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Resgate de enfiteuse versus laudêmio: a possibilidade de alienação do domínio útil
Walter Costa Junior*
Palavra de origem grega, a enfiteuse passou daquele direito para o romano e as denominações emprazamento e aforamento são provenientes de Portugal, sendo mais conhecida entre nós o famigerado aforamento. A enfiteuse foi instituída para beneficiar o aproveitamento de terras não produtivas no regime dos grandes latifúndios, assim, na dificuldade ou impossibilidade de cultivar diretamente as terras, os proprietários concediam áreas de terrenos a lavradores sem terras, para que estes as cultivassem como se elas lhes pertencessem. Esse direito era conferido em caráter perpétuo e em troca dele, o proprietário do latifúndio recebia um pagamento ínfimo. Por esse processo incrementava-se a produção agrícola e a enfiteuse desempenhou importante função econômico-social, durante o período em que a terra era o bem de produção por excelência.
A enfiteuse é o direito real que confere ao seu detentor – enfiteuta ou foreiro –, a posse, uso e gozo do imóvel, ficando o foreiro obrigado a pagar ao titular do domínio – senhorio direto – uma pensão anual invariável, chamada de foro. O enfiteuta passa a ser detentor do chamado domínio útil e o senhorio direto passa a ser detentor do domínio direto. De todos os direitos reais na coisa alheia, a enfiteuse é o mais completo, pois absorve todas as vantagens da propriedade. A enfiteuse era constituída por contrato ou testamento; o contrato exigia escritura pública se o valor fosse superior ao limite arbitrado pelo Código Civil e necessitava do registro no Cartório Imobiliário competente, para valer como direito real.
Segundo o artigo 2.038 do novo Código Civil, lei 10.406/02, fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, lei 3.071/1916, e leis posteriores. Observe-se que as enfiteuses dos terrenos de marinha e acrescidos são reguladas por lei especial e não foram proibidas pelo novo Código Civil. Trocando em miúdos: as enfiteuses particulares registradas antes da vigência do novo Código Civil continuam existindo. Ainda hoje existem pessoas que possuem escrituras públicas de constituição de enfiteuse ou aforamento não registradas, e assim irão continuar, pois tais escrituras não têm mais ingresso no Cartório de Registro de Imóveis. A boa prática ensina que em tais casos, os títulos deverão ser trocados por escrituras de compra e venda ou doação e, em último caso, tais títulos devem ser trocados por escrituras de concessão de direito de superfície, instituto incorporado pelo novo Código Civil e que veio substituir a antiga enfiteuse.
Mas a grande pergunta é: o enfiteuta de aforamento particular, devidamente registrado antes do novo Código Civil, pode transferir o seu domínio útil? A resposta é POSITIVA. Na alienação do domínio útil, quando o senhorio direto não exerce seu direito de preferência, o foreiro deve pagar o conhecido laudêmio, que é uma importância paga quando ocorre a alienação do prédio aforado. A transmissão do domínio útil das enfiteuses registradas antes do NCC continuará a ter ingresso no registro imobiliário. O inciso I, do parágrafo primeiro, artigo 2.038, não proíbe as transmissões dos bens aforados. A proibição está somente na cobrança de laudêmio ou prestação análoga, tendo por base o valor das construções ou plantações. Ou seja, a cobrança do laudêmio, que tem como fato gerador a alienação do domínio útil, deverá ter como base o valor da terra nua, isto é, desconsiderando qualquer tipo de construção ou plantação.
Do exposto, temos que o conhecido resgate de enfiteuse não é obrigatório, ele consiste em uma faculdade que o foreiro possui. E mais, somente podem ser resgatadas as enfiteuses que possuírem mais de dez anos de constituição (art. 693, CC 1916). Como as enfiteuses registradas são regidas pelo código anterior, salvo acordo entre as partes no ato de constituição do direito, torna-se ilegal o resgate de enfiteuse em tempo inferior ao arbitrado pelo código. No caso de enfiteuses com mais de dez anos de constituição, fica a pleno, total e irrestrito critério do foreiro resgatar a enfiteuse ou transmitir somente o domínio útil do imóvel.
Em Belém do Pará, de acordo com a lei municipal 7.956, de 21 de maio de 1999, o foreiro que alienar o domínio útil deve pagar ao poder público municipal, se este for o senhorio direto, o laudêmio que será de 0,01%. Atente-se para o fato de que a referida lei determina que o laudêmio deva ser calculado sobre o preço da alienação do imóvel (art. 1º). No entanto, de acordo com o inciso I, parágrafo primeiro, artigo 2.038, do novo Código Civil, o laudêmio não deverá ser cobrado sobre o preço da alienação, mas sobre o valor da terra nua. É que o valor da alienação incorpora as edificações existentes no imóvel, o que é proibido pelo NCC.
Aqueles que desejarem alienar o domínio útil do imóvel, e não queiram resgatar a enfiteuse, deverão, nos termos do artigo 683 do Código Civil de 1916, comunicar ao senhorio direto sua intenção de venda. O senhorio direto terá trinta dias para declarar, por escrito, que quer a preferência na alienação, pelo mesmo preço e nas mesmas condições. Se dentro do prazo indicado, ele não responder ou não oferecer o preço da alienação, poderá o foreiro efetuar venda com quem entender. Mandando lavrar a escritura de alienação do domínio útil em qualquer tabelionato, deverá pagar somente o laudêmio de 0,01% sobre a terra nua, o ITBI (imposto de transmissão), e deve requerer ao oficial do registro imobiliário que cancele a enfiteuse nos termos da lei municipal 7.956/99, sem que para isso tenha de pagar qualquer importância a título de resgate de enfiteuse ao senhorio direto.
Finalmente, cumpre informar que o senhorio direto, quando não exercer o seu direito de preferência, não pode se negar a recolher o laudêmio, uma vez que tal é determinado por lei; não pode também exigir ou obrigar o foreiro a resgatar a enfiteuse, principalmente se ela não tiver mais de dez anos, repetindo, o resgate de enfiteuse é uma faculdade. As alienações do domínio útil nos termos aqui descritos, além de se tornarem menos onerosas para as partes, uma vez que deixarão de pagar o resgate de enfiteuse, tornam-se muito mais rápidas e por fim, cumprem a vontade do novo Código Civil, no sentido de extinguir as enfiteuses paulatinamente.
* Walter Costa Junior é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade da Amazônia; escrevente autorizado do Cartório de Registro de Imóveis Segundo Ofício de Belém e pós-graduado em Direito Registral Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: [email protected]
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