BE3109

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Indisponibilidade de bens – penhora – determinações judiciais contraditórias. Execuções trabalhista  e fiscal. Qualificação registral – conflito de competência. Crime de desobediência.


1) Pretensão a registro de penhora deve ser obstada nos casos em que há ofensa a ordem jurisdicional anteriormente registrada que impôs a indisponibilidade de bens na forma da lei.

2) Se ao titular dominial se retira o poder de dispor da coisa, nenhum título tendente a onerar ou transmitir a propriedade imobiliária tornada jurisdicionalmente indisponível pode ser admitido no Registro de Imóveis.

Primeira Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo

Processo nº 583.00.2007.137423-1

Vistos, etc.

Cuida-se de expediente que noticia o registro da certidão de penhora do feito que tramita perante o Digno Juízo da 45ª Vara do Trabalho desta Capital, no imóvel da matrícula 130.512, do 15º Cartório de Registro de Imóveis desta Capital, quando o bem já estava com sua indisponibilidade inscrita na mesma matrícula, anteriormente, por ordem de outros Juízos, no caso, o digno Juízo da 8ª Vara Especializada em Execução Fiscal da Justiça Federal, seção Judiciária de São Paulo, Juízo da 2ª Vara Especializada em Execução Fiscal da Justiça Federal, seção Judiciária de São Paulo e o Juízo da 78ª Vara do Trabalho de São Paulo.

O prudente Oficial de Registro de São Paulo representou a esta Vara Especializada informando que depois de pretéritas apresentações que deram causa a notas devolutivas recusando a efetuar o registro, foi expedido Ofício com ordem de registro de penhora, sob pena de desobediência à ordem judicial, o que, culminou no integral cumprimento.

O Ministério Público apresentou parecer no sentido de que seja adotada medida semelhante ao que foi exarada no processo nº 583.00.2003.145493-0, deste juízo.

É o relatório.

DECIDO.

O registro que veio ofender à indisponibilidade, determinada na esfera jurisdicional pelos Juízos das 2º e 8º Varas Especializadas em Execução Fiscal da Justiça Federal, seção Judiciária de São Paulo e do digno Juízo da 78ª Vara do Trabalho de São Paulo, não pode ser mantido vigente, porque ofende outra e antecedente ordem, também de caráter jurisdicional, que impôs a indisponibilidade na forma da lei.

Se do titular dominial se retira o poder de dispor da coisa, que, como no caso, ficou à ordem dos referidos Juízos, nenhum título tendente a onerar ou transmitir a propriedade imobiliária indisponível pode ser admitido no Registro de Imóveis.

Haveria séria e grave ofensa à segurança jurídica, e até a eventual concurso universal de credores, ou à lei que autorizou a ordem judicial de indisponibilidade, se se permitisse eficácia aos registros contraditórios dessa natureza, como a penhora do bem e depois a sua adjudicação, evidentemente incompatíveis com a indisponibilidade registrada anteriormente, e na forma da lei, transportada depois por averbação para a matrícula da unidade imobiliária em questão.

A penhora ingressa no registro imobiliário para publicitar a constrição judicial, não sendo a averbação, especialmente como agora como tratada no Código de Processo Civil depois do advento da Lei Federal 11.382/86, constitutiva de direito.

Desse modo, a nada se prestaria o ingresso da penhora senão para dar publicidade ao ato constritivo.

É certo, ainda, que até o direito de preferência, no caso de concurso de mais de uma ordem de penhora, não se constitui pela precedência da inscrição da constrição no registro predial.

O direito de prelação, em caso de mais de uma penhora, resolve-se no processo, independentemente da sua inscrição registral.

Resta, pois, que a averbação de indisponibilidade, decorrente de ordem legalmente expedida e inscrita anteriormente, retira da propriedade imobiliária a sua disponibilidade.

Vale dizer que o bem indisponível, por força de qualquer ordem que assim o tenha tornado, na forma da lei, a partir da inscrição da indisponibilidade, já não pode ser alienado, nem mesmo em alienação forçada, no caso de se pretender excutir tais bens em execução judicial, ou extrajudicial.

Nesse passo, de todo descabido o registro, ou agora a averbação da penhora, porque não se justificaria que a publicidade registral refletisse uma aparência de que o bem está sujeito à execução de onde partiu a ordem de constrição, quando, na realidade, não se admitirá o registro alienação do bem, ainda que forçada, dada a indisponibilidade inscrita, que impede a disposição do bem imóvel.

Inscrever a penhora equivaleria a levar para os assentamentos registrais a insegurança jurídica, uma vez que se poderia inferir, a partir da publicitada penhora, que o bem imóvel penhorado seria passível de ser arrematado em hasta pública, ou mesmo adjudicado, quando, na realidade, absolutamente não o será, dada a sua qualidade de bem imóvel indisponível.

Caso haja determinação acompanhada de ordem de prisão, como parece ter ocorrido no caso, ainda que o ato registro ou de averbação seja manifestamente violador da indisponibilidade legal determinada por outro Juízo, o registrador, ao cumprir a ordem, deve comunicar essa Corregedoria Permanente imediatamente, por meio de representação, para que sejam adotadas as providências que venham a restaurar os basilares princípios sobre os quais se assentam os Registros Imobiliários, para a garantia do cumprimento da ordem judicial anterior e legal, assim como para proteger a segurança jurídica que o serviço delegado de Registro de Imóveis não pode prescindir, sob pena de grave prejuízo ao cumprimento da anterior ordem judicial legal, e com graves conseqüências para o direito de propriedade imóvel, confiado constitucionalmente à guarda do Oficial Registrador.

O Registrador de Imóveis exerce importante função de garante das liberdades públicas. E isso precisa ser aqui consignado.

Se a desordem reinasse no registro predial, de modo que ele passasse a recepcionar ordens contraditórias, de qualquer conteúdo, com violação de todo o sistema, recairia a insegurança sobre o direito de propriedade privada, um dos pilares do regime democrático.

Eventuais decisões do Colendo Conselho Superior da Magistratura, proferidas em casos concretos, que tiveram por prejudicado recurso com matéria semelhante, ou mesmo Arestos do Superior Tribunal de Justiça, proferidos em Conflitos de Competência, não têm o caráter de aplicação geral, nem vinculam o registrador imobiliário.

Apenas quando em Conflito de Competência assim tiver ficado determinado, pela Superior Instância, em cada caso concreto, o que exige exame pontual, é que registros que venham a transmitir ou a onerar propriedade já indisponível, por ordem anterior de outro Juízo, é que se poderá cogitar de excepcionar a regra geral, para que se cumpra a ordem superior.

Mas, essas questões, repita-se, devem ser analisadas caso a caso, como tem ocorrido, quer por esta Corregedoria Permanente, como pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.

Do contrário, as indisponibilidades perderiam inteiramente a segurança, e, já a nada, ou a quase nada serviriam, abrindo-se, inclusive, o caminho para a fraude.

O fato de existir penhora anterior não justifica nova inscrição, até porque um erro pretérito não serve para dar lugar a novos atos registrais da mesma índole.

A penhora inscrita anteriormente, do contrário, deverá ser objeto de exame em procedimento próprio, onde, observando o devido processo legal, será verificado o cabimento da inscrição averbada.

Diante do exposto, determino o cancelamento de todos atos registrários, que tenham sido realizados depois do registro 14, feito na matrícula 130.512, do 15º Cartório de Registro de Imóveis da Capital, cumprindo que seja cancelado, especialmente, o R.15.

Extraia-se peças para a abertura de novo procedimento administrativo para a verificação da regularidade do registro nº 14 da referida matrícula.

Expeça-se o mandado de cancelamento.

P.R.I.C.

São Paulo, 04 de setembro de 2007.

MARCELO MARTINS BERTHE
Juiz de Direito

Nota da redação

A R. decisão acima transcrita, de lavra do magistrado Marcelo Martins Berthe, enfrenta, com vigor  o grave problema de concorrência de ordens judiciais contraditórias e oferece uma solução inteiramente amoldada ao sistema que entre nós vigora de respeito e acatamento aos mandamentos judiciais.

A ocorrência de ordens absolutamente contraditórias inocula o germe da insegurança jurídica e estabelece o império do esquizoregistro - realidades e situações jurídicas contrapostas e antagônicas, portencializadas pela publicidade registral.

Advinha-se, contudo, um período de turbulências. Basta pensar que as ordens judiciais - especialmente as oriundas da Justiça Especializada - vêm bordadas de adjuntas determinações de cumprimento incontinente sob pena de prisão e multa diária por descumprimento.

Na última edição do CCJ (café com jurisprudência) o tema da descaracterização do tipo penal de crime de desobediência foi desenvolvido pelo registrador Carlos Frederico Coelho Nogueira, de Barueri, e complementado pelas valiosas considerações do des. Ricardo Dip. As filmagens do encontro estão no site da UniRegistral (www.uniregistral.com.br) e serão oportunamente transcritas no Boletim do Irib.

Para fornecer algumas pistas para compreender o contexto de nossa atuação como registradores, já prevendo algum tipo de conflito nesses casos, indico aqui o texto do des. Ricardo Dip, que enfrenta o tema da responsabilidade penal dos registradores: http://www.irib.org.br/rdi/rdi53_081.asp (para quem tem a coleção da Revista de Direito Imobiliário, o texto foi publicado na RDI 53/81). Já para embasar a R. decisão supra, indico importante decisão do Supremo Tribunal Federal que versa sobre qualificação judicial de títulos judiciais, cuja ementa é a seguinte:

REGISTRO PÚBLICO - ATUAÇÃO DO TITULAR - CARTA DE ADJUDICAÇÃO - DÚVIDA LEVANTADA - CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal - crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado (HC 85911 / MG - MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Enfim, a R. decisão indica um caminho que pode sugerir a quebra do princípio da inafastabilidade da qualificação judicial, inclusive e principalmente dos títulos judiciais, com as conseqüências jurídicas daí decorrentes. É forçoso convir, todavia, que, na medida em que se franqueia o acesso de representações ao juiz-corregedor, com realismo e objetividade se acaba por obviar a irrupção de reações em cadeia cujo paroxismo é a conhecida exasperação por insubordinação a ordens judiciais. Com a denegação confirmada, a relação passa a ser entre juízos - ainda que num dos pólos se exerça uma atividade judicial-administrativa.

E aqui se define - impropriamente, na minha modesta opinião - o conflito de competências que o STJ tem admitido e que reiteradamente tem rendido decisões que se inclinam decisivamente pela prevalência da ordem emanada da jurisdição.

O tema encerra históricas dificuldades. A R. decisão põe o dedo na ferida e aponta, com coragem, que a sociedade não pode tolerar o caos que a insegurança jurídica representa. (SJ)



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