ASPECTOS REGISTRÁRIOS DA APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 9.785 DE 29 DE JANEIRO DE 1999
João Baptista Galhardo
A Lei Federal n.º 9.785, de 29 de janeiro de 1999 em vigor desde 1º de fevereiro p. passado, introduziu alterações nas Leis Federais ns. 6.015/73 e 6.766/79 e no Decreto Lei Federal n.º 3.365/41, inovando, principalmente, no campo do parcelamento do solo urbano, com reflexos no registro de imóveis.
1 - O REGISTRO DA IMISSÃO PROVISÓRIA DA POSSE
O tipo criado pelo item 36 do artigo 167, I da Lei 6015/73, é para o registro da imissão da posse, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando concedida à União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, para execução do parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda.
Do registro deverá constar a proibição legal de se alterar a destinação e impossibilidade de retrocessão.
A lei criou um novo direito real inscritível. Super posse? Posse qualificada? Pré domínio? A verdade é que não se trata da simples posse, em razão de sua irreversibilidade.
Deverá ter finalidade urbana e o parcelamento destinar-se às classes de menor renda.
Como a aquisição do domínio por força de desapropriação, é tida como aquisição originária, o registrador não deve se preocupar, ao registrar a imissão provisória de posse, com o resguardo do princípio da continuidade porque o imóvel poderá ou não estar transcrito ou matriculado em nome do expropriado.
Deverá, sim, exigir que a propriedade esteja perfeitamente identificada e caracterizada nos termos da Lei de Registros Públicos (artigos 176, II, 3 e 225). É claro que o registrador pesquisará para as devidas anotações, se a propriedade se encontra matriculada ou transcrita, em parte ou totalmente, em nome de alguém, principalmente para se evitar sobreposições jurídicas.
Se o imóvel estiver tal como desapropriado, em nome do expropriado, coincidindo a especialidade objetiva do processo com a tabulada, o registro da imissão provisória deverá ser feito na respectiva matrícula. Se transcrito, deverá ser matriculado em nome do expropriado e nela lançado o registro da imissão provisória da posse que poderá se dar ou não concomitantemente com o pedido de registro do parcelamento.
Não coincidindo a descrição com qualquer imóvel constante do Registro de Imóveis, será inaugurada matrícula da propriedade com a descrição mencionada no título judicial e nela procedido, em seguida, o registro da imissão.
Sendo vários imóveis desapropriados e se dos documentos judiciais apresentados, constar sua descrição unificada, parece-me não haver problema para se inaugurar a matrícula do todo.
Problema haverá, em tese, e sobre ele deve-se refletir, quando o Poder Público pretender unificar os vários imóveis, com as imissões provisórias já registradas, considerando-se que, de acordo com o artigo 234 da Lei n.º 6.015/73, só podem ser unificados imóveis pertencentes ao mesmo proprietário, e que a posse provisória só será convertida em propriedade depois do registro da sentença que no processo de desapropriação fixar o valor da indenização.
Acredito que a exegese das alterações tenderá à possibilidade dessas fusões.
Consta do parágrafo 4º do artigo 18 da Lei 6766/79 que "o título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovidas pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. "No caso de que trata o parágrafo 4º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos" (art.18, par. 5º).
A lei não diz que o registro da imissão provisória na posse deva se dar concomitantemente com o pedido de registro do parcelamento.
Parece-me não haver mesmo impedimento de se registrar numa primeira etapa a imissão provisória na posse e numa segunda o registro do parcelamento.
Exigindo a lei, que se apresente os documentos mencionados nos incisos V e VI, como poderiam o Poder Público e suas entidades delegadas ter aprovado loteamento em imóvel alheio? Ou nele terem executadas as obras mínimas (art.18, V e art.2º, par.6º) antes da imissão provisória?
Para haver loteamento é preciso haver terreno, sobre o qual fora concedida a imissão provisória da posse.
Embora o memorial descritivo e planta sejam exigidos na fase de aprovação, devem eles ser apresentados ao registrador para o controle da disponibilidade.
A planta deverá conter a subdivisão das quadras, as dimensões e numeração das unidades e o sistema viário se houver e a indicação das áreas públicas.
O registrador de imóveis, como profissional de direito, dará ao registro a redação adequada. Aqui alguns exemplos:
R..... Imissão provisória de posse
Por sentença de 15 de março de 1.999, do Juízo de Direito da 1ª vara Cível desta Comarca, proferida no processo de desapropriação proposta contra José da Silva Albuquerque, brasileiro, solteiro, mecânico, portador do CIC. n.444.555.456-48 e da C.I n.456.493/SSP (processo 354/98), foi concedida ao MUNICÍPIO DE ARACOARA, pessoa jurídica de direito público interno ...., a imissão provisória na posse do imóvel desta matrícula, para execução de parcelamento popular, finalidade que não poderá ser alterada, sendo vedada a retrocessão. Foram apresentadas cópias autênticas da mencionada decisão, do decreto de desapropriação e do comprovante de sua publicação na imprensa oficial.
R..... Imissão provisória de posse
Por sentença de 15 de março de 1.999, do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível desta Comarca, proferida no processo de desapropriação proposta contra José da Silva Albuquerque, brasileiro, solteiro, mecânico, portador do CIC. n.342.578.456-48 e da C.I n.499.778/SSP (processo 564/98), foi concedida à ..... entidade delegada do MUNICÍPIO DE ARACOARA, a imissão provisória na posse do imóvel desta matrícula, para a execução de parcelamento popular, finalidade que não poderá ser alterada, sendo vedada a retrocessão. Foram apresentadas cópias autênticas da mencionada decisão, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial, bem como da lei de sua criação, da lei que a autorizou a implantar projetos de habitação e de seus atos constitutivos.
R.... Parcelamento
De acordo com o requerimento de 15 de março de 1.999, acompanhado de......, documentos exigidos pelos incisos V e VI do artigo 18 da Lei 6766/79, o MUNICÍPIO DE ARACOARA...., executou no imóvel desta matrícula um parcelamento popular, destinado às classes de menor renda. Foram apresentados, também, planta e memorial descritivo, pelos quais se verifica que ele é composto de x quadras, x lotes etc...
A sentença levada a registro para converter a posse provisória em propriedade, há de ser definitiva, com seu trânsito em julgado certificado. Nessa oportunidade, tendo havido cessão de posse (artigo 26, § 5º), ela será convertida em compromisso de venda e compra ou compra e venda, conforme estiver ou não o preço quitado, averbando-se nas matrículas dos lotes essa circunstância. A sentença, repita-se, deve ser definitiva para não se criar um domínio de caráter provisório.
2 - INFRA - ESTRUTURA BÁSICA
Nos termos do § 5º do artigo 2º da Lei nº 6.766/79, considera-se infra-estrutura básica os equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não.
É preciso não confundir desde logo, infra-estrutura básica com infra-estrutura básica mínima. Todo loteamento deverá executar no mínimo as obras constantes do artigo 18, V, exigidas por legislação municipal: vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e as obras de escoamento de águas pluviais.
A lei municipal poderá prescrever uma infra-estrutura mínima maior que a prevista no artigo 18, V, inclusive todas aquelas constantes do § 5º do artigo 2º. Se isto acontecer, acredito que a implantação de loteamento será impossível, porque sabidamente as companhias de energia elétrica não têm condições de instalar nem de orçar previamente o custo de redes de iluminação pública e domiciliar sem que existam construções nos lotes
3 - EXECUÇÃO DAS OBRAS DE INFRA-ESTRUTURA.
As obras de infra-estrutura podem ser executadas antes do registro do loteamento. Neste caso não se leva com a documentação ao registro, o instrumento de garantia nem cronograma de execução, mas tão somente o termo de verificação de que elas foram executadas. E se as obras forem executadas depois do registro, deve o registrador exigir o cronograma físico e o instrumento de garantia exigido pelo Município.
Para os parcelamentos situados em zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) a infra-estrutura consistirá no mínimo de: I - vias de circulação; II - escoamento de águas pluviais; III - rede para abastecimento de água potável e IV - solução para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar (§ 6º do artigo 2º).
4 - CRONOGRAMA FÍSICO - PRAZO PARA EXECUÇÃO
O prazo para execução do cronograma físico será aquele aprovado pelo Município para o respectivo parcelamento e não poderá ultrapassar quatro anos. Este é o prazo máximo que pode ser concedido. E o que for concedido é o que deve ser cumprido.
5 - CADUCIDADE - CONSEQUÊNCIAS
Foi inserido no artigo 12 da Lei nº 6.766/79 o parágrafo único que diz: "o projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante do cronograma de execução, sob pena de caducidade da aprovação".
Criou-se previsão legal para tornar sem efeito a aprovação de loteamento já registrado e até mesmo com lotes comercializados.
Se o Município tornar sem efeito a aprovação, deve o registro ser cancelado?
Não. Nos termos do artigo 23 da Lei nº 6.766/79, o registro do loteamento só poderá ser cancelado: I - por decisão judicial; II - a requerimento do loteador com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato e III - a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.
O registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido. E o cancelamento só pode ser feito em virtude de sentença que transitou em julgado (artigos 252 e 259 da Lei nº 6.015/73). Ainda mais: não pode haver registro provisório, o que seria absurdo e poria em risco os requisitos de autenticidade, segurança e de eficácia que lhes são próprios.
A caducidade da aprovação do loteamento registrado não pode atingir o seu registro nem macular as vendas e promessas já registradas, que continuarão a produzir todos os seus efeitos legais. Repita-se, os registros já efetuados. Risco correrá o comprador que não levou o seu contrato ou sua escritura a registro, antes da caducidade declarada, porque deverá o registrador por decisão judicial ou normativa e até mesmo em razão do ofício, recusar novos registros, após a comunicação pela Prefeitura do cancelamento da aprovação e até que se regularize a situação perante o Município com nova aprovação.
Destaco nesta oportunidade a decisão proferida pelo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo (apelação Cível 26.842-0/2 - Mairiporã).
EMENTA: Registro de Imóveis - Dúvida julgada procedente - venda e compra de lote de terreno cassação, pela Secretaria do Estado do Meio Ambiente, de declaração de empreendimentos, adaptado com exigência técnica, que não tem condão de nulificar ou de impedir o registro do parcelamento - Recurso provido. o registro do loteamento só pode ser cancelado nas hipóteses previstas em lei. a cassação pelo estado de autorização concedida ao loteador não constitui óbice a que haja continuidade de recepção, pelo sistema registrário, dos negócios jurídicos envolvendo os lotes.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº26.842-0/2, da Comarca de MAIRIPORÃ, em que é apelante ALEXANDRE ALVES QUIRINO e apelado o OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS da Comarca.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso.
Versam os autos de apelação interposta pelo suscitado e que não se conforma com r. decisão que julgou procedente a dúvida, mantendo recusa no registro do título em face de cassação, por órgão estadual, de licença anteriormente concedida e utilizada no processo de registro do parcelamento. Destaca, em resumo, que o loteamento "Jardins de Mairiporã II", de propriedade da Lello Empreendimentos Imobiliários Ltda. Foi implantado sob a égide do Decreto-Lei 58/37 e registro por determinação judicial, e as obrigações técnicas impostas pela Secretaria do Meio Ambiente são de responsabilidade dos adquirentes, além do que , no momento em que lavrada a escritura, não cuidou o Cartório de certificar a cassação referida.
Regularmente processado o recurso, o Ministério Público de Segunda Instância opina pelo seu improvimento.
É o relatório.
O título recusado instrumenta venda e compra do lote II, da quadra "B", do loteamento denominado Jardins Mairiporã II, estribando-se a r. decisão recorrida na assertiva de que a anuência da então Secretaria dos Negócios Metropolitanos foi cassada por ato de 18/05/93 pela Secretaria do Meio Ambiente , contaminando, em consequência, o registro do parcelamento.
A matrícula nº11.042, porém, contém apenas o registro do loteamento (RI de 30/10/81) e nada noticia sobre o cancelamento do alvará ou mesmo sobre a higidez da inscrição do parcelamento. O registro, enquanto não cancelado, surte os efeitos decorrentes de sua publicidade e não impede o livre comércio do prédio.
A lei do parcelamento do solo urbano estabelece que, após aprovação do projeto de loteamento ou desmembramento pelas autoridades competentes, deve o interessado exibir os documentos necessários perante o registrador para que obtenha a inscrição necessária, criando juridicamente, através do que Darcy Bessone denomina de fenômeno da fissiparidade, diversos imóveis e decorrentes do fracionamento da porção maior.
Para consecução desse objetivo, há necessidade de ultrapassar exame de qualificação registrária, fundamentado este no princípio da legalidade, restando óbvio que os requisitos exigidos pela lei hão de ser cumpridos no momento do registro.
No caso específico, no que pertine à autorização da então Secretaria dos Negócios metropolitanos, salta induvidoso, que ela foi outorgada e exibida no procedimento do pedido de registro do parcelamento, sobrevindo, depois de implantado o loteamento e alienados diversos lotes, notícia de que sua sucessora, ou seja, a Secretaria do Meio Ambiente cassou o ato de licença.
Esse ato administrativo, por si só não tem o condão de contaminar a validade do registro.
Em primeiro lugar, não se tem precisa conceituação do ato da autoridade estadual, quer como revogação, quer como anulação. Mas qualquer que seja a ótica empregada, a revisão do ato especial ou individual, quer em função de inconveniência ou contrariedade ao interesse público, quer pela ilegalidade ou ilegitimidade, esbarra na circunstância de que o ato surtiu efeitos concretos e consolidou situações, gerando, principalmente, direitos subjetivos aos destinatários, havendo até impedimento à Administração de modificá-lo ou revogá-lo (cf. Hely Lopes Meirelles, in "Direito Administrativo Brasileiro", pág.162).
Em segundo lugar, o registro, enquanto não desconstituído pelas vias regulares, surte seus efeitos, ainda que se prove que o título "está desfeito, anulado, extinto ou rescindido"(art.252 da Lei 6.015/73). Não se cuida de ato nulo de pleno direito, sendo certo que as nulidades e as anulabilidades se apoiam em critério de prevalência do interesse público. Não é razoável admitir revisão administrativa de ato qualificatório superado e que atendeu, pelo menos no que pertine à vênia estadual, o requisito formal na época da inscrição.
Em terceiro lugar, não se pode olvidar necessidade de proteção à segurança jurídica e ao terceiro de boa-fé. Ao adotar necessidade de inscrição para criação, modificação e alteração do direito real, institui-se sistema de publicidade para exteriorização de situação jurídica. E essa publicidade registral integra sistema jurídico fechado, subordinado a limites formais, assecuratório de efeitos integrados como registro, de caráter obrigatório, revelando a existência de bem jurídico e indicando titular de direito a ele referente. Diante da presunção de que o registro é exato e integro, o direito deve proteger o adquirente que confia na aparência registral e adquire os lotes.
Admitir bloqueio simplista do que plasticamente o registro contém apenas porque a Secretaria Estadual, após consolidado o loteamento como realidade jurídica, "cassou" sua aprovação ao projeto (que hoje já está concretizado), é ignorar postulados básicos dos direitos de terceiros. O interesse público não pode ser invocado de forma graciosa, gerando caos e desespero às pessoas atingidas, em nome de formalismo que nem sempre corresponde à realidade. A necessidade da ordem social confere segurança às operações jurídicas e deve amparar os legítimos interesses daqueles que atuam com correção e que confiaram na aparência do que publicizou o registro.
A complexidade cada vez maior das relações jurídicas e as dificuldades impostas pelo mundo moderno faz com que se repense as exigências , condicionando a crença naquilo que a realidade é externada. A rapidez e a segurança do comércio, a quantidade de negócios, os compromissos que se avolumam, são causas que levam o homem a acreditar na aparência e merece prestigiado quando atua levado por bons princípios e com honestidade.
O registro do loteamento, como salientado, logrou superar o exame qualificatório e foi registrado sob nº1, na matrícula nº11.042. É quanto basta para permitir registro dos lotes até que o Poder Público, através das vias próprias, obtenha jurisdicionalmente o cumprimento das exigências técnicas ou até mesmo cancelamento do registro. O que não se permite é que se dê ressonância por aquilo que não se contém no fólio real e baseado em simples ofício de comunicação. É também de interesse público o prevalecimento de situações jurídicas consolidadas e não regularmente desconstituídas.
Isto posto, dão provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores JOSÉ ALBERTO WEISS DE ANDRADE, Presidente do Tribunal de Justiça e YUSSEF SAID CAHALI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 31 de agosto de 1.995
(a) ANTONIO CARLOS ALVES BRAGA,
Corregedor Geral da Justiça e relator.
(Publicado no D.O.E. de 5/10/95)
Acredito que na prática o parágrafo único do artigo 12 não será aplicado. Pelo menos nas pequenas e médias cidades. Os Municípios, vencido o prazo de execução do cronograma físico, optarão em executar o instrumento de garantia exigido para seu cumprimento. Podendo, ainda, ele, Município, executar as obras de infra-estrutura, reivindicando-lhe as prestações vincendas da comercialização havida.
O projeto do loteamento, mesmo registrado, será ainda considerado rejeitado e com as mesmas implicações, se o Município, de forma expressa ou tácita, recusar as obras executadas nos termos do artigo 16, §§ 1º e 2º.
6 - PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE APROVAÇÃO E DO CRONOGRAMA
Pode o prazo de aprovação (180 dias) e o estabelecido para cumprimento do cronograma serem prorrogados?
Não, segundo a lei. O prazo de caducidade é a perda de um direito, de uma faculdade ou de uma ação simplesmente pela expiração do prazo concedido para o exercício.
Entendo, sub censura dos mais estudiosos e até que se proclame o contrário, que se a Prefeitura prorrogar e comunicar ao Registrador, este não tem arma legal para se opor à prorrogação.
7 - ZONA DE URBANIZAÇÃO ESPECÍFICA.
O artigo 3º introduziu a admissão de parcelamento do solo em mais uma zona. A de urbanização específica - além da urbana e da expansão urbana. Deverá existir lei municipal que crie a zona de utilização específica, para que se permita o registro do parcelamento do solo com fundamento na Lei nº 6.766/79.
8 - CONTROLE DA PROPORCIONALIDADE DAS ÁREAS PÚBLICAS.
O artigo 4º da Lei nº 6.766/79, com sua nova redação, estabelece novo critério para a fixação de quantidade de área que deve ser destinada à utilização pública dos parcelamentos do solo urbano.
As áreas destinadas aos sistemas de circulação, implantação de equipamento urbano e comunitário e os espaços livres de uso público, devem ser proporcionais à densidade de ocupação prevista para a zona urbana em que estiver situada a gleba, conforme dispuser a lei municipal ou o plano diretor do Município. Não persiste mais a exigência da reserva legal de 35% de área destinada ao uso público: Caberá à legislação municipal fixar os índices urbanísticos e de ocupação do solo.
Não cumpre ao registrador controlar se houve ou não respeito à proporcionalidade legal quando da destinação das áreas públicas no parcelamento.
9 - CERTIDÃO DESATUALIZADA DA MATRÍCULA.
Se o registrador ao examinar o pedido de registro do parcelamento, constatar que a aprovação tomou por base certidão desatualizada da matrícula da gleba destinada ao empreendimento, deverá desconsiderar a aprovação do projeto e exigir outra em conformidade com a realidade jurídica tabulada.
Embora o § 3º do artigo 9º diga: "a qualquer tempo" se constate que a certidão da matrícula apresentada como atual não tinha mais correspondência com os registros e averbações cartorárias do tempo de sua apresentação, é no momento da qualificação do pedido de registro que o registrador deverá desconsiderar a aprovação. Jamais depois de registrado.
Importante assinalar que não será qualquer incoincidência, motivo para a desconsideração do projeto. Essa incoincidência deve ser entendida como aquela que por si interfere no empreendimento, burlando a lei, que tem em vista assegurar obediência às normas de ordem pública e à segurança jurídica dos consumidores do serviço registral.
Mais uma vez são instados o prudente critério e a capacidade de análise do registrador como profissional do direito e guardião da segurança jurídica do registro de imóveis.
Se o interessado insistir no registro, entendendo que o registrador não tem razão e que a desatualização apontada não interfere nem prejudica o empreendimento, o Oficial deverá suscitar dúvida perante o Juiz competente, nos termos do artigo 18, VII, § 2º (final).
10 - SÓ O PROPRIETÁRIO PODE PARCELAR.
Com exceção do que dispõe o artigo 18, § 4º da Lei Federal nº 6.766/79, o parcelador deverá fazer prova de domínio pela apresentação do seu título aquisitivo registrado ou por certidão da matrícula.
É indispensável para o registro de parcelamentos previstos na Lei Federal nº 6.766/79, que o loteador seja o proprietário do imóvel a ser parcelado, não sendo permitido que o registro seja feito a requerimento de mero compromissário comprador.
De acordo com o artigo 22 da lei "desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes do projeto e do memorial descritivo".
Por imperativo legal, com o registro do loteamento e a partir dele, ocorre efetiva transferência da propriedade dessas áreas elencadas no artigo 22, que saindo do domínio particular, passam a integrar o patrimônio público municipal.
Decorre claro, portanto, ex vi legis, a destinação dada pelo proprietário é que transfere o imóvel para o domínio público, por ocasião do registro, porque só ele, nessa qualidade, poderá transferir para o domínio público municipal aquelas áreas que são parte de seu imóvel.
Quando a lei que regula o parcelamento do solo urbano fala em promessa de venda, cessão ou promessa de cessão, refere-se às promessas de cessão dos direitos de compromisso de venda e compra do lote, que, portanto, sejam outorgadas pelo adquirente e compromissário comprador, e não pelo loteador. Equivocado o entendimento de que, ao tratar do contrato-padrão para a venda de lotes, a lei estivesse falando em promessa de cessão a ser outorgada pelo loteador (decisão normativa da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo - proc. CG/SP 1817/94-DOE de 03.04.1995).
11 - EXAME E ANUÊNCIA PRÉVIA PELO ESTADO.
O artigo 13 da Lei nº 6.766/79 dizia: "Caberão aos Estados o exame e a anuência prévia para a aprovação". E agora: "aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos municípios de loteamentos e desmembramentos...".
Enquanto o Estado não disciplinar a aprovação, entendo que o registrador continuará a exigir a aprovação do Estado, como foi até hoje exigido. Até mesmo porque o Município por não contar com os órgãos técnicos que tem o Estado, condicionará a aprovação à sua anuência prévia.
12 - CESSÃO DE POSSE REGISTRADA. OBJETO DE GARANTIA EM CONTRATOS DE FINANCIAMENTOS HABITACIONAIS.
Diz o § 4º do artigo 26 que a cessão da posse referida no § 3º, cumpridas as obrigações do cessionário, constitui crédito contra o expropriante, de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamento.
Qual a natureza dessa garantia?
Assinale-se desde logo que ela deve ter ingresso no registro imobiliário para assegurar a eficácia e se opor a terceiros.
Seria cessão fiduciária? Caução real? Hipoteca?
Atualmente os empréstimos destinados ao financiamento da construção ou da venda de unidades imobiliárias podem ser garantidos pela caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes de alienações de imóveis, aplicando-se no que couber, o disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 22 da Lei nº 4.864 de 29/11/1965. Garantias essas que constituem direitos reais sobre os respectivos imóveis (artigo 43, § único do Decreto Lei nº 70/66).
Poderiam a caução e a cessão fiduciária, da mesma forma, ser aplicadas à hipótese prevista no § 4º do artigo 26 da Lei nº 6.766/79?
Fica a indagação para debate.
Quanto à hipoteca, endosso a sensata e inteligente observação feita pelo estudioso Juiz Corregedor Doutor Marcelo Martins Berthe:
''Não parece absurdo que essa posse qualificada, que a lei quis permitir seja registrada, possa também ser objeto de hipoteca, máxime quando a própria lei assenta que essa posse é de ser obrigatoriamente aceita como garantia de financiamento imobiliário. Demais, em se tratando de direito real inscrito, que dá ao seu titular a disponibilidade da coisa, nada impediria, ao meu ver, seja ele dado em garantia por meio de hipoteca, porque se pode ser alienado poderá também ser excutido em execução hipotecária, assim como também poderia ser, parece-me, penhorado em execução por crédito quirografário, se não fosse o seu provável caráter de bem de família (inalienabilidade legal), já que essas cessões de posse devem ter por objeto lotes para fins habitacionais, destinados à população de baixa renda'' (vide texto publicado no site do IRIB)
Para saber se o bem é hipotecável, basta verificar se possível a sua alienação na execução judicial movida pelo credor. Quem pode alienar, pode hipotecar. E a coisa que se pode alienar, pode ser dada em hipoteca (art.756 do CC).
13 - COMPROMISSOS DE COMPRA E VENDA, CESSÕES E PROMESSAS DE CESSÃO QUITADOS, COMO TÍTULOS HÁBEIS AO REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE.
Diz o § 6º do artigo 26 da Lei nº 6.766/79: "Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade, quando acompanhados da respectiva prova de quitação".
Esse parágrafo aplica-se uma única vez com referência ao lote ou seja, quando o domínio houver de ser transferido do loteador para o comprador.
Por exemplo: o loteador compromissou a Sérgio, que apresentou o contrato com a prova de quitação. Registra-se a propriedade em nome de Sérgio. No momento em que Sérgio alienar ou compromissar terá que formalizar o ato por escritura pública nos termos do artigo 134 do Código Civil.
Outros exemplos: 1) O loteador compromissou a Lincoln que registrou seu compromisso. Ele apresenta agora a prova de quitação final. Faz-se o registro da propriedade em seu nome. 2) O loteador compromissou a Sérgio que cedeu a Lincoln. O compromisso e a cessão são apresentados concomitantemente a registro com as provas de quitação. Como proceder? Parece-me que o compromisso deve ser registrado como promessa em nome de Sérgio e em seguida deve-se registrar a cessão com transferência da propriedade para Lincoln. Isto porque se se registrar o compromisso como transferência de propriedade a Sérgio, estaria exaurida a aplicação do § 6º do artigo 26, e daí para frente a formalização deveria ser por escritura pública.
Não há possibilidade de se fazer um registro só para os vários títulos apresentados concomitantemente. Exemplo: compromisso e cessão (ou cessões), porque poderá alguma das transações ser considerada judicialmente ineficaz em relação a credor ou execução.
E também em respeito à continuidade que exige um registro para cada transação.
Repita-se que não há dispensa de escritura pública para as alienações sucessivas. A dispensa é apenas para a primeira alienação definitiva do lote. Não estão dispensadas a prova de recolhimento do ITBI quando devido e a apresentação das CNDs quando for o caso ou a declaração de que o lote fez sempre parte do ativo circulante.
O registro da propriedade poderá ser pedido também pelo promitente vendedor ou cedente desde que apresente a via original de seu título (em ordem) e a prova de quitação.
Nada impede que a transação esteja originariamente quitada.
O registrador mais uma vez, com seu prudente critério examinará a prova de quitação, que deve ser precisa quanto ao objeto.
Melhor seria uma quitação geral firmada pelos vendedores, promitentes ou cedentes. Não sendo possível deve o registrador estabelecer um critério ou examinar caso por caso. Pode, se quiser e achar seguro, adotar a regra do artigo 943 do Código Civil.
Assim, quando o pagamento for em parcelas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores. Vejamos:
"compromisso de compra e venda - adjudicação compulsória. Falta de prova do pagamento de prestações intermediárias, com julgamento de improcedência. Presunção de estarem solvidas as anteriores, porém, em face da quitação da última. (art.943 do C.C.). Inversão do ônus da prova, devendo o credor provar o não pagamento. Falta de prova do não pagamento. Recurso provido (Apelação Cível n.270.984-2-SP- 16. Câmara Civil - Relator: Jacobina Rabello - 05.09.95 - V.U.)."
Comentando o dispositivo, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO assinala: "pagamento da última prestação, sem qualquer ressalva, faz presumir pagamento das precedentes, porque natural não é que o credor consinta em receber aquela, ficando estas para trás, sem solução. Mas essa presunção, como decorrente da posse do título pelo credor, há pouco referida, é apenas juris tantum" (Curso de Direito Civil - Direitos das Obrigações, 1ª parte, 2ª ed. Saraiva - SP 1962, pag. 281).
Essa é uma hipótese. Cabe ao registrador, diante das peculiaridades de cada caso, acautelar-se na aferição da prova de quitação.
Sugiro como modelo de registro:
R.....
Pelo contrato particular de 15 de março de 1998, de compromisso de compra e venda, a loteadora e proprietária SERRA AZUL S/C LTDA., já qualificada, pelo preço de R$10.000,00 (dez mil reais), pago na forma do título, VENDEU o lote desta matrícula para JOSÉ DE ABREU, brasileiro, solteiro, mecânico, portador do CIC 432.521.720-41 e da CI 7435580 SSPSP, residente nesta cidade, na Rua Santo Cristo n.33. Foi apresentada prova de quitação nos termos do art.26, parágrafo sexto da lei 6766/79.
14 - O QUE SE ENTENDE POR PREÇO.
No Estado de São Paulo, já se firmou que outros pagamentos que porventura sejam devidos pelos adquirentes serão irrelevantes.
Da decisão normativa da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em vigor, (processo CG. 1816/94, publicada no D.O.E. de 04/04/1995), extrai-se as seguintes lições:
"Na forma da lei, ao requerer o registro do parcelamento, cumpre ao loteador apresentar ao Oficial Predial, junto com a cópia do ato de aprovação do loteamento, comprovante do termo de verificação pela Prefeitura da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento de águas pluviais" (art.18, V, Lei Federal 6.766/79).
Caso as obras não tiverem sido realizadas antes do registro, deverá ser apresentado no lugar do termo de vistoria o "cronograma", (hoje com duração máxima de quatro anos), acompanhado do competente instrumento de garantia para a execução das obras, que tenha sido aprovado pela Municipalidade.
O sentido dessa disposição é o de que as obras de infra-estrutura mínimas, conforme o estabelecido naquela lei, ou de acordo com o que for estatuído na lei municipal pertinente, é de responsabilidade do loteador. Não há como negar esse comando legal, que é expresso.
Resta examinar se seria possível repassar para os adquirentes o custo dessas obras, fazendo o loteador inserir cláusulas no contrato padrão que assim o estabelecesse.
Do contrato padrão previsto no artigo 18, VI, da Lei Federal 6766/79, "constarão obrigatoriamente as indicações previstas no artigo 26 da Lei". Assim, dispõe aquele referido preceito legal. Observa-se, pois, que "preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal", entre outros, estão previstos no elenco dos requisitos legais que devem constar obrigatoriamente do contrato padrão regulados pela lei federal em exame.
Nesse sentido importante salientar que o preço deve ser certo, determinado, cumprido seja prévia e inteiramente conhecido do adquirente do lote, que também deverá saber onde, quando e quanto deverá pagar, quer a título de sinal, como por conta das demais prestações.
O repasse do custo com obras de infra-estrutura, destarte, é incompatível com a regra de que o preço deve ser previamente conhecido pelo adquirente de lote, exigindo seja ajustado de modo certo e determinado.
A sistemática legal vigente induz o reconhecimento de que o sentido da lei não é o de permitir o repasse do custo das obras de infra-estrutura aos futuros adquirentes de lotes.
Fosse permitido inserir no contrato cláusula como aquela que aqui se fala, haveria de se admitir que todos os lotes deveriam ser vendidos no prazo estabelecido para execução do cronograma. E caso não se vendessem todos os lotes não seria possível realizar obras".
A decisão normativa registra ainda:
"Nesse mesmo diapasão há o julgado da nona Câmara Civil do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo da lavra do Desembargador Ricardo Brancato, assim ementado: Repasse do custo das obras de infra-estrutura aos futuros adquirentes - Inadmissibilidade - Direito Urbanístico - Despesas inerentes ao loteamento - Recurso não provido (Apelação Cível nº213.023-2, de Marília, JTJ 16/151).
Merece ainda destaque o julgado do Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cujos embargos infringentes relatados pelo Desembargador Luiz Fernando Koch foram rejeitados, prevalecendo entendimento consubstanciado no venerando Acórdão embargado, prolatado na apelação, que então houvera sido relatada pelo hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, o então Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior, que foi assim ementado:
"vias públicas. Segundo o artigo 26 da Lei 6.766/79, inciso V, o preço do lote há que ser certo e determinado. Por isso, nula a cláusula contratual que transfere ao comprador as despesas tidas com a execução de vias públicas, se tal valor não integra desde logo, e de forma certa e determinada, o preço do lote. Lei de ordem pública, a proteger nesse aspecto, o comprador quanto à definição antecipada do preço. Contrato de adesão, a ser, na dúvida, interpretado em favor do adquirente. Embargos infringentes improvido. Votos vencidos". (Embargos Infringentes número 58503`1552, de Porto Alegre , RJTJGS 116/169).
Segue esse mesmo entendimento o Venerando aresto do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, relatado pelo Magistrado Ruy Coppola que concluiu pela ilegitimidade de cláusula contratual que pretendia transferir para o adquirente de lote os custos relativos às despesas realizadas com a realização de obras de infra-estrutura (Apelação Cível nº244.190-2 de Ituverava).
Por esses motivos descabido o repasse, para os futuros adquirentes de lotes, do custo das obras de infra-estrutura, necessárias para a implantação do loteamento
Concluindo, a decisão normatiza a matéria, para o fim de estabelecer que não é de ser registrado o parcelamento quando o contrato-padrão referido no artigo 18, VI, da Lei Federal 6.766/79, contiver cláusula que repasse para os futuros adquirentes dos lotes o custo com as obras de infra-estrutura que devem ser obrigatoriamente realizadas pelo loteador, ficando ainda claro que o preço dos lotes deve ser certo e determinado, cumprindo que o adquirente possa conhecê-lo previamente, assim como a importância devida em moeda corrente nacional, ou ainda o prazo, forma e local de pagamento.
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça (REsp 43.735-SP - 4ª T. do STJ - j. 12.11.1996 - rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira - m.v.), entendeu perfeitamente possível o repasse do custo das obras de infra-estrutura aos adquirentes de lotes, conforme ementa:
"Direito civil. Loteamento do solo urbano (lei 6.766/79) . Cláusula contratual que permite o repasse de custas das redes de água e esgoto aos adquirentes dos imóveis. Validade. Inexistência de vedação na Lei. Recurso Provido.
I – A Lei 6766/79, que trata do parcelamento do solo urbano, não veda o ajuste das partes no tocante à obrigação de custear redes de água e esgoto nos loteamentos, sendo válida, portanto, cláusula contratual que preveja o repasse dos custos de tais obras aos adquirentes dos lotes.
II – O que a Lei 6.766/79 contempla, no seu art. 26, são disposições que devem obrigatoriamente estar contidas nos compromissos de compra e venda de lotes, requisitos mínimos para a validade desses contratos, o que não significa que outras cláusulas não possam ser pactuadas. Em outras palavras, além das indicações que a lei prescreve como referências obrigatórias nos contratos, podem as partes, dentro das possibilidades outorgadas pela lei de pactuar o lícito, razoável e possível, convencionar outras regras que as obriguem".
O registrador , SÉRGIO JACOMINO, com a perspicácia que lhe é peculiar, analisou o V. aresto, comentando:
"No caso apreciado pelo STJ, a legislação municipal prescreveu como ônus exclusivo do loteador a construção de redes de água e esgoto, na consideração de que tais obras, sendo básicas, incumbiriam exclusivamente ao empreendedor. Vai além a legislação municipal, impondo que este deva arcar com todos os custos de sua implantação. Em suma: norma municipal atribuiu ao loteador a obrigação de realizar e custear obras de infra-estrutura. Ora, não se confundem as hipóteses. Na verdade, nunca se cogitou de impedir que o custo das obras de infra-estrutura fosse repassado aos futuros adquirentes. Impedir o repasse desses custos, ou mesmo sustentar a impossibilidade de fazê-lo, soa desarrazoado, mesmo aberração, e não mereceria maiores considerações não fosse a insistente reiteração de um argumento que peca pelo equívoco na formulação: deslocar a questão realmente importante, consistente na forma em que se dará dito repasse e na determinação do valor devido a cada tempo. O problema não reside, portanto, no repasse — numa economia de mercado não se imagina que uma empresa loteadora possa atuar, colocando à venda lotes urbanizados e não possa auferir com isso o maior lucro possível, obedecidas às regras do jogo. É preciso fixar muito bem esse ponto, pois nesse V. Acórdão, as razões do recurso visaram a superar a vedação do repasse dos custos aos adquirentes dos lotes, baseada no argumento básico de que o custo daquelas obras, de responsabilidade exclusiva do loteador, jamais poderia ser repassada aos adquirentes, pois seria tido como despesas de obras elementares do loteamento. Além disso, legislação municipal impôs aos parceladores a obrigação de realização das obras de infra estrutura, arcando com os seus respectivos custos, sem possibilidade de ressarcimento. Assim postas tais premissas, a conclusão seria a que chegou o Augusto Superior Tribunal de Justiça. É do voto do Ministro Relator: 'enfatizou o acórdão recorrido, citando o art. 26 da Lei 6.766/79, que existe vedação de repasse, aos adquirentes dos imóveis, pelo loteador, das despesas tidas como obras elementares do loteamento, haja vista que a citada Lei não os incluiu como integrante do preço a ser pago para cada lote. Premissa errada, contudo'. A premissa é realmente falsa: discutir a impossibilidade de repasse dos custos de obras de infra estrutura - na consideração de que tais obras, sendo de responsabilidade do loteador e porque tidas como elementares do loteamento - soa, realmente, pouco razoável. Como insistentemente demonstrado, as despesas com as obras de infra-estrutura poderão, sim, ser repassadas aos adquirentes, e a forma prevista pela lei é através da sua integração e composição no preço do lote urbanizado, consoante a Lei 6766/79 (art. 26). De fato, nada há na lei 6766/79, rigorosamente falando, que permita vincar que há obras básicas, cuja execução e custos seriam de responsabilidade exclusiva do loteador, e outras, de responsabilidade dos adquirentes. A Lei 6766/79 não distingue hipóteses sob esse aspecto. Em ambos os casos estamos diante de uma única e mesma exigência de cunho legal e urbanístico, dirigida à própria administração pública municipal, na aprovação do empreendimento de parcelamento do solo urbano: determinação de quais obras sejam necessárias, em vista do planejamento urbanístico que à administração pública municipal compete disciplinar. Com muita razão, portanto, o Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, quando afirma que 'a lei municipal, editada em conformidade com o citado dispositivo legal, somente pode ter por escopo adequar o previsto na lei federal às peculiaridades locais próprias dos municípios. De forma alguma pode ela impor obrigação ou criar um direito, porque, desse modo, estaria invadindo a competência da União de legislar sobre direito civil. (...) Destarte, inadmissível ter-se como válida e, ainda mais, de ordem pública, norma municipal que atribui ao loteador a obrigação de custear redes de água e esgoto, com efeitos derrogantes sobre o pactuado pelas partes'. Aliás, conforme se verifica da transcrição do V. Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, tal fato foi notado pelo Relator que considerou indevida a imposição da Lei Municipal. Na verdade acabou por negar provimento ao recurso impetrado pelo loteador por fundamento diverso." (vide comentário no site www.irib.org.br).
15 - ACABOU A ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA?
Sim, para os casos previstos pelo artigo 26, § 6º abordado.
A adjudicação compulsória continua necessária para os demais casos ou mesmo quando houver necessidade de se provar que o pagamento foi feito.
16 - REGULARIZAÇÃO DO PARCELAMENTO IRREGULAR PELA PREFEITURA E PELO DISTRITO FEDERAL.
No artigo 4º foi introduzido o § 5º para disciplinar que a regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos artigos 3º e 4º da Lei, ressalvado o disposto no § 1º deste último.
17 - PARCELAMENTOS DE INTERESSE PÚBLICO.
O artigo 53-A, ora introduzido diz que são considerados de interesse público os parcelamentos vinculados a planos ou programas habitacionais de iniciativa das Prefeituras Municipais e do Distrito Federal, ou entidades autorizadas por lei, em especial as regularizações de parcelamentos e de assentamentos.
Cumpre assinalar que o legislador repetidamente se refere a entidades autorizadas por lei que devem ser aquelas delegadas da União, do Estado, do Município e do Distrito Federal criadas por lei e com a finalidade específica e não simples cooperativas ou assemelhados. Muito menos particulares.
Os privilégios conferidos pelo § único do artigo 53-A, aos parcelamentos de interesse público definidos no caput, excluindo as exigências e sanções feitas aos particulares, tanto as que digam respeito à realização de obras e serviços, quanto as que visam prevenir questões de domínio, que se presumirão assegurados pelo Poder Público, confirmam a observação ora feita de que não é qualquer entidade que pode proceder o parcelamento de interesse público previsto pelo artigo 53-A.
18 - CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Diz o artigo 51: "quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade".
A Lei nº 9.785/99 que procedeu as alterações, foi aprovada com a inserção do parágrafo único no artigo 51 com a seguinte redação: "as infrações previstas no artigo anterior, deixam de ser consideradas crime se as irregularidades previstas nesta Lei forem sanadas até o oferecimento da denúncia".
O Presidente da República FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, vetou esse dispositivo, pelas seguintes razões: "Cabe lembrar, por oportuno, que os crimes capitulados na Lei do Parcelamento do Solo Urbano constituem crimes contra a Administração Pública, sendo, portanto, sujeito passivo desse delito o poder público. A adoção da medida projetada só servirá para beneficiar desonestos e inescrupulosos loteadores que, respaldados pela lei, poderão realizar urbanizações clandestinas impunemente, reservando para as hipóteses em que forem indiciados a efetiva execução de suas obrigações. Convém trazer à colação o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 11080, cuja ementa é a seguinte: "Não se justifica o trancamento da ação penal em face de o loteamento haver sido regularizado antes do recebimento da denuncia. Cuida-se, in casu, de crime formal, que se caracteriza pela simples potencialidade de dano à administração pública, sendo irrelevante a ausência de prejuízo para os adquirentes dos lotes, porquanto a tutela jurídica alcança o bem particular. Recurso conhecido e provido. Em seu voto, o Ministro Costa Leite assim se pronunciou: É de sabença comum que o Poder Público não raramente se vê contingenciado a regularizar loteamentos, a despeito de todos os inconvenientes que possam representar em termos de política urbanista, em razão dos aspectos sociais envolvidos. Como dito nas razões recursais: "a prosperar o entendimento sufragado pela decisão recorrida ter-se-ia uma situação muito cômoda para os violadores da Lei: inicia-se o parcelamento, cria-se uma situação de fato e só depois, com a intervenção das autoridades, procura-se regularizar o empreendimento sem que os transtornos causados à população em geral e à administração pública seja objeto de censura penal". Com a Lei nº 6.766/79, como pondera Marino Pazzaglini Filho: "o objetivo da tutela penal passou a ser o interesse público ao desenvolvimento urbano e o interesse coletivo representado pela defesa do agrupamento dos adquirentes de lote, arrematando com a nota de que o delito se consuma com o simples comportamento do agente, independentemente da ocorrência de prejuízo para qualquer indivíduo" (DOU. Nº 21 - Segunda Feira - 1º/Fevº/1999).
Faço estas modestas anotações para serem espancadas e corrigidas pelos mais estudiosos.
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