Importância econômica do Registro de Imóveis foi tema de live do IRIB Academia
Fernando P. Méndez González, Lorruane Matuszewski e Ivan Jacopetti do Lago debateram as relações entre as instituições registrais e a saúde econômica dos países
A segunda live do IRIB Academia abordou um tema de extrema relevância: a importância econômica de sistemas de registro de direitos (Registro de Imóveis). Para discutir o assunto, o Registrador Espanhol, Fernando P. Méndez González, de Barcelona, foi convidado a realizar uma palestra no canal da plataforma do IRIB no YouTube – IRIB Academy. Após a apresentação, Lorruane Matuszewski, Registradora em São Paulo, e Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais do IRIB, coordenador da Revista de Direito Imobiliário - RDI e Registrador em São Paulo, participaram de um debate que contou com a mediação de André Villaverde, Registrador em Recife. As lives mensais do IRIB Academia têm o objetivo de proporcionar debates e aprofundamentos em temas que estão disponíveis no extenso acervo da plataforma.
Ao abrir sua fala, o convidado internacional ressaltou a relevância do tema, que já é considerado basilar nos debates a respeito do Registro de Imóveis. “Quero agradecer ao Sérgio Jacomino e aos organizadores desse evento, por terem me convidado a participar para falar sobre a função econômica do Registro Imobiliário. Eu acredito que, hoje em dia, mais ninguém discute a função econômica do Registro Imobiliário, isso é algo que já é considerado um pressuposto”, afirmou Fernando P. Méndez González. “Creio que, partindo desse ponto, também teremos que começar a nos perguntar não apenas qual é a função econômica do sistema de registro, mas também qual é, na realidade, o papel do sistema de registro dentro de uma sociedade – eu acredito ser um papel mais ou menos central, mas também creio que quanto mais central seja esse papel, melhor”, completou.
Como forma de aprofundar a discussão sobre o tema, Fernando P. Méndez González concedeu entrevista ao IRIB. A íntegra da segunda live do IRIB Academia está disponível no canal IRIB Academy, no YouTube.
Em 2006, durante o encontro acadêmico na universidade Gabriela Mistral, em Santiago, Chile, o senhor afirmou que apenas 10% do mundo tinha solucionado o problema da falta de Registro Imobiliário de propriedades. Como o senhor avalia a situação atual?
Se bem me lembro, o que tenho repetido por muito tempo é que apenas cerca de 10% da humanidade possui um título que comprova sua condição de proprietário. Os 90% restantes não possuem essa qualificação. A razão essencial é que carecem de um sistema de registro adequado para lhes conferir tal qualificação, ou, tendo-o, preferem não recorrer a ele porque não os remunera e não os compensa – porque, segundo a hipótese do homo economicus, os indivíduos investem nos custos de transação até o limite da utilidade marginal, e o Registro é um custo de transação que, como qualquer instituição, só se justifica porque evita maiores custos de transação. Mas se a economia não oferece oportunidades de investimento, os agentes preferem economizar o custo de Registro porque, nessa situação, o imóvel tem pouco valor e, portanto, acreditam que a probabilidade de perda do imóvel é tão baixa que não compensa o custo de evitá-la.
A situação tem melhorado apenas relativamente. Por exemplo, na África, projetos de Registro foram e estão sendo desenvolvidos, bem como políticas de titulação sob uma perspectiva de gênero, o que contribui fortemente para reduzir a discriminação.
No entanto, observamos que, de um modo geral, os projetos financiados, por exemplo, pelo Banco Mundial ou pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, têm como objetivo prioritário facilitar a arrecadação tributária proveniente do IPTU, e não o fortalecimento institucional dos registros, proporcionando registros com efeitos robustos, a fim de facilitar o desenvolvimento dos mercados hipotecário e imobiliário. Eles tendem a confundir Cadastro e Registro, o que é um grande erro.
Qual é, hoje, a situação na Espanha a respeito do Registro Imobiliário e das transações imobiliárias? Como o senhor avalia o cenário brasileiro?
Na verdade, são dois problemas diferentes. No que diz respeito à Espanha, distinguirei dois aspectos: o jurídico e o tecnológico.
Do lado jurídico, como resultado da crise hipotecária que começou em 2008, a hipoteca mudou substancialmente, assim como seu mecanismo de execução. Como consequência, sob a proteção de uma suposta política de defesa do consumidor, hoje o crédito hipotecário está menos acessível.
Porém, a função qualificadora dos registradores de todas as cláusulas, financeiras ou não, dos créditos e empréstimos hipotecários, foi fortalecida e ampliada, revertendo, legislativamente, a tendência anterior de constante enfraquecimento da função qualificadora em relação a essas cláusulas. Iniciativas da Direção-Geral dos Registros e Notários e do Supremo Tribunal. As cláusulas financeiras abusivas tiveram acesso ao Registro de 2007 a 2010 porque os registradores foram impedidos de qualificá-las e, portanto, de negar seu registro, o que causou sérios danos. Há que ter em consideração que o registro da hipoteca em Espanha é constitutivo e, sem o registro, tais cláusulas simplesmente não poderiam ser exigidas. Eu me referi a esse problema em diferentes artigos.
Junto com essa tendência positiva, há outra preocupante: o enfraquecimento da fé no registro público. Existem alguns acórdãos do Supremo Tribunal preocupantes e incompreensíveis se atentarmos para as necessidades sociais e econômicas e de como funciona uma economia social de mercado. Não vivemos em uma economia agrária com pouco tráfico jurídico e entre vizinhos, mas em uma economia global, com intenso e impessoal tráfico jurídico e intercâmbios econômicos. Infelizmente, o Supremo Tribunal Federal ainda não assimilou totalmente essa perspectiva, que é onde a fé pública do cartório desenvolve todas as suas potencialidades.
Além disso, realizamos constantemente projetos de melhoria na área tecnológica. Para destacar apenas alguns:
- Migração da rede colegiada de comunicações que presta serviço e interconecta todos os registros à fibra ótica.
- Implementação de um centro de operações de ciber-segurança conectado ao centro criptográfico nacional e outros centros similares de outras entidades / empresas como a Telefónica, etc..
- Aplicação de bases de dados gráficas, geoportais web e sistemas de interligação com o Cadastro.
- Estabelecimento de serviços específicos de interligação com outras entidades: S. Social, Banco de Espanha, INE [Instituto Nacional de Estatística], BOE [Boletim Oficial do Estado], CGPJ [Conselho Geral do Poder Judicial], Registro de Aeronaves, Registro de Navios e Empresas de Navegação, Associação de Gestores etc., para além de vários projetos internacionais.
- Nós nos tornamos e fomos credenciados como provedores de Serviços de Certificação de confiança, de acordo com os regulamentos eIDAS [electronic IDentification, Authentication and trust Services].
- Plataforma LEI [Identificador de Entidade Legal] e credenciamento CORPME [Colégio de Registradores da Espanha] como LOU [Unidade Operacional Local].
- Adoção da metodologia ITIL [Biblioteca de Infraestrutura e Tecnologia da Informação] (ISO / IEC 2000-1) na prestação de serviços e adoção de importantes mudanças organizacionais para adequar a SSI às melhores práticas de mercado na prestação de serviços de tecnologia, criando novas unidades como: Comitê de Estratégia e Planejamento (CTEP), Comitê de Mudança (CAB), Escritório de Projetos (PMO), Escritório de Qualidade de Software, Testes e Certificação (TMO), Escritório de Análise Funcional (BAO), etc.
- Reengenharia de nossos dois data centers (Diego de León e Alcalá 140) e autorização de terceiro no Tier IV da Telefónica.
- Projeto TRADIS para a reengenharia de todos os serviços telemáticos centrais (FLEI*, FLOTI*, FLOMI*, arquivo telemático, notificações eletrônicas, verificação CSV, etc.): implementa uma plataforma uniforme e comum a todos os serviços telemáticos, nos quais o aspectos relacionados à escalabilidade, disponibilidade, confidencialidade, integridade, autenticidade e rastreabilidade, melhoram a acessibilidade e usabilidade de vários dispositivos, com base na mesma arquitetura usada por entidades que oferecem serviços telemáticos intensivos, como: Amazon, Google, Walmart, Netflix, eBay, BBVA, Banco de Santander, etc.
* Bases de dados nacionais da Espanha
- Implementação e desenvolvimento do Registro de Propriedade Real como instrumento de combate ao branqueamento de capitais, bem como do Registro de Prestadores de Serviços de acordo com as Diretivas Europeias.
Neste momento estamos imersos no desenvolvimento de um projeto que intensifica e otimiza a digitalização de registos, em linha com o plano aprovado pela Comissão Europeia e pelo Conselho Europeu para a digitalização da economia da União Europeia, para o qual atribui 20% da ajuda e financiamento aprovado ao combate à COVID-19, o que representa cerca de 400.000 milhões de euros para toda a União.
No que diz respeito ao sistema de registro imobiliário brasileiro, se olharmos o Índice Internacional de Direitos de Propriedade veremos que, de todas as instituições voltadas para a segurança jurídica no Brasil, é a que mais se destaca, a que tem a melhor pontuação - nove em cada dez. Por outro lado, estou ciente das iniciativas e esforços realizados no campo da formação de capital humano e da incorporação progressiva das TICs, com realidades como o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), bem como algumas reformas legislativas que reforçam o papel do sistema de registro de imóveis brasileiro.
Quais medidas devem ser adotadas na arquitetura organizacional e na gestão dos sistemas registrais e de direitos para que possam ser considerados “à prova de erros”? Como garantir que a incidência de erros seja a mínima possível?
Para atingir esse objetivo - essencial para a própria subsistência do Registro - é necessário um desenho institucional adequado - tecnologia institucional - e, hoje, a incorporação de tecnologias de informação e comunicação – TIC´s - que, devidamente utilizadas, ajudam a que as disposições do desenho institucional sejam efetivadas.
O mais importante é dotar o sistema de registro imobiliário de capital humano de alta qualidade: uma parte do melhor capital humano do país deve ser dedicada ao sistema de registro. Para isso, é necessário que existam incentivos suficientes e adequadamente estruturados para estimular o capital humano registrado a observar o comportamento profissional desejado, desenhado pelo sistema institucional. Para isso, é necessário que tanto estímulos ou incentivos positivos - ex: nível de emolumentos - e negativos -v.gr.: sanções- tenham relação direta com o comportamento profissional para que cada registrador veja sua conduta profissional ajustada e recompensada às taxas desejadas e sancionado quando não as cumprir. A experiência mostra que, no campo do registro, em que o mercado deve ser atendido com a segurança e a agilidade exigidas, a todo o momento, a organização administrativa clássica não funciona.
Nesse sentido, o sistema registral brasileiro está direcionado na direção certa.
Qual a sua opinião sobre iniciativas de compartilhamento de conteúdo sobre o Registro de Imóveis, como o IRIB Academia?
Acho que é uma iniciativa simplesmente excelente que merece todos os elogios. Na minha opinião, ele serve a duas funções igualmente importantes e necessárias. Em primeiro lugar, é uma ferramenta muito valiosa para a formação do capital humano dos registros. Considere que grandes escritórios de advocacia, os de maior prestígio, costumam ter bibliotecas muito boas em suas instalações, com sistemas de fácil acesso aos associados. Em segundo lugar, contribui para a disseminação do conhecimento sobre o Registro, algo extremamente necessário porque, infelizmente, o que poderíamos chamar de racionalidade subjacente dos sistemas de registro, sua íntima ligação com o desenvolvimento do mercado hipotecário e imobiliário, com a acessibilidade ao crédito e a habitação, com a eficácia das decisões judiciais e administrativas, etc., não são conhecidas não só pelo grande público mas, infelizmente, nem pelo mundo jurídico, pelo menos suficientemente, nem mesmo pelos políticos. E tudo isso torna mais fácil para grupos de interesses especiais induzirem a regulamentações inadequadas.
Meus sinceros parabéns!
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