A Certificação Digital a Serviço da Agilidade na Prestação Jurisdicional
Renato Luís Benucci
1. INTRODUÇÃO: A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
É fato incontroverso a profunda transformação vivenciada pela sociedade contemporânea. Testemunhamos o surgimento de uma nova era, propiciada pelos avanços tecnológicos e científicos, que vem modificando de modo significativo a vida em nosso planeta. Este novo momento histórico revela-se através do advento da denominada sociedade da informação, na qual a tecnologia deixa de ser exclusividade das universidades e dos centros científicos, passando a fazer parte do cotidiano dos indivíduos, em razão do aumento substancial do acesso aos computadores e da disseminação do uso da informática[1].
A sociedade da informação, longe de ser um modismo, representa uma profunda mudança na organização da sociedade e da economia, verdadeiro paradigma técnico-econômico. É fenômeno de dimensão global, com elevado potencial transformador das atividades sociais e econômicas, vez que essas atividades serão, em alguma medida, afetadas pela sociedade de informação. Possui também uma dimensão política e social, em razão da sua capacidade de promover a integração e reduzir distâncias.
Pode-se definir sociedade da informação como um modo de desenvolvimento social e econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conducente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas[2].
As transformações caminham rumo à sociedade da informação, que compõe, assim, uma tendência inexoravelmente predominante, mesmo para economias pouco industrializadas, definindo um novo modelo social, cuja característica principal é a utilização da informação como matéria-prima.
A sociedade da informação gerou uma mudança de padrão em relação aos clássicos modelos de aferição da riqueza – como o acúmulo de terras ou dos meios de produção – passando a ser valorizado o acesso às fontes de matéria-prima e de trabalho, às tecnologias de produção e ao mercado consumidor, ou seja, à própria informação[3].
O acesso à informação, neste novo modelo social, assume função de parâmetro de aferição de desenvolvimento, sendo a rapidez na troca de informações condição fundamental para sua existência, o que explica o espantoso crescimento da rede de computadores de alcance mundial: a internet. A comunicação, neste novo modelo, passa a ser efetuada principalmente através do meio eletrônico. Negócios são concluídos remotamente, sem qualquer contato entre as partes. Atividades, quer sejam voltadas à produção de bens ou à prestação de serviços, públicos ou privados, passam a ser controladas e monitoradas por sistemas informáticos. O mundo moderno coexiste de modo interconectado, em condição de interdependência jamais vista na história da humanidade.
É desnecessário professar os inúmeros avanços que a informática trouxe para a vida moderna, em todos os campos do conhecimento humano. A educação à distância, o acesso imediato a informações complexas, a videoconferência, a agilidade do correio eletrônico, são exemplos das melhorias originadas pelo novo paradigma tecnológico[4].
Todavia, não se pode incorrer no erro de idealizar a sociedade da informação, entendendo que este é o caminho inexorável que levará o homem ao bem-estar, à harmonia com a natureza, à solidariedade, e à autodisciplina[5]. Os inquestionáveis avanços advindos deste novo modelo não devem ofuscar a visão dos desafios dele decorrentes.
Entre os desafios mais evidentes a serem enfrentados pela sociedade da informação estão: o desemprego, o aprofundamento das desigualdades sociais (com o denominado apartheid[6]digital), a perda de privacidade, além da ampliação do controle sobre o indivíduo[7]. Numa sociedade globalizada, as forças excludentes ocorrem tanto em nível local como em nível global, exigindo ações que promovam o acesso amplo de todos aos benefícios do novo paradigma.
Uma das características principais da sociedade da informação é a velocidade, que possibilita a circulação de informações pelo planeta em tempo real, bem como a tomada de decisões com agilidade e confiabilidade. Esta velocidade impulsiona transformações, que ocorrem mais rapidamente do que nossa habilidade em assimilá-las. Esta incapacidade de captar, interpretar e sistematizar os fatos sociais da realidade, na sua integralidade, reflete-se também no campo jurídico.
Neste contexto, onde a sociedade da informação dá feições completamente distintas às relações humanas - com novas espécies de interesses e comportamentos humanos, que, por sua vez, são geradores de novos tipos de conflitos - é imperativo adequar e atualizar o papel do direito como regulador do comportamento humano.
2. A INTERAÇÃO ENTRE O DIREITO E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Como mediador dessa nova ordem de relações jurídicas, cabe ao direito a aproximação com as tecnologias da informação sob duas perspectivas distintas. Sob perspectiva inicial, cabe ao direito regulamentar todo este novo conjunto de situações e relações jurídicas inéditas decorrentes da utilização da informática, encontrando parâmetros para sua normatização.
Estas novas situações jurídicas vivenciadas pela sociedade da informação, com o surgimento de novas condutas sociais, atingiram tal magnitude, que a doutrina passou a conceber uma nova disciplina jurídica, com autonomia científica, cuja função precípua é sistematizar e regular estas novas relações jurídicas decorrentes da utilização da tecnologia de informação. Esta nova disciplina jurídica, que vem sendo denominada de Direito da Informática ou Direito Informático, pode ser definida como o conjunto de relações jurídicas decorrentes da aplicação e desenvolvimento da informática, como o comércio eletrônico, as relações surgidas com a criação, uso, alteração e reprodução de softwares, e das relações humanas realizadas em redes[8],e tem por objetivo proporcionar respostas para a todas as questões derivadas da nova realidade social, como a responsabilidade por dano na Internet, o comércio eletrônico, a definição dos direitos e deveres das partes decorrentes dos novos contratos utilizados na world wide web[9](como contrato de acesso, ou a venda de produtos ofertados pela Internet), a publicidade veiculada pela rede, o direito à privacidade no ambiente virtual, os crimes praticados no ciberespaço (como as fraudes provocadas por manipulação de dados e programas, a apropriação indébita, o estelionato), a questão relativa aos direitos autorais, entre outras[10].
Como se pode verificar, esta mútua influência entre o direito e a tecnologia da informação, através da regulamentação dos vários aspectos relacionados a esta nova realidade, representa verdadeiro desafio para juristas, técnicos e legisladores.
2.1. A tecnologia da informação e a distribuição da justiça
Um dos aspectos importantes desta interação entre o direito e a tecnologia da informação é o emprego desta em prol de uma distribuição efetiva e célere da justiça. Aqui não se está a falar do direito estabelecendo regras e influindo sobre a tecnologia, mas sim da tecnologia influindo sobre o direito, aprimorando-o.
De fato, as novas tecnologias ligadas à eletrônica, à informática e às telecomunicações, com a disponibilização de poderosos bancos de dados e com a possibilidade de transmissão remota de imagens, sons e dados, são instrumentos potencialmente eficientes para a otimização do serviço jurisdicional, reduzindo a demora na apreciação de processos judiciais, e trazendo uma perspectiva inteiramente nova para o conservador universo dos tribunais.
Com efeito, a demora na prestação jurisdicional é um dos principais fatores de descrédito do Poder Judiciário brasileiro, contribuindo de forma significativa para arranhar sua legitimidade. O tempo, como esclarece Cândido Rangel Dinamarco, é “inimigo declarado e incansável do processo”[11].
A duração demasiadamente longa dos processos é uma das grandes preocupações dos juristas contemporâneos[12], e apontada como uma das principais barreiras a impedir a tão decantada efetividade processual, representando verdadeiro ônus a solapar o prestígio das instituições judiciárias.
Esta morosidade na tramitação de processos judiciais, não é recente na história do direito[13]. Porém, o advento da sociedade da informação - com a possibilidade de realização de negócios jurídicos em tempo real, em contraste com a exasperante lentidão do processo judicial – ressaltou ainda mais o problema.
Neste contexto, o caminho trilhado no Brasil para a busca de soluções para o problema da lentidão na tramitação de processos tem sido o da modificação do estatuto processual civil, com o objetivo de modernizá-lo. Novos institutos jurídicos foram idealizados para se permitir uma resposta jurisdicional mais célere e efetiva (como a antecipação de tutela e a tutela específica das obrigações de fazer e não-fazer), privilegiando-se as tutelas de urgência, obtidas através com cognição sumária[14], além de se buscar a deformalização e a simplificação de procedimentos.
Esta opção de alterações no estatuto processual civil tem se mostrado, contudo, pouco eficaz para solucionar o problema da lentidão na tramitação e na apreciação dos processos judiciais. Embora o Brasil careça de estudos estatísticos na área judiciária, tal conclusão pode ser obtida a partir da observação do tempo médio de tramitação dos processos nos vários tribunais do país, que não sofreu qualquer alteração significativa.
Além do que, as constantes alterações legislativas, em busca de agilidade processual, podem conduzir à fragilização de princípios e garantias processuais fundamentais, assegurados constitucionalmente,e que legitimam o processo como meio democrático para a solução das lides.[15]
Não se pode olvidar que existe um período de tempo necessário e natural para que toda lide chegue a seu termo. O processo, como afirma Moniz de Aragão, “tem seu período de maturação até chegar ao seu termo. (...) O processo deve respeitar o prazo de evolução”[16], pena de, no afã de imprimir rápida solução aos litígios, subverter princípios processuais constitucionais, em especial os princípios do contraditório e da ampla defesa[17].
Existem limites para a agilização da resposta processual estatal através de alteração de ritos processuais e da ênfase à cognição sumária[18]. Neste sentido, a abordagem do grave problema da lentidão processual deve considerar a perspectiva da utilização da tecnologia da informação, que é capaz de proporcionar soluções de real alcance prático, que conferem maior celeridade processual, sem qualquer risco de comprometimento das garantias processuais do devido processo legal..
Por outro giro, uma das manifestações da sociedade da informação é a integração da economia a nível global, que acirra a disputa por mercados e a busca pela eficiência na prestação de serviços. Esta eficiência deve ser perseguida não apenas pelas instituições privadas, mas também pelos órgãos públicos. Sob esta perspectiva, a eficiência do Poder Judiciário é um elemento importante na aferição do grau de confiabilidade de um país, com repercussão significativa nos planos econômico e social.
Prova inconteste desta repercussão econômica da atividade jurisdicional foi a divulgação, pelo Banco Mundial, de estudo que identifica a morosidade na prestação da justiça como causa de danos não apenas às relações sociais, mas também à economia do país, em razão da instabilidade gerada pela lentidão no julgamento e na execução de sentenças judiciais[19].
Tal ineficácia, segundo o mesmo estudo do Banco Mundial, contribuiria inclusive para aumentar o nível da taxa de juros, já que os empréstimos e investimentos estrangeiros agregam um percentual adicional de juros, decorrente da reconhecida lentidão da Justiça brasileira, caso a mesma tenha que ser acionada por inadimplemento do devedor.
Esta ineficiência judicial prejudica, portanto, não apenas os jurisdicionados, mas o aporte de investimentos, podendo causar reflexos negativos inclusive no nível de emprego[20].
Embora o tema da ineficiência judicial seja altamente complexo, pode-se, em uma rápida aproximação, afirmar que são vários os fatores que contribuem para a lentidão da justiça, que vão desde fatores institucionais (desinteresse no equacionamento do problema pelo próprio Poder Executivo, que é parte demandada em parcela expressiva dos processos trazidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais), passando por fatores relativos a insuficiência material e de recursos humanos, até fatores de ordem técnica[21].
A solução deste problema exigirá criatividade e empenho. Neste sentido, uma das alternativas mais auspiciosas no campo da celeridade processual consubstancia-se no uso da tecnologia para reduzir o tempo de tramitação dos processos. De fato, a tecnologia da informação, devidamente adaptada às peculiaridades do serviço de prestação jurisdicional, pode ser utilizada como um extraordinário instrumento de efetividade do processo, proporcionando a realização de atos processuais com maior rapidez, segurança e economia.
O mundo jurídico, de forma geral, e a prestação jurisdicional, em particular, não podem ficar alheios às transformações e aos avanços obtidos pela tecnologia da informação. O desconhecimento desta realidade levará inevitavelmente ao anacronismo. No caso específico da jurisdição, o risco é que a mesma se torne um mecanismo obsoleto de pacificação social[22].
2.2. A validade jurídica dos atos processuais em meio eletrônico
À medida que se admite a utilização da tecnologia da informação no processo judicial, com a realização de atos processuais em meio eletrônico, quer sejam originados pelas partes (como o peticionamento eletrônico), quer sejam provenientes dos órgãos jurisdicionais (como a intimação eletrônica), urge discutir os requisitos necessários para conferir validade a tais atos.
De fato, a validade de quaisquer atos jurídicos realizados por meio eletrônico, inclusive os atos processuais, dependem do atendimento a requisitos de segurança que garantam: que o ato proceda daquele que afirma tê-lo produzido (a autenticidade, conceito que Moacyr Amaral Santos define como “a certeza de que o documento provém do autor nele indicado”[23]); e que o conteúdo do ato não tenha sido alterado durante a transmissão (a integridade).
A validade dos atos jurídicos realizados eletronicamente dependem, portanto, da definição de uma relação segura entre o sujeito que produziu o ato jurídico por meio eletrônico e o ato produzido, além da garantia de inviolabilidade do conteúdo.
Isto ocorre em razão da ausência de caráter pessoal do ato jurídico realizado eletronicamente. Para lhe conferir tal pessoalidade, a comunicação por meio eletrônico depende de componentes extrajurídicos, ou seja, de técnicas científicas capazes de prover os requisitos de segurança para a transmissão confiável de atos em meio eletrônico.
Tais técnicas são variadas e estão em constante evolução. As principais são: as técnicas de utilização de senhas, as técnicas biométricas e as técnicas criptográficas.
As técnicas que utilizam senha fundamentam-se na utilização de determinados dados de identificação, que são partilhados pelas partes (como a utilização de códigos, frases, etc). São pouco seguras, pois possuem vulnerabilidades próprias do compartilhamento de dados, além de não garantirem a integridade do conteúdo da comunicação.
Exemplo disto é a difundida realização de atos jurídicos em páginas da Web, que não garante a autenticidade e integridade, pois é um registro tecnicamente possível de ser alterado, e ao qual não se pode atribuir validade jurídica.
As técnicas biométricas, por sua vez, consistem na utilização de características pessoais (impressão digital, imagem da íris, DNA, etc.), que são capazes de conferir grande segurança na identificação do emissor da comunicação. Não obstante, sua utilização não codifica o conteúdo da declaração, o que exige a utilização em conjunto com técnicas criptográficas, a fim de garantir o sigilo e a integridade da mensagem.
De fato, o controle biométrico também possui vulnerabilidades. Embora a biometria possa ser considerada um eficiente meio para controle de acesso de usuários em sistemas fechados, o mesmo não se dá em sistemas abertos, não se podendo ter certeza que os bits enviados foram efetivamente colhidos através das características biométricas do usuário (da impressão digital ou a conformação da íris). Se não é possível falsificar características físicas, é possível apropriar-se dos dados biométricos de outrem[24].
As técnicas criptográficas, por derradeiro, baseiam-se na codificação do conteúdo da mensagem, sendo divididas em dois grandes grupos: a criptografia convencional ou simétrica e a criptografia assimétrica. A técnica criptográfica assimétrica, ou se chaves públicas, é aquela que, no atual nível de desenvolvimento tecnológico, garante a validade jurídica dos atos praticados em meio eletrônico, ou seja, sua autenticidade e integridade.
2.2.1. A criptografia como garantia da validade dos atos realizados em meio eletrônico
Criptografia é o conjunto de princípios e técnicas empregado para cifrar a escrita, e torná-la ininteligível para os que não tenham acesso às convenções combinadas[25]. Sua origem está relacionada com a necessidade da privacidade nas comunicações. É uma técnica conhecida desde a antiguidade, onde servia principalmente a propósitos estratégicos e militares[26]. Através da criptografia, é possível o envio de mensagens incompreensíveis para qualquer terceiro que desconheça o critério para decifrar o texto (a senha ou chave).
A segurança proporcionada pelas técnicas criptográficas foi sensivelmente ampliada a partir da introdução, em 1976[27], do conceito de criptografia assimétrica, tornando possível a equiparação, para fins jurídicos, do ato praticado em meio eletrônico ao ato praticado através da comunicação convencional, pois fornece os requisitos de segurança necessários para proporcionar validade jurídica, ou seja: a certeza de que o ato tem procedência naquele que afirma tê-lo produzido, garantindo assim a autoria, e também que o conteúdo do ato não tenha sido alterado.
A criptografia assimétrica, ao contrário da criptografia simétrica ou convencional - que utiliza a mesma chave tanto para cifrar como para decifrar a mensagem - emprega a técnica de chaves complementares, ou seja, são duas as chaves geradas pelo computador: uma é utilizada para codificar os dados e a outra é usada para decodificar.
Uma destas chaves é a denominada chave pública, caracterizada por ser de conhecimento público e livremente distribuída, e a outra é a chave privada, que é de conhecimento restrito, e deve ser mantida em sigilo pelo usuário. Tais chaves são dois números distintos que se relacionam de tal modo que, utilizando uma mesma fórmula, uma codifica e a outra decodifica o conteúdo da declaração.
O grande diferencial da criptografia assimétrica é que uma mensagem criptografada com uma das chaves não pode ser pode ser decifrada com a mesma chave, pois a fórmula matemática utilizada é de mão única, ou seja, não tem retorno. Apenas com o uso da chave privada poderemos decifrar a mensagem que foi codificada com a chave pública, e o que foi codificado com a chave privada apenas poderá ser decifrado com a chave pública.
O Governo Federal adotou uma iniciativa importante para possibilitar o uso das tecnologias de informação e de comunicação, instituindo o ICP – Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira), através da Medida Provisória 2.200, de 29.06.2001, cujo objetivo é a garantia da autenticidade e da integridade dos documentos transmitidos eletronicamente, através do mais moderno sistema criptográfico conhecido, ou seja, o sistema de criptografia assimétrica[28].
É responsabilidade do Estado implementar as condições que viabilizem a inserção do país na sociedade da informação, envidando todos os esforços para evitar que esta nova realidade agrave desequilíbrios sociais e regionais, garantindo tratamento isonômico em termos de oportunidades básicas de acesso aos recursos disponíveis pela tecnologia da informação, e aplicando esta tecnologia no desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária.
2.2.2. A assinatura digital
As características da criptografia assimétrica permitem conferir pessoalidade às mensagens geradas por meio eletrônico, ou seja, é possível gerar assinaturas digitais. De fato como tal técnica permite, com alto grau de certeza, a identificação do sujeito que realizou determinada declaração por meio eletrônico, pode-se conceituar esta técnica de identificação da autoria de uma declaração digital como sendo uma assinatura digital[29].
O conceito de assinatura digital foi deduzido pela semelhança de finalidade com a assinatura convencional manuscrita, ou seja, a identificação da autoria de alguma declaração.
Tecnicamente, a assinatura digital é feita através do uso da chave privada, que, como denota a própria denominação, é reservada e de uso estritamente pessoal. Assinada uma declaração por meio eletrônico, é possível para qualquer pessoa identificar a autoria da declaração realizada eletronicamente, com o uso da chave pública.
Além disso, existe uma vinculação da assinatura digital ao texto assinado, de tal sorte que ela só será válida para um específico texto produzido eletronicamente, impossibilitando qualquer mudança de conteúdo sem a invalidação da assinatura digital. Isto não quer dizer, entretanto, que o texto em forma eletrônica não possa mais ser alterado. A impossibilidade da mudança consiste na descaracterização da assinatura digital por qualquer mínima alteração de texto (que pode ser um simples espaço entre duas palavras), não mais permitindo a identificação da autoria pela chave pública, tornando-se, portanto, uma mensagem apócrifa.
A assinatura digital possui características próprias, que a distinguem da assinatura manuscrita convencional. De fato, enquanto a assinatura digital é sempre diferente para cada documento assinado, uma vez que o próprio texto influi no resultado, a assinatura manuscrita convencional possui características comuns, que possibilitam seu reconhecimento por um tabelião.
Além disto, a assinatura digital pode ser transferível, bastando que o seu titular a ceda a alguém, diferentemente da assinatura manuscrita convencional, que é intransferível e personalíssima por sua própria natureza.
Outra diferença importante é a possibilidade de assinar digitalmente quaisquer conteúdos passíveis de registro em meio digital, como sons ou vídeos, pois como qualquer tipo de arquivo eletrônico pode receber uma assinatura digital, é perfeitamente possível gravar o som, ou também a imagem de uma audiência, e assinar eletronicamente tal arquivo, garantindo a autenticidade e a integridade deste ato processual.
Questão fundamental a considerar quanto ao uso da criptografia assimétrica é a autenticidade da chave pública, ou seja, a certeza da autoria de determinada declaração em meio eletrônico decorre da autenticidade da chave pública. Sem um controle adequado sobre as chaves em circulação, qualquer pessoa poderia gerar um par de chaves assimétricas, atribuindo falsamente a titularidade a qualquer outra pessoa[30].
Assim, se é fato que a autenticidade de uma declaração eletrônica é conferida sem dificuldades através do uso da chave pública, inexiste um vínculo entre o par de chaves e a pessoa do usuário, o que gera a necessidade de se conferir autenticidade à própria chave pública.
Este problema da autenticidade da chave pública resolve-se com a figura das autoridades certificadoras, entidades que garantem a autenticidade subjetiva da declaração, ou seja, garantem que a pessoa que aparece como titular de uma chave pública é a mesma que assinou o documento através da chave privada[31]. O certificado digital é a garantia fornecida pela autoridade certificadora de que a pessoa que se apresenta como titular de uma chave pública é quem diz ser, ou seja, o certificado digital comprova a identidade do titular da chave pública.
No campo do comércio eletrônico, a tendência internacional parece ser a de assinaturas eletrônicas livres, não relacionadas a autoridades certificadoras, pois existe a possibilidade de as partes envolvidas em uma negociação trocarem suas chaves públicas, reconhecendo mutuamente a validade das declarações eletrônicas emitidas.
2.3. Modelos de regulamentação da validade jurídica dos atos praticados em meio eletrônico
Condição indispensável para o desenvolvimento desta nova realidade tecnológica é a definição de um quadro normativo e técnico de segurança que defina as características e os requisitos que devem ser atendidos pelos atos realizados em meio eletrônico, objetivando a preservação do sigilo dos dados e das informações, a integridade, e a autenticidade dos documentos produzidos e transmitidos eletronicamente.
Um primeiro modo de se regulamentar a validade dos atos processuais em meio eletrônico é a definição, através da norma jurídica, de uma determinada e específica tecnologia a ser empregada. Por este modelo, apenas se reconheceria validade jurídica a uma declaração em meio eletrônico em caso de utilização de determinada técnica previamente definida pela lei. Este modelo teria o inconveniente de congelar o direito em relação a determinada tecnologia, impossibilitando a assimilação dos avanços tecnológicos.
Outro modelo para a normatização dos atos processuais em meio eletrônico seria aquele que estabelece conceitos jurídicos indeterminados, sem qualquer referência à técnica a ser utilizada. O inconveniente desta forma de regulamentação é a necessidade de se verificar, constantemente, se os padrões legais indeterminados estariam sendo atendidos concretamente, suscitando invariavelmente dúvidas quanto à aplicação da norma.
Pode-se também vislumbrar uma forma de regulamentação intermediária, que definiria determinados requisitos mínimos de segurança a serem atendidos para a realização de atos processuais realizados por meio eletrônico, de modo a definir a necessidade, por exemplo, de uma tecnologia que possibilite a perfeita identificação do autor de uma declaração por meio eletrônico ou de estruturas que garantam a padrão de segurança adotado, sem previamente defini-la[32].
O tema da regulamentação da validade de atos processuais em meio eletrônico foi profundamente debatido durante o ano de 2002, em razão das diferentes visões sobre o tema, e evidenciam de forma clara dois destes modelos de normatização expostos.
O debate foi travado entre a AJUFE (Associação dos Juízes Federais) e a OAB (Organização dos Advogados do Brasil), em função de um projeto de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados, que disciplina a informatização do processo judicial[33], e que atribui status legal a algumas iniciativas que já vem sendo implementadas pelos tribunais, como a intimação do advogado pelo sistema push, e o peticionamento eletrônico mediante prévio credenciamento do advogado, mas que não prevê parâmetros de segurança a serem atendidos, podendo ser considerada uma proposta com conceitos jurídicos abertos. A OAB manifestou-se contra o projeto, sugerindo a adoção expressa do sistema de assinatura digital, através do conceito de criptografia de chaves públicas.
Tais posicionamentos seguem modelos distintos. É fato que sistemas de credenciamento já estão em funcionamento em vários Tribunais, e não se tem notícias de quebra de segurança. Mas também é fato que apenas a assinatura digital pode garantir a autenticidade e integridade das declarações em meio eletrônico. Com a tecnologia atual, isto é conseguido pelo sistema de criptografia assimétrica.
Entretanto, se o conceito de assinatura digital é aceito cientificamente como único passível de substituir a assinatura física[34], isto não significa que a lei deva mencionar expressamente a criptografia por chaves públicas, pois tal tecnologia poderá ser suplantada por um sistema mais eficiente no futuro, como, por exemplo, a criptografia quântica[35].
Assim, defendemos que o modelo legal a ser adotado para a validade jurídica de atos praticados eletronicamente, deva ser aquele que defina requisitos mínimos de segurança a serem atendidos para a realização de atos jurídicos em meio eletrônico, garantindo a autenticidade e a integridade das declarações realizadas, sem vincular-se de forma específica e restritiva a qualquer técnica existente.
2.4. O Direito da Informação no processo: vantagens e dificuldades do processo eletrônico
A alternativa para se agilizar a prestação jurisdicional através da informatização de todo o aparato processual, desde o ajuizamento da petição à satisfação da pretensão, afigura-se plenamente viável, devendo ser analisadas suas vantagens, bem como as novas dificuldades que advirão com a adoção do processo eletrônico.
A tecnologia da informação, aplicada ao campo jurídico, pode gerar uma transformação processual de grande impacto, e sua utilização adequada pode conduzir a uma prestação jurisdicional mais célere, eficaz, segura, e econômica, dotando o processo de maior velocidade, e oferecendo um caminho seguro para atingir a finalidade da democratização e da modernização do processo.
Verifica-se, entretanto, que são reduzidas as pesquisas acerca da viabilidade da utilização da tecnologia para diminuir a lentidão processual e proporcionar efetividade na apreciação dos processos judiciais. Uma das razões para tanto pode estar no conservadorismo característico das instituições jurídicas.
No plano dos avanços concretos que a utilização da via tecnológica pode propiciar como instrumento do processo judicial, verifica-se que a vertente tecnológica pode apresentar diversos graus, pois desde mero instrumento auxiliar para realização de atos processuais na forma tradicional ou convencional (como o emprego de programas de edição de texto e de bases de dados, que facilitam a elaboração de atos processuais na forma impressa, ou, ainda, como documentação de atos processuais orais[36], acompanhamento processual on line, ou ainda bancos de dados de jurisprudência, de doutrina nacional e estrangeira, de modelos de petições, de legislação, etc.), a utilização da tecnologia de informação pode também ocorrer na própria realização dos atos processuais.
De fato, as novas formas de realização de atos processuais através da utilização da tecnologia de informação, abstraindo-se a problemática da autorização legislativa, possuem campo ilimitado de desenvolvimento, pois dependem da criatividade humana, podendo ser aplicadas, por exemplo: na comunicação dos atos processuais dirigidos às partes, com a publicação e a disponibilização imediata para consulta das decisões e sentenças identificadas por assinatura digital; na possibilidade de intimação de todos os atos processuais por via eletrônica; na comunicação entre órgãos judiciais de atos de colaboração judicial, modificando a obsoleta sistemática de solicitação das cartas de ordem, precatórias e envio de ofícios, através da utilização de uma rede corporativa (intranet) ou de correio eletrônico identificado por assinatura digital; nas manifestações das partes por meios eletrônicos; na realização de atos processuais à distância, por videoconferência, como depoimentos pessoais ou oitivas de testemunhas, reduzindo os casos de necessidade da colaboração de outro juízo; na substituição do suporte dos autos, com a eliminação do papel por arquivos magnéticos (os denominados autos digitais ou virtuais), transformando o processo, que deixaria de ser conhecido como um amontoado de papéis, para converter-se em um arquivo magnético de um banco de dados do Poder Judiciário; na automatização de rotinas cartorárias, com a distribuição e a certificação de prazos realizadas automaticamente; na penhora on line de créditos feita diretamente em órgãos como o Detran, Banco Central, Cartório de Registro de Imóveis, nos processos executivos; nos leilões judiciais feitos por sites especializados na Internet, com participação facultada a qualquer usuário residente em território nacional, entre outras aplicações.
É erro imaginar que tais possibilidades de utilização tecnológica estão situadas em um futuro incerto e distante. Tal tecnologia está disponível atualmente, e muitos destes atos processuais, ainda que de forma empírica e sem uniformidade, já estão sendo realizados por alguns órgãos judiciários, como é o caso dos Juizados Especiais Federais das cidades de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto e Brasília, que adotam uma espécie de processo virtual (embora com nível de segurança ainda baixo, pois não incluíram em seus sistemas o conceito de assinatura digital), assim como no Fórum Federal de Execuções Fiscais em São Paulo, que desenvolve projeto pioneiro de implantação do processo eletrônico, com características mais rigorosas quanto à segurança para acesso ao sistema, que implantarão o conceito de assinatura digital por criptografia assimétrica, e acesso ao sistema por biometria, medidas adotadas em razão dos altos valores que compõem a dívida ativa da Fazenda Nacional em cobrança, mas que deveriam ser adotadas para todos as iniciativas de utilização de autos digitais em curso[37].
Destarte, o processo eletrônico (o e-processo[38]), também denominado de processo digital ou virtual, é uma realidade, cuja introdução em nosso sistema processual está a exigir meditações doutrinárias mais aprofundadas, pois implica não apenas uma mudança de mídia, ou seja, do suporte da informação contida no processo, substituindo-se o suporte papel pelo suporte digital, mas implica uma transformação muito mais complexa, com a introdução de características próprias, muitas das quais vantajosas em relação ao processo convencional, mas que também suscitam algumas novas dificuldades, inexistentes no processo convencional.
De fato, a característica positiva mais evidente do processo eletrônico, que, ademais, é também característica da própria sociedade da informação, é a velocidade. Esta é uma das características do processo virtual que pode contribuir decisivamente para minorar o problema da morosidade processual.
Esta maior velocidade deste novo modelo processual decorrerá, em grande parte, das novas formas de comunicação dos atos processuais, que se darão em tempo real. As citações, intimações e notificações, pelos meios convencionais, serão exceção.
A lei dos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/01) já permite que os Tribunais Regionais Federais organizem serviços de intimação das partes e de recepção de petições por meio eletrônico.
O diário oficial convencional, com o advento do processo eletrônico, será desnecessário. São inúmeros os tribunais do país que disponibilizam, na internet, uma espécie de “diário de justiça virtual”, em que os despachos, decisões, sentenças e acórdãos são publicados na grande rede. No Estado de São Paulo, a imprensa oficial já lançou o diário oficial virtual (e-diáriooficial), cujas informações são digitalmente certificadas, o que implica validade de documentos originais.
Com o processo eletrônico, a comunicação entre os órgãos judiciais, que se dá por intermédio de documentos materializados fisicamente (cartas de ordem, precatórias, ofícios), será realizada, com grande vantagem, por documentos digitais transmitidos por sistema informatizado corporativo (intranet), ou por correio eletrônico, sempre com a garantia da assinatura digital.
Muitos tribunais do país já contam com o sistema push de acompanhamento processual. Através deste sistema, a cada movimentação processual, o advogado da parte, previamente cadastrado, recebe automaticamente um e-mail informando qualquer movimentação processual. Embora apenas esteja sendo fornecido como um serviço adicional, é previsto que o sistema push tenha efeitos de intimação, já existindo projeto legislativo para tanto (o já citado Projeto de Lei nº 5.828/2001), que prevê ainda o uso do meio eletrônico na comunicação dos atos processuais através da disponibilização dos dados no sistema eletrônico para consulta externa (diário oficial virtual). O projeto prevê também a transmissão eletrônica de peças processuais independentemente da apresentação de documentos em papel; a intimação pessoal dos advogados feita por correio eletrônico com aviso de recebimento eletrônico; além de comunicações entre os órgãos judiciais por meio eletrônico. Tal projeto, embora possua o mérito de propor uma regulamentação necessária, possui a deficiência de não estipular diretrizes mínimas de segurança a serem seguidas, que efetivamente garantam a autenticidade e a integridade dos atos processuais em meio eletrônico.
Outra característica positiva do novo modelo de processo é a ampla e absoluta publicidade. O acompanhamento processual on-line já está disponível em praticamente todos os tribunais brasileiros, a qualquer pessoa, desde que o feito não esteja tramitando sob sigilo.
As Seções do Pleno do Supremo Tribunal Federal já podem ser acompanhadas, em tempo real, por qualquer servidor daquele órgão, através da intranet. Este serviço poderá ser disponibilizado também para a Internet, por órgão jurisdicional, e já há experiências de audiências de juízes de primeiro grau transmitidas através da internet, pelo popular e barato sistema de webcam, que consiste em uma câmera de vídeo conectada ao computador. Com esse sistema, qualquer pessoa em qualquer lugar do planeta que tenha acesso à internet pode assistir à audiência em tempo real. A publicidade, enfim, será plena, permitindo não apenas o acompanhamento do processo por qualquer interessado, mas uma maior fiscalização pública dos atos jurisdicionais[39].
Outro traço característico positivo do novo modelo de processo é a automatização que poderá proporcionar, uma vez que muitas rotinas cartorárias poderão ser substituídas, com vantagens, por sistemas inteligentes, capazes de dar impulso processual, elaborar documentos necessários (ofícios ou mandados), certificar decurso de prazos, entre outras atividades, de modo automático. Muitos atos processuais que não envolvem conteúdo decisório, mas são de mero impulso processual, podem deixam de ser praticados pelos juízes ou pelos servidores, para serem praticados por computadores.
Até mesmo decisões judiciais padronizadas poderão ser sugeridas por softwares, de acordo com a manifestação das partes e o estágio processual. Deve-se, entretanto, evitar a todo custo a substituição da motivação judicial por uma simples aparência de motivação, risco sempre existente na elaboração informatizada de atos escritos[40].
Embora existam entusiastas da tecnologia da informação preconizando que programas de computador poderão, no futuro, substituir os próprios magistrados, as atividades passíveis de automatização deverão se circunscrever àquelas isentas de conteúdo decisório.
Característica também extremamente positiva do processo eletrônico é a digitalização dos autos, conceito que já é adotado, de forma pioneira, pelos Juizados Especiais Federais e pelo Projeto da Execução Fiscal Virtual (EFV), conforme já mencionado. O suporte material dos autos, “em papel”, será substituído pelos autos digitais, com grande vantagem no que se refere ao manuseio, consulta, armazenamento e economia de recursos. Esta substituição será feita de modo gradual. Em um primeiro momento, o processo digital conviverá com os autos em papel, pois será reservado apenas aos processos novos, em razão da inviabilidade prática em se transformar todos os autos em papel em autos digitais, o que exigiria um trabalho demasiado de digitalização de autos.
Outra característica positiva do processo eletrônico é a diminuição do contato pessoal, que se manifesta através da gama de serviços que podem ser oferecidos on-line, e da possibilidade de manifestação nos autos sem a necessidade da presença física do advogado no foro. Esta diminuição da necessidade de contato pessoal propicia economia, segurança e comodidade na manifestação das partes e na realização de atos processuais.
O envio de petições por correio eletrônico, embora não previsto explicitamente em nosso ordenamento jurídico, pode ser deduzido da Lei 9.800/99, que dispõe sobre o envio de peças processuais por fac-símile (fax) “ou outro meio similar”. A Lei 9.800/99 possui dispositivo que exige a apresentação da petição original no prazo de 5 (cinco) dias da data do término do prazo[41]. Não obstante, alguns tribunais têm dispensado a apresentação física da denominada “petição original”, bastando a remessa da petição eletrônica, como é o caso do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde o advogado se cadastra no Sistema de Transmissão Eletrônica de Atos Processuais e se habilita a utilizar o sistema, podendo peticionar sem precisar apresentar os documentos “originais”[42].
A diminuição do contato pessoal também se manifesta através da utilização da vídeo-conferência para realização de audiências, que já são realizadas, no Brasil, desde 1996[43]. A vantagem desta sistemática, especialmente no âmbito criminal, salta aos olhos, pois, através da vídeo-conferência, os réus presos podem ser ouvidos e vistos pelo juiz de onde estiverem, sem a necessidade de dispendiosos deslocamentos ao foro, e de riscos de fuga ou resgate de presos. O juiz permanece na sede do Juízo, interrogando o réu preso, que pode estar em qualquer local do território nacional, através da tela do microcomputador.
Embora a utilização da vídeo-conferência seja alvo de algumas críticas de entidades como a OAB (Organização dos Advogados do Brasil) e a AASP (Associação de Advogados de São Paulo), o fato é que a realização de interrogatórios através de vídeo-conferência atende a todos os requisitos legais com rapidez, segurança e economia, e tem sido aceita pela jurisprudência. (STJ, RHC 6272/SP, 5a Turma, rel. Min. Félix Fischer, j. 3/4/1997).
A vídeo-conferência está atualmente regulamentada pela Medida Provisória nº 28, de 4/2/2002, que autoriza o uso de “equipamentos que permitam o interrogatório e a inquirição de presidiários pela autoridade judiciária, bem como a prática de outros atos processuais, de modo a dispensar o transporte dos presos para fora do local de cumprimento da pena”.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, com sede em Brasília, implantou um sistema que permite a sustentação oral através da vídeo-conferência, dispensando a presença pessoal do advogado na sessão de julgamento.
O processo eletrônico representa, assim, uma mudança de paradigma, tornando tangível o desejo pela efetividade processual. A velocidade, a publicidade, a automaticidade atingirão níveis inéditos. O contato pessoal entre advogados, servidores, partes, testemunhas, peritos e juízes tornar-se-á praticamente inexistente.
Embora tais características do processo eletrônico resultem em grande efetividade jurisdicional, ao lado das inúmeras vantagens proporcionadas pelo processo eletrônico, também há novas e sérias dificuldades, que precisam ser enfrentadas, para a viabilização desta alternativa tecnológica.
De início, deve-se ter em mente que o processo virtual trará uma ampliação dos poderes do juiz[44]. De fato, se o juiz, hoje, pode autorizar a busca e a constrição de bens de devedores, o bloqueio de contas bancárias, entre outras medidas constritivas, com a utilização da tecnologia da informação, essas atividades poderão ser realizadas diretamente pelo juiz, sem quaisquer intermediários.
Esta ampliação de poderes já é um fato. A Justiça Federal, através do Conselho de Justiça Federal, firmou convênio com o Banco Central, o Bacen Jud, que é um sistema de solicitação de informações via internet, que possibilita ao juiz enviar ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional. Com isso, as quebras de sigilo bancário e os bloqueios de contas correntes de pessoas físicas e jurídicas poderão ser efetivados pelo computador pessoal do Juiz, com extrema facilidade.
No campo penal, convênios estão sendo criados visando facilitar o acesso judicial às informações policiais, como o cadastro de estrangeiros, passaportes, veículos, folhas de antecedentes, procurados, registro de armas. Obviamente que esta sensível ampliação de poderes dos magistrados deve ser profundamente debatida, para que se possa estabelecer uma criteriosa utilização de tais mecanismos, evitando qualquer possibilidade de lesão aos direitos individuais.
Ao lado desta ampliação qualitativa de poderes, há possibilidade de uma ampliação territorial de poderes. De fato, como o ambiente virtual não possui fronteiras, haverá necessidade da redefinição do conceito de competência. A regra do Código de Processo Civil, que estabelece que os atos processuais realizam-se de ordinário na sede do juízo (art. 176), terá que ser revista, pois existirá a possibilidade de inúmeros atos processuais serem realizados à distância, em diversas jurisdições e competências. As regras de competência territorial e internacional terão necessariamente que ser atualizadas. Muitos problemas surgirão com essa redefinição do conceito espacial de jurisdição, uma vez que o espaço físico ainda é um dos principais parâmetros utilizados para a definição de competência.
Os atos jurídicos e delitos realizados em meio eletrônico podem inclusive extrapolar os limites territoriais de um país, o que exigirá a existência de tratados para o processamento e julgamento dessas causas. A idéia seria a criação de níveis de jurisdição, sendo um primeiro nível o do espaço físico, um segundo nível seria o âmbito dos provedores de acesso da Internet, dentro de um mesmo país, e um terceiro nível seria relativo aos domínios que ultrapassam as fronteiras nacionais[45].
Outro problema originado com o advento do processo eletrônico é o referente à segurança quanto à realização dos atos processuais. A garantia de que determinado ato processual foi praticado por determinada parte, com a exatidão do seu conteúdo, será sempre um problema a ser enfrentado, conforme exposto infra[46].
Embora a tecnologia já oferece resposta para estes problemas, como a assinatura digital, sempre poderá haver tentativa de destruição ou alteração dos dados dos autos digitais, pois os sistemas de informação mais seguros do mundo, como o do Pentágono e o da Casa Branca, já sofreram invasões por hackers, devendo, portanto, a segurança ser uma preocupação constante no novo modelo processual.
Outro problema decorrente da aplicação das tecnologias de informação ao processo é a questão do acesso à tecnologia. Os “desconectados”[47]são uma das conseqüências da sociedade da informação, que se reflete no âmbito processual. Embora tenha ocorrido uma redução de preços dos computadores, facilitando a aquisição de equipamentos de informática, tal redução ainda não foi capaz de permitir o acesso às novas tecnologias por parte de parcelas expressivas da população, em especial nos países em desenvolvimento[48].
A implantação da tecnologia informática tem se caracterizado pela grande concentração em determinados segmentos sociais e em determinadas áreas geográficas, fora dos quais existe um número elevado de “desconectados”. Esta constatação conduz necessariamente a uma reflexão sobre a conveniência de se generalizar a utilização da tecnologia da informação como instrumento de realização da atividade processual, para não resultar agravado o problema do acesso à jurisdição[49].
Os “desconectados” do processo eletrônico, caso não sejam previstos mecanismos de inserção virtual, potencializarão suas dificuldades de acesso à justiça, pois terão dificuldades para o ajuizamento de ações, para obter informações jurídicas, etc., podendo resultar em um quadro de agravamento da distância já existente entre os cidadãos e o Poder Judiciário.
Para evitar esta dificuldade presente no processo eletrônico, são fundamentais ações que promovam o acesso universal à infra-estrutura e aos serviços de informação, para que oprocesso eletrônico possa cumprir seus escopos sociais.
3. CONCLUSÃO
A adoção da tecnologia digital na prestação jurisdicional, embora seja uma realidade fática, tem se desenvolvido de forma empírica, sem uniformidade, à margem da regulamentação jurídica. A legislação, portanto, não está ainda devidamente municiada para lidar com este novo modelo de prestação jurisdicional, especialmente no que se refere à definição dos requisitos necessários para a atribuição de validade jurídica aos atos praticados eletronicamente.
Assim, defendemos que o modelo legislativo que venha a ser adotado não deverá conter conceitos jurídicos indeterminados, pois tal modelo geraria dúvidas de aplicação e de interpretação; mas deverá definir requisitos mínimos de segurança a serem atendidos para realização dos atos processuais em meio eletrônico, garantindo a autenticidade e a integridade das declarações realizadas, sem, contudo, estabelecer uma tecnologia específica, que, neste caso, impediria a introdução de avanços tecnológicos.
Esta regulamentação legislativa, en
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