Aquisição de Imóvel Rural por “Empresa Nacional sob Controle Estrangeiro”
Eduardo Augusto
Caro Eduardo:
A empresa em que trabalho possui 6 imóveis rurais adquiridos antes do novo parecer da AGU, com as seguintes áreas:
10,8 ha - em Mato Grosso
7,5 ha - em Mato Grosso
6,9 ha - em Mato Grosso
72,6 ha - em Mato Grosso
207 ha - em São Paulo
100 ha - em São Paulo
A empresa tem interesse em adquirir mais 2 imóveis rurais, a saber:
2 ha - em São Paulo
11 ha - em São Paulo
A soma das áreas das 2 glebas é inferior a 3 MEI (módulos de exploração indefinida), razão pela qual não há necessidade de autorização para sua aquisição, não se aplicando as restrições da Lei 5.709/71.
O novo parecer da AGU entrou em vigor a partir de 23/8/2010, não sendo retroativo.
Desta feita, não há que se considerar os imóveis adquiridos pela empresa antes da vigência de tal parecer para análise da compra pretendida. Entendo que se deva levar em conta apenas a aquisição realizada a partir da vigência do novo entendimento, ou seja, as 2 glebas com área inferior a 3 MEI, sendo que, com as áreas inferiores ao limite imposto na legislação, não há necessidade de aprovação do órgão competente (Incra) para tal aquisição.
Com isso, a escritura pública e o seu registro na matrícula poderiam ser realizados sem a exigência de autorização dos órgãos competentes.
Porém, diversamente do entendimento acima exposto, o Registro de Imóveis competente não registrou o instrumento particular de promessa de compra e venda das 2 glebas, alegando a falta da autorização prevista na Lei 5.709/71. Além disso, o tabelião local também não concordou em lavrar a escritura pública “definitiva” com base no mesmo entendimento. Como foi discutido em nosso seminário, estamos diante de grande insegurança jurídica. Já fui ao Incra, liguei para escritórios de Brasília, mas o assunto não caminha. Ninguém sabe como agir. Acredito que terei que ajuizar um Mandado de Segurança.
Se puder manifestar seu entendimento sobre o assunto, para nos auxiliar nesta complicada questão, agradeço muito.
Um forte abraço,
Rafael
PARECER
Olá, Rafael.
Sua linha de raciocínio começa muito bem, mas peca um pouco na conclusão.
A Lei nº 5.709/71, que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiro, traz, em seu §1º do artigo 1º, a sujeição da “empresa nacional sob controle estrangeiro” às mesmas regras impostas à empresa estrangeira. Esse dispositivo legal foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que não contrariava nenhuma de suas disposições.
No entanto, a EC nº 6/1995 (publicada em 16/8/1995) revogou expressamente o artigo 171 da Constituição Federal, que concedia à lei a possibilidade de criar benefícios para a “empresa nacional sob controle nacional”. Diante de tal revogação, dominou o entendimento de que não mais poderia haver distinção entre as empresas nacionais de “controle nacional” e de “controle estrangeiro”, o que tornaria o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71 não-recepcionado pelo novo formato constitucional.
O parecer da AGU (publicado em 23/8/2010) defende tese contrária, ou seja, de que o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71 continua válido e deve ser cumprido à risca. Não cabe aqui discutir o mérito desse entendimento, mas apenas seus efeitos, pois esse parecer vincula todos os escalões do Executivo Federal (AGU, Incra e outros) e, após expressa decisão do CNJ, passou também a vincular os serviços notariais e de registro.
O parecer produz efeitos apenas a contar de sua publicação, estando uma parcela do passado (de 16/8/1995 a 23/8/2010 = 15 anos) amparada pelo entendimento então dominante, de que a “empresa nacional sob controle estrangeiro” não se sujeitava a essas regras.
Com a publicação do parecer, prevalece hoje o novo entendimento, de que o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71 continua válido, vinculando todas as empresas da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.
Lógico que as aquisições ocorridas naquele período não devem ser "esquecidas", mas apenas consideradas "regulares", como se, na época, todas as autorizações exigíveis pela lei "tivessem sido obtidas".
Ou seja, no seu caso em particular, os 6 imóveis adquiridos pela “empresa nacional sob controle estrangeiro” (que foram registrados em nome da empresa) constituem "ato jurídico perfeito", não estando sujeito à nulidade determinada pelo artigo 15 da Lei nº 5.709/71. O parecer é claro nesse sentido.
No entanto, eis o ponto em que seu raciocínio está equivocado: qualquer nova aquisição (a partir de 23/8/2010) deve ser feita nos exatos termos da legislação específica (conforme a nova interpretação vigente).
O artigo 5º da lei traz uma série de exigências:
Art. 5º. As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no art. 1º desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.
Ressalte-se que, se o parecer fosse retroativo, não haveria apenas a simples necessidade de a “empresa nacional sob controle estrangeiro” pedir autorização para adquirir novos imóveis rurais, pois todas as aquisições ocorridas anteriormente seriam nulas de pleno direito (artigo 15 da lei).
Ou seja, a irretroatividade do parecer não faz "desaparecer" as aquisições anteriores (isso seria um absurdo), mas faz apenas considerá-las "regulares", devendo ficar todas as futuras aquisições subordinadas à legislação correlata nos termos do novo entendimento jurídico.
Portanto, a empresa “empresa nacional sob controle estrangeiro” deverá, nos termos do artigo 12 do Decreto nº 74.965 /1974, buscar a autorização do Incra para novas aquisições de imóvel rural, independentemente da dimensão dos imóveis, pois a “regra dos 3 módulos fiscais” vale apenas para pessoas físicas (§1º do artigo 3º da Lei nº 5.709/71).
É o parecer.
Eduardo Augusto
Registrador em Conchas-SP
Diretor do Irib
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