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Publicidade registral versus direito à privacidade


Direito à privacidade e registros públicos. Diálogos luso-brasileiros. Encontro de juristas brasileiros e portugueses para debater as novas feições da propriedade privada e de mecanismos de publicidade registral da situação jurídica dos bens imóveis. Dia 20 de setembro de 2007, na Faculdade de Direito da USP. Dia 21 de setembro de 2007, na Escola Paulista da Magistratura.
 
Doutores Sérgio Jacomino, Ricardo Dip, Luís Paulo Aliende Ribeiro, Marcelo Martins Berthe, Mônica Jardim, Marco Antônio Botto Muscari, Flauzilino Araújo dos Santos, Rafael Vale e Reis e Alexandre Laizo Clápis
 
Nos dias 20 e 21 de setembro, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e a Escola Paulista da Magistratura registraram rica troca de experiências sobre o direito à privacidade e os registros públicos da era digital.

O evento foi promovido em conjunto pela Escola Paulista da Magistratura, Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra – Cenor, Faculdade de Direito da USP, UniRegistral – Universidade Corporativa do Registro, e Irib.

A professora Mónica Jardim, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, coordenadora do Cenor, e  Rafael Vale e Reis, advogado e estudioso dos desafios da informatização nos registros públicos e no Judiciário vieram de Portugal especialmente para esse importante debate.

Também proferiram palestras, o desembargador Ricardo Dip, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e o doutor Luís Paulo Aliende Ribeiro, juiz de Direito, professor da PUC-SP e da EPM.
 
Participaram dos debates, o juiz Marcelo Martins Berthe, titular da primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo; Alexandre Laizo Clápis, registrador imobiliário substituto em São Paulo, capital; Sérgio Jacomino, quinto registrador imobiliário de São Paulo e diretor do Irib; Flauzilino Araújo dos Santos, presidente da Arisp e primeiro registrador imobiliário de São Paulo; o juiz Marco Antônio Botto Muscari, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo; a juíza e professora Tânia Mara Ahualli (EPM); e George Takeda, terceiro registrador imobiliário de São Paulo e vice-presidente do Irib.

Desmaterialização da propriedade e os registros públicos no século XXI – módulo I

Os trabalhos tiveram início no dia 20 de setembro, na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, com apresentação do desembargador Rui Geraldo Camargo Viana, professor titular e chefe do Departamento de Direito Civil da FD-USP.

A professora Mónica Jardim abordou os registros eletrônicos e a tutela da propriedade privada. Focalizou tópicos como Direito das coisas versus Direito das obrigações; direito real e direito de crédito; direito de propriedade enquanto direito real máximo; direito de propriedade e seus meios de tutela; direitos reais e o registro; registros eletrônicos e eventual vulneração dos direitos reais, maxime, do direito de propriedade; controle da legalidade exercido pelo registrador ou a qualificação registral, os documentos eletrônicos e o registro eletrônico.

Destacou que, mesmo com a utilização de ferramentas tecnológicas na atividade do registro, o papel do registrador continua sendo fundamental para garantir a segurança jurídica das transações imobiliárias. “Todo sistema tem sua vulnerabilidade, mas o notário e o registrador garantirão a veracidade das informações”, declarou.

O desembargador Ricardo Dip falou sobre  propriedade e segurança jurídica – desafios atuais. Segundo ele, a tecnologia não deve se sobrepor ao direito conquistado. “É preciso encontrar formas para que o acesso às informações nos meios eletrônicos não coloquem em risco a segurança jurídica”, alertou.

Direito à privacidade e registros públicos – módulo II
 
O encontro luso-brasileiro continuou durante todo o dia 21, na Escola Paulista de Magistratura. Os trabalhos foram abertos pelo desembargador Gilberto Passos de Freitas, corregedor-geral da Justiça de São Paulo; pelo desembargador Marcus Vinicius dos Santos Andrade, diretor da Escola Paulista da Magistratura; e pelo registrador Flauzilino Araújo dos Santos, presidente da Arisp.
 
O desembargador Ricardo Dip proferiu palestra sobre base de dados, registro informático e o acesso à informação registral versus direito à privacidade. Mais uma vez, o desembargador defendeu a idéia de que o saber técnico não pode exercer domínio sobre o saber metafísico e filosófico, observando que são inúmeros os recursos que facilitam a invasão da vida privada.

Para ele, “as questões técnicas acabam por tiranizar as soluções. São elas que ditam soluções que deveriam ser ditadas por outros ramos do saber humano. As questões de natureza moral e as questões de natureza metafísica são superiores às questões técnicas. Devem guiá-las, e não ao contrário. Quando a técnica se apresenta como resultado de algo possível, já se opõe como um fato sem nos dar ocasião, freqüentemente, de pensar se esse fato é desejável. O problema não é saber se vamos ou não chegar a um resultado técnico, mas saber se esse resultado técnico é, efetivamente, aquilo que gostaríamos que fosse do ponto de vista jurídico, político ou moral”.

O desembargador alertou sobre a facilidade com que uma pessoa pode obter informações nos cartórios e, eventualmente, disponibilizá-las pela Internet, criando um serviço privatizado. “Se tenho dinheiro para pagar, posso perfeitamente solicitar certidões de cem mil matrículas e disponibilizar essas informações na rede, concorrendo, portanto, com o exercício constitucional da divulgação registrária”, explicou.

Outro exemplo citado pelo doutor Ricardo Dip foi a obtenção de dados nos cartórios visando à manutenção de um cadastro para enviar publicidade por e-mail. “Isso tudo é possível e a legislação não proíbe, é apenas uma questão de interesse e de custos. Essa é uma brecha que está erodindo o sistema. Por sorte, por sair caro esse tipo de procedimento, ninguém ainda se interessou”.

Questionado sobre a possibilidade de mudança na legislação de forma a limitar o número de pedido de pedidos de certidões, o palestrante respondeu que o problema não é saber quantas certidões uma pessoa vai pedir, mas se ela pode pedir a certidão e para qual finalidade. “O que deve ser controlado é o interesse do pedido, o que não ocorre porque a legislação infraconstitucional dispensa a indicação de interesse para a obtenção de certidão”.

Informatização do registro e direito à privacidade – um admirável mundo novo?
 
Esse foi o tema do advogado Rafael Vale e Reis, membro da direção do Centro de Estudos Notariais e Registais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Cenor. Ele destacou que a informática é uma necessidade na sociedade e é irreversível. “Temos de contar com ela, que é essencial para o registro. É claro que temos de ter todas as cautelas porque a informática potencializa alguns riscos, mas temos de ter cautela no registro como em qualquer outra atividade. Na minha ótica, o tema da privacidade é mais lato e tem a ver com o conflito de valores que pode ocorrer entre a publicidade registral – necessária e importantíssima do ponto de vista jurídico e econômico –, e a reserva de intimidade da vida privada”.

Para Rafael Reis, a falta de conhecimento dos recursos tecnológicos é um dos fatores que gera a insegurança de tornar públicas as informações, ou seja, há um receio induzido pela falta de conhecimento dessas ferramentas. “A informática propõe problemas e atos que devem ser pensados. O risco pode ser minorado, mas nunca será eliminado totalmente. Portanto, temos de admitir o risco e aprimorar a prevenção dele o máximo que pudermos. Ao conhecermos o risco, tenho certeza de que o medo será minimizado”.

Cartórios digitais – decisões analógicas – o papel do registrador na qualificação registral
 
 A professora Mónica Jardim expôs um segundo trabalho, sobre o papel do registrador na era digital. Ela observou que, em 1962, questionou-se se a função do registrador poderia ser substituída pela informática. “No entanto, o Direito não é uma ciência exata, cada caso é um caso e o registrador tem de ter grande conhecimento científico sobre várias áreas – civil, administrativo, tributário, urbanístico –, e ainda tem de enviar essas informações pela rede mundial de computadores. Mesmo que, algum dia, todas essas informações sejam substituídas pelo computador, ainda assim, teria de haver um programador e um registrador, para conhecer as hipóteses. Nem os códigos são completos, há lacunas, é preciso inteirá-las. Portanto, é inviável a eliminação da figura do registrador.”

Com o computador é possível reduzir o trabalho”, continuou, “ele deve ser um instrumento para auxiliar o registrador e nunca para substituí-lo. Tudo o que demandar reflexão, ponderação e estudo, enfim, os elementos que envolvem a qualificação registral estarão nas mãos do registrador e sob sua responsabilidade”.

Para Mónica Jardim é impossível utilizar um modelo preestabelecido para informatizar os cartórios do Brasil, uma vez que cada país tem suas particularidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, não há registros públicos com finalidade jurídica como no Brasil e em Portugal, mas seguradoras. Na Europa, a Alemanha possui um bom modelo que está totalmente digitalizado.

É preciso desenvolver ferramentas para preservar a vida privada e reservar alguns dados, coisas muito básicas, como a senha pessoal que não deve ser cedida a ninguém. O risco que se corre é que esses dados são cedidos. Esse é um perigo muito grande, os estudiosos da matéria dizem que é possível falsificar uma assinatura. É claro que não será uma coisa banal, mas é um risco que se corre. A medicina, os bancos e as grandes seguradoras utilizam meios informáticos, portanto, temos de informatizar o registro sob pena de ficarmos parados no tempo enquanto os outros serviços evoluem. E não se trata de opção, os registradores serão forçados a usar a nova tecnologia porque os títulos cada vez mais chegam em formato eletrônico. Eles terão, necessariamente, de evoluir para o meio eletrônico”.

Publicidade registral e o direito à privacidade: direito público ou direito privado?
 
O juiz de Direito Luís Paulo Aliende Ribeiro, professor da PUC-SP e da EPM, traçou um panorama sobre o direito público e o direito privado, mostrando que tem de haver responsabilidade quando se libera informações de um bem privado.

Aliende ainda destacou a necessidade de se encontrar meios e mídias que garantam o armazenamento das informações dos cartórios e como elas poderão ser acessadas no futuro.

Certificação digital é o meio mais adequado se alcançar a segurança
 
Em entrevista ao Boletim Eletrônico IRIB, o juizMarcelo Martins Berth falou sobre os desafios da adoção de tecnologia digital pelos cartórios extrajudiciais. Para ele, hoje, a certificação digital é o meio mais adequado para se alcançar a segurança. “Vemos que talvez seja esse o caminho, mas ainda é preciso avançar bastante”, ponderou.

Segundo o juiz, o uso da informação obtida junto ao registro de imóveis, e serviços públicos em geral, deve ter uma finalidade jurídica própria que justifique o pedido da certidão. “No entanto, não se pode admitir a utilização da informação para fins diversos. De outro lado, não se pode fechar a porta à informação, há que se ter o controle sobre ela. O que se cogita é que se identifiquem as pessoas que solicitam a informação e o motivo do pedido. Em caso de algum desvio de finalidade, estando a pessoa identificada, deverá ser punida.”

Mais de 95% dos títulos chegam por via eletrônica
 
O registrador Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, diretor do Irib, observou que a lei de protesto (lei 9.492/97) é a que melhor lida com a informatização, permitindo a substituição do papel pelo meio eletrônico, o que está em consonância com a realidade, uma vez que mais de 95% dos títulos chegam por via eletrônica.

O que temo no registro de imóveis é que as pessoas identifiquem o registrador imobiliário como um profissional virtual e não como o profissional do Direito, que ele de fato é, encarregado da segurança jurídica, que favorece o tráfego imobiliário e a segurança”.

Pacheco ainda defendeu que o uso da tecnologia não deve afastar o contato entre o registrador e a parte. As pessoas que levam o título a registro precisam de esclarecimentos do registrador. “Especialmente no que diz respeito à retificação administrativa e à possibilidade de se registrar partilhas extrajudicialmente, o registrador tem uma função importantíssima e precisa orientar as partes”.

Disposição para a tecnologia
 
Em entrevista ao BE, o presidente da Arisp Flauzilino Araújo dos Santos comentou as semelhanças entre Brasil e Portugal. “As exposições dos ilustres professores portugueses confirmaram que estamos no caminho certo. Temos uma disposição muito grande para trabalhar a tecnologia e facilitar a compreensão por todos os envolvidos nesse processo de modernização dos registros públicos e de desmaterialização de processos. Existe uma boa vontade generalizada para que isso ocorra”.

Mais

Professores portugueses visitam CGJSP

A professora Mónica Jardim, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e o advogado e professor Rafael Vale e Reis foram recebidos pelo desembargador Gilberto Passos de Freitas, corregor-geral da Justiça de São Paulo, em seu gabinete, no último dia 20 de agosto.
 
Marco Antonio Botto Muscari, Flauzilino Araújo dos Santos, Rafael Vale e Reis, Mônica Jardim, desembargador Gilberto Passos de Freitas, Tânia Mara Ahualli e Sérgio Jacomino.   
 
Acompanharam a visita os doutores Marco Antonio Botto Muscari, Tânia Mara Ahualli, Sérgio Jacomino e Flauzilino Araújo dos Santos.

O desembargador Gilberto Passos de Freitas lembrou um tempo em que as relações entre brasileiros e portugueses, na esfera da Justiça, eram mais constantes. “Vamos renovar esses contatos”, sugeriu.

Do encontro informal, a comitiva seguiu para a histórica Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, onde foi recepcionada pelo desembargador Rui Geraldo Camargo Viana, professor titular e chefe do Departamento de Direito Civil da FD-USP. Ele fez questão de apresentar os visitantes ao diretor João Grandino Rodas.

Visite: http://www.flickr.com:80/photos/iacominvs/sets/72157602230606656/



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