BE3028
Compartilhe:
O ESTADO DE SÃO PAULO – 03/07/2007
Nem tudo é dinheiro
José Renato Nalini
A explicação mais comum para a disfuncionalidade da Justiça brasileira é a falta de dinheiro. Todas as vezes que um dos detentores do rotativo e efêmero comando judicial é ouvido, alega faltarem recursos financeiros, enquanto sobram os recursos processuais.
Talvez uma parte da verdade esteja na insuficiência do investimento. Mas a crise da Justiça não reside exclusivamente nessa causa. Continua faltando ao Judiciário um planejamento conseqüente. O Poder da República afeiçoado a uma única dimensão do tempo – o passado – não aprendeu a trabalhar com o futuro. Tudo se faz como já se fez e a única preocupação permanente parece replicar a superada concepção de que o crescimento vegetativo é o que interessa. Faltam juízes, faltam funcionários, faltam comarcas e varas. Para isso é preciso mais dinheiro.
Por que não se pensar em estratégias alternativas? O que se faz para aumentar a produtividade? Para distribuir de forma racional as unidades judiciárias e corrigir desproporções? O que tem sido feito para tornar as decisões menos sofisticadas e mais objetivas, para acelerar os trâmites e ajustar a Justiça ao ritmo dos outros serviços essenciais à população?
A profunda reforma estrutural de que a Justiça necessita ainda não foi feita. Não há projetos, não há debates, não há espaço para discussões que não sejam situadas na ultrapassada noção do que deva ser o Judiciário.
Houve um tempo em que o funcionalismo esteve subordinado aos titulares das denominadas serventias extrajudiciais. Aqueles que se recordam dessa época podem testemunhar a eficiência, a postura ética e a lisura da maioria dos cartórios.
Por que não se pensar em transferir para essas delegações de serviço público algumas das tarefas judiciais? A contratação funcional é muito mais rápida e eficiente. Existe uma hierarquia mais nítida e a autoridade é zelosa e atenta ao princípio de que o destinatário do serviço precisa ser bem atendido. Ainda que experimentalmente, seria interessante fazer o caminho de volta. Não se cuida de privatizar os serviços judiciais, porque as delegações pertencem ao Estado. Mas o regime de contratação é muito mais flexível que a regra do concurso público, geradora, às vezes, de uma estabilidade e inércia que podem ser nefastas ao funcionamento da máquina.
Os próprios funcionários seriam estimulados a produzir mais e a ver perspectivas hoje inexistentes. Não há servidor público satisfeito com a dificuldade na fixação de critérios para a ascensão funcional. Uma serventia que funciona em caráter privado tem condições de acenar com perspectivas mais animadoras a quem queira investir em sua carreira.
Outras carreiras precisam ser repensadas, porque o mundo mudou. A comunicação judicial tem de se servir das infovias e o avanço tecnológico das informações está disponível para um choque de eficiência até agora ignorado.
O recrutamento de juízes precisa atentar para a realidade nacional, em que não se acusa o ocupante de cargo público de ignorância ou despreparo. Ao contrário, a priorização do saber técnico seleciona pessoas habilitadas ao desempenho de suas funções. Nem sempre com a ética reforçada e apta a enfrentar a moral em frangalhos da vida pública brasileira.
O Judiciário, já considerado a derradeira reserva de idoneidade no Brasil, também sofre da contaminação detectada nos demais Poderes. Nem haveria condições de uma Justiça incólume, se a metástase putrefaz a nacionalidade e já não consegue indignar os anestesiados homens de bem. Urgente, por esse e por outros motivos, um zelo até exagerado no concurso público. Em lugar de se privilegiar a capacidade de memorização, a tônica deve ser a seleção de pessoas de bem. Mulheres e homens sensíveis à imprescindível missão de restaurar valores e de provar que a Justiça sem ética nem pode usar esse nome. Pode ser qualquer outra coisa, menos a função estatal de fazer incidir a norma sobre o caso concreto. Pois o direito é extraído da ética e dela deve ser impregnado. Direito sem ética é ferramenta letal.
O Judiciário deve assumir a verdade escancarada de que não está apto a uma gestão compatível com o século 21. Ele sabe decidir. Sabe aplicar a lei. Mas não sabe administrar. Não consegue conferir eficiência a seus préstimos. Continua afeiçoado a saberes antigos. Saberes que não devem ser descartados, mas necessitam de urgente atualização.
Gerir um Poder da República que se exterioriza em plúrimas formulações – duas Justiças comuns e três especializadas –, cada qual com sua estrutura, história e tradições, não produziu uma doutrina judicial-administrativa comum. Pulverizam-se as experiências e não são aproveitados os êxitos. Tudo recomeça a cada gestão, como se fora necessário reinventar a roda a cada biênio.
É necessário reconhecer que a Justiça precisa de bons gerentes. Excelentes juízes nem sempre conseguem adicionar à sua excelência a capacidade de administrar. Por isso a aparente paralisação imposta pela burocracia, a dificuldade em adotar novas estratégias, a permanência do discurso da falta de dinheiro.
Não será apenas um orçamento reforçado que sanará as deficiências da Justiça. Antes disso é preciso oferecer projetos, estabelecer metas, ajustar-se à contemporaneidade. Olhar o que acontece no mundo todo e analisar a verdadeira revolução operada nos outros setores. Entregar as tarefas especializadas a especialistas. Não pretender que juízes sejam onipotentes e devam entender de todos os assuntos e assumir tarefas para as quais não foram formados. Se o juiz sabe confiar no perito dentro do processo, por que não entregar a experts os setores de que não sabe desincumbir-se?
Se essa reflexão ocupasse um espaço na consciência de algumas lideranças, verificar-se-ia que dinheiro não é tudo.
Idéias não custam dinheiro e podem propiciar melhores resultados.
José Renato Nalini, presidente da Academia Paulista de Letras, desembargador do Órgão Especial do TJ-SP, é autor de A Rebelião da Toga
(O Estado de São Paulo, 03/07/2007)
Últimos boletins
-
BE 5610 - 28/06/2024
Confira nesta edição:
XLIX ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL: CONHEÇA AS BELEZAS DA CAPITAL FEDERAL! | PMCMV: 30 mil novas moradias beneficiarão pequenos municípios | Governador do Estado do Maranhão sanciona lei que cria CGFE/MA | CGJES assina protocolo que incentiva desjudicialização | CENoR: Urbanismo e Registo | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | Sucessão extrajudicial na união estável: desequilíbrio a ser superado – por Geraldo Felipe de Souto Silva | Jurisprudência do TJRJ | IRIB Responde.
-
BE 5609 - 27/06/2024
Confira nesta edição:
Hospital de Amor: não se esqueça de enviar os comprovantes de pagamentos e DARFs! | | Atuação da advocacia no foro extrajudicial: Vice-Presidente do IRIB participará de palestra amanhã na OAB/MT | CNJ promove a “1ª Oficina de Soluções Fundiárias do Conselho Nacional de Justiça” | Programa Periferia Viva: Governo Federal inicia contratações| RDI em Debate: invalidades no Registro de Imóveis e hermenêutica da qualificação registral imobiliária | CENoR: Urbanismo e Registo | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | A Reforma do Código Civil e as mudanças quanto ao regime de bens – Alterações na comunhão parcial de bens – Parte III – por Flávio Tartuce | Jurisprudência do TJSC | IRIB Responde.
-
BE 5608 - 26/06/2024
Confira nesta edição:
RDI em Debate: invalidades no Registro de Imóveis e hermenêutica da qualificação registral imobiliária | Portaria SPU/MGI n. 4.329, de 20 de junho de 2024 | PL altera Lei dos Cartórios para prever manutenção de empregos quando houver troca de delegação nas Serventias Extrajudiciais | CGJAM promove primeira audiência pública do Programa “Solo Seguro – Favela” com comunidades indígenas | Em matéria do portal ND+, CORI-SC explica como funciona transmissão de terrenos de marinha | IX Congresso Internacional de Direitos Humanos de Coimbra: uma visão transdisciplinar | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | Biblioteca: Usucapião Como Meio de Fraude à Disciplina do Parcelamento do Solo – 1ª Edição – obra de Rodrigo Rodrigues Correia | Identidade digital no Brasil: segurança e desenvolvimento – por Layla Abdo Ribeiro de Andrada | Jurisprudência do CSMSP | IRIB Responde.
Ver todas as edições
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
Últimas Notícias
- Usucapião extrajudicial. Fazenda Pública. Editais. Notificação.
- Carta de Adjudicação. Compra e venda – instrumento particular. Título judicial – qualificação registrária. Transmitente – certidões negativas. Princípio da Legalidade. Segurança Jurídica.
- Sucessão extrajudicial na união estável: desequilíbrio a ser superado