Alienação de imóvel por cônjuge casado pela separação de bens
Gilceu Antonio Vivan
Pode a pessoa casada pelo regime da Separação de Bens, livremente alienar ou onerar bens imóveis, sem a autorização do cônjuge ?
Primeiramente há que se especificar de qual separação de bens falamos, vez que o Código Civil, trata deste regime sob três denominações:
1) Separação de Bens (Art° 1.641, caput, e 1687);
2) Separação Absoluta (Art° 1647, caput);
3) Separação Obrigatória (Art° 496, § único, Art° 977 e Art° 1.829,inciso I)
Num esforço exegético, superando a falta de precisão do legislador, podemos tentar entender Separação de Bens como Gênero, e Separação Absoluta e Separação Obrigatória como espécies.
Sim, falta de precisão, pois há no ordenamento jurídico pátrio, uma lei disciplinando como se fazem outras leis; é a Lei complementar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998, que no seu artigo 11 trata da precisão:
“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
I - para a obtenção de clareza:
a) ...
II - para a obtenção de precisão:
a) ...
b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico;
c) ...
A meu juízo, há uma única Separação de Bens, que não se pode dizer nem separação absoluta, nem separação total, mas simplesmente separação de bens.
Admitir uma separação absoluta é também admitir implicitamente uma separação não absoluta, ou uma separação parcial, que é um regime de bens inexistente no direito brasileiro.
Uma separação não absoluta ou parcial é um regime em que nem todos os bens do patrimônio são de propriedade individual e administrados em separado, vale dizer que alguns bens são de propriedade ‘em comum’ e administrados ‘em comum’.
Assim, se admitirmos a existência de uma ‘separação absoluta’, é forçoso admitir que a ‘separação de bens’, simplesmente, sem nenhum qualificativo (absoluta ou total), assemelha-se à ‘Comunhão Parcial de Bens’, na qual alguns bens são de propriedade e administrados pelo casal, e outros o são individualmente.
Já em se tratando da ‘Separação Obrigatória’, a obrigatoriedade da separação de bens é uma providência de cautela do legislador, que a impôs no artigo 1641 do NCC, como forma de garantir direitos patrimoniais para os próprios cônjuges e para terceiros, nas hipóteses de nubentes que se casem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento (Art° 1523 do NCC), ou que tenham mais de 60 anos, ou ainda dos que dependam, para casar, de autorização judicial.
Como regra, os efeitos patrimoniais da ‘Separação Obrigatória’ de bens, são exatamente os mesmos da ‘Separação de Bens’.
As exceções são somente três:
A primeira, no mesmo sentido de cautela expressa no artigo 1.641, é a do artigo 1.829, inciso I, ambos no NCC, que exclui da vocação hereditária o cônjuge casado com o falecido pelo regime da separação obrigatória.
Se a intenção do legislador é a de proteger direitos patrimoniais do próprio cônjuge e de terceiros, nada mais coerente do que excluir um cônjuge da vocação hereditária do outro.
A Segunda, também no mesmo sentido, é a do artigo 977 do NCC, que proíbe os cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de contraírem sociedade entre si.
A terceira é a do artigo 496, § único do NCC, que na venda de ascendente para descendente, dispensa o consentimento do cônjuge casado pela separação obrigatória.
A excepcionalidade da dispensa do consentimento somente para os casados no regime da separação obrigatória, não se harmoniza com o artigo 1.647, inciso I do NCC, que dispensa a autorização do cônjuge para os atos de alienar e/ou onerar bens imóveis; tampouco se harmoniza com artigo 1.687 do NCC, o qual é na realidade a essência do regime da separação de bens.
Seria mais razoável se todos os casados pelo regime da separação de bens, fosse ela obrigatória ou não, pudessem alienar bens a seus descendentes sem o consentimento do cônjuge.
Observe-se que o legislador usa ‘consentimento’, ‘autorização’ e ‘outorga’, (Artigos 220, 496, 533, 978, 1.647, 1.648 e 1.650 do NCC), como se tivessem exatamente o mesmo significado. É o mesmo pecado da falta de precisão enfocado anteriormente.
Em algumas situações o ato é de mero assentimento, em outras o agente efetivamente transmite a propriedade, e não simplesmente concorda com que ela seja transmitida.
Se casados pelo regime da comunhão parcial de bens, é perfeitamente adequado que o cônjuge dê somente o seu ‘consentimento’ para alienação de imóvel não integrante da comunhão; entretanto, em se tratando de regime da comunhão universal de bens, ou da comunhão parcial de bens e de alienação de bem integrante do patrimônio comum, os dois cônjuges devem efetivamente participar do ato na condição de alienantes, proprietários que são, e não um na condição de alienante e outro de anuente, sob pena de realizarem por via indireta, uma extinção parcial da comunhão patrimonial.
Feitas estas considerações, é hora de voltarmos à pergunta formulada no primeiro parágrafo do texto: pode a pessoa casada pelo regime da Separação de Bens, livremente alienar ou onerar bens imóveis, sem a autorização do cônjuge?
A esta altura já podemos dizer que o regime de que falamos é o da separação de bens, seja ela obrigatória ou não, e que a ‘autorização’ do cônjuge é aquela com o sentido amplo de assentimento, utilizada pelo legislador.
A leitura dos dispositivos legais até aqui arrolados, especialmente o artigo 1.647, inciso I do NCC, induz a concluir que realmente não é necessária a autorização do cônjuge casado pelo regime da separação de bens para alienação ou oneração de imóveis.
Há, entretanto, que se trazer à colação o artigo 2.039 do NCC, do teor seguinte:
“Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1° de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido. “
Ora, o código civil anterior (lei 3.071), disciplinava que nem o marido nem a mulher poderiam, sem a autorização do outro, alienar ou onerar bens imóveis, qualquer que fosse o regime de casamento:
“Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens:
I – alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, ou direitos reais sobre imóveis alheios (art° 178, § 9°, I, a, 237, 276 e 293).
II - ...
“Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
I – praticar os atos que este não poderia sem consentimento da mulher.
II - ...
O artigo 2.039 do NCC presta evidente homenagem ao ato jurídico perfeito de que trata o artigo 6° da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n° 4.657, de 04 de Setembro de 1942):
“Art. 6°. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1° - reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2° - ...
Há de considerar que o cônjuge casado pelo regime da separação de bens, na vigência do código civil anterior, formalizou um contrato (pacto antenupcial), que pelas regras legais então vigentes, lhe dava a possibilidade de ao menos tomar conhecimento formal da alienação, que reclamava a sua autorização, embora não pudesse negá-la sem justo motivo.
Já os casados pelo regime da separação de bens na vigência do NCC, contratam por uma regra que não lhes dá o direito de serem consultados e nem prescinde de sua autorização para alienação ou oneração de imóveis.
Concluindo, é indispensável que seja observada a data do casamento, pelo regime da separação de bens, para definir a necessidade ou não da autorização. As pessoas casadas até 9 de janeiro de 2003, necessitam da autorização do cônjuge para alienação ou oneração de imóveis; as casadas após esta data, podem livremente alienar ou onerar imóveis.
* Gilceu Antonio Vivan é Tabelião e Registrador Substituto - E-mail: [email protected]
Não deixe de consultar também:
A outorga conjugal nos atos de alienação ou oneração de bens imóveis - Ricardo G. Kollet
Coluna IRIB no Diário de São Paulo responde sobre exigência ou dispensa de autorização do cônjuge na alienação de imóveis. Resposta de George Takeda, registrador de SP.
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