BE2882
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Processo & Registro
A forma além do conteúdo
Fraude de execução, publicidade registrária e terceiro adquirente:
A lei nº 11.382/2006 é um novo marco nesta relação?
Francisco Ventura de Toledo*
Muito se tem discutido sobre o alcance das modificações trazidas pela Lei nº 11.382/06, especialmente as previstas no art. 615-A e em seu parágrafo 3º:
Art 615-A – o exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.”
...
Parágrafo 3º - Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593)”.
Teria tido referido artigo o condão de modificar o ônus probatório no instituto da fraude de execução ou somente seria mais um instrumento a serviço do credor diligente?
Não tenho a pretensão de esgotar esta importante questão com este trabalho, mas trazer a lume algumas ponderações que podem ser úteis a este debate que vem se dando por intermédio deste boletim do IRIB.
Também não irei me aprofundar na análise do instituto da fraude à execução, mas apenas abordar a situação do terceiro adquirente diante de uma aquisição que se tipifique como fraudulenta, nos termos do artigo 593 do CPC. E não entrarei em detalhes quanto a todos os cuidados os quais o adquirente tem de tomar para adquirir um imóvel.
No passado prevalecia na doutrina e na jurisprudência, quase que de forma unânime, que a presunção de fraude era juris et de jure em relação à alienação ou oneração de bens do devedor quando se perfizessem as seguintes condições: 1) fosse de bem sobre o qual estivesse pendente ação fundada em direito real; ou 2) existência de demanda (com citação válida) e; 3) insolvência do devedor. A má-fé do adquirente (ou sub-adquirente) era sempre presumida de forma absoluta, protegendo-se a efetividade do processo e a dignidade da Justiça.
Nos últimos anos, porém, a orientação jurisprudencial ditada pelo STJ passou a exigir como requisito para a configuração da fraude, a demonstração que o adquirente conhecia (ou devia conhecer) a ação que pudesse gerar a insolvência do devedor alienante. A presunção, que antes era absoluta a favor do credor, passou a ser relativa a favor do adquirente. Tal orientação, porém, ressalva que a averbação da ação ou o registro da penhora dispensa qualquer necessidade de prova, presumindo-se, nestes casos, a fraude de forma absoluta.
Estará, com este entendimento, e com o advento do art. 615-A, § 3º, o adquirente dispensado de pesquisar nos distribuidores forenses a existência de ações movidas contra o alienante, bastando a consulta da situação do imóvel no registro de imóveis?
O culto registrador, Sérgio Jacomino, em entrevista ao jornalista Vinicius Konchinski, do Jornal Agora São Paulo, publicada no Boletim Eletrônico do Irib 2791, afirmou que “com a lei 11.382, de 2006, reforçou-se a necessidade de concentração de todas essas informações que podem levar a risco na aquisição imobiliária no registro. Com uma simples certidão de propriedade, expedida pelo registro de imóveis, o candidato a proprietário de um imóvel poderá saber se o bem está livre e desembaraçado de ônus ou restrições e realizar, com segurança, o seu negócio”.
Valestan Milhomen da Costa, lembrando que a nova medida promove a concentração das informações no RGI, conclui que “ao mesmo tempo elide outras providências que antes eram necessárias para que o comprador tivesse conhecimento da solvência do vendedor de um imóvel, ou, ainda, para que o credor caracterizasse a fraude à execução” (A Lei nº 11382/2006 e o Registro de Imóveis – Boletim Eletrônico do Irib 2800, de 16 de janeiro de 2007).
O registrador Marcelo Augusto Santana de Mello, corroborando os entendimentos acima mencionados, declarou que “na prática, quem for comprar um imóvel, bastará requerer a certidão da matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis respectivo para verificar se existe averbação da distribuição da ação de execução ou penhora, dispensando as demais certidões pessoais dos distribuidores cíveis e fiscais, o que diminuirá os custos e aumentará a segurança das aquisições” (Comprar imóvel ficou mais seguro – Boletim Eletrônico do Irib 2811, de 23 de janeiro de 2007).
Ousando discordar do nosso ex-presidente e de referidos ilustres e estudiosos colegas, acredito que a reforma processual não tenha trazido grandes modificações nos aspectos relacionados à presunção na fraude à execução, de forma a simplificar as cautelas a serem tomadas nas aquisições imobiliárias. Se o referido parágrafo 3º do art. 615-A prevê que se presume em fraude à execução a alienação ou oneração após a averbação da certidão de ajuizamento da execução, muito anteriormente o art. 240 da Lei nº 6.015/73 já proclamava que o registro da penhora faz prova de fraude contra qualquer alienação ou oneração posterior.
A dificuldade também em se defender a dispensa da referida cautela investigatória com o advento da averbação “premonitória” está no fato de que ao se prestigiar esta simplificação, sem qualquer garantia para a efetividade de eventual execução em andamento, estará se colocando o credor (mesmo que diligente) em uma posição injusta, quase que incapaz de se proteger de algumas alienações fraudulentas, pelo simples fato de que nem todas as ações podem ser averbadas na matrícula do imóvel. E as inovações trazidas pela Lei nº 11.382/06 não mudaram este panorama. Sérgio Jacomino, em sentido contrário, entendeu que “não procede, pois, o argumento de que a averbação premonitória cingir-se-ia exclusivamente às hipóteses executivas – de molde a sugerir que as demais seriam apuradas pela informação nos distribuidores”, (Processo e Registro – A Forma Além do Conteúdo - Boletim Eletrônico do Irib 2834, de 08 de fevereiro de 2007).
Correto, a meu ver, o ponto de vista do culto colega Ulysses Silva:
Analisados os dispositivos legais mencionados até este ponto, cumpre lembrar, inicialmente, ao registrador, que não é o ajuizamento de qualquer ação que poderá ser averbada. O artigo criado (615-A) refere-se apenas à noticia da execução da dívida oriunda de títulos executivos judiciais e extrajudiciais, enumerados nos artigos 584 e 585.” (O registrador imobiliário em face da lei 11.382, de 2006, Boletim Eletrônico do Irib 2810, de 21de janeiro de 2007).
As ações de conhecimento, excetuando-se as reais ou pessoais reipersecutórias, ainda não possuem previsão legal de acesso ao fólio real, e, a meu ver, não sem motivo. O legislador brasileiro foi sábio ao limitar às ações executivas os novos atos averbáveis (art.615-A), pois estas já contam com títulos executivos, que são ou uma sentença judicial ou um título extrajudicial que traga a presunção legal da liquidez e da obrigação não cumprida. Seria temerário levar para as matrículas dos imóveis a notícia de ações de conhecimento que ainda não possuam algum pronunciamento judicial, pois estaria se permitindo que quaisquer tipos de pedidos judiciais, por mais absurdos que fossem, passassem a possuir a força de inviabilizar diversos negócios imobiliários através de sua notícia estampada na matrícula do imóvel. Imaginem quantos abusos se poderão cometer em razão da publicidade enganosa que poderão gerar.
O registrador Ulysses Silva, quanto a este assunto, assim se manifestou:
Prosseguindo, a averbação questionada vem, certamente, atender aos reclamos dos defensores da tese de que a matrícula deve conter tudo que possa afetar o imóvel ou as pessoas nela interessadas, em consonância com o princípio da concentração. Há, contudo, de se observar cautela na aplicação desse princípio, sob pena de se inundar a matrícula com fatos supérfluos, para não dizer prejudiciais, com provável repercussão no mercado imobiliário, como, por exemplo, o ajuizamento de qualquer outra ação, como se aventou” (Ibid.).
Por outro lado errou o legislador, a meu juízo, quando permitiu que a averbação das ações executivas pudesse ser feita após a sua mera distribuição, sem uma prévia autorização judicial. Mesmo prevendo uma possível sanção ao exeqüente que aja abusivamente, por averbar em mais imóveis do que o necessário a notícia de sua execução, há riscos de excessos. Entendo que em alguns casos, amparado por eventual isenção legal de taxas, e por desconhecimento do alcance de sua responsabilidade ou até pela inexistência de bens próprios que posteriormente possam garantir um eventual ressarcimento, o exeqüente poderá se exceder no número de averbações e prejudicar negócios imobiliários que o executado estaria almejando efetivar, criando embaraços muitas vezes motivados por mero espírito de emulação.
Sérgio Jacomino trouxe também ao debate a orientação atual do STJ quanto à questão do ônus probatório nos casos de fraude à execução:
Trata-se de um fenômeno bastante conhecido dos registradores: a inoponibilidade. Os fatos sujeitos a registro e não registrados são inoponíveis a terceiros”.
Essa tendência vem ganhando robustez nos tribunais superiores. A jurisprudência do STJ tem afastado o reconhecimento de fraude à execução nos casos em que a alienação do bem do executado a terceiro de boa-fé tenha se dado anteriormente ao registro da penhora do imóvel...” (Ibid.).
Esta questão é polêmica e não se circunscreve ao âmbito registrário, mas entendo que, mesmo com as inovações jurisprudenciais, doutrinárias e legislativas que se apresentaram nos últimos anos, não é aconselhável ou razoável ao adquirente de bem imóvel, de forma tranqüila e amparado na melhor interpretação legal, dispensar-se da cautela de investigar a situação do alienante perante os distribuidores forenses, bem como de tomar todas as outras cautelas investigatórias recomendadas. Aos que querem interpretar de uma forma mais literal o sentido dado pela nova orientação jurisprudencial do STJ sobre este tema, é necessário lembrá-los de que a questão não é pacífica, existindo vários autores que clamam por cautelas ao se analisar esta nova orientação, o que em muito tem contribuído para que se tente chegar a uma situação conciliadora entre os interesses do credor (que se confunde com o da efetividade do processo) e os do terceiro adquirente.
Yussef Said Cahali,analisandoesta nova orientação jurisprudencial, assim se posiciona:
Não identificamos fundamentação convincente (se é que existe), para a afirmação, no caso, de uma pretensa presunção de boa-fé ou inocência em favor do adquirente que terá deixado de tomar, quando do negócio, as cautelas elementares devidas, beneficiando-o de sua própria omissão ou desídia.” (Fraude Contra Credores, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 683).
José Eli Salamacha, comentando a opção jurisprudencial adotada pelo STJ, separa as situações em que, não havendo qualquer averbação da ação ou registro da penhora, a presunção ora deve beneficiar o credor, ora o adquirente:
Haverá presunção relativa em benefício do credor, podendo ser declarada de imediato a fraude à execução, se a demanda tramitar (1) na mesma comarca em que se localizar o bem alienado ou onerado a terceiro, ou (2) na mesma comarca em que se localizar o imóvel penhorado, ou (3) no domicílio do alienante. Essa presunção cai por terra se o adquirente provar o contrário através dos embargos de terceiro.”
E complementa esse ponto de vista:
Carlos Augusto de Assis reforça esse entendimento, afirmando que, por força da Lei nº 7433, de 18/12/1985, regulamentada pelo Decreto Federal 93.240, de 09/09/1986, o qual dispõe acerca dos requisitos para lavratura de escrituras públicas, “há orientação prevendo e extração de certidões de feitos ajuizados para a aquisição de bens imóveis”, além de existir consagrada praxe neste sentido” ... (Fraude à Execução – Direitos do credor e do adquirente de boa-fé. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 180, 184, 185).
O grande especialista em direito imobiliário, Narciso Orlandi Neto, em sua obra Retificação do Registro de Imóveis, após didática e convincente linha de argumentação, assim conclui:
Data Venia, a boa-fé ou má-fé do adquirente não depende do registro da penhora. Como afirmar-se de boa-fé o adquirente, ainda que, ao tempo da aquisição, a penhora não estivesse registrada, diante dos claros termos do inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil? E qual a utilidade da Lei nº 7433, que exige, nos atos notariais relativos a imóveis, a apresentação de certidão de feitos ajuizados? Pode o adquirente posterior à penhora estar em melhor situação que o adquirente anterior ao aparelhamento da execução, mas igualmente desidioso?”
A necessidade de registro de penhora não modificou o instituto da fraude de execução que, repete-se, visa à proteção do credor e não do adquirente desidioso. O registro da penhora não é constitutivo. É mais um meio de publicidade do processo que se acrescenta a seu próprio registro, para dar mais uma chance ao adquirente de evitar o negócio que fatalmente será considerado fraudulento” (2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 218).
Belmiro Pedro Welter fortalece ainda mais este entendimento:
secundo, ao credor cabe, pendente demanda, proceder ao registro de algum ato processual, sob pena de responder por sua incúria, porque o Direito não socorre quem dorme, ou, nas palavras do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, “entre o exeqüente descuidado, e já diziam os romanos que jus non sucurvit dormientibus, e o terceiro de boa-fé que não adquiriu diretamente do executado (uma vez que aí o descuido seria seu – o grifo não é do autor), a toda evidência que o direito deve amparar o segundo, pois, como salientou Von Tuhr, a boa-fé é o elemento subjetivo que informa, estrutura e vivifica todas as relações” (rel. Do acordão da 1ª turma do TJMG, quando ainda Desembargador de 02/09/81, transcrito na RT 560/200)”. (Fraude de Execução, 4ª ed. Síntese, p. 94/95).
Gilberto Gomes Bruschi assim se manifestou, reforçando estes entendimentos:
Ao ser ajuizada a ação pelo terceiro adquirente, após ter sido decretada a fraude de execução, figurando do pólo passivo o exeqüente, dificilmente não será deduzida em juízo a ausência de boa-fé, ou pelo menos a falta de cautela, por parte do adquirente, posto que, era perfeitamente possível que ele tivesse plena ciência da demanda pendente contra o alienante, o que fará com que os embargos sejam julgados improcedentes, sendo, portanto, mantida a fraude de execução, tornando dita alienação ineficaz”...(Processo de Execução – Temas Polêmicos e Atuais- coordenação Gilberto Gomes Bruschi, São Paulo: RCS, 2005, p.161/163).
Ronaldo Brêtas C. Dias também não discrepa deste entendimento:
A questão relativa ao ônus da prova, como está considerada naqueles escritos, uma vez mais, não merece nossa modesta adesão. Impossível desconhecer-se a publicidade do processo, gerada pelo seu registro (Código de Processo Civil, arts.251 e 263), na hipótese de venda de bem penhorado, ainda não registrada a penhora. Ora, diante da publicidade do processo, o adquirente de qualquer imóvel tem de acautelar-se, obtendo certidões forenses, alémdas certidões imobiliárias, que lhe permitam verificar a existência de processos, envolvendo o vendedor, nos quais possa haver constrição judicial sobre o imóvel objeto do negócio entabulado. Aliás, já o dissemos anteriormente, a apresentação das referidas certidões, no ato da lavratura da escritura pública de compra e venda do imóvel, é obrigatória (prescrições da Lei nº 7433/85, regulamentada pelo Decreto nº 93140/86). Logo, se o sistema prevê a ineficácia do ato de alienação do bem penhorado, tem o terceiro adquirente o ônus de ajuizar embargos de terceiro e provar que, mesmo obtendo as certidões forenses, não lhe era possível tomar conhecimento da existência da penhora ainda não registrada e gravando o imóvel negociado (Fraude no Processo Civil, 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, p. 141).
Evaristo Aragão e Maria Lúcia L. C de Medeiros, no trabalho intitulado “A Fraude de Execução e o Terceiro Adquirente”, apresentaram as seguintes conclusões:
O problema é que o registro da citação em assento imobiliário só tem cabimento para imóveis de algum modo envolvidos em ação de cunho real. Caso contrário, não há como exigir do credor a cautela, de previamente providenciar o registro da ação em todos os bens do devedor de que eventualmente tenha ciência”
E mais adiante:
Essas diligências mínimas, em nosso sentir, são a execução pelo adquirente, de certidões dos cartórios de registro imobiliário, distribuidor do forum e de protestos de títulos, todas da comarca da situação do bem. Trata-se de procedimento extremamente simples, adequado e coerente com a dinâmica e o perfil dos negócios atuais, sobretudo em se tratando de imóveis e bens de valor expressivo” (Processo de Execução – Série Processo de Execução e Assuntos Afins – v. 2 – Coordenação Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambler, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 356/358).
É importante informar que outros autores ainda mais cautelosos entendem que estas e outras pesquisas pelo adquirente devem se pautar por toda a cadeia filiatória de proprietários, com todas as investigações e análises de riscos possíveis, incluindo as dos títulos aquisitivos, até onde a sua aquisição não possa mais ser atingida por uma eventual declaração de fraude ou de anulação.
Sérgio Jacomino afirma ainda que “o que gostaria de ver debatido pela doutrina, especialmente a registrária, é o seguinte: em que medida a qualificação do artigo 593, pelos termos do disposto no artigo 615-A, parágrafo terceiro, não redundará, simplesmente, no decaimento da automática presunção da fraude à execução para acomodar-se o fenômeno numa nova situação de fraude contra credores quando não consumada a averbação premonitória?”(Ibid).
Mesmo que se entenda que com a referida alteração legislativa ocorreu um “decaimento da automática presunção da fraude à execução para acomodar-se o fenômeno numa nova situação de fraude contra credores quando não consumada a averbação premonitória”, é preciso se estabelecer qual seria esta nova situação de fraude contra credores.
Marcelo Augusto Santana de Melo, em novo trabalho alegou que “Ressalte-se que o risco que correrá o credor que deixar de averbar a propositura da ação e o devedor transmitir o seu patrimônio imobiliário entre a data da distribuição e efetiva citação, porque referido lapso de tempo não contará com a proteção processual, não incidindo a fraude de execução por falta de previsão legal, restando ao credor o moroso caminho de uma ação pauliana, tendo que provar o evento danoso e a intenção fraudulenta (A averbação premonitória introduzida pela Lei 11.382/2006 – Boletim Eletrônico do Irib 2865, de 09 de março de 2007).
A fraude contra credores do direito material exige para o seu reconhecimento ação própria (pauliana ou revocatória). Para se evitar a declaração de fraude contra credores é exigido que o adquirente tenha alguns cuidados, pois se a insolvência do devedor for notória ou houver motivos para ser conhecida do outro contratante, a fraude estará configurada (art.159 do Código Civil). Fazer pesquisas nos distribuidores de protestos é uma praxe já consagrada para se evitar esta declaração, pois títulos protestados podem, conforme o caso, caracterizar a notoriedade da insolvência do alienante, pela qual o adquirente deveria ter conhecimento, se cauteloso. Imaginar que o adquirente deva fazer apenas pesquisas nos distribuidores de protestos e não nos distribuidores forenses para aquilatar a situação do alienante me parece algo pouco razoável. Aliás, Sílvio de Salvo Venosa cita expressamente, entre as hipóteses em que a doutrina e a jurisprudência vêm fixando como caracterizadores da notoriedade da insolvência, “...o elevado número de ações de cobrança...” (Direito Civil – Parte Geral, 3ª ed., São Paulo: Atlas, p. 496). Ou seja, mesmo que seja apenas para se proteger de eventual declaração de fraude contra credores em ação pauliana, ao adquirente é fundamental consultar os distribuidores forenses.
É claro que o legislador poderá até alterar o instituto de fraude de execução, de modo que a sua caracterização só possa ocorrer quando efetivamente houver qualquer notícia de ação ou execução contra o alienante averbada ou registrada no Registro de Imóveis, privilegiando desta forma a concentração dos atos judiciais no fólio real. Mas, para que estas mudanças efetivamente ocorram, antes são necessárias alterações legislativas mais amplas, claras e peremptórias, que inclusive abarquem mudanças no art. 593 do CPC e na Lei de Escrituras Públicas. Tais alterações, porém, poderiam prejudicar a efetividade do processo, que então passaria a depender integralmente da diligência do credor, bem como teriam que permitir que ações de conhecimento, mesmo antes de qualquer decisão judicial, possam ser averbadas,possibilitando abusos e sobrecarregando as matrículas dos imóveis. Nestes casos, muitas vezes haveria um verdadeiro prejuízo ao tráfico de imóveis.
E qual seria o caminho mais correto a se buscar? Para responder a essa questão acho que primeiramente deveríamos analisar a atual situação dos distribuidores forenses, análise esta que deve abranger, é lógico, os Tribunais Federais, Trabalhistas, Estaduais, e, em algumas hipóteses, os Eleitorais e Militares, quanto ao fornecimento de certidões de feitos ajuizados.
O próprio registrador Sérgio Jacomino descreve a evolução por que estão passando os distribuidores:
Enfim, não se nega a importância do distribuidor – que agora teve seu valor realçado pela própria Lei 11.382, de 2006. Em São Paulo, por exemplo, a pesquisa acerca da existência de ações contra eventual transmitente pode ser feita pela Internet”...(Ponto Crítico – Processo e Registro – A forma além do conteúdo – Boletim do Irib nº 2834, de 08 de fevereiro de 2007).
O estudioso colega, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, em recente trabalho sobre o tema aqui tratado, comentou também sobre a situação dos distribuidores cariocas e da Justiça Federal:
Efetivamente não se exigem certidões unicamente dos distribuidores cíveis estaduais, mas também dos juízos federais. Contudo o que poderia parecer diligência extrema, inatingível, não o é. Apenas para exemplificar, as certidões da justiça federal podem ser obtidas gratuitamente via internet; os serviços de registro de distribuição da capital do Estado do Rio de Janeiro criaram uma central permitindo aos interessados obter de modo mais simples e célere as certidões referentes à justiça estadual” (Ainda as certidões de feitos ajuizados – Boletim Eletrônico do Irib 2851, de 24 de fevereiro de 2007).
A modernização por que estão passando os Tribunais brasileiros na área de informática pode vir a permitir que, em breve, os interessados em adquirir um imóvel possam consultar on line, em tempo real, a um custo zero ou razoável, qual é a situação do alienante perante os distribuidores judiciais, de forma que, sendo esta busca negativa quanto ao pólo passivo de ações ou execuções existentes, a aquisição possa se operar. Em isso ocorrendo, mudanças no nosso sistema legal, para a dispensa dessas consultas, serão talvez inoportunas, pois estas investigações terão deixado de ser burocráticas.
Os credores, para se garantir, devem averbar as suas ações que contem com previsão legal de acesso ao registro, até porque de acordo com diversos entendimentos isto pode ser fundamental para a segurança de seus direitos. Estando averbada as ações ou registradas as constrições judiciais, a presunção é absoluta em caso de alienação fraudulenta.
Enfim, qual a opção a se seguir então?
Estando a maioria dos distribuidores forenses, repartições fiscais, cartórios de protestos e outros importantes órgãos de informação aparelhada ou quase inteiramente aparelhada para fornecer as informações necessárias pela internet, gratuitamente ou a um custo razoável, não seria precipitado dizer que o sistema legal deva abrir mão destas fontes preciosas de informações para concentrá-las exclusivamente no Registro de Imóveis, único local onde precisariam os adquirentes proceder às suas pesquisas?
Estaremos proporcionando mais eficiência ao tráfico imobiliário ao trazer, como defendem alguns ilustres registradores, todas as formas de ações, incluindo as de conhecimento sem qualquer pronunciamento judicial, ao Registro de Imóveis? Haveria praticidade em obrigar os credores a promover este monumental deslocamento, de todas as ações em andamento, incontinenti ou no pequeno espaço de tempo de uma eventual vacatio legis, para que com isto ocorra a liberação da consulta aos distribuidores pelos adquirentes, como desejam alguns, se a publicidade destas ações, ao que tudo indica, em breve estarão integralmente disponíveis na internet? E o custo e a burocracia para posteriormente se proceder aos cancelamentos das averbações efetivadas, com a necessidade da expedição de mandados que muitas vezes terão de ser extraídos de autos há muito tempo arquivados? Quem é de cartório sabe o que é isto.
Qualquer uma das opções aqui discutidas sempre gerará custos e alguma burocracia. O importante é avaliar, no momento atual e dentro da realidade de nosso país, qual das opções aqui discutidas é a mais eficiente e menos onerosa. Anteriormente mantive grande simpatia pela tese que defendia uma mudança legislativa para a aplicação dos princípios registrários da concentração e da inoponibilidade, mas penso que tais ideais hoje devam ser rediscutidos caso seja real a modernização pela qual estejam passando os distribuidores forenses. Penso que, em se confirmando esta evolução, devemos manter a nossa sistemática tradicional, onde averbações e registros de alguns tipos de ações andam de mãos dadas com as consultas forenses e com as outras investigações de praxe, tais como verificações de certidões de protestos, conjunta da SRF e da PGFN, do INSS, do registro de imóveis, fiscais sobre o imóvel, condominiais, e, quando for o caso, outras verificações mais. Sendo estas consultas e investigações possíveis de serem feitas de modo célere e pouco oneroso, devem prevalecer no sistema atual.
Possibilitar as averbações de todas as ações de conhecimento de cunho condenatório (que acredito sejam quase todas, pois sempre haverá o risco da sucumbência), como requisito para declaração de eventual fraude, poderá ser uma difícil tarefa aos credores. Além disso, estes credores, mesmo que venham a ser autorizados por lei a proceder estas averbações, muitas vezes preferirão aguardar o resultado de um primeiro pronunciamento judicial antes de proceder a uma averbação registrária, pois no caso de improcedência de seu pedido poderão ter de arcar com novas indenizações, além da condenação em custas e honorários. A averbação da notícia da ação no fólio real sempre será considerada de maior prejuízo para o proprietário demandado do que apenas a simples propositura da ação sem este complemento.
Acredito que nosso atual modelo, com a modernização pela qual aparentemente estão passando os referidos órgãos de consulta, agrega segurança e eficiência, atendendo tanto ao comércio imobiliário quanto à efetividade da Justiça. E caso alguma alteração legislativa venha a ser proposta, deve-se levar em consideração a realidade brasileira, as nossas experiências, e, principalmente, o amplo debate dentro das instituições envolvidas, tal qual este que está sendo promovido neste Boletim Eletrônico.
Espero que com estas idéias possa ter contribuído para o enriquecimento destas discussões.
* Francisco Ventura de Toledo é o 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo-SP
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