Aposentadoria Compulsória - Mandado de Segurança Preventivo
Arnaldo Malheiros
Conforme prometido na edição 137, publicamos aqui a íntegra do mandado de segurança preventivo com pedido de liminar impetrado pela registradora paulistana Maria Helena Leonel Gandolfo.
A liminar foi concedida em 14/10 passado, com concisa e precisa decisão do magistrado Fernão Borba Franco, da Quarta Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo.
A peça subscrita pelos renomados advogados paulistas Arnaldo Malheiros e Ricardo Penteado abordou e enfatizou a mudança consubstanciada pela Emenda Constitucional n. 20, que teve o condão de superar a jurisprudência que se tornou dominante a respeito da aposentadoria compulsória dos notários e registradores. O eixo fundamental da argumentação baseou-se na atual redação do artigo 40 da CF/88, que nitidamente circunscreveu o âmbito de sua incidência aos servidores titulares de cargos efetivos, afastando o enquadramento genérico do notário e registrador no amplo conceito de servidor público.
Atendendo, pois, a inúmeros pedidos dos nossos assinantes, publicamos a íntegra do mandado de segurança e de sua importante decisão.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA.
MANDADO DE SEGURANÇA
COM PEDIDO DE LIMINAR
MARIA HELENA LEONEL GANDOLFO, brasileira, viúva, 10ª Oficial de Registro de Imóveis da Capital, portadora da identidade RG 1.206.697 e do CIC 000.092.458-04, residente e domiciliada na Rua Santa Cristina nº 305, por seus advogados (instrumento de mandato anexo), vem à presença de V. Exa. para impetrar mandado de segurança preventivo com pedido de liminar contra ato do Exmo. SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUSTIÇA E DEFESA DA CIDADANIA DE SÃO PAULO E DO ILMO. SR. CHEFE DE GABINETE DO SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUSTIÇA E DEFESA DA CIDADANIA DE SÃO PAULO, ilegal e lesivo a direito seu líquido e certo, com fundamento no inciso LXIX do art. 5º da Constituição da República, art. 1º da Lei 1.533/51 e demais legislação pertinente, para o quê expõe e requerer a V. Exa. o seguinte:
I – OBJETO DA IMPETRAÇÃO
1.1. Conforme comprova a inclusa certidão de nascimento (doc. 1), a impetrante completará 70 anos no dia 25 de outubro corrente e, por conta disto, conforme vem sendo equivocadamente praticado pela segunda autoridade apontada como coatora, por delegação de poderes outorgada pela primeira, será aposentada compulsoriamente a partir daquela data, nos termos do inciso II do art. 40 da Constituição.
1.2. Ocorre, entretanto, que a recente alteração do art. 40 da mesma Constituição, resultante da Emenda Constitucional nº 20, excluiu da sua incidência os registradores e notários delegados do Poder Público (art. 236 da CF), uma vez que passou a subordinar ao seu comando o servidor que ocupe "cargo efetivo" e esteja submetido ao regime de remuneração previsto no seu art. 39, condições estas nas quais, conforme será demonstrado,
não incide a impetrante.
1.3. Destarte, por não mais caber a aplicação da aposentadoria compulsória aos registradores, dado que o art. 40 da Constituição não os incluiu na sua casuística, pretende a impetrante, através deste mandado de segurança preventivo, que seja obstada a prática do ato de sua aposentação compulsória por parte das digníssimas autoridades coatoras que, a despeito da referida alteração constitucional, persistem na aplicação da norma derrogada, conforme retratam as portarias publicadas no Diário Oficial de 29.9.99 (doc. 2), pelas quais foram aposentados compulsoriamente o tabelião José Bolognani Junior e o registrador José Simão, 3º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.
1.4. Identificado o objeto do presente mandado de segurança, passa a impetrante a demonstrar os fundamentos de sua pretensão e a liquidez e certeza do seu direito de não ser aposentada compulsoriamente, por falta de previsão legal. Cabe, porém, antes de mais nada, identificar as autoridades impetradas, como segue.
II – AS AUTORIDADES IMPETRADAS
2.1. Como se trata de mandado de segurança preventivo, é indispensável a identificação da autoridade coatora, pela indicação de sua competência legal, já que ainda não existe materialmente o ato pelo qual se possa conhecer sua fonte.
2.2. Diversamente do que ocorre em outros Estados, jamais coube ao Poder Judiciário de São Paulo a competência para os atos de provimento e vacância das serventias extrajudiciais. Como é notório, tais atos sempre couberam ao Poder Executivo e, desde o Decreto-lei. Estadual 159/69, o provimento passou a competir ao Governador e a vacância ao Secretário da Justiça (cf. art. 3º e seu § 1º). Por delegação do Secretário da Justiça, os atos declaratórios de vacância são objeto de portarias do respectivo Chefe de Gabinete, conforme comprovam as publicações do Diário Oficial que constituem os docs. 3 e 4 anexos.
2.3. Assim sendo, autoridades ora apontadas como coatoras são o Exmo. Sr. Secretário de Estado dos Negócios da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, na qualidade de delegante, e o Ilmo. Sr. Chefe de Gabinete da mesma Pasta, na condição de executante do ato.
III – A ORDEM CONSTITUCIONAL ANTERIOR À EC 20/98
3.1. Antes da abordagem da nova ordem constitucional, com suas repercussões quanto ao caso da impetrante, cabe breve análise da sistemática anterior à EC 20/98, mormente para que se situe a discussão acerca do tema em novo contexto, que tornou superada jurisprudência agora inaplicável diante da referida mudança.
3.2. Nesta esteira, é importante a análise do contexto constitucional em que questões semelhantes à da presente impetração eram discutidas anteriormente à citada emenda.
3.3. É longeva a polêmica acerca da natureza da relação jurídica dos registradores com a Administração Pública. Sustenta, esmagadora maioria dos doutrinadores, que os registradores e notários ao deixarem a antiga condição de "auxiliares da justiça"(CF 1967 com a EC 1/69) passaram a ostentar um status privado após o advento da Constituição de 1988 que assim dispôs:
"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público.
"§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
"§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
"§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses."
3.4. No mesmo sentido e sem enquadrar o notário e o registrador na categoria de servidores públicos, mas sim de entes privados titulares de delegação, a Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, que atendeu à regulamentação reclamada pelo art. 236 da Constituição, assim dispôs em seu art. 3º:
"Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro" (g.n.).
3.5. Afirma, assim, a doutrina predominante que o art. 236 da Constituição estabeleceu a natureza privada da atividade delegada e, na sua esteira, o art. 3º da Lei 8.935/94 excluiu de vez a subsunção do registrador no conceito de "servidor público" e bem assim afastou a incidência da aposentadoria compulsória prevista na redação anterior à EC 20/98:
"Art. 40 O servidor será aposentado:
"I - ...
"II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;
"III – (...)".
3.6. Também fundamentou esta posição doutrinária o texto do art. 39 da mencionada Lei 8.935/94, que não incluiu nas hipóteses de extinção da delegação notarial e registrária a aposentadoria compulsória. É muito claro esse dispositivo:
"Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:
"I – morte;
"II – aposentadoria facultativa;
"III – invalidez
"IV – renúncia;
"V – perda nos termos do art. 35" (g.n.).
3.7. É importante realçar que a lei transcrita não incluiu a aposentadoria compulsória entre as formas de extinção da delegação dos notários e registradores, cabendo, dessa manifesta intenção de excluir tal modalidade de aposentadoria, deduzir que não mais existe esta forma de extinção da delegação.
3.8. Interpretando os dispositivos citados, doutrinadores e juristas de escol manifestaram entendimento no sentido de que não se pode enquadrar o registrador e o notário no conceito de "servidor público" o art. 40 da Carta de 1988. Destaca-se, nesta linha, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que, em parecer específico acerca da aposentação compulsória desta categoria de delegados de serviço público, emprestou tom eloqüente às suas palavras quando escreveu:
"Deveras, o art. 40, II da Constituição refere-se a "servidores públicos". Ocorre que não há a mais remota possibilidade de se confundir titutar de Serventia de Notas não oficializadas com servidor público e muito menos com o que a Constituição brasileira designou como "servidor público civil", que é a espécie tipológica à qual se aplicam as regras do art. 40, como logo se dirá.
"......
"Os notários exercem funções públicas, mas fazem-no por delegação, tal como os concessionários de serviços ou obras públicas e bem assim os permissionários de serviços públicos, os quais nelas são investidos por concessão ou permissão. O estado lhes comete atribuições próprias, irrogando seu desempenho a quem não integra o ser estatal; não se aloja nem em suas entranhas nem nas de suas criaturas.
"......
"Ora, a ninguém acudiria supor que os titulares de cartórios de notas fossem servidores de autarquia, sociedade de economia mista, empresa pública, fundação governamental ou ainda que fossem servidores integrados na intimidade da Administração direta do Estado, seja porque:
"(a) não são remuneradas pelos cofres públicos ou de entidade governamental, o que bem demonstra que não se hospedam na intimidade da pessoa jurídica do Estado; seja porque – e este é favor definitivo para exibir o aclaramento que o direito constitucional positivo deu à questão – (b) nos termos do art. 236 da Lei Maior: Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público".
"É evidente que, ao contrário deles, os servidores públicos não atuam em caráter privado, nem agem por delegação.
"Assim, é óbvio que os titulares de Cartórios de Notas não são servidores públicos. Porém, mais do que isto, ainda que o fossem – se, por absurdo, se admitisse a hipótese – nem por isto estariam necessariamente colhidos pelo art. 40 da Constituição (e, pois, seu inciso II), porquanto o citado artigo se reporta somente a uma espécie de servidores públicos civis sujeitos ao regime jurídico único previsto no art. 39" (doc. 5 anexo).
3.9. Malgrado os sólidos argumentos da doutrina, consolidou-se o entendimento pretoriano que, conquanto por maioria de votos, acabou por incluir o notário e o registrador no conceito genérico de "servidor público", previsto no art. 40 da Constituição para efeitos da aposentadoria (cf. RTJ, págs. 772 a 795; 714/246, entre outras).
3.10. Entende a impetrante, com o devido acatamento, que este posicionamento, sufragado pela maioria do Supremo Tribunal Federal, já era incorreto à luz da ordem constitucional anterior à EC 20/98, convencendo melhor as razões constantes dos votos divergentes dos eminentes Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE e MARCO AURÉLIO, segundo os quais não se poderia confundir uma função pública (registro) com a qualificação do agente (particular delegado).
3.11. A exigência de concurso público para os registradores e notários, por exemplo, não impressionou o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, pois que a exploração econômica de delegação – tal como na concessão de serviço público – deveria mesmo ser licitada e o concurso não passa de modalidade de licitação quando se trata de seleção de pessoas físicas. Demais, bem anotou o Ministro MARCO AURÉLIO:
"Os notários enquadrados no art. 236, em virtude de atuarem em caráter privado, não integram sequer a estrutura do Estado. Atuam em recinto particular, contando com os serviços de pessoas que também não têm a qualidade de servidor e que auferem salário em face da relação jurídica que os aproximam, regida não pela lei disciplinadora do Regime Jurídico único, mas pela Consolidação das Leis do Trabalho. Sim, os empregados do Cartório, do notário dele titular, tais como este, nada recebem dos cofres públicos, não passando pela cabeça de ninguém enquadrá-los, mesmo assim, como servidores e atribuir-lhes os direitos inerentes a esse status. Contratantes e contratados, consideradas as normas da Consolidação das Leis do Trabalho, são empregador e empregados. Como, então, sem desapego ao sistema decorrente da Carta Política da República, assentar, em detrimento da previsão do exercício da atividade em caráter privado, que os notários são servidores públicos e, por isso, somente por isso, estão enquadrados na previsão do inciso II do art. 40 nela contido, estando assim sujeitos a aposentadoria compulsória? E os proventos, como serão calculados?" (doc. 6 anexo).
3.12. Secundando esse entendimento e a ele acrescentando novos e irresistíveis fundamentos, manifestou-se o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE nos seguintes termos:
"Não tenho dúvida de que se trata de serviço público, e aí me dispenso de outras considerações, tanto que se "sangrou na veia da saúde" para mostrar o que me parece patente.
"Cuida-se sim de um serviço público, o que, porém, não resolve, por si só, o status do seu agente; nem todo serviço público é executado por servidor público, e o exemplo típico é o do serviço público prestado por delegação do Estado, como está no art. 236 da Constituição. Não se pode conceber que o Estado delegue a prestação de serviço público a quem é servidor público. O delegado, é elementar, exerce a delegação em nome próprio; o servidor o faz em nome do Estado, "presenta o Estado", para fazer honrosa à linguagem do saudoso Pontes de Miranda" (RE 178.236-6-RJ – ementa no DJ 11.4.97, pág. 1.610).
3.13. Este voto repete com precisão o ensinamento do não menos saudoso e acatado HELY LOPES MEIRELLES, segundo o qual:
"Agentes delegados: são particulares que recebem a incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo"(Direito Administrativo Brasileiro – 24ª ed., Malheiros, 1999, pág. 75 – g.n.).
IV - A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL
4.1. É de suma importância anotar que a presente impetração não pretende arrostar o posicionamento da maioria do STF segundo a qual a ordem constitucional anterior à alteração pela EC 20/98 enquadrava os notários e registradores no conceito genérico de "servidor público". O que busca a impetrante, com o presente mandado de segurança, é a abordagem da mesma hipótese antes analisada, mas agora tendo em vista a nova redação do art. 40 da Constituição, dada pela EC 20/98.
4.2. Desta forma o presente writ não postula o reexame da questão à luz dos mesmos argumentos já analisados, mas a estes acrescenta fundamentos inéditos, arrimados nesta ordem constitucional recentemente alterada, e que ainda não foram objeto de apreciação pela Justiça de São Paulo. São argumentos segundo os quais a aposentadoria compulsória só se aplica aos servidores: 1) ocupantes de cargo efetivo, 2) que sejam remunerados pelo Estado, e que, 3) quando aposentados, venham a receber proventos que terão como base de cálculo a remuneração percebida no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria (cf. atual redação do art. 40 e seus parágrafos).
4.3. conforme será demonstrado adiante, o registrador não se enquadra nestas características, visto que: 1) não ocupa cargo efetivo, 2) não recebe o Estado e, 3) quando aposentado, não perceberá proventos com base em remuneração que jamais recebeu, submetendo-se ao regime geral da previdência social (INSS).
V – A ORDEM CONSTITUCIONAL POSTERIOR À EC 20/98
5.1. Pretextando reformar o sistema previdenciário dos servidores públicos, o Governo Federal submeteu ao Congresso proposta de emenda constitucional através da qual buscava reduzir o gasto orçamentário com proventos de aposentadorias. Uma das propostas seria a de excluir da base de cálculo dos proventos as verbas auferidas pelo servidor ativo que não fossem devidas em razão do cargo efetivo que ocupava (p. ex. cargo em comissão, função gratificada, etc.).
5.2. A intenção governamental foi acolhida na EC 20, de 15 de dezembro de 1998, sendo certo que os proventos da aposentadoria dos servidores passou a ser calculado segundo o § 3º do art. 40, assim redigido:
"§ 3º Os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração" (g.n.).
5.3. Mas a alteração constitucional que se afigura como fundamental para a presente impetração ocorreu no caput do referido art. 40, que antes dizia: "O servidor será aposentado" e passou a dispor:
"Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
"§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados seus proventos na forma do § 3º:
"I - ......
"II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;
"III - ...".
5.4. Está claro, pois, que o art. 40 da Constituição passou a circunscrever sua incidência aos "servidores titulares de cargos efetivos", não mais permitindo que a ele se subalternem aqueles que, por analogia ou outro processo hermenêutico, vinham sendo enquadrados na genérica designação de "servidor público". Com efeito, a qualificação "titulares de cargos efetivos" passou a constituir clara delimitação de incidência da regra constitucional dirigida aos servidores por ela compreendidos.
5.5. Assim, a aposentadoria compulsória, nos termos do inciso II do § 1º do art. 40, passou a ser imposta apenas e exclusivamente aos "servidores titulares de cargos efetivos" sujeitos ao regime especial de previdência social e não mais àqueles que, por seu status estão submetidos ao regime geral de previdência social e que não são subordinados ao regime de remuneração instituído pelo art. 39 da Constituição (com a redação que lhe deu a EC 19/98).
5.6. Demais disso, só estão sujeitos à aposentadoria compulsória, por força do § 1º do citado dispositivo, aqueles servidores remunerados pelo Estado, ou seja, servidores que, a partir da inatividade, terão seus proventos pagos pelo próprio Estado no regime especial de previdência.
5.7. Ora, os notários e registradores não são titulares de cargos efetivos no âmbito estadual, não auferem rendimentos diretamente do Estado e, tampouco, perceberão proventos diretamente do Estado, de acordo com o valor da remuneração que deste, aliás, jamais perceberam.
5.8. Com efeito, os notários e registradores são particulares, delegados de serviço público em razão de cujo desempenho auferem emolumentos advindos do usuário dos serviços que prestam e que, ao se aposentarem, estarão incluídos no regime geral da previdência e não no regime especial, reservado ao funcionário público em sentido estrito.
5.9. Supondo, por absurdo, que se aplicasse a aposentadoria compulsória, nos termos do inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, como faria o Estado para calcular e pagar os proventos respectivos na forma do § 3º do mesmo dispositivo? Se, por força do § 1º os proventos de aposentadoria (incluindo os da compulsória) terão sua base de cálculo fixada de acordo com o § 3º (que remete à remuneração do servidor), como poderia o Estado – que nunca remunerou o registrador – pagar-lhe a aposentadoria?
5.10. Mas nem é preciso socorrer-se do absurdo para demonstrar-se que a aposentadoria compulsória e o regime geral de previdência social (art. 201 da CF) são institutos absolutamente incompatíveis entre si. Aquela é aplicável apenas ao regime especial de previdência não ocorrendo ser aplicada a quem está submetido ao regime geral da previdência social, nem mesmo aos servidores "celetistas" do Estado.
5.11. todavia, a jubilação compulsória dos registradores – que são contribuintes do regime geral da previdência social, consoante o art. 40 da Lei 8.935/94 – acarretaria uma convivência esquizofrênica destes dois institutos. Deveras, por um lado, e para efeito de afastamento compulsório, seriam considerados servidores públicos, mas por outro, e para efeito de pagamento dos seus proventos, seriam considerados contribuintes do regime geral da previdência, sem as garantias do regime especial que atende aos servidores públicos. Com o devido acatamento, trata-se de uma iniqüidade inaceitável na atual ordem constitucional.
5.12. É evidente que a nova redação do art. 40 da Constituição não mais permite interpretação dilatada e abrangente da expressão "servidor público", estando sua incidência reservada – com exclusividade – ao servidor que, em sentido estrito, mantém vínculo direto com o Estado, dele fazendo parte na ocupação de um cargo efetivo diretamente remunerado.
5.13. O registro público não é cargo – é função delegada ao particular. Calha, aliás, a leitura de excelente artigo de Desembargador DÉCIO ANTÔNIO ERPEN, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que se ressalta:
"Não se diga que Notários ou Registradores sejam servidores, nem efetivos. Não há mais cargo de Notário e Registrador. O ingresso é na atividade, e não no cargo público, porque este pressupõe criação específica e remuneração pelos cofres públicos" (in Boletim do IRIB nº 266 – julho de 1999 – doc. 7 anexo).
5.14. No mesmo sentido manifestou-se a Comissão de Concurso de Provas e Títulos para a Outorga da Delegações de Notas e Registros da Capital, integrada por eminentes e reconhecidos conhecedores do Direito, nomeados por seu notório saber e ilibada reputação pelas Egrégias Presidência do Tribunal de Justiça e Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Em decisão publicada no DJ de 1.10.99, parte I, pág. 1, proclamou essa douta Comissão
"É sempre bom lembrar, e nunca é demais enfatizar, com apoio na melhor doutrina, que os titulares de serviços notariais ou de registro, embora compreendidos no gênero agentes público por exercerem função pública ou serviço público delegado, são particulares, alheios, pois ao conceito de funcionários ou servidores públicos (art. 236, CF) (g.n. – doc. 8 anexo).
5.15. Vale arrematar o presente capítulo, com judiciosa manifestação da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, em parecer do JUIZ MARCELO MARTINS BERTHE, aprovado pelo eminente Desembargador SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, de acordo com o qual:
"Notários e registradores, portanto, atualmente não são mais providos naqueles cartórios que antes detinham a competência para prestar os serviços extrajudiciais de notas ou de registro. Não são mais os tabeliães e registradores empossados como serventuários em cargos públicos naqueles referidos cartórios como antes acontecia.
"A delegação dos serviços de notas e de registro agora é dada aos Tabeliães ou aos Oficiais de Registro, que são definidos na lei como sendo "profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial ou de registro". Esta é a diferença fundamental (art. 3º da Lei Federal 8.935/94)" (proc. CGJ 278/98 – DJ 30.1.98 – doc.9 anexo – g.n.).
VI – PRECEDENTES JUDICIAIS
6.1. É muito recente a alteração do art. 40 da Lei Maior, resultante da EC 20, que data de 15 de dezembro de 1998. Por conta disto, a casuística jurisprudencial sobre o tema é ainda escassa. Ressalvam-se, contudo, pronunciamentos jurisdicionais acerca de pedidos de liminar e de antecipação de tutela requeridos por notários e registradores que completaram ou estão em vias de completar 70 anos de idade. Neste tocante, não é pouca, aliás, a quantidade de decisões proferidas no sentido de reconhecer não só o fumus boni juris da tese defendida na presente impetração como o periculum in mora de eventual retardamento da decisão final. Nesta esteira a suspensão ou proibição de atos de afastamento compulsório dos registradores tem sido recorrente em diversos Estados, onde os interessados se socorreram do Poder Judiciário. Dentre estas decisões, é útil destacar:
"(...) De outro lado, é de observar-se que a plausibilidade do direito se evidencia pela redação que a emenda constitucional 20/98 deu ao art. 40 e parágrafos da Carta Magna onde restou evidenciado que os notários e registradores não se submetem ao regime do funcionário público que ocupa cargo efetivo, ficando pois ao abrigo do jubilamento compulsório. (...)
"Isto posto, face à plausibilidade dos fatos apontados e à irreparabilidade do prejuízo que sofrerá a parte, defiro a antecipação de tutela a fim de que Francisco de Assis Marques não seja aposentado compulsoriamente por implemento de idade, pelas breves razões acima expendidas" (Decisão do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, Dr. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS – doc. 10).
***
"Com a superveniência da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, a norma restritiva de direito teve o seu reduto diminuído, com destinação aos servidores, stricto sensu, titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Tal superveniência constitucional consolidou o art. 39 da Lei 8.935/94 que, ao tratar da extinção da delegação e, particularmente, da aposentadoria do notário e do registrador, contemplou a aposentadoria facultativa e excluiu a aposentadoria compulsória"(Decisão do Desembargador ALMEIDA MELO, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no mandado de segurança 152.275-4.00 – doc. 11 anexo).
***
"Quanto ao tema discutido no agravo, entendo presentes os requisitos na verossimilhança do direito e do perigo da demora, fundamentalmente depois da modificação introduzida no art. 40, caput, da CF - 88, pela EC nº 20/98. (...) Contudo, depois da promulgação da emenda da Reforma da Previdência, a aposentadoria compulsória ficou reservada aos titulares de cargo efetivo, não alcançando mais os notários e os registradores, pelo menos, repito, neste primeiro exame realizado. (...) Entretanto, a redação tal como ficou a partir de 15 DEZ 98 tornou difícil manter laboriosa construção que enquadrava notários e registradores como servidores públicos lato sensu e a eles estendia a hipótese da aposentadoria compulsória, melhor exame sobre o tema que a Câmara terá ocasião de fazer quando do julgamento do recurso" (g.n. – decisão do Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO, do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – doc. 12).
***
"Ao depois da promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, que expressamente tratou da aposentadoria compulsória dos titulares de cargo em provimento efetivo, não vislumbro possam os tabeliães e notários ser alçados por tal norma ou incluídos como servidores públicos lato sensu" (g.n. – decisão do Desembargador AUGUSTO OTÁVIO STERN, do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – doc. 13 anexo).
6.2. Todas as decisões judiciais acima referidas são particularmente enfáticas no destaque dado à EC 20/98, uma vez que é nesta inovação da Lei Maior que se inspira tese que há muito era sustentada por abalizada doutrina. Na identificação do universo reduzido de incidência do art. 40 da Constituição é que se identifica o direito líquido e certo de impetrante, conforme será demonstrado.
VII – DIREITO LÍQUIDO E CERTO
7.1. Não se sujeitando a impetrante ao art. 40 da Constituição, tem ela direito líquido e certo de manter a delegação que lhe foi outorgada pelo Poder Público até a ocorrência de uma das formas de extinção previstas no art. 39 da Lei 8.935/94.
7.2. Diante disto, carece de fundamento legal a aposentação compulsória que vem sendo declarada pelas autoridades impetradas, revelada em recente portaria relativa ao 3º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (cf. doc. 2).
7.3. A impetrante tem, pois, o direito líquido e certo de manter a delegação na qual foi investida até o implemento de uma das causas previstas no art. 39 da Lei 8.935/94, que não inclui a aposentadoria compulsória de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição na sua atual redação, aplicável exclusivamente aos servidores públicos srticto sensu, sujeitos ao regime especial de previdência social (§ 3º do art. 40 c/c art. 39 da Constituição).
VIII – O PEDIDO
8.1. Requer a impetrante, diante de todo o exposto, que a segurança seja concedida para efeito de mantê-la na delegação do 10º Registro de Imóveis da Capital, reconhecendo-se que não se lhe aplica a aposentadoria compulsória por implemento de idade de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição.
8.2. Requer, para tanto, a notificação das autoridades coatoras, o EXMO. SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA e o ILMO. SR.CHEFE DE GABINETE DA SECRETARIA DE ESTADODA JUSTIÇA E DEFESA DA CIDADANIA, para que prestem as informações cabíveis, no prazo legal.
IX – DO PEDIDO DE LIMINAR
9.1. Estão presentes os pressupostos do art. 7º, II, da Lei 1.533/51, como, de resto, corresponde à índole própria dos mandados de segurança preventivos. Há relevante fundamento jurídico para o pedido – identificado também por decisões judiciais – e o dano consumar-se-á de imediato, pois a impetrante ficará, dentro de poucos dias (25.10.99), privada de exercer a atividade a que faz jus, além de sofrer prejuízos econômicos de dificílima reparação, pois deixará de perceber os emolumentos que lhe competiriam, razão por que requer, desde logo, concessão de liminar para que as dignas autoridades impetradas se abstenham de expedir ato de aposentadoria compulsória da impetrante, a fim de que esta seja mantida no exercício da delegação do serviço público de que é titular, até decisão final do presente mandado de segurança.
9.2. encareça-se, ainda, que o afastamento da impetrante obrigará a realização de concurso, nos termos do art. 236 da Constituição, para a outorga de nova delegação que, ao final da presente segurança, será atingida de nulidade, no caso de ser concedida a ordem. Revela-se, por conseguinte, que o periculum in mora assiste ambas as partes que, por conta disso, têm interesse na medida, sem que esta cause prejuízo a quem quer que seja.
Termos em que, dando à presente, para efeitos fiscais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
Pede deferimento.
São Paulo, 13 de outubro de 1999.
ARNALDO MALHEIROS
RICARDO PENTEADO
DECISÃO
PODER JUDICIÁRIO - SÃO PAULO - 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA
Processo nº 1112/99
VISTOS.
Tratam os autos de mandado de segurança impetrado preventivamente por Maria Helena Leonel Gandolfo, Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, contra ato que entende iminente do Secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, de São Paulo e de seu Chefe de Gabinete, no sentido de ser ela compulsoriamente aposentada, ao atingir a idade de 70 anos.
A liminar, visando mantê-la no exercício da delegação, deve ser deferida.
Isso, porque antes da EC 20/98, em vista do amplíssimo conceito de servidor público adotado pelo E. Supremo Tribunal Federal, entendia-se – inclusive este Juízo o fazia – que os delegados de registros públicos estavam submetidos à aposentadoria compulsória.
No entanto, em decorrência da mudança da legislação, tornou-se patente a inaplicabilidade do art. 40 da Constituição Federal aos delegados de registros públicos, de vez que não são eles "titulares de cargos efetivos" e, como bem exposto na inicial, não se submetem ao regime especial de previdência, mas ao regime geral da previdência social.
Basta isto para demonstrar que, ao menos neste exame delibativo, existe a demonstração da iminente violação de direito da impetrante, impondo-lhe uma incabível aposentadoria compulsória, reservada aos "titulares de cargos efetivos", não aos particulares que exercem serviços públicos por delegação.
E, evidentemente, afigura-se presente o requisito restante, pois impedir o exercício dos serviços delegados trará danos de difícil ou impossível reparação, uma vez que sua remuneração descende diretamente dos serviços prestados.
Por estes motivos, defiro a liminar, determinando que não se aplique à impetrante a aposentadoria compulsória por implemento de idade, mantida a delegação do serviço público até final decisão desta segurança.
Requisitem-se as informações. Após, ao MP.
P. R. I.
São Paulo, 14 de outubro de 1999.
FERNÃO BORBA FRANCO, Juiz de Direito
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