode ir para a cadeia por não seguir às regras fiscais.

Mais importante do que isso é o Banco Central do Brasil e sua atuação, que gerou um conjunto absolutamente novo no país, se tornou autônomo e previsível. Com toda a pressão do governo Lula, o Banco Central está decidindo sem pedir licença ao presidente da República.

O Banco Central atingiu esse status por conta de um longo período de reformas. Houve um período em que não havia Tesouro Nacional, o Banco Central e o Banco do Brasil eram uma coisa só, o Banco Central fazia financiamento de agricultura de exportação e analisava projetos. Houve um conjunto de reformas que separou tudo isso. O Banco do Brasil se tornou um banco, o Banco Central se tornou Banco Central, e o Tesouro Nacional se transformou em Tesouro Nacional. Essas reformas já têm mais de vinte anos.

Com a estabilidade do plano real, Fernando Henrique Cardoso, que é um analista político de grande capacidade de avaliação, percebeu que sua legitimidade política derivava da estabilidade da moeda. Por isso deixou o Banco Central decidir a seu critério, desde que cuidasse desse ativo, justamente uma de suas funções básicas, zelar pela estabilidade da moeda.

Isso gerou um outro ambiente e se institucionalizou o processo de decisão da taxa de juros, na gestão de Gustavo Loyola como presidente do Banco Central, quando foi criado o comitê de política monetária, uma organização absolutamente consolidada no país e no exterior, tudo isso por meio de uma série de mudanças.

O Banco Central foi se tornando previsível e passou a estimular a formação de especialistas que sabem como decidir, o que é feito por todos os Bancos Centrais. Quanto mais o mercado, os analistas e os avaliadores de riscos sabem como o Banco Central decide, mais cresce a capacidade de coordenação do Banco Central. Quanto maior a capacidade de coordenação do Banco Central, menor o custo de medidas corretivas na área da inflação.

O Banco Central criou um sistema de competição entre esses agentes. Os analistas fazem uma projeção de inflação, de taxa de juros, de balança comercial, de taxa de câmbio, e assim por diante. E o Banco Central, toda segunda-feira, divulga esses dados para os mercados por meio da Internet. Assim, o Banco Central passou a ser muito previsível. O acerto desses analistas passa de 95%. Não se trata de nenhuma mandinga, basta entender como funciona o sistema, quais são os indicadores relevantes e quais os modelos econométricos que o Banco Central utiliza para fazer suas projeções.

Existe um terceiro elemento nesse processo que é a sociedade intolerante à inflação, particularmente os pobres. Os pobres aprenderam que a inflação é ruim. Todas as vezes que a inflação volta a crescer, a popularidade do presidente cai. Temos uma imprensa livre que não esconde, é investigativa, não é manipulada. Ou seja, temos uma situação parecida com o que caracterizou o início desse longo e bem sucedido processo de geração de riquezas, o moderno sistema capitalista que nasceu na Inglaterra, no século XVII, e se consolidou no século XIX.

Na origem desse sistema capitalista que foi o maior gerador de riquezas da história da humanidade está o conjunto de instituições que produziram duas mudanças fundamentais. A primeira foi o fim do arbítrio, o fim do poder discricionário dos governantes em certas áreas de interesse da sociedade. A segunda foi a proteção do sistema de contratos, isto é, o respeito aos contratos, determinado por um Judiciário independente e eficaz.

Os estudos mostram que os investimentos impulsionam a economia, mas para o empresário investir ele precisa ter a convicção de que seus contratos serão cumpridos. Se a parte não cumprir, ele recorre ao Judiciário.

Neste momento, o governante fica de mãos atadas, ele tem de fazer aquilo que o Estado tem de fazer para gerar um ambiente para a educação, para a saúde, para a segurança, etc. Ele não pode interferir e quebrar essa cadeia de expectativas de previsibilidade e de funcionamento da lei do Estado de Direito que caracteriza o sistema capitalista moderno.

No Brasil, temos um governo sob controle de duas forças sociais amplas. De um lado, o voto, isto é, o eleitor. O Brasil entrou em outra era a partir de 1985. Até esse período somente os alfabetizados votavam. Nos anos cinqüenta, apenas 30% dos alfabetizados com idade para votar votavam. Na última eleição, 82% dos eleitores compareceram às urnas, a maioria de baixo grau de escolaridade.

O que importa é que quem determina agora é o eleitorado, e não uma pequena minoria de letrados que influenciavam o governo para fazer políticas a seu favor. A inflação derruba o governo brasileiro, porque ele não consegue se reeleger.

Outra situação é denominada disciplina de mercado, isto é, a força que os mercados têm de precificar o risco. Nesse sentido, estamos nos descolando do populismo latino-americano. Existem duas Américas Latinas que estão caminhando. Uma, dos países que evoluíram institucionalmente, do ponto de vista mental, das regras e da democracia. Quem lidera a lista desses países é o Chile, apesar dos problemas que estão sentindo agora. O Chile é o que mais avançou e o país que mais cresce na América Latina; é o que mais reduziu pobreza. Logo atrás do Chile está o Brasil, depois o México, Uruguai, Colômbia, Peru, Costa Rica, Panamá, República Dominicana. A Venezuela vai dar errado e a Argentina está no mesmo caminho, porque insistem no populismo do passado, na hostilidade ao capital estrangeiro, na mudança da regra, tributação, etc.

Essa transição será longa porque estamos mudando 500 anos de mentalidade. O novo padrão mental demora a surgir. A maioria dos brasileiros não está ligada nessa realidade. De acordo com o livro Cabeça do Brasileiro, de Alberto Almeida, 88% dos nordestinos acham que a inflação tem de ser feita com o controle de preços. Mais de 60% dos brasileiros acham que banco tem de ser estatal, uma parte considerável é contra a privatização. Existe um Brasil moderno andando e um Brasil arcaico ainda majoritário. O que Alberto Almeida mostra é que esse Brasil moderno está nas pessoas de curso superior, com nível mais alto de renda, que moram nas capitais, e que habitam nas regiões do Sul e Sudeste.

Como ele aposta que a educação é um motor por excelência do processo de mudança cultural, também aposta que o Brasil moderno vai prevalecer. Chamamos de Brasil novo e Brasil velho. O Brasil novo são os registradores, é a nova maneira do registro imobiliário que fugiu à velha idéia de cartório, é o empresariado moderno que avança para o exterior, são as universidades e assim por diante.

Acreditamos que o Brasil novo vai prevalecer sobre o Brasil velho no período máximo de duas gerações. Nesse período, temos condições para evitar a volta ao passado populista. É uma transição longa, mas quando se completar o Brasil terá todas as condições de se tornar realmente um país rico. Há muito que resolver, mas se tivermos essa perspectiva teremos razões para sermos otimistas.

 *Maílson da Nóbrega  é ex-ministro da Fazenda e sócio da empresa Tendências Consultoria.



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