BE3025

Compartilhe:


Processo e Registro

Fraude à execução e a averbação acautelatória e/ou premonitória
Inovações trazidas pelas leis 11.382/06 e 11.419/06
João Pedro Lamana Paiva
[1]


João Pedro Lamana Paiva, em São Paulo (25/5/2007). Foto: KPTK

A primeira e grande inovação trazida pela Lei 11.382/06,  no que tange a efetivação da penhora,  refere-se à escolha dos bens a serem penhorados, a qual deixou de ser prerrogativa do devedor para ser uma faculdade do credor. O exeqüente, ao instruir a petição inicial, poderá discriminar os bens, devendo tomar as cautelas necessárias no sentido que todos sejam objetos passíveis de constrição judicial.

O mencionado diploma alterou também a gradação legal, que passou a ser mais uma orientação do que uma obrigação, consagrando o entendimento do STJ. Conforme o texto atual do artigo 655, caput, do CPC,  “a gradação legal há de ter em conta, de um lado, a satisfação do crédito, de outro, a forma menos onerosa para o devedor. A conciliação desses dois princípios é que deve nortear a interpretação da lei processual, especificamente os artigos 655, 656 e 620 do CPC.” (Resp. 167.158).

Isso significa dizer que não existe mais a regra rigorosa que culminava em ineficácia do ato, se a nomeação não respeitasse a ordem legal (redação antiga do artigo 656). Contudo, o desrespeito à gradação legal pode ser objeto de impugnação por parte do devedor, a fim de impor a substituição da penhora, nos termos do texto atual do artigo  656, do CPC.

Posto isso, à luz do artigo 655, do CPC, a penhora de dinheiro continua tendo preferência na gradação legal, em consonância com a Súmula n. 328 do STJ; porém, inovou a Lei 11.382/06 ao admitir que a penhora perfectibilize, ainda, sob numerários disponíveis em conta bancária.

Assim, com a adoção de penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira tornou-se necessário a admissão do meio eletrônico para que o Juiz, a requerimento do exeqüente, possa solicitar à autoridade supervisora do sistema financeiro, a penhora do valor correspondente. De tal sorte que o texto renovado do artigo 655-A, do CPC afina-se com o  artigo 1°, §2, da  Lei 11.419/06 e estabelece que, preferencialmente, a penhora de numerários disponível nas entidades financeiras far-se-á por meio digital.

Partindo-se do conceito fornecido pelo  diploma legal que dispõe sobre a informatização do processo judicial de que a transmissão eletrônica é “toda forma de comunicação à distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores”, é importante verificar que a justificação do legislador de privilegiar o tráfego de documentos e arquivos digitais tem em vista: 
 

1.   A facilitação da execução e sua rapidez;

2.   Assegurar a efetividade da constrição;

3.   Impedir a dilapidação do patrimônio e a fraude à execução.
 

Assim, o magistrado, para cumprir o dispositivo do artigo 655-A, após provocação da parte interessada,  requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, a indisponibilidade do valor indicado na execução, eletronicamente, devendo o documento conter a assinatura digital do Juiz e/ou Escrivão (Chefe de Secretaria), consoante o artigo 8°, parágrafo único da Lei 11.419/06.

Aqui cabe ressaltar que, nos termos da Lei, são duas as formas inequívocas de assinatura eletrônica do signatário:
 

1.   assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;

2.   mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos;
 

Quanto à prevenção contra a fraude à execução, é interessante perceber que, anteriormente a Lei 11.382/06, o credor só poderia coibi-la, depois e tão-somente em relação ao objeto penhorado. Com a criação da certidão premonitória – e aqui, peço vênia para utilizar-me da feliz nomenclatura atribuída a este ato pelo insigne Registrador Sérgio Jacomino[2] - o quadro mudou, antecipando os efeitos dessa presunção antes mesmo da citação do devedor.

Hoje, o exeqüente não precisa aguardar  o aperfeiçoamento da penhora, podendo, desde a instrução da ação de execução, antes mesmo da citação, assegurar a satisfação do seu crédito. A distribuição da petição inicial autoriza o exeqüente, a partir da obtenção da certidão do ajuizamento do feito, a proceder à averbação nos Registros Públicos (RI e RTD).

Como destacou o Desembargador Décio Antônio Erpen, em sua entrevista publicada no Boletim eletrônico do IRIB, trata-se de prerrogativa facultativa do exeqüente, o qual, atualmente, pode participar ativamente do processo, a fim de assegurar a satisfação do seu crédito.  Sendo de bom alvitre esclarecer o caráter de tal medida, que não é ônus real.

Perceba, então, que a averbação premonitória excepciona a regra geral da caracterização da fraude à execução, pois esta se forma, de modo geral, após a citação do devedor para responder uma ação executória ou real; ato processual ausente quando estamos falando do artigo 615-A, do CPC.

A finalidade da Certidão Premonitória ou Acautelatória é noticiar a formação de processo de execução que pode alterar ou modificar o direito de propriedade, devendo ser averbada no fólio real (matrícula), em respeito ao princípio da publicidade e da concentração.  Isto é, assevera-se, através da Lei 11.382/06, a concepção de que tudo que diz respeito ao imóvel deva constar em sua matrícula: todo e qualquer lançamento registral, desde que haja relevância quanto ao imóvel ou ao seu titular de direitos (art. 167, II, item 5 c/c o art. 246, da LRP), deve ter ingresso no fólio real para que os futuros adquirentes possam ter  conhecimento da situação real do imóvel.

Nesta mesma linha de pensamento, o culto Registrador Imobiliário em Araçatuba (SP), Marcelo Augusto Santana de Melo, assim se pronunciou:

Entendemos que a averbação premonitória é o instrumento processual-registrário adequado para outorgar maior segurança ao mercado imobiliário que há anos vem sofrendo com a fraude de execução, também configurada, sem dúvidas, a consagração do princípio da concentração no Registro de Imóveis.[3]

Acompanha esse entendimento, o procurador de justiça, secretário-geral do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e doutor em Direito Processual pela USP, Petrônio Calmon Filho que, resumidamente, consagra o princípio da concentração:

Não precisamos ficar presos às questões que a lei estabelece de maneira estrita. Qualquer motivo que se considere relevante tem de ser averbado, até porque compete aos eventuais destinatários, que somos todos nós da sociedade, ter a orientação devida para saber se aquilo que está sendo averbado pode ou não ter relevância. O Registrador deveria buscar essa não-limitação, exatamente tirando a pecha de que as averbações resultariam em algum prejuízo. Qualquer pessoa pode comprar qualquer bem, ainda que constem mil averbações. O importante é comprador saber o que elas significam. [4]

Note-se, então, que essas manifestações corroboram com o princípio da concentração idealizado pelo Desembargador Décio Antônio Erpen e por mim, na defesa do adquirente de boa-fé.

Neste passo, podemos definir a certidão acautelatória - como o próprio nome diz - como ato que levado ao registro competente acautela o terceiro de boa-fé que o imóvel poderá ser objeto de restrição judicial. Ao mesmo tempo em que proporciona ao exeqüente a possibilidade de se resguardar da dilapidação do patrimônio do devedor.

A segurança jurídica almejada pela Certidão Acautelatória, portanto, está presente quando da efetuação da reserva de bens no registro de imóveis, mediante apresentação de certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa. De forma que como já salientou Sérgio Jacomino: “aquele que não cuidou de registrar não pode pretender opor o direito contra aquele que foi diligente e o fez.”[5]

Além disso, a segurança jurídica encontra respaldo na temporalidade de tal ato. Afinal, a ausência de prévia citação, postula uma medida de duração limitada e reversível. De tal sorte que a averbação de tal ato perdurará até a formalização da penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, sendo canceladas as averbações destas certidões nos bens que não tenham sido objeto de penhora.

Quanto aos objetos da Certidão Acautelatória, esta poderá abranger tanto os bens imóveis como os bens móveis: veículos, ações, quotas sociais  etc. Sendo que a natureza do bem determinará o órgão competente para sua prática.

Nestes casos, é dispensado o mandado judicial. Procedida à medida, contudo, cabe ao exeqüente comunicar ao juízo da execução a averbação ou averbações efetivadas no prazo de dez dias (artigo 615-A, §1).

Essa comunicação também poderá efetivar-se por meio eletrônico, desde que o autor da execução tenha providenciado o cadastro de sua assinatura digital – artigo 1° da Lei 11.419/06 - devendo ser observado que, no caso de atos eletrônicos, serão considerados tempestivos os efetivados até às 24h do último dia. O descumprimento gera direito à reparação. Outra das possíveis penas pela não realização da comunicação ao juízo competente é não agasalhar o ato sob o manto da fraude à execução, na medida em que a execução deve ser norteada pelo princípio de menor onerosidadepara o devedor.

Entretanto, tal argumento não se harmoniza com os princípios registrais, pois com a publicização na matrícula do imóvel, a circulação do bem encontra-se comprometida e não há como alegar desconhecimento do adquirente após a averbação.

Logo, é possível ver a inserção do artigo 615-A, que assegura a proteção aos terceiros de boa-fé, a otimização e alargamento do princípio da publicidade, agasalhado pela LRP, deixando de exigir, para tanto, o aperfeiçoamento  da penhora. Averbada a Certidão Premonitória ou Acautelatória, os bens afetados pela medida não poderão ser, a princípio, livremente alienados pelo devedor. A eventual negociação valerá apenas inter partes, não podendo ser oposta à execução, pois resta configurado fraude à execução nos termos do artigo 593 e §3 do artigo 615-A, do CPC. Isto é, o credor poderá buscar o bem na esfera patrimonial de terceiro.

Ressalta-se, contudo, salvo melhor juízo, que a averbação acautelatória ou premonitória não caracteriza, por si só, a fraude à execução. Digamos que são feitas cinco averbações em cinco bens do devedor, para garantia do credor. Porém, o devedor pode ter muitos outros imóveis. Desta forma, a alienação de bem em que conste a averbação pode ensejar fraude à execução tão-somente quando o devedor não tiver patrimônio para respaldar seu débito.

Dessa forma, se a execução ficar desguarnecida de bens, a fraude é legalmente presumida, não se devendo perquirir  a boa-fé ou má-fé do adquirente, graças ao sistema de publicidade da  averbação, nos Registros Públicos, do ajuizamento da execução.

Segundo Humberto Theodoro Junior, essa presunção não é absoluta, não se equiparando a penhora aperfeiçoada, ainda mais se o executado continue a dispor de bens para satisfazer o crédito pleiteado.

De outro lado, o Desembargador Araken de Assis - lembrando que a polêmica reside no fato da averbação acautelatória não se enquadrar no artigo 240 da LRP, pois prescinde dos trâmites ulteriores da demanda - afirma que se trata de presunção juris et juris, em face da publicidade fornecida pela averbação no álbum imobiliário. O intuito da medida, salienta o autor, é antecipar a eficácia perante terceiros que decorreria da averbação da penhora.

Sustenta ainda, o eminente jurista, conseqüentemente, a desnecessidade de converter a averbação do ajuizamento em averbação da penhora, tratando-se de imóveis, porque a finalidade da medida do artigo 615-A é similar. Reiterando que o exeqüente já se encontra protegido, convenientemente, contra eventuais fraudes.

Contudo, tal interpretação não pode prevalecer, em face de que a notícia de uma ação executória é bem diferente da constituição da penhora. Advertir os terceiros de boa-fé da existência de litígio, cujos efeitos poderão respingar sobre aquele bem, distingue do ato de publicizar que aquele bem é objeto de penhora por ordem judicial, sendo, salvo pagamento ou sucesso do devedor na demanda, objeto de adjudicação (artigo 685-A, do CPC), de alienação por iniciativa particular (artigo 685-CPC) ou em hasta pública, se o exeqüente não optar pelas formas anteriores (artigos 686 e seguintes, do CPC)

Observe que no caso da certidão acautelatória, ao credor cabe o direito de escolher onde será feita averbação. De tal forma que para coibir abuso na utilização dessa prerrogativa, o legislador preconizou no artigo 615-A, §4, o qual determina que o uso dissociado da finalidade da criação do instituto enseja à parte prejudicada o direito à indenização, devido à violação do artigo 14, IV, segunda parte pelo exeqüente, sendo considerado litigância de má-fé, nos termos do artigo 18, do CPC.

Neste contexto, é interessante observar que a ação de reparação processar-se-á em autos apartados, sendo admitida a compensação, nos termos do artigo 739-B, do CPC. Obviamente, essa sanção não se aplica em todo e qualquer caso que o(s) objeto(s) de a averbação exceder o valor da execução.

Humberto Theodoro Junior cita como exemplo de prática abusiva dessa medida, a hipótese de já existindo bem sobre o qual o credor exerce direito de retenção ou garantia real, este ainda procede averbação premonitória sobre outros bens do executado, salvo se a garantia disponível seja manifestamente insuficiente para cobrir todo o crédito aforado.

Nessa linha de pensamento, o Desembargador Décio Antônio Erpen, com a argúcia que lhe é peculiar, já levantou uma questão no mínimo preocupante: como reparar esse abuso quando o credor está sob o manto da assistência judiciária gratuita?

Sob esse enfoque, salienta o eminente doutrinador que se poderia dizer que o dano seria irreparável, o que não atende à intenção do legislador que busca instaurar essa medida para dar concretude ao princípio da efetividade do processo.

Realizada a penhora em quantos bens bastarem para solver a dívida, o Juiz determinará o cancelamento do excesso, de ofício ou a requerimento da parte, a qual, inclusive, poderá ser realizada por meio eletrônico.

Por derradeiro, cabe ainda deixar consignado que a Lei 11.382/06 também facilitou o ingresso da penhora no Registro de Imóveis, ao determinar que essa, agora, ser averbada (CPC, art.659, §4), e não mais registrada. O procedimento registral da penhora - que anteriormente era efetivado no álbum imobiliário por registro - ocasionava dificuldade em proceder ao ato, em virtude do princípio da qualificação; modificando-se o ato registral para averbação, a qualificação do título deixa de ser tão rigorosa, bastando que o título contenha o nome e qualificação do credor/exeqüente; do devedor/executado; o valor da dívida ou da avaliação do imóvel; nome do depositário; descrição do imóvel ou certidão da matrícula; para ser trazida ao álbum imobiliário.

Não obstante isso, estando o imóvel em nome de terceiro que não o executado, a ordem de averbação deverá ser devolvida, com nota de impugnação. Outrossim, poderá ser procedida a averbação, no caso de reconhecimento de fraude à execução.

No RS, se o título não preencher os requisitos legal-formais, deverá o registrador noticiar a existência da penhora através de averbação na matrícula e/ou à margem da transcrição (art. 396 da CNNR-CGJ).

As penhoras oriundas de execução fiscal serão averbadas mediante a simples entrega, pelo oficial de justiça, da cópia autenticada da inicial, do despacho judicial e do auto de penhora, nos termos da Lei de Execuções Fiscais.

Veja que aqui, nos termos do artigo 659, §6 do CPC, o mandado de penhora também poderá ser efetivado por transmissão eletrônica, fato que impreterivelmente acabará acontecendo.

Com efeito, observa-se que entre os diversos problemas que surgem para os operadores do Direito com o advento das Leis 11.419/06 e 11.382/06, está a reformulação dos tradicionais conceitos processuais. Afinal, tais diplomas legais mitigaram o formalismo exacerbado, principalmente, neste campo jurídico e privilegiaram as partes, aumentando sua participação e responsabilidade no destino da execução judicial. Renuncia-se a rigidez da forma, para inserir o uso do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais. É o Direito adequando-se aos tempos virtuais.

Por outro lado, e aqui cabe fazer uma ressalva, o Direito não pode sucumbir à efemeridade do mundo digital, sob pena de eliminar a segurança jurídica. A adoção das facilidades eletrônicas é benéfica, enquanto os dados encontram-se devidamente protegidos, sendo assegurado às partes à inviolabilidade das informações que ali constam (adulteração, falsificação de documento e etc.).

Referências Bibliográficas

ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11.ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais , 2007.

CALMON FILHO, Petrônio. Progresso e registro: novas tendências.  Boletim Eletrônico IRIB, n° 3007, Ano VII. São Paulo, 21 de junho de 2007.

Erpen, Décio Antônio. A forma além do conteúdo. Boletim eletrônico IRIB, n° 2870. Ano VII. São Paulo, 13 de março de 2007. Acessado em 13 de março de 2007. Disponível em <http://www.irib.org.br>.

JACOMINO, Sérgio. Averbação Premonitória: segurança do tráfico jurídico imobiliário.  Boletim Eletrônico IRIB, n° 2791, Ano VII. São Paulo, 11 de janeiro de 2007.

SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves, SALDANHA; Jânia Maria Lopes. A Nova Execução de Títulos Executivos Extrajudiciais. 1° ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.  

THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial: Lei n° 11.382, de 6 de dezembro de 2006. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Notas

[1] Especialista em direito imobiliário registral , registrador e tabelião de protesto em Sapucaia do Sul.

[2] JACOMINO, Sérgio.Averbação Premonitória: segurança do tráfico jurídico imobiliário.  Boletim Eletrônico IRIB, n° 2791, Ano VII. São Paulo, 11 de janeiro de 2007.

[3] MELO, Marcelo Augusto Santana de. Averbação Premonitória introduzida pela Lei 11.382/2006. Boletim Eletrônico IRIB, n° 2865, Ano VII. São Paulo, 9 de março de 2007.

[4] CALMON FILHO, Petrônio. Progresso e registro: novas tendências.  Boletim Eletrônico IRIB, n° 3007, Ano VII. São Paulo, 21 de junho de 2007.

[5] JACOMINO, Sérgio. Boletim Eletrônico IRIB, n° 3007, Ano VII. São Paulo, 21 de junho de 2007.



Últimos boletins



Ver todas as edições