Em 23/05/2019

Bem de família legal - registro. Rol taxativo. Numerus clausus.


1VRPSP - PROCESSO: 1031513-96.2019.8.26.0100


1VRPSP - PROCESSO: 1031513-96.2019.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 07/05/2019 DATA DJ: 10/05/2019
UNIDADE: 17
RELATOR: Tânia Mara Ahualli
JURISPRUDÊNCIA: Procedente
LEI: CC2002 - Código Civil de 2002 - 10.406/2002 ART: 1.711
LEI: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 167 INC: I ITEM: 1
LEI: Bem de Família - Lei - 8.009/1990 ART: 1
ESPECIALIDADES: Registro de Imóveis
Bem de família legal. Rol taxativo. Numerus clausus.
 
íntegra
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - COMARCA DE SÃO PAULO - 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS
 
Processo Digital nº: 1031513-96.2019.8.26.0100
Classe - Assunto Dúvida - Notas
Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis
Suscitado: Kleber Costa de Souza
 
Vistos.
 
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis a requerimento de Laura Rita Casari Loma, que pretende registrar certidão de objeto e pé extraída dos autos do processo de nº 1020631-34.2017.8.26.0007, em que foi qualificado como bem de família o imóvel matriculado sob nº 62.048 naquela serventia.
 
O Registrador aduz que emitiu nota devolutiva em atenção ao princípio da legalidade, vez que não há dispositivo que preveja o registro de bem de família legal (Lei 8.009/90), mas tão somente de bem de família voluntário nos termos do art. 1.711 do Código Civil e art. 167, I, 1 da LRP. Juntou documentos às fls. 7/26.
 
A interessada manifestou-se às fls. 31/33. Afirma que o Registrador está descumprindo ordem judicial ao qualificar negativamente o título. Ainda, entende que o imóvel preenche aos requisitos legais que o permitem ser qualificado como bem de família, de modo que tal informação deve ser registrada na matrícula correspondente.
 
O Ministério Público opinou às fls. 36/37 pela procedência da dúvida e manutenção do óbice.
 
É o relatório. Decido.
 
Primeiramente, ressalto que a origem judicial do título não dispensa a qualificação registral, relativamente à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental. No caso, ao contrário do que aduz a interessada, o Oficial não se recusa ao cumprimento de ordem judicial, mas tão somente exige que o título levado a registro esteja em consonância com a legalidade.
 
Com razão o Oficial e o Ministério Público. O artigo 1º da Lei 8.009/90 assim dispõe:
 
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”
 
Tal dispositivo regulamenta a instituição da modalidade bem de família legal.
 
Por sua vez, o artigo 1.711 do Código Civil institui o bem de família voluntário, vejamos:
 
“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”
 
Em ambos os casos, o bem de família tem por característica fundamental a impenhorabilidade. Contudo, ambos são distintos em sua natureza: enquanto o bem de família legal independe de qualquer manifestação de vontade e caracteriza-se sempre que atendidos os requisitos legais, o bem de família voluntário depende de escrituração pública e manifestação dos interessados que, em face de uma multiplicidade patrimonial, escolhem instituir um dos bens como bem de família a fim de assegurar sua proteção.
 
No presente caso, o imóvel em questão foi enquadrado nos ditames legais da Lei 8.009/90, sendo, portanto, considerado bem de família legal. Nessa circunstância, tal caracterização independe do registro na matrícula correspondente, vez que a validade da mesma encontra respaldo diretamente em lei.
 
Não há no ordenamento previsão de registro de bem de família legal, mas tão somente de bem de família voluntário. Isso porque, conforme explicitado acima, o bem de família legal decorre simplesmente do enquadramento em lei.
 
Nesse sentido:
 
REGISTRO DE IMÓVEIS - Dúvida - Bem de família legal - Pretensão de registro - Inexistência de previsão no art. 167, da Lei nº 6.015/73 - Rol taxativo - Impossibilidade do registro - Inaplicabilidade da máxima de que o que não é vedado é permitido, porque o registrador age de acordo com o princípio da legalidade - Recurso não provido. (Apelação Cível nº 1115570-23.2014.8.26.0100 - Relator Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças)
 
REGISTRO DE IMÓVEIS - Averbação de bem de família legal - Ausência de previsão na Lei de Registros Públicos - Previsão, apenas, de registro de bem de família voluntário, por meio de escritura pública - Recurso desprovido. O rol dos atos suscetíveis de registro é taxativo, quer dizer, a enumeração é numerus clausus, razão pela qual apenas os atos expressamente previstos em lei, ainda que fora da lista do artigo 167, I, da Lei nº 6.015/1973, são passíveis de registro. Logo, o único registro que pode ser feito é o do bem de família voluntário, previsto no art. 167, I, 1, da Lei de Registros Públicos, desde que obedecida a forma da escritura pública. (Processo Nº 2015/39751 - Relator Des. Elliot Akel)
 
No direito registral, no que respeita aos atos de registro ou averbação, só são permitidos aqueles expressamente previstos por lei. Desse modo, o Oficial Registrador agiu em conformidade com a legislação vigente, respeitando ao princípio da legalidade que rege os registros públicos.
 
Ressalte-se que a proteção prevista na Lei 8.009/90 permanece válida sobre o imóvel independente de assim estar registrado na matrícula.
 
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Laura Rita Casari Loma, e mantenho o óbice registrário.
 
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
 
Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.
 
P.R.I.C.
 
São Paulo, 07 de maio de 2019.
 
Tania Mara Ahualli
Juiz de Direito
 
Fonte: Kollemata


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