A inconstitucionalidade de taxa de fiscalização
Sacha Calmon Navarro Coêlho
Ementa: A inconstitucionalidade da taxa de fiscalização judiciária exigida dos notários e registradores em decorrência do poder de polícia – taxa mineira de fiscalização judiciária – aspectos tributários e criminais
1. resenha legislativa.
Dispunha a Lei nº 12.727/97, do Estado de Minas Gerais, em sua redação original:
"Art. 35. O valor total dos emolumentos por atos extrajudiciais, lançados ou não em livros de notas e em livros de registros públicos praticados pelos Tabeliães de Notas, Tabeliães de Protesto de Títulos, Oficiais de Registro de Imóveis, Oficiais de Registro de Títulos e Documentos e Civis das Pessoas Jurídicas e pelos Oficiais de Registro de Distribuição de Protestos será acrescido de 34% (trinta e quatro por cento), percentual este que constituirá receita adicional com destinação prevista no artigo 37.
§ 1º. A receita adicional prevista na letra ‘b’ do item 2 da Tabela 1 e na letra ‘e’ do item 6 da Tabela 4 será acrescida de 0,15% (zero vírgula quinze por cento) sobre o valor patrimonial que exceder a quantia de R$ 105.090,00 (cento e cinco mil e noventa reais).
§ 2º. Vetado.
Art. 36. O valor total dos emolumentos por atos extrajudiciais, lançados ou não em livros de registros públicos, praticados pelos Juízes de Paz e pelos Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas será acrescido de 18% (dezoito por cento), percentual este que constituirá receita adicional com destinação prevista no artigo 37."
Na forma do art. 37 da mesma lei, a totalidade da receita adicional deveria constituir, a partir de 01.01.99, receita corrente ordinária do Estado.
Até esta data, contudo, até 8% do montante arrecadado[1] seriam assim divididos:
- 3,6% para a Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais;
- 1,1% para a Associação dos Magistrados Mineiros;
- 0,6% para a Associação dos Serventuários da Justiça;
- 1,1% para a Associação Mineira do Ministério Público;
- 0,4% para a Associação dos Juízes de Paz do Estado de Minas Gerais;
- 0,4% para o Instituto dos Advogados de Minas Gerais;
- 0,2% para a Associação dos Advogados de Minas Gerais;
- 0,04% para o Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância do Estado de Minas Gerais;
- 0,56% para o Sindicato dos Servidores da Justiça de 1ª Instância do Estado de Minas Gerais;
As entidades civis beneficiárias dos recursos ficavam obrigadas a aplicá-los em planos de assistência à saúde de seus associados, sempre que o percentual excedesse de 1%, e em atividade de natureza cultural, nos demais casos.
Os dispositivos foram suspensos por inconstitucionalidade pelo Pleno do STF nos autos da ADI-MC nº 1.778/MG, assim ementada:
“Constitucional. Inconstitucionalidade dos arts. 35, 36 e 37 da Lei mineira nº 12.727/97. Serviços cartorários. Custas e emolumentos. Acréscimo de percentual intitulado ‘receita adicional’. Ausência de relação com o exercício do poder de polícia ou a utilização efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível. Incompetência dos Estados da Federação para instituir impostos sobre os negócios notariais. Espécie que não configura taxa nem imposto. Liminar deferida.” (Rel. Min. NELSON JOBIM, unânime, DJ 31.03.2000, p. 38)
A ação perdeu o objeto com a revogação dos dispositivos pela Lei estadual nº 13.438/99, conforme decisão do STF publicada em 17.05.2005.
A malfadada receita adicional foi substituída por uma taxa pela Lei nº 13.438/99, cujos arts. 1º, 4º e 5º alteraram a redação de dispositivos da Lei nº 12.727/97 e cujos arts. 2º e 3º regularam a mencionada taxa. Confira-se:
“Art. 2º. Fica instituída a Taxa de Fiscalização Judiciária, constante no Anexo II desta lei, para atender às atividades correspondentes ao exercício do poder de polícia de que trata o art. 236, § 1º, da Constituição da República.
Art. 3º. Em caso de intempestividade ou falta de recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária de que trata esta lei, aplicam-se, no que couber, as penalidades concernentes à Taxa Judiciária prevista na Lei nº 6.763, de 26 de dezembro de 1975[2].”
Dos valores devidos a título da referida taxa eram dedutíveis os montantes aplicados na aquisição do selo a ser obrigatoriamente aposto em todos os documentos e papéis expedidos ou submetidos a exame do notário ou registrador, bem como aos livros utilizados para a prática de seus atos (Lei nº 12.727/97, art. 26, §§ 1º a 3º, com a redação da Lei nº 13.438/99).
Os §§ 1º a 3º do art. 8º da Lei nº 12.727/97, acrescidos pela Lei nº 13.438/99, cuidavam de vedar o acréscimo do valor da Taxa de Fiscalização ao dos emolumentos (declarando que aquela já estava embutida nestes), de exigir a divulgação ao público do valor destes (mas não da taxa, justamente porque imposta ao notário ou registrador) e ainda de fixar o prazo de pagamento do tributo. Confira-se:
“Art. 8º. Consideram-se emolumentos a retribuição pecuniária devida pelas partes a tabelião, registrador ou juiz de paz pela prática dos atos de sua competência.
§ 1º. Os valores totais a serem cobrados dos usuários por ato praticado serão aqueles constantes nas tabelas do Anexo I, que inclui a Taxa de Fiscalização Judiciária, cujos valores estão definidos no Anexo II.
§ 2º. As tabelas constantes no Anexo I desta lei serão afixadas nas dependências do serviço notarial ou de registro, em local visível, de fácil leitura e acesso ao público.
§ 3º. Os notários e registradores recolherão ao Tesouro Estadual, diária ou semanalmente, por meio de guia própria, os valores destinados à fiscalização judiciária dos atos que praticarem, em conformidade com as tabelas do Anexo II desta lei.
A Lei nº 15.424/2004 seguiu as linhas gerais do diploma anterior, trazendo, como alteração mais notável, a discutível qualificação do utente dos serviços cartorários como contribuinte da Taxa de Fiscalização Judiciária, relegando o titular da serventia à condição de mero responsável[3]. É ver:
“Art. 3º. A Taxa de Fiscalização Judiciária tem como fato gerador o exercício do poder de polícia atribuído ao Poder Judiciário pela Constituição da República, em seu art. 236, § 1º, e legalmente exercido pela Corregedoria-Geral de Justiça e pelo Juiz de Direito Diretor do Foro.
Art. 4º. É contribuinte dos emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária a pessoa natural ou jurídica usuária dos serviços notariais e de registro.
Art. 5º. É responsável pelo recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária, nos termos do inciso II do parágrafo único do art. 121 da Lei Federal n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, que contém o Código Tributário Nacional, o Tabelião de Notas, o Tabelião de Protesto de Títulos, o Oficial de Registro de Imóveis, o Oficial de Registro de Títulos e Documentos, o Oficial de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais ou o Oficial de Registro de Distribuição que praticar ato notarial ou de registro.
Art. 6º. Os valores dos emolumentos e da Taxa de Fiscalização Judiciária, expressos em moeda corrente do País, são os fixados nas Tabelas 1 a 8 constantes no Anexo desta Lei.
(...)
Art. 24. A falta de pagamento da Taxa de Fiscalização Judiciária ou seu pagamento a menor ou intempestivo acarretará a aplicação de multa, calculada sobre o valor da taxa devida, nos seguintes termos:
(...)
Art. 28. A fiscalização judiciária relacionada com a prática dos atos notariais e de registro e o cumprimento, pelo Notário, Registrador e seus prepostos, das disposições e tabelas constantes no Anexo desta Lei será exercida pela Corregedoria-Geral de Justiça ou pelo Juiz de Direito Diretor do Foro, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público ou do interessado.
§ 1º. O selo de fiscalização, de uso obrigatório pelos serviços notariais e de registro, será aposto nos documentos e papéis expedidos ou submetidos a exame, quando da prática de seus atos.
§ 2º. O selo de fiscalização destina-se a servir como instrumento de fiscalização da prática dos atos notariais e de registro e proteger os interesses dos usuários e da Fazenda Pública.
§ 3º. A utilização do selo de fiscalização será disciplinada por ato normativo conjunto da Secretaria de Estado de Fazenda e da Corregedoria-Geral de Justiça, que controlará, diretamente ou mediante contrato, sua confecção, aquisição, armazenagem, transporte e distribuição.
§ 4º. O selo de fiscalização conterá requisitos de segurança que impeçam sua falsificação e adulteração, e seu valor de aquisição será deduzido do montante a recolher a título de fiscalização judiciária de seus atos.
§ 5º. Poderá ser exigida a utilização de selo de série e cor diferenciadas, ou outro critério de diferenciação, para o ato notarial e de registro em razão de sua natureza, espécie, valor ou faixa de valores, bem como do valor ou faixa de valores da respectiva Taxa de Fiscalização Judiciária.”
Passemos à análise da validade da taxa e da aplicabilidade das sanções administrativas e penais com que vêm sendo ameaçados os tabeliães surpreendidos em atraso quanto ao seu pagamento, ainda que sem qualquer indício de fraude (suspensão da delegação e denúncia por crime de peculato).
2. impossibilidade de cobrança de taxa de polícia contra servidores públicos.
Reza a Constituição Federal:
“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
É certo que, na conformidade da cláusula final do § 1º supra, os atos dos notários e registradores sujeitam-se à fiscalização do Judiciário. O que cumpre questionar é se tal vigilância pode dar azo a taxa de polícia.
Anote-se, de saída, ser mansa a jurisprudência do STF no sentido de que os tabeliães são servidores públicos. É ver, por primeiro, o seguinte trecho da ementa da ADI-MC nº 1.378/ES, relatada pelo Min. CELSO DE MELLO:
“(...) Serventias extrajudiciais. A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada ‘em caráter privado, por delegação do poder público’ (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa.
As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas ‘a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos’ (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e Jurisprudência. (...)” (Pleno, unânime, DJ 30.05.97, p. 23.175)
Do voto do Relator destacam-se as seguintes passagens:
“Não se pode desconsiderar, neste ponto, a communis opinio doctorum, que, sem maiores disceptações, classifica os Serventuários entre os servidores públicos, eis que – conforme adverte AGUIAR DIAS – ‘só por supersticioso apego a essa tradição abandonada (a da atribuição dos cartórios a título de propriedade), continuaríamos a negar ao Serventuário de Justiça a condição de funcionário público’ (RDA 31/320).
Essa mesma orientação é perfilhada, dentre outros eminentes autores, por CAIO TÁCITO (RDA 50/252-256), ALAIM DE ALMEIDA CARNEIRO (RDA 3/447 e RDA 13/510) e L. C. DE MIRANDA LIMA (RDA 55/376-381)
Daí a procedente observação do Min. CASTRO MUNES, em voto proferido neste Supremo Tribunal Federal, quando, após destacar que as Serventias não mais ostentam o seu primitivo caráter patrimonial, sujeitas que se achavam, no passado, à propriedade de seus ocupantes, asseverou, verbis:
‘O direito moderno aboliu e transformou essa noção do Serventuário, que passou a ser o que é em nosso direito positivo. Atualmente, ele é um funcionário como qualquer outro. Conservou-se a denominação de Serventuário, mas na realidade ele é um funcionário. Pouco importa que não receba dinheiro do Tesouro, como acontece com os escrivães, que recebem das partes os emolumentos taxados em leis. E tanto isso é exato que lei recente, de poucos anos atrás, estabeleceu até a aposentadoria, à custa do Tesouro, dos Serventuários.’ (RDA 19/143 e RF 129/529)
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, refletindo em seu magistério jurisprudencial esse entendimento, deixou positivado que os notários públicos e os oficiais registradores ‘são órgãos da fé pública instituídos pelo Estado’ e desempenham, nesse contexto, ‘função eminentemente pública’, qualificando-se, em conseqüência, ‘como servidores públicos’ (RTJ 67/327, Rel. Min. DJACI FALCÃO), tanto que, no Exterior, e por efeito da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, as atividades notariais e registrais concernentes à função dos Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais são exercidas pelos Cônsules do Brasil, circunstância esta que acentua a oficialidade de tais serviços cuja execução, por envolver o exercício de parcela da autoridade do Estado (do poder certificante) – que goza da presunção juris tantum de fé pública – supõe a condição formal de servidor público dos Notários e dos Registradores.
O próprio exame do vigente texto constitucional permite concluir pela estatalidade dos serviços notariais e registrais, autorizando, ainda, o reconhecimento de que os Serventuários incumbidos do desempenho dessas relevantes funções qualificam-se como típicos servidores públicos, pois (a) só podem exercer as atividades em questão por delegação do Poder Público (CF, art. 236, caput), (b) estão sujeitos, no desempenho de suas atribuições funcionais, à permanente fiscalização do Poder Judiciário (CF, art. 236, § 1º) e (c) dependem, para o ingresso na atividade notarial e de registro, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (CF, art. 236, § 3º), que constitui, no magistério da doutrina, o instrumento destinado à seleção de ‘quem se empenha a ingressar nos quadros do serviço público.. .’ (JOSÉ CRETELLA JNIOR, ‘Comentários à Constituição de 1988’, vol. IX/4626, 1993, Forense Universitária).
Essas notas, associadas ao fato de que a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro submete-se às normas gerais estabelecidas em lei editada pela União Federal (art. 236, § 2º), confirmam, de maneira bastante expressiva, a orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria em questão, inclusive no que se refere ao reconhecimento de que os titulares de Serventias não oficializadas – porque ostentam a condição de funcionários públicos em sentido lato – estão sujeitos, em tema de aposentadoria compulsória por implemento da idade, ao mesmo regime constitucional aplicável aos servidores públicos em geral (RTJ 126/550, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - RDA 54/281, Rel. Min. LUÍS GALLOTTI)”
A recente reviravolta na jurisprudência do STF sobre a submissão dos tabeliães à aposentadoria compulsória deveu-se, não ao abandono de seu entendimento de que se trata de servidores públicos[4], mas à alteração do caput do art. 40 da Constituição (que cuidava da aposentadoria do servidor) pela EC nº 20/98, ratificada nesse ponto pela EC nº 41/2003, que restringiu o campo de aplicação subjetiva do dispositivo para os servidores titulares de cargos efetivos dos entes políticos. É ver a ementa da ADI-MC nº 2.602/MG:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Provimento nº 055/2001 do Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Pela redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98 ao artigo 40 e seu parágrafo 1º e inciso II, da Carta Magna, a aposentadoria compulsória aos setenta anos só se aplica aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, tendo, sem dúvida, relevância jurídica a argüição de inconstitucionalidade do ato normativo em causa que é posterior a essa Emenda Constitucional sob o fundamento de que os notários e registradores, ainda que considerados servidores públicos em sentido amplo, não são, por exercerem suas atividades em caráter privado por delegação do Poder Público, titulares dos cargos efetivos acima referidos
Ocorrência quer do ‘periculum in mora’, quer da conveniência da Administração Pública, para a concessão da liminar requerida.
Liminar deferida para suspender, ‘ex nunc’, a eficácia do Provimento nº 055/2001 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais até a decisão final desta ação direta.” (Pleno, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ 06.06.2003, p. 30)
O mérito da citada ação foi julgado pelo Pleno do STF na sessão de 24.11.2005 (Rel. para o acórdão Min. EROS GRAU; acórdão pendente de publicação), tendo-se confirmado a liminar e não se tendo alterado o entendimento tradicional sobre a natureza jurídica dos notários e registradores.
Posto isso, cumpre verificar o conceito de poder de polícia, para verificar se podem ser sujeitados a ele os servidores públicos. Segundo o CTN:
“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
Do conceito legal resulta claro que o poder de polícia interfere com a liberdade dos cidadãos ou das empresas enquanto pessoas privadas, contrapostas ao Estado, e não na qualidade de agentes públicos, categoria ampla em que se situam os servidores públicos e na qual se situariam os tabeliães ainda que não fossem assim considerados, qualificando-se como meros delegados de função ou ofício público[5].
Isso também o que se nota das definições propostas pela doutrina. JOSÉ CRETELLA JÚNIOR[6], após analisar a obra de diversos autores[7], conclui:
“De acordo com os traços acima postos em relevo, entendemos como polícia a atividade exercida pelo Estado para assegurar a ordem pública e particular através de limitações impostas à liberdade coletiva e individual dos cidadãos.” (grifo nosso)
Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO[8]:
“Pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança.
Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.” (grifos nossos)
A seu turno, anota CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[9]:
“A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se ‘poder de polícia’. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. (...)
A expressão ‘poder de polícia’ pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais.”
E prossegue o Autor, em observações que calham à fiveleta para o caso em estudo[10]:
“O poder expressável através da atividade de polícia administrativa é o que resulta de sua qualidade de executora das leis administrativas. É a contraface de seu dever de dar execução a estas leis. Para cumpri-lo não pode se passar de exercer autoridade – nos termos destas mesmas leis – indistintamente sobre todos os cidadãos que estejam sujeitos ao império destas leis. Daí a ‘supremacia geral’ que lhe cabe.
O poder, pois, que a Administração exerce ao desempenhar seus cargos de polícia administrativa repousa nesta, assim chamada, ‘supremacia geral’, que, no fundo, não é senão a própria supremacia das leis em geral, concretizadas através de atos da Administração. Os doutrinadores italianos distinguem – com proveitosos resultados – esta ‘supremacia geral’ da ‘supremacia especial’, que só estará em causa quando existam vínculos específicos travados entre o Poder Público e determinados sujeitos.
Bem por isso, não se confundem com a polícia administrativa as manifestações impositivas da Administração que, embora limitadoras da liberdade, promanam de vínculos ou relações específicas firmadas entre o Poder Público e o destinatário de sua ação. Desta última espécie são as limitações que se originam em um título jurídico especial, relacionador da Administração com terceiro.
Assim, estão fora do campo da polícia administrativa os atos que atingem os usuários de um serviço público, a ele admitidos, quando concernentes àquele especial relacionamento. Da mesma forma, excluem-se de seu campo, por igual razão, os relativos aos servidores públicos ou aos concessionários de serviço público, tanto quanto os de tutela sobre as autarquias, conforme o sábio do preclaro Santi Romano.
As limitações desta ordem são decorrentes de um vínculo específico, pois a supremacia especial supõe um ‘estado de especial sujeição do indivíduo’, em razão de sua inserção em um vínculo mais estrito com a Administração, do que decorre, para esta, a necessidade de sobre ele exercitar uma supremacia mais acentuada.” (grifo nosso)
Em síntese, os tabeliães podem (e devem) ser fiscalizados pelo Juiz Diretor do Foro da Comarca em que atuam, bem como pela Corregedoria-Geral de Justiça. Tal fiscalização, contudo, não constitui tecnicamente poder de polícia. E, por isso mesmo, não preenche os requisitos do art. 145, II, da Carta da República para a instituição de taxas. É ver a redação do dispositivo:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.”
Como fica claro, não há autorização constitucional para a criação de taxa por qualquer ato de fiscalização, senão que relativamente àqueles que constituem poder de polícia.
Com efeito, seria absurdo cogitar da exigência de taxa dos juízes de 1ª instância, em virtude da permanente fiscalização da Corregedoria, ou dos soldados rasos, em razão da vigilância que sofrem dos oficiais, ou ainda dos professores de universidades públicas, pelo controle de assiduidade que lhes impõem os respectivos diretores e chefes de departamento.
Em todos esses casos, a fiscalização se exerce no âmbito de uma relação funcional e hierárquica, sem qualquer margem de liberdade individual de parte a parte, a bem dos usuários dos serviços públicos concernidos.
Essa exatamente a situação dos tabeliães, que aliás vêm referidos exatamente ao lado dos juízes de 1º grau e dos serventuários da Justiça no que toca às competências da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, seja na Lei Complementar estadual nº 59/2001 (Lei de Organização e Divisão Judiciárias), seja no Regimento Interno do TJ/MG. É conferir:
“Art. 23. A Corregedoria-Geral de Justiça tem funções administrativas, de orientação, de fiscalização e disciplinares, a serem exercidas em sua secretaria, nos órgãos de jurisdição de primeiro grau, nos órgãos auxiliares da Justiça de Primeira Instância e nos serviços notariais e de registro do Estado.”
“Art. 16. Compete ao Corregedor-Geral de Justiça:
(...)
XIV – orientar juízes de direito, servidores da Secretaria da Corregedoria-Geral de Justiça e da Justiça de Primeira Instância, notários e registradores para o fiel cumprimento dos deveres e das obrigações legais e regulamentadas, podendo editar atos administrativos de caráter normativo e cumprimento obrigatório para disciplinar matéria de sua competência e estabelecer diretrizes e ordens para a boa realização dos serviços e melhor execução das atividades;
(...)
XVII – fiscalizar a Secretaria da Corregedoria-Geral de Justiça, os órgãos de jurisdição de primeiro grau, os órgãos auxiliares da Justiça de Primeira Instância e os serviços notariais e de registro do Estado, para verificação da fiel execução de suas atividades e cumprimento dos deveres e das obrigações legais e regulamentadas;
XVIII – realizar correição extraordinária, de forma geral ou parcial, no âmbito dos serviços do foro judicial de Primeira Instância, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, dos serviços notariais e de registro, dos serviços de justiça de paz, da polícia judiciária e dos presídios do Estado, para verificar-lhes a regularidade e para conhecer de reclamação ou denúncia apresentada, podendo delegar a Juiz-Corregedor a sua realização;
(...)
XXII – exercer a função disciplinar na Secretaria da Corregedoria-Geral de Justiça, nos órgãos de jurisdição de primeiro grau, nos órgãos auxiliares da Justiça de Primeira Instância e nos serviços notariais e de registro do Estado, nas hipóteses de descumprimento dos deveres e das obrigações legais e regulamentares;
XXIII – instaurar sindicância ou processo administrativo disciplinar contra servidores da Secretaria da Corregedoria-Geral de Justiça, da Justiça de Primeira Instância, notários, registradores e prepostos não optantes e aplicar as penas correlatas, na forma da lei.”
A equiparação, vê-se, foi consagrada pelos Poderes Legislativo e Judiciário estaduais. Daí a pergunta: como cobrar-se taxa de fiscalização dos notários e registradores, se não se admitiria tal exigência contra os juízes e os serventuários da Justiça?
3. a sanção a ser aplicada pelo inadimplemento, em caso de validade da taxa de fiscalização judiciária. descabimento das chamadas sanções políticas.
Conforme já visto, tanto a Lei nº 13.438/99 (art. 3) quanto a Lei nº 15.424/2004 (art. 24) cominam multa de mora como a única penalidade para o inadimplemento da Taxa de Fiscalização Judiciária, Nenhuma outra pode, pois, ser aplicada a quem tenha deixado de recolhê-la sem descumprimento de qualquer obrigação acessória (i.e., sem fraude).
Dir-se-á que a suspensão por noventa dias, prorrogável uma vez, e mesmo a perda da delegação são sanções previstas na Lei nº 8.935/94 para infrações várias, dentre as quais a amplíssima “inobservância das prescrições legais ou normativas”.
Parece-nos, de saída, que a lei é inválida por ofensa ao princípio da tipicidade das normas sancionadoras, já que não há correspondência biunívoca entre conduta e sanção, ou sequer uma indicação segura dos critérios para a aplicação de cada castigo, que fica sujeita à opinião do julgador quanto à diferença entre expressões imprecisas como “falta leve, mais grave ou grave” e “reincidência ou reiteração”. A fluidez do texto legislativo fica evidenciada no caso da perda de delegação, que vem prevista de modo genérico e é mesmo condicionada a certas garantias processuais, mas não está ligada qualquer tipo de infração[11].
Entretanto, ainda que a lei estadual não limitasse à multa a sanção pelo atraso no pagamento da Taxa de Fiscalização Judiciária e que não fosse inválido o capítulo sancionador da Lei nº 8.935/94, o fato é que a mora debendi no Direito Tributário não pode ser apenada com interdição de exercício de atividade profissional (in casu, representada pela suspensão da delegação). Nesse sentido, a jurisprudência consolidada do STF:
“Súmula 70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.”
“Súmula 323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.”
“Súmula 547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”
Muito menos pode a inadimplência tributária ocasionar a perda de delegação da serventia, assim como não é causa de extinção da concessão de serviços públicos.
4. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO CRIME DE PECULATO.
Como já referido, as taxas são tributos que têm por fato gerador uma atuação do Poder Público diretamente referida ao obrigado: exercício do poder de polícia ou utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição (CF, art. 145, II).
As taxas de serviço revestem-se de natureza sinalagmática, que é obscurecida nas taxas de polícia. Fundam-se estas na circunstância de que a fiscalização impõe custos à pessoa política que a empreende. A remuneração de tais custos é imposta às pessoas que exercem as atividades fiscalizadas (i.e., que causam a despesa pública), não sendo justo ou razoável pensar-se na sua exigência contra terceiros, pelo menos na condição de contribuintes[12].
Esta a abalizada lição de GERALDO ATALIBA[13]:
“As taxas de polícia cabem para cobrir os custos administrativos com o exercício do poder de polícia diretamente referido a certas pessoas que o provocam, ou o exigem, em razão de sua atividade.”
No mesmo sentido vai LUCIANO AMARO[14]:
“Esses direitos (de construir, de portar arma, de viajar, etc.), porque podem afetar o interesse da coletividade, sofrem limites e restrições de ordem pública. A taxa de polícia é cobrada em razão da atividade do Estado, que verifica o cumprimento das exigências legais pertinentes e concede a licença, a autorização, o alvará, etc. Por isso, fala-se em taxas cobradas pela remoção de limites jurídicos ao exercício de direitos. A atuação fiscalizadora do Estado, em rigor, visa ao interesse da coletividade, e não ao do contribuinte da taxa, isoladamente. É este, porém, que provoca a atuação do Estado, sendo isso que justifica a imposição da taxa. Por essa razão – recorda Gilberto de Ulhôa Canto – foram criadas, a par das taxas pela prestação de serviços ao contribuinte, as taxas pelo exercício do pode de polícia, que, a exemplo daquelas, se referem a atos divisíveis do Estado, justificando-se, por isso, custeá-los também com receitas específicas, e não com impostos.”
Das formulações acima conclui-se, com ATALIBA[15], que o “sujeito passivo da taxa será pois, a pessoa (...) cuja atividade requer fiscalização e controle públicos (taxas ‘de polícia’).” Ou, ainda de forma mais direta, “é essencial à definição da taxa a referibilidade (direta) da atuação ao obrigado. Só quem utiliza o serviço (público, específico e divisível) ou recebe o ato ‘de polícia’ pode ser sujeito passivo de taxa”.
As citações poderiam multiplicar-se, mas os testemunhos bastam para demonstrar que o contribuinte da Taxa de Fiscalização Judiciária não pode ser outra pessoa senão o notário ou registrador, sendo inválidos, por ofensa ao art. 121, I e II, do CTN os arts. 3º e 4º da Lei nº 15.424/2004, que atribuem tal qualidade ao utente do serviço cartorário, deixando o tabelião na condição de mero responsável. Assim também era, com sobras de razão, ao tempo da Lei nº 13.438/98, visto que esta não incorria na impropriedade do diploma atual.
E isso sem embargo de o ônus econômico da taxa ser transferido para o utente dos serviços cartorários, quer se trate de translação meramente econômica (como nos parece ser o caso sob a égide da Lei nº 13.438/99) quer se trate de repasse juridicamente disciplinado (como se nos afigura sob a Lei nº 15.424/2004, que decompõe o valor dos emolumentos para cada ato cartorário em parcela a ser apropriada ao tabelião e Taxa de Fiscalização Judiciária).
Quanto à transação simplesmente econômica, a verdade é que se dá em toda e qualquer atividade, para todo e qualquer tributo. Com efeito, se um empresário tem por única atividade a produção de, v.g., sapatos, de onde – senão do preço de venda desses produtos – retirará recursos para pagar os seus fornecedores, o salário de seus empregados, as tarifas públicas (água, luz, gás, telefone) e também os tributos incidentes sobre o seu negócio (ICMS, PIS, COFINS, IRPJ, CSLL, IPTU do imóvel em que situada a fábrica, IPVA dos caminhões que fazem a distribuição, contribuição sobre a folha de salários, etc.)?
Como se disse, todo tributo – direto ou indireto – repercute no preço dos produtos vendidos ou dos serviços prestados pelo contribuinte, sem que por isso se possa dizer que tenha por verdadeiro contribuinte, do ponto de vista jurídico, o consumidor final.
É o que leciona TARCÍSIO NEVIANI[16]:
"Basta fazer um simples exercício microeconômico de formação de preços para chegar à convicção de que também os tributos ditos diretos (como o Imposto sobre a Renda, o Imposto Territorial ou Predial, o Imposto de Transmissão e Outros) podem ter o seu ônus inserido entre os custos de aquisição ou de produção do bem vendido ou do serviço prestado e, assim, terem os seus respectivos encargos financeiros transferidos a terceiros. Basta que uma atividade, em função da qual se paguem tributos, seja lucrativa, para se perceber que o lucro é o que sobra após o pagamento de todos os custos e encargos, inclusive os tributos de qualquer natureza.”
E é exatamente porque a referida taxa é imputável ao tabelião, e não ao usuário dos serviços, que os §§ 1º a 3º do art. 8º da Lei nº 12.727/97, acrescidos pela Lei nº 13.438/99, dispunham que o seu valor era de ser retirado dos emolumentos (não podendo ser acrescido a eles) e determinavam a divulgação aos usuários tão-somente destes últimos (previstos no Anexo I), e não daquela (quantificada no Anexo II).
Do contrário, ter-se-ia de admitir que a lei continha estranha regra, a proibir a informação do sujeito passivo (o usuário final, na errônea hipótese de ser entendido como tal) sobre o valor de taxa por ele devida.
Para MISABEL DERZI[17]:
"Inexistisse a transferência, logo o endividamento e a insolvência comprometeriam a saúde financeira de toda a atividade econômica. Mas essa afirmação, que é simplesmente econômica para a maior parte dos tributos que oneram a pessoa independentemente do resultado da atividade, no caso do ICMS e do IPI, ao contrário, encontra apoio jurídico da Constituição brasileira."
Como referido por MISABEL DERZI na parte final do trecho acima, casos há em que a legislação, mais do que tolerar o repasse econômico, disciplina-o de maneira expressa, prevendo a forma e o valor a serem repassados ao adquirente em cada caso. É o que se dá, por exemplo, no ICMS. Deveras, só assim se compreende que a Constituição e a legislação tributária autorizem que um contribuinte compense, contra o próprio imposto, valores pagos pelos seus antecessores na cadeia de circulação da mercadoria ou do serviço.
Pois bem, mesmo nesses casos são firmes a doutrina e a jurisprudência em atestar que o contribuinte de direito é o alienante de mercadoria ou o prestador do serviço, e não a pessoa que, adquirindo-os, acaba por suportar o respectivos ônus financeiro (o chamado contribuinte de facto). Vale dizer, que o fato de o ônus do tributo estar discriminadamente embutido no preço não basta para caracterizar uma relação de depósito e, pois, a possibilidade jurídica dos crimes apropriação indébita ou peculato (que nada mais é do que aquela, subjetivamente qualificada pela figura do funcionário público). É o que ensina com toda a propriedade GERD WILLI ROTHMAN[18]:
"Como é sabido, tanto no IPI como no ICMS, o que o contribuinte é obrigado a recolher não é o valor que tenha cobrado de terceiro, na qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária. Ambos são impostos plurifásicos, não-cumulativos, em que o imposto a ser pago pelo contribuinte corresponde à diferença a maior entre o imposto pago na entrada e o devido na saída dos produtos, mercadorias ou serviços, em determinados períodos."
Isso também o que deixou claro o eminente Min. ILMAR GALVÃO no voto proferido na ADI-MC nº 1.055/DF, verbis:
“Não tenho dúvida em reconhecer a constitucionalidade da lei, no ponto em que atribui o efeito de depósito necessário à posse, em mãos do contribuinte de direito, dos valores percebidos por este, a título de tributo, do contribuinte de fato, tal como ocorre na hipótese do IPI, em que o consumidor, no momento em que paga a mercadoria adquirida, paga, por igual, e separadamente, o valor alusivo ao tributo.
Hipótese diversa é a que ocorre com o ICMS, em que se presume embutido o tributo no preço pago, cumprindo ao contribuinte de direito debitar-se pelo respectivo valor, ou como o IR recolhido na fonte e com as contribuições devidas à Previdência, em que a folha de empregados é paga pelo valor líquido, isto é, descontada do quantum devido pelos mencionados tributos.
No primeiro caso, a presunção pode estar afastada se, v.g., a mercadoria foi vendida pelo preço de custo ou abaixo dele, como não raro ocorre, não havendo que se falar em depósito do tributo e, conseqüentemente, em apropriação indébita. Nos demais, ainda mais nítida se manifesta a ausência de depósito, já que nada se recebeu do contribuinte de fato, havendo tão-somente falta de pagamento do tributo por parte de contribuinte de direito, não raro premido por falta de disponibilidade de caixa e levado a optar, entre duas obrigações igualmente imperiosas, por aquela cujo desatendimento poderá levá-lo a fechar as portas, como é a folha de empregados.” (Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ 13.06.97, p. 26.689)
Discordamos do eminente Ministro somente quando admite haver depósito em tema de IPI[19]. Tanto quanto no ICMS, o contribuinte de direito aqui é o vendedor da mercadoria, sendo irrelevante, por constituir mera técnica de quantificação do tributo, a circunstância de este imposto ser calculado por fora, e não por dentro, como é o ICMS. Lá como cá, tudo o que o adquirente paga é preço, e não tributo, ainda que para a fixação daquele este último seja, como não poderia mesmo deixar de ser, levado em conta.
5. conclusões.
Face a todo o exposto, pode-se concluir que:
- o gravame em discussão é inconstitucional, por não se cogitar de taxa de polícia exigível de agentes públicos, categoria a que os tabeliães indiscutivelmente pertencem (mesmo que não sejam considerados servidores, como os qualifica o STF até os dias correntes);
- caso a taxa seja considerada devida, a pena pelo seu inadimplemento sem fraude não pode ir além da imposição de multa, nos termos das Leis nº 13.438/99 e 15.424/2004. Em qualquer hipótese, não pode chegar à vedação ao exercício de atividade profissional, ex vi das Súmulas nº 70,
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