As despesas comuns e a garantia de funcionamento
Flauzilino Araújo dos Santos
Para garantia de funcionamento do condomínio, os proprietários das unidades de uso exclusivo de um edifício estão obrigados a contribuir para o pagamento das despesas necessárias causadas pela administração e pela prestação de serviços comuns essenciais para a existência, segurança e conservação dos bens condominiais, de conformidade com a proporção de suas frações ideais, ou na forma estabelecida no memorial de constituição e na Convenção de Condomínio.
Com efeito, a convenção deve definir “a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio” (CC, art.1.334, I; lei 4.591/64, art.12, §1º).
No artigo 1.336 do Código Civil são estabelecidas regras especiais para o âmbito da aplicação cogente das disposições que estabelecem a obrigação de todo condômino participar do pagamento das despesas gerais condominiais, também chamada de taxa de condomínio, por ser equiparada a uma verdadeira taxa de âmbito privado, pois efetivamente “corresponde a uma retribuição pecuniária dos serviços prestados ou criados em proveito do uso e gozo dos bens e coisas comuns”.[1]
O conceito de despesas gerais condominiais compreende tanto as ordinárias – gastos habituais ou periódicos que são satisfeitos mediante pagamento na forma e prazos previstos na convenção –, quanto, as extraordinárias – despesas excepcionais ou esporádicas que exigem uma contribuição especial.
Poderá a convenção de condomínio determinar que as arrecadações se façam adiantadamente ou não; e por mês, bimestre, trimestre, semestre ou anualmente.
Embora o critério seja, por regra geral, a divisão dos encargos financeiros entre os condôminos de conformidade com a proporcionalidade das frações ideais do terreno de cada unidade, o artigo 1.340 prevê que “as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbe a quem delas se serve”. Além desse particular, faculta-se aos convencionais a liberdade de escolha de critério diverso do baseado na proporcionalidade das frações ideais, prevalecendo este, no entanto, quando silente a convenção (lei 4.591/64, art.12, §1º).
Não obstante o permissivo legal de opção assemblear por taxa condominial igualitária e única, em desprezo às diferentes dimensões das unidades que compõem o edifício, salvante hipótese em que o critério eleito é justificado pelo valor da unidade imobiliária, essa alternativa pode ser questionada, se confrontada com o princípio da isonomia, visto que o descompasso financeiro criado pela cota uniforme sobre apartamentos de metragens e valores diversos gera enriquecimento ilícito. [2]
O sujeito passivo dessa obrigação condominial é, a rigor, o proprietário da unidade imobiliária, mesmo que tenha constituído usufruto, ou dado o imóvel em comodato ou locação, sem prejuízo da repetição nas relações internas entre as partes.[3] Todavia, o condomínio edilício pode dirigir a ação contra o titular de domínio, ou contra o promitente comprador, usufrutuário, locatário ou comodatário, conforme as circunstâncias determinantes da opção da comunidade condominial.
Natureza jurídica das despesas condominiais
O artigo 1.345 do Código Civil assinala que a transmissão de domínio não afeta as obrigações derivadas da relação condominial que ostentam o caráter de obrigações propter rem. Destarte, a taxa condominial não é uma simples preferência creditícia a ser exercida pela comunidade de proprietários sobre qualquer outro crédito concorrente, senão constitui-se em uma verdadeira afetação do imóvel em garantia do pagamento das despesas comuns, com caráter erga omnes, isto é, alcança qualquer que seja o titular do imóvel com os ônus sobre ele dessa forma constituídos.
As obrigações propter rem surgem de um direito real principal de que é titular o devedor e impõe a ele a necessidade de cumprir uma prestação, exclusivamente em razão e na medida de seu direito real sobre o qual pesa a obrigação.
Por originar-se de direito real ao qual estão vinculadas, as obrigações propter rem transferem-se automaticamente como acessão do direito transmitido. Por sua vez, como ensina Orlando Gomes, “o adquirente do direito real não pode recusar-se a assumi-la”.[4]
As obrigações propter rem são, em conclusão, aquelas que incumbem ao proprietário ou ao possuidor de uma coisa somente pelo fato de sê-lo e apresentam duas características.
A primeira consiste no fato de que o devedor é determinado como tal porque proprietário ou possuidor do imóvel; aliás, é disso que provém o nome de obrigações propter rem.
A segunda consiste em que a obrigação transmite-se ao sucessor de forma automática, seja qual for o título translativo. Com outras palavras pode ser dito que, ao se mudar o titular da posse ou do domínio, muda-se também, ao mesmo tempo, o sujeito passivo da obrigação, sem que haja necessidade de estipulação especial de sub-rogação, ou de uma declaração especial por parte do sucessor relativa à assunção da obrigação. Esta segue a coisa e grava os adquirentes sucessivos e, de forma geral, desvincula o alienante em razão de sua transmissão de um sujeito passivo para outro, constituindo uma espécie de obrigação ambulatória, ensejando, inclusive, substituição processual no pólo passivo, se houver execução em andamento.[5]
Conforme admoesta Orlando Gomes, que define as despesas condominiais como um ônus real,[6] “conquanto não se enquadrem rigorosamente na categoria das obrigações ambulatórias, que constituem a mais frisante exceção ao princípio da determinação dos sujeitos da relação obrigacional, as obrigações reais distinguem-se, sob esse aspecto, pelo fato de admitirem, por sua própria natureza, a substituição do sujeito passivo, que, assim, se determina mediatamente”. Segundo o autor, “para caracterizar incisivamente tais obrigações na sua vinculação ao bem, pode-se dizer, figurativamente, que têm seqüela”.[7]
Cabe ao síndico, na defesa dos interesses comunitários, cobrar dos condôminos suas contribuições, de acordo com a forma e os prazos estabelecidos na convenção, bem como impor e cobrar as multas devidas e proceder ao protesto extrajudicial, ou à cobrança executiva em juízo, em caso de inadimplência ou recusa de pagamento (CC, art.1.348, VII; lei 4.591/64, art.12, §2º; art.22, §1º, “a”; CPC, art.275, II, “b”; 585, IV).
A protestabilidade do débito condominial em atraso
A utilização do tabelionato de protestos como forma de solução extrajudicial para cobrança dos débitos condominiais em atraso representa celeridade, custos reduzidos e segurança jurídica para os interessados que se valerem de serviço público extrajudicial delegado, prestado por profissional do direito, cuja atuação é marcada por imparcialidade, controle e fiscalização do poder Judiciário.[8]
Pelo regramento legal, após a aprovação pela assembléia geral ordinária, convocada anualmente, na forma prevista na convenção, a contribuição para as despesas do condomínio é obrigação positiva imposta a todos os condôminos (CC, art.1.336, I), podendo nela estar incluídas as despesas ordinárias ou de custeio (CC, art.1.350) e as extraordinárias (CC, art.1.341, §§2o e 3o), todas elas tuteladas pela natureza de obrigação propter rem, como disposto no Código Civil em seu artigo 1.345, segundo o qual “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.
Já por conta da pretendida reforma do Judiciário, o legislador, no afã de descongestionar juízos e tribunais de ações repetitivas e de resultados conhecidos, ampliou o elenco dos documentos protestáveis extrajudicialmente. Assim é que desde a edição da lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, o protesto extrajudicial ultrapassou a fronteira restrita aos títulos de crédito, para abranger outros documentos de dívidas (art.1º), sejam eles judiciais ou extrajudiciais, desde que observados os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade (CC, art.397), mesmo que não ostentem o caráter de título executivo, em seu sentido ortodoxo.[9]
À certeza que decorre da contribuição condominial em condomínio regularmente constituído e especificado, prendem-se os elementos informativos, quais sejam, as partes envolvidas – condômino-devedor e condomínio-credor –, a relação jurídica de origem e sua natureza, cujos elementos pressupõem a existência concreta da obrigação, com juízo de eficácia material gerado ope legis, via publicidade registral.[10]
A liquidez representa uma importância individuada que não exige operações para ser conhecida. O Código Civil de 1916 dispunha em seu artigo 1.533 que “considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quando ao seu objeto”. Embora esse dispositivo não tenha sido repetido no novo Código, pode-se depreender que é cumprido o requisito da liquidez, quando se sabe o que se deve, de cujo conhecimento se determina o objeto. Na relação condominial, de seu valor já estão cientes o condomínio-credor e o condômino-devedor, pois as verbas respectivas foram por eles aprovadas e conhecidas, uma vez que o quantum debeatur é originário de deliberação válida de gastos orçados e aprovados na assembléia geral de condôminos, não havendo nenhuma responsabilidade a ser apurada, senão obrigação a ser cumprida nos limites da liquidez orçamentária.
Finalmente, a exigibilidade diz respeito à fluência do prazo de pagamento, ou condição que atribui à obrigação a qualidade de exigível, porque já está vencida (art.572, CPC; art.397, CC). Por conseqüente lógico-jurídico advindo da liquidez e da certeza, no débito condominial, o termo é um dado natural temporal que independe de maiores provas para sua detecção, e a existência da obrigação não está condicionada ao crivo de fatos a serem provados em face do liame da relação de domínio real.
Pode ser repetido que a obrigação do condômino às deliberações sociais decorre diretamente da própria lei, como se extrai do artigo 1.333 do Código Civil: “A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção”.
A convenção condominial também determina a quota proporcional e o modo de pagamento dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio (CC, art.1.334, I). Ao disciplinar a matéria, o novo Código Civil reiterou a preponderância da convenção condominial ao reafirmar que é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais (art.1.336, I).[11]
No condomínio regularmente instituído e especificado é regular que a cobrança das contribuições relativas às despesas de condomínio em atraso seja feita pela ação de execução, cuja tipificação legal decorre de expressas disposições do artigo 12, parágrafo segundo, da lei 4.591/64, do seguinte teor: “Cabe ao síndico arrecadar as contribuições, competindo-lhe promover, por via executiva, a cobrança judicial das cotas atrasadas”.
A hipótese do rito comum sumário (CPC, art.275, II, “b”) é destinada para a cobrança de contribuições condominiais em situações de co-propriedade em que não haja convenção escrita, visto que o artigo 585, IV, do CPC, consagra o processo de execução para a cobrança de encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito, em consonância com o supra transcrito parágrafo segundo do artigo 12 da lei 4.591/64, cumprindo assim o princípio da reserva legal.[12]
Nessa linha, pelas características jurídicas executivas dos encargos condominiais, deve o síndico, no cumprimento de seus deveres legais e convencionais, promover a cobrança das cotas condominiais em atraso pela via do protesto extrajudicial, visto que é sua obrigação valer-se do meio mais efetivo e célere previsto no sistema, para composição do fluxo de caixa da comunidade condominial.
O encaminhamento ao protesto poderá ser feito por indicação, como no caso das duplicatas mercantis e de prestação de serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, mediante declaração unilateral do síndico de que estão em seu poder os documentos que fundamentam o título executivo indicado,[13] cuja sistemática está prevista no parágrafo único do artigo oitavo da lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, que define competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida.[14]
A renúncia ao direito de propriedade e as despesas condominiais em atraso
Uma das características próprias do condomínio edilício, que o diferencia da comunidade ordinária e da propriedade individual, é a falta de efeitos da renúncia unilateral liberatória de qualquer condômino a seus direitos e obrigações. Ao ingressar no condomínio, o condômino assume a obrigação ex vi legis de concorrer para as despesas condominiais relativas a conservação e reparações na proporção de suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção.
A legislação brasileira afasta a possibilidade de simples e pura renúncia ao direito de propriedade no condomínio edilício, conforme disposição do parágrafo quinto, do artigo 12, da lei 4.591/64, segundo o qual “a renúncia de qualquer condômino aos seus direitos, em caso algum valerá como escusa para exonerá-lo de seus encargos”.
Como é sabido, perde-se a propriedade imóvel por meio da renúncia (CC, art.1.275, II), cujos efeitos subordinam-se ao prévio registro do ato de renúncia no registro de imóveis competente (CC, art.1.275, § único), a fim de que legalmente se presuma o despojamento desde o momento da renúncia, que é fato irrevogável.[15]
Pese ser a renúncia ao direito de propriedade um ato personalíssimo, em que a manifestação expressa da vontade do titular de domínio que não o quer mais é soberana, para o qual, se exige apenas capacidade do agente abdicante (CC, art.104, I), instrumentação por meio de escritura pública notarial (CC, art.108) e registro (CC, art.1.227, parágrafo único), cumpre, porém, anotar, que o registrador não poderá proceder ao registro do ato jurídico de renúncia abdicativa de domínio de unidade de uso exclusivo em condomínio edilício sem comprovação de prévia deliberação pela assembléia geral, com respeito à exoneração ou não do renunciante do pagamento das contribuições condominiais futuras, cuja circunstância deverá constar do registro para efeitos de publicidade.
Averbada a renúncia, cabe ao oficial de registro de imóveis comunicar a perda de domínio ao município ou ao Distrito Federal, se a unidade autônoma se achar nas respectivas circunscrições, visto que, se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e depois de três anos passar à propriedade do município ou à do Distrito Federal, conforme sua localização (CC, art.1.276, caput).
A renúncia de condômino ao direito de propriedade da unidade de uso exclusivo não gera o jus adcrescendi para os demais condôminos ou para a comunidade condominial.
Como ato jurídico, a renúncia do direito de propriedade da unidade de uso exclusivo pode ser nula, nos casos em que a mácula torna o ato nulo ou anulável (CC, art.138 seg.), desde que estejam ordinariamente legitimados para promover a alegação em juízo, segundo as regras gerais, o próprio renunciante, seus herdeiros ou co-herdeiros e os credores. Quanto a eles, em uma espécie de ação pauliana, provado o prejuízo – eventus damni – e o intuito fraudulento – consilium fraudis.[16]
A comunidade de condôminos, no entanto, goza de legitimação atípica para propor ação revogatória de renúncia por titular de unidade de uso exclusivo do direito de propriedade, para o reconhecimento judicial de sua nulidade, se for preterida a formalidade prevista no parágrafo quinto do artigo 12, da lei 4.591/64.
Se, no entanto, ocorrer renúncia translativa com indicação do nome do beneficiário, os requisitos exigidos são os mesmos para uma transmissão a título gratuito, mesmo se se tratar de reciprocidade das declarações de vontade, qual seja, uma de quem transmite o direito e a outra de quem o recebe, uma vez que, afinal, ninguém pode ser obrigado a receber aquilo que não deseja. Parece-nos, todavia, que não é forçoso que todos intervenham no ato escritural, que poderá manter caráter de ato unilateral, seguindo-se para seu aperfeiçoamento as regras previstas nos artigos 539, 542 e 543 do Código Civil para aceitação de doações, sujeita, no entanto, ao pagamento do imposto sobre transmissão causa mortis e doação, ITCMD.[17]
Alienação da unidade e comprovante de quitação das despesas condominiais
Apesar da natureza propter rem atribuída às despesas condominiais, por fatores ligados à garantia de funcionamento do próprio condomínio e à transparência que deve imperar nos contratos, pois se exige que no instrumento respectivo sejam relacionados os ônus que pesam sobre o imóvel e possam prejudicar seus adquirentes, o legislador gravou a unidade de uso exclusivo em débito com certa espécie de inalienabilidade relativa, ao sujeitar a alienação ou transferência de direitos, de prova de quitação das obrigações do alienante para com o condomínio (lei 4.591/64, art.4º, § único).
O documento de quitação das taxas condominiais deverá ser assinado pelo síndico ou administrador do condomínio edilício, comprovada a regularidade de sua condição por meio de cópia autêntica da ata da assembléia geral ordinária, ou do instrumento de procuração, e se insere nas medidas preventivas que perseguem a segurança e a estabilidade dos negócios imobiliários.
Dispensa de exibição do comprovante de quitação de despesas condominiais nos negócios imobiliários
Em caráter excepcional considerar-se-á prova de quitação das despesas condominiais a declaração feita pelo alienante ou por seu procurador, sob as penas da lei, expressamente consignada nos instrumentos de alienação ou de transferência de direitos, que não existem débitos de taxas de condomínio em atraso (lei 7.433/85, art.2º, §2º).
Essa declaração feita pelo alienante pode ser substituída por declaração de assunção de débitos decorrentes de taxas condominiais feitas pelo adquirente ou por declaração de responsabilidade solidária de pagamento feita pelos contratantes, com a exigência de que das escrituras sejam especificados os valores dos débitos em atraso.
Antes da vigência do Código Civil de 2002, a exigibilidade de comprovar a quitação dos débitos condominiais para alienação ou transferência de direitos estava regulada pelo parágrafo único do artigo quarto da lei 4.591/64, na redação dada pela lei 7.182/84.
Embora fosse norma pouco harmonizada com o resto das normas que regulam o tráfico imobiliário e que permitem a assunção, pelo adquirente, de débitos fiscais e ônus reais incidentes sobre o imóvel, em princípio parecia que o legislador objetivava impedir a alienação de unidade com débitos condominiais em atraso.
Com esses antecedentes impeditivos que já não se coadunavam com a legislação relativa aos negócios imobiliários e que, ademais, poderiam ser até discutidos sob ótica de constitucionalidade, chega o novo texto do artigo 1.345 do Código Civil, que veio clarificar de forma expressa que não existe dies a quo para o cômputo retroativo da responsabilidade do adquirente pelo pagamento das dívidas anteriores. Ele pode ser exigido a qualquer tempo do novo adquirente, tendo como garantia o próprio imóvel, remanescendo a responsabilidade pessoal do ex-proprietário perante o adquirente, se outra não foi a avença entre eles.
Como a garantia preventiva para a cobrança dos débitos condominiais está juridicamente estabelecida e consolidada, supor que o retraso afetaria a perfeição do negócio imobiliário em nada beneficiaria o tráfico e a solução de situações de inadimplência perante a comunidade condominial, uma vez que elas podem ser resolvidas mediante a alienação da unidade, que permitirá ao alienante utilizar-se de uma parte do preço da venda para efetivar a quitação dos débitos condominiais. O adquirente, por sua vez, poderá compor-se junto ao condomínio para pagamento do débito existente, resolvendo-se assim o desconforto da comunidade condominial causado pela inadimplência.[18]
Além do preceito do artigo 1.345 do Código Civil, a velocidade exigida pelo tráfico imobiliário e o fortalecimento da boa-fé nos contratos sugerem que o máximo que o notário ou o registrador pode exigir para lavrar o instrumento de alienação, em sede de qualificação, é que do título sejam discriminados eventuais valores em atraso, ou declaração expressa do adquirente de que tem ciência da existência de débitos condominiais perante o condomínio, uma vez que sua responsabilização resulta ope legis.
Outra exceção à comprovação de quitação de débitos condominiais ocorre se se tratar de registro de transmissão por título judicial expedido em processo de execução. Evidente que, sendo o imóvel retirado por expropriação do Estado-juiz, todos os ônus que gravam o bem e aparecem registrados, bem como as obrigações reais que não são registráveis, mas são facilmente averiguáveis, em virtude de sua natureza, como é o caso das despesas condominiais, passam a incidir sobre o valor apurado com a alienação forçada, cujo produto é devidamente depositado no juízo.
Com efeito, a arrematação implica na sub-rogação de todos os ônus anteriores para o preço apurado, segundo os preceitos da lei processual civil em seus artigos 709 a 713, não havendo necessidade de apresentação de documento comprobatório de quitação de despesas condominiais, a não ser que o registro seja requerido no mês subseqüente ao da arrematação.
Notas
[1] MAGALHAES, Roberto Barcellos. Teoria e prática do condomínio. 3.ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1988, p. 112.
[2] No julgamento da apelação cível 70010083723, relatada pela desembargadora Eliane Harzheim Macedo, o Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul decidiu pela fixação de cota de participação de unidade condominial diferenciada no rateio das despesas. No caso, houve o reconhecimento fático de que o ponto comercial do piso térreo é autônomo, não aproveitando as demais áreas em comum do prédio. A participação foi limitada às despesas que dizem com a manutenção, a preservação, a conservação das partes comuns, como fachada e paredes externas, cobertura e eventuais serviços e obras que dizem com a estrutura do prédio (disponível em http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php. Acesso em 20/5/2006).
[3] A ação de repetição se baseia no princípio da eqüidade, que significa dizer que não é permitido a ninguém locupletar-se, sem causa, à custa de terceiros.
[4] GOMES, Orlando Gomes. Obrigações. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.21, n.17.
[5] Com relação à substituição processual, vide acórdão relatado pelo eminente desembargador Kiotsi Chicuta, quando juiz do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: “Execução – Título Judicial – Condomínio – Despesas condominiais – Pólo passivo – Substituição processual – Arrematante – Admissibilidade. Em se cuidando de obrigação propter rem, em havendo alteração na titularidade do domínio do apartamento gerador das despesas cobradas em processo de conhecimento, permite-se a sucessão processual, mesmo porque a nova proprietária é também atingida pela sentença, na forma do art.43, §3º, do CPC” (AI 854.695-00/0 – 8ª câmara. – DJ 9/6/2004).
[6] GOMES, Orlando. Direitos reais. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, p.215, n.159.
[7] GOMES, Orlando. Obrigações. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.21, n.17.
[8] O protesto extrajudicial é exercido fora de juízo diretamente no tabelião de protesto de títulos e outros documentos de dívida e não se confunde com o protesto judicial a que se refere o artigo 867 do Código de Processo Civil. O protesto judicial corresponde a uma medida cautelar específica a ser adotada por aquele que desejar prevenir responsabilidade, promover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal. O Código Civil de 2002 elenca o protesto extrajudicial como uma das causas de interrupção do prazo prescricional (art. 202, III).
[9] Parece-nos que a alegação de que a cobrança judicial da cota condominial em atraso é processualmente de rito sumário (CPC, art.275, II, “b”) e não, executivo, não mais tem suporte principiológico suficientemente forte para sustentar a negação do protesto extrajudicial. Com efeito, o projeto de lei aprovado no Congresso nacional, que deu origem à lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, previa, em seu artigo 62, incluir parágrafo único ao artigo primeiro da lei 9.492/97, com previsão de protesto extrajudicial de cota condominial em atraso. Sob o fundamento de que a enumeração desse artigo poderia ser interpretada como exaustiva, causando insegurança jurídica, o poder Executivo, ao vetar a proposta do mencionado artigo 62 do PL, sustentou o seguinte: “A inclusão do dispositivo certamente se deu com a nobre intenção de facilitar o protesto de títulos, simplificando as transações comerciais. Contudo, a redação adotada apresenta deficiências que geram resultados opostos ao pretendido. Com efeito, o caput fala genericamente ‘em obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida’, o que permite levar a protesto praticamente todo tipo de ‘documento de dívida’. Contudo, a proposta inclui parágrafo único contendo rol de documentos sujeitos a protesto, que poderá ser interpretado como exaustivo. A questão é que diversos tipos de documentos estão excluídos do novo parágrafo, o que trata insegurança jurídica” (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Msg/Vep/VEP-461-04.htm#art62. Acesso em 10/4/2006).
[10] Por imperativo legal, submetem-se às regras condominiais os titulares de direitos sobre as unidades autônomas signatários da convenção e aqueles ausentes ou omissos, bem como os novos adquirentes de unidades por ato inter vivos ou causa mortis, visto que a relação com o condomínio gera uma espécie de “adesão tácita” às disposições que disciplinam o bom governo e funcionamento regular da comunhão, que se impõem, sem exceção alguma entre os condôminos (cf. § único, art.1.333, CC; súmula STJ 260).
[11] A importância do crédito condominial para sobrevivência da comunidade condominial tem sido reiteradamente afirmada pela legislação. Nessa perspectiva, por exemplo, o devedor não tem a oponibilidade do bem de família (lei 8.009/90, art.3º, IV) na penhora decorrente de execução de despesas de condomínio.
[12] O elenco dos títulos executivos está delimitado pela lei, que traça as configurações e os contornos de cada um deles. Em outras palavras, não há título sem lei anterior que o defina. Cabe ao hermeneuta, por um lado, conformar-se em aceitar o enquadramento ou não das hipóteses que pretende, ao modelo legal abstratamente traçado e, por outro, curvar-se às situações inominadas que se caracterizam executivas pela moldura legal.
[13] A indicação dos dados é de responsabilidade do síndico que deverá apresentar cópia da convenção condominial e da ata da assembléia geral que o elegeu e que deliberou sobre o valor e a forma de pagamento da contribuição condominial, caso esses documentos venham a ser exigidos.
[14] Destaca-se, ainda, das razões do veto ao artigo 62 do PL, que deu origem à lei 10.931/04, mencionado em nota anterior, a regularidade na utilização de encaminhamento dos dados para protesto do título ou documento de dívida por via eletrônica: “Na parte final do dispositivo incluiu-se regra sobre documentos eletrônicos, utilizando também a expressão ‘decorrente de processo de conversão eletrônica’, que se apresenta como alternativa ao conceito de ‘documento eletrônico’, mas os contornos não estão claros. Seria esse documento ‘decorrente de processo de conversão eletrônica’ também documento eletrônico? Teria ele de atender aos requisitos de autenticidade e integridade usuais dos documentos eletrônicos? E no caso das duplicatas e de outros títulos protestados por indicação (v. g., art. 41 do projeto sob análise), seria necessário ‘autorização expressa do devedor’ para o protesto por indicação? São, pois, muitas as dúvidas e obscuridades nesse aspecto. De outra parte, mesmo quanto aos documentos eletrônicos, a intenção da proposta já está amparada pela legislação em vigor. Com efeito, a Medida Provisória no 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, estabelece no art. 10 serem válidos para todos os fins legais os documentos eletrônicos certificados digitalmente nos termos da norma citada, não sendo necessário sequer manifestação expressa de consentimento das partes contratantes caso se utilizem os padrões da ICP-Brasil (§1o do dispositivo citado). Ademais, o novo Código Civil contém previsão expressa quanto à possibilidade de uso de documentos eletrônicos para os títulos de crédito (art. 889, §3o). Deste mesmo diploma legal se extrai também a possibilidade de as partes utilizarem documento eletrônico não certificado pela ICP-Brasil, se não houver impugnação do conteúdo (art. 225). Por fim, a nova regra poderia ser interpretada como inovação em relação às normas hoje existentes e impugnada a validade dos protestos de títulos expressos sob a forma de documento eletrônico realizados antes da nova lei, gerando insegurança jurídica”.
[15] No caso de abandono da unidade de uso exclusivo (CC, art.1.275, III), subsiste a responsabilidade pessoal do condômino acrescida dos encargos decorrentes dos prejuízos causados à comunidade condominial por sua desídia.
[16] Entendemos que, provada a insolvência do renunciante, a fraude presume-se, visto que ela consiste no reconhecimento desse estado, malgrado não tenha havido intenção positiva de prejudicar os credores.
[17] O imposto de transmissão causa mortis e doação, ITCMD, é um imposto estadual devido por toda pessoa física ou jurídica que receber bens ou direitos como herança, diferença de partilha ou doação. Previsto no artigo 155, I, da Constituição federal, tem como fato gerador a transmissão, a qualquer título, por ato não oneroso, de imóveis e de direitos a eles relativos, inclusive bens móveis, títulos e créditos. Anteriormente à vigência da Constituição federal de 1988, as transferências inter vivos e causa mortis eram de competência exclusiva do estado, sob o título de ITBI, imposto sobre a transmissão de bens imóveis. Com a Constituição federal de 1988, a transferência por ato oneroso inter vivos passou para a competência tributária dos municípios, e as transferências causa mortis e inter vivos por ato não oneroso permaneceram na competência tributária dos estados, agora sob o título de ITCMD, imposto sobre transmissão causa mortis e doação.
[18] O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo tem sustentado a atualidade da exigibilidade de comprovante de quitação de débitos condominiais, para fins de oneração ou alienação do imóvel, como demonstram as seguintes apelações cíveis: 56.318-0/6, capital, relatada pelo desembargador Nigro Conceição, DJ 9/4/1999, p.7; e 158-6/2, São Paulo, relatada pelo desembargador José Mário Antônio Cardinale, DJ 12/5/2004. O egrégio Conselho Superior entende que a única hipótese aceitável como prova de quitação de débitos condominiais para efeito de dispensa do comprovante de quitação respectivo é a do parágrafo segundo, do artigo segundo, da lei 7.433, de 18 de dezembro de 1985, consubstanciada em “declaração feita pelo alienante ou seu procurador, sob penas da lei, a ser expressamente consignada nos instrumentos de alienação ou de transferência de direitos”.
* Flauzilino Araújo dos Santos é registrador imobiliário da Capital de São Paulo, diretor do Irib. O artigo compõe o livro a ser editado pelo Irib Condomínios e Incorporações no Registro de Imóveis – Manual de teoria e prática.
Para garantia de funcionamento do condomínio, os proprietários das unidades de uso exclusivo de um edifício estão obrigados a contribuir para o pagamento das despesas necessárias causadas pela administração e pela prestação de serviços comuns essenciais para a existência, segurança e conservação dos bens condominiais, de conformidade com a proporção de suas frações ideais, ou na forma estabelecida no memorial de constituição e na Convenção de Condomínio.
Com efeito, a convenção deve definir “a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio” (CC, art.1.334, I; lei 4.591/64, art.12, §1º).
No artigo 1.336 do Código Civil são estabelecidas regras especiais para o âmbito da aplicação cogente das disposições que estabelecem a obrigação de todo condômino participar do pagamento das despesas gerais condominiais, também chamada de taxa de condomínio, por ser equiparada a uma verdadeira taxa de âmbito privado, pois efetivamente “corresponde a uma retribuição pecuniária dos serviços prestados ou criados em proveito do uso e gozo dos bens e coisas comuns”.[1]
O conceito de despesas gerais condominiais compreende tanto as ordinárias – gastos habituais ou periódicos que são satisfeitos mediante pagamento na forma e prazos previstos na convenção –, quanto, as extraordinárias – despesas excepcionais ou esporádicas que exigem uma contribuição especial.
Poderá a convenção de condomínio determinar que as arrecadações se façam adiantadamente ou não; e por mês, bimestre, trimestre, semestre ou anualmente.
Embora o critério seja, por regra geral, a divisão dos encargos financeiros entre os condôminos de conformidade com a proporcionalidade das frações ideais do terreno de cada unidade, o artigo 1.340 prevê que “as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbe a quem delas se serve”. Além desse particular, faculta-se aos convencionais a liberdade de escolha de critério diverso do baseado na proporcionalidade das frações ideais, prevalecendo este, no entanto, quando silente a convenção (lei 4.591/64, art.12, §1º).
Não obstante o permissivo legal de opção assemblear por taxa condominial igualitária e única, em desprezo às diferentes dimensões das unidades que compõem o edifício, salvante hipótese em que o critério eleito é justificado pelo valor da unidade imobiliária, essa alternativa pode ser questionada, se confrontada com o princípio da isonomia, visto que o descompasso financeiro criado pela cota uniforme sobre apartamentos de metragens e valores diversos gera enriquecimento ilícito. [2]
O sujeito passivo dessa obrigação condominial é, a rigor, o proprietário da unidade imobiliária, mesmo que tenha constituído usufruto, ou dado o imóvel em comodato ou locação, sem prejuízo da repetição nas relações internas entre as partes.[3] Todavia, o condomínio edilício pode dirigir a ação contra o titular de domínio, ou contra o promitente comprador, usufrutuário, locatário ou comodatário, conforme as circunstâncias determinantes da opção da comunidade condominial.
Natureza jurídica das despesas condominiais
O artigo 1.345 do Código Civil assinala que a transmissão de domínio não afeta as obrigações derivadas da relação condominial que ostentam o caráter de obrigações propter rem. Destarte, a taxa condominial não é uma simples preferência creditícia a ser exercida pela comunidade de proprietários sobre qualquer outro crédito concorrente, senão constitui-se em uma verdadeira afetação do imóvel em garantia do pagamento das despesas comuns, com caráter erga omnes, isto é, alcança qualquer que seja o titular do imóvel com os ônus sobre ele dessa forma constituídos.
As obrigações propter rem surgem de um direito real principal de que é titular o devedor e impõe a ele a necessidade de cumprir uma prestação, exclusivamente em razão e na medida de seu direito real sobre o qual pesa a obrigação.
Por originar-se de direito real ao qual estão vinculadas, as obrigações propter rem transferem-se automaticamente como acessão do direito transmitido. Por sua vez, como ensina Orlando Gomes, “o adquirente do direito real não pode recusar-se a assumi-la”.[4]
As obrigações propter rem são, em conclusão, aquelas que incumbem ao proprietário ou ao possuidor de uma coisa somente pelo fato de sê-lo e apresentam duas características.
A primeira consiste no fato de que o devedor é determinado como tal porque proprietário ou possuidor do imóvel; aliás, é disso que provém o nome de obrigações propter rem.
A segunda consiste em que a obrigação transmite-se ao sucessor de forma automática, seja qual for o título translativo. Com outras palavras pode ser dito que, ao se mudar o titular da posse ou do domínio, muda-se também, ao mesmo tempo, o sujeito passivo da obrigação, sem que haja necessidade de estipulação especial de sub-rogação, ou de uma declaração especial por parte do sucessor relativa à assunção da obrigação. Esta segue a coisa e grava os adquirentes sucessivos e, de forma geral, desvincula o alienante em razão de sua transmissão de um sujeito passivo para outro, constituindo uma espécie de obrigação ambulatória, ensejando, inclusive, substituição processual no pólo passivo, se houver execução em andamento.[5]
Conforme admoesta Orlando Gomes, que define as despesas condominiais como um ônus real,[6] “conquanto não se enquadrem rigorosamente na categoria das obrigações ambulatórias, que constituem a mais frisante exceção ao princípio da determinação dos sujeitos da relação obrigacional, as obrigações reais distinguem-se, sob esse aspecto, pelo fato de admitirem, por sua própria natureza, a substituição do sujeito passivo, que, assim, se determina mediatamente”. Segundo o autor, “para caracterizar incisivamente tais obrigações na sua vinculação ao bem, pode-se dizer, figurativamente, que têm seqüela”.[7]
Cabe ao síndico, na defesa dos interesses comunitários, cobrar dos condôminos suas contribuições, de acordo com a forma e os prazos estabelecidos na convenção, bem como impor e cobrar as multas devidas e proceder ao protesto extrajudicial, ou à cobrança executiva em juízo, em caso de inadimplência ou recusa de pagamento (CC, art.1.348, VII; lei 4.591/64, art.12, §2º; art.22, §1º, “a”; CPC, art.275, II, “b”; 585, IV).
A protestabilidade do débito condominial em atraso
A utilização do tabelionato de protestos como forma de solução extrajudicial para cobrança dos débitos condominiais em atraso representa celeridade, custos reduzidos e segurança jurídica para os interessados que se valerem de serviço público extrajudicial delegado, prestado por profissional do direito, cuja atuação é marcada por imparcialidade, controle e fiscalização do poder Judiciário.[8]
Pelo regramento legal, após a aprovação pela assembléia geral ordinária, convocada anualmente, na forma prevista na convenção, a contribuição para as despesas do condomínio é obrigação positiva imposta a todos os condôminos (CC, art.1.336, I), podendo nela estar incluídas as despesas ordinárias ou de custeio (CC, art.1.350) e as extraordinárias (CC, art.1.341, §§2o e 3o), todas elas tuteladas pela natureza de obrigação propter rem, como disposto no Código Civil em seu artigo 1.345, segundo o qual “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.
Já por conta da pretendida reforma do Judiciário, o legislador, no afã de descongestionar juízos e tribunais de ações repetitivas e de resultados conhecidos, ampliou o elenco dos documentos protestáveis extrajudicialmente. Assim é que desde a edição da lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, o protesto extrajudicial ultrapassou a fronteira restrita aos títulos de crédito, para abranger outros documentos de dívidas (art.1º), sejam eles judiciais ou extrajudiciais, desde que observados os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade (CC, art.397), mesmo que não ostentem o caráter de título executivo, em seu sentido ortodoxo.[9]
À certeza que decorre da contribuição condominial em condomínio regularmente constituído e especificado, prendem-se os elementos informativos, quais sejam, as partes envolvidas – condômino-devedor e condomínio-credor –, a relação jurídica de origem e sua natureza, cujos elementos pressupõem a existência concreta da obrigação, com juízo de eficácia material gerado ope legis, via publicidade registral.[10]
A liquidez representa uma importância individuada que não exige operações para ser conhecida. O Código Civil de 1916 dispunha em seu artigo 1.533 que “considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quando ao seu objeto”. Embora esse dispositivo não tenha sido repetido no novo Código, pode-se depreender que é cumprido o requisito da liquidez, quando se sabe o que se deve, de cujo conhecimento se determina o objeto. Na relação condominial, de seu valor já estão cientes o condomínio-credor e o condômino-devedor, pois as verbas respectivas foram por eles aprovadas e conhecidas, uma vez que o quantum debeatur é originário de deliberação válida de gastos orçados e aprovados na assembléia geral de condôminos, não havendo nenhuma responsabilidade a ser apurada, senão obrigação a ser cumprida nos limites da liquidez orçamentária.
Finalmente, a exigibilidade diz respeito à fluência do prazo de pagamento, ou condição que atribui à obrigação a qualidade de exigível, porque já está vencida (art.572, CPC; art.397, CC). Por conseqüente lógico-jurídico advindo da liquidez e da certeza, no débito condominial, o termo é um dado natural temporal que independe de maiores provas para sua detecção, e a existência da obrigação não está condicionada ao crivo de fatos a serem provados em face do liame da relação de domínio real.
Pode ser repetido que a obrigação do condômino às deliberações sociais decorre diretamente da própria lei, como se extrai do artigo 1.333 do Código Civil: “A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção”.
A convenção condominial também determina a quota proporcional e o modo de pagamento dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio (CC, art.1.334, I). Ao disciplinar a matéria, o novo Código Civil reiterou a preponderância da convenção condominial ao reafirmar que é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais (art.1.336, I).[11]
No condomínio regularmente instituído e especificado é regular que a cobrança das contribuições relativas às despesas de condomínio em atraso seja feita pela ação de execução, cuja tipificação legal decorre de expressas disposições do artigo 12, parágrafo segundo, da lei 4.591/64, do seguinte teor: “Cabe ao síndico arrecadar as contribuições, competindo-lhe promover, por via executiva, a cobrança judicial das cotas atrasadas”.
A hipótese do rito comum sumário (CPC, art.275, II, “b”) é destinada para a cobrança de contribuições condominiais em situações de co-propriedade em que não haja convenção escrita, visto que o artigo 585, IV, do CPC, consagra o processo de execução para a cobrança de encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito, em consonância com o supra transcrito parágrafo segundo do artigo 12 da lei 4.591/64, cumprindo assim o princípio da reserva legal.[12]
Nessa linha, pelas características jurídicas executivas dos encargos condominiais, deve o síndico, no cumprimento de seus deveres legais e convencionais, promover a cobrança das cotas condominiais em atraso pela via do protesto extrajudicial, visto que é sua obrigação valer-se do meio mais efetivo e célere previsto no sistema, para composição do fluxo de caixa da comunidade condominial.
O encaminhamento ao protesto poderá ser feito por indicação, como no caso das duplicatas mercantis e de prestação de serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, mediante declaração unilateral do síndico de que estão em seu poder os documentos que fundamentam o título executivo indicado,[13] cuja sistemática está prevista no parágrafo único do artigo oitavo da lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, que define competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida.[14]
A renúncia ao direito de propriedade e as despesas condominiais em atraso
Uma das características próprias do condomínio edilício, que o diferencia da comunidade ordinária e da propriedade individual, é a falta de efeitos da renúncia unilateral liberatória de qualquer condômino a seus direitos e obrigações. Ao ingressar no condomínio, o condômino assume a obrigação ex vi legis de concorrer para as despesas condominiais relativas a conservação e reparações na proporção de suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção.
A legislação brasileira afasta a possibilidade de simples e pura renúncia ao direito de propriedade no condomínio edilício, conforme disposição do parágrafo quinto, do artigo 12, da lei 4.591/64, segundo o qual “a renúncia de qualquer condômino aos seus direitos, em caso algum valerá como escusa para exonerá-lo de seus encargos”.
Como é sabido, perde-se a propriedade imóvel por meio da renúncia (CC, art.1.275, II), cujos efeitos subordinam-se ao prévio registro do ato de renúncia no registro de imóveis competente (CC, art.1.275, § único), a fim de que legalmente se presuma o despojamento desde o momento da renúncia, que é fato irrevogável.[15]
Pese ser a renúncia ao direito de propriedade um ato personalíssimo, em que a manifestação expressa da vontade do titular de domínio que não o quer mais é soberana, para o qual, se exige apenas capacidade do agente abdicante (CC, art.104, I), instrumentação por meio de escritura pública notarial (CC, art.108) e registro (CC, art.1.227, parágrafo único), cumpre, porém, anotar, que o registrador não poderá proceder ao registro do ato jurídico de renúncia abdicativa de domínio de unidade de uso exclusivo em condomínio edilício sem comprovação de prévia deliberação pela assembléia geral, com respeito à exoneração ou não do renunciante do pagamento das contribuições condominiais futuras, cuja circunstância deverá constar do registro para efeitos de publicidade.
Averbada a renúncia, cabe ao oficial de registro de imóveis comunicar a perda de domínio ao município ou ao Distrito Federal, se a unidade autônoma se achar nas respectivas circunscrições, visto que, se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e depois de três anos passar à propriedade do município ou à do Distrito Federal, conforme sua localização (CC, art.1.276, caput).
A renúncia de condômino ao direito de propriedade da unidade de uso exclusivo não gera o jus adcrescendi para os demais condôminos ou para a comunidade condominial.
Como ato jurídico, a renúncia do direito de propriedade da unidade de uso exclusivo pode ser nula, nos casos em que a mácula torna o ato nulo ou anulável (CC, art.138 seg.), desde que estejam ordinariamente legitimados para promover a alegação em juízo, segundo as regras gerais, o próprio renunciante, seus herdeiros ou co-herdeiros e os credores. Quanto a eles, em uma espécie de ação pauliana, provado o prejuízo – eventus damni – e o intuito fraudulento – consilium fraudis.[16]
A comunidade de condôminos, no entanto, goza de legitimação atípica para propor ação revogatória de renúncia por titular de unidade de uso exclusivo do direito de propriedade, para o reconhecimento judicial de sua nulidade, se for preterida a formalidade prevista no parágrafo quinto do artigo 12, da lei 4.591/64.
Se, no entanto, ocorrer renúncia translativa com indicação do nome do beneficiário, os requisitos exigidos são os mesmos para uma transmissão a título gratuito, mesmo se se tratar de reciprocidade das declarações de vontade, qual seja, uma de quem transmite o direito e a outra de quem o recebe, uma vez que, afinal, ninguém pode ser obrigado a receber aquilo que não deseja. Parece-nos, todavia, que não é forçoso que todos intervenham no ato escritural, que poderá manter caráter de ato unilateral, seguindo-se para seu aperfeiçoamento as regras previstas nos artigos&
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